Loading
27 de Janeiro, 2005 fburnay

A Exegese

Se há coisa que mais me confunde no mundo teológico é a autoridade interpretativa do exegeta. Os textos sagrados ou são literais, como nos querem fazer crer alguns envangelistas norte-americanos (e o assunto fica por aí, sendo ainda mais fácil a exposição da obtusidade da prática religiosa ou da mensagem textual) ou são metafóricos, necessitando nesse caso de uma interpretação “profissional”. E esse profissionalismo só é garantido, mais do que àquele que compreende o texto original e domina o latim, o grego, o árabe, o aramaico o atlante e a História, a quem pertence à religião cujo texto pretende interpretar.

A subjectividade da interpretação hermenêutica é facilmente eclipsada pelo peso do dogmatismo. Não é difícil extrair um significado sagrado de um texto contraditório, obscuro ou metafórico. O difícil é perceber o porquê de tanta exegese, tradução e interpretação se os textos continuam contraditórios, obscuros e metafóricos. Daí que as sucessivas contradições da Bíblia, por exemplo, necessitem de uma lavagem cerebral intensiva (ou ausência de espírito crítico) para poderem caber dentro das cabeças que acreditam nela, sem causar incómodo. Quando o disparate espreita aos olhos de alguém atento de nada adianta a um “leigo” criticá-lo – se é uma contradição há que conhecer o contexto, se é um erro de tradução há que conhecer a língua original, se é uma metáfora ninguém lhe garante que a percebeu, se é obscuro Deus escreve direito por linhas tortas e, ó malfadada compreensão humana, há que lembrar que os textos foram escritos por homens, falíveis e confusos. Ad hoc. Ad infinitum.

Um texto que necessite de uma exaustiva descodificação é, antes de mais, um texto complicado. Um texto que só pode ser interpretado por um grupo de pessoas escolhidas tendenciosamente sem qualquer critério senão o de que vão dizer aquilo que se pretende, é um texto de acesso restrito e a sua interpretação algo viciada. É um texto feito suspeitosa e propositadamente inacessível. E não vejo nenhum outro propósito senão o de conservar a suspeitosa importância do clero.

Para mim é simples: se tivermos espírito crítico, não precisamos do Espírito Santo.

27 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

Desventuras de S. Victor

Havia muito que S. Victor ouvia as preces dos devotos e as deferia na medida das suas disponibilidades, de acordo com a modéstia dos mendicantes. Afeiçoaram-se os créus ao taumaturgo e este aos paroquianos que o fizeram patrono da maior paróquia da Arquidiocese de Braga.

Há tempos foi retirado do «Martirológio» – o rol da Igreja Católica que regista todos os santos e beatos reconhecidos ao longo de vinte séculos, desde que a ICAR se estabeleceu. O argumento é pouco convincente e deveras injusto. Não se retira do catálogo um santo por ser apenas uma lenda. Que o tenham feito a S. Guinefort, cão e mártir morto injustamente pelo dono, aceita-se porque a santidade não se estende aos quadrúpedes domésticos. Duas mulas, que os rudimentares conhecimentos de grego dos padres confundiram com duas piedosas mulheres, compreende-se que fossem apeadas dos altares, que não foram feitos para solípedes.

Mas um santo com provas dadas, clientela segura, devoção fiel, é uma maldade que não se faz aos pios fregueses, tementes a Deus e cumpridores dos Mandamentos. O padre Sérgio Torres afirmou ao «Correio do Minho» que os paroquianos «reagiram com desagrado e muita surpresa». Não lhe permitiu o múnus e a educação dizer que foi uma patifaria do Vaticano. O séc. IV, em que o jovem Victor foi condenado à morte por se recusar a participar numa cerimónia pagã, segundo a tradição agora desmentida, foi há tanto tempo! Que importa uma pequena mentira numa Religião que vive das grandes?

E agora? Que fazer? Arrancam-se os azulejos que documentam a mentira? Transfere-se a devoção para os santos fabricados por João Paulo II, alguns tão pouco recomendáveis e tão detestáveis, apenas com a sorte de terem dois milagres no currículo?

O presidente da Junta de Freguesia de São Victor, Firmino Marques, embora revelando «algum desconforto», justifica a retirada do orago do calendário litúrgico «somente pelos critérios científicos usados actualmente para a proclamação dos santos e beatos da Igreja Católica». Este autarca é um admirador confesso da ciência.

26 de Janeiro, 2005 André Esteves

Fait Divers dos últimos dias

Centenas morrem esmagados em festival hindu

Nova Deli, Índia, 258 mortos oficiais num acidente de massas, durante um festival hindu.Durante a procissão dos crentes e fiéis, acompanhando uma imagem da divindade que retornava ao templo, irrompeu um incêndio num conjunto de tendas situadas ao lado da procissão. No pânico que se seguiu centenas de pessoas foram esmagadas e pisadas até à morte.

Este ano não houve acidentes em Meca. Os hindus resolveram aproveitar para subir a parada na competição…

A Notícia

Homem vê imagem de Jesus numa tábua de apontamentos

Alguém vê Jesus Cristo? Eu sinceramente só consigo ver um macaco a espreitar do lado de uma parede. Mas devo ser eu que reconheço comportamentos animais em todos os humanos.

A Notícia

Monge budista escultor de infernos acusado de violação em exorcismo

Este monge budista, é conhecido por ser um grande escultor de madeiras. Conseguiu retirar do anonimato o pequeno templo de que é responsável, esculpindo para os turistas imagens do inferno. O templo também é conhecido por exercer a especialidade de exorcismos de almas de bébes abortados. Uma mulher traumatizada por um aborto espontâneo, que pediu um exorcismo, acusa o referido monge de violação.

Quem tem o inferno dentro de si… (leia a notícia original para perceber)

A Notícia

Meteorito cai no Camboja, despoletando incêncidos e adoração

Um meteorito de 10 onças caiu próximo de Phnom Penh, Cambodja. O objecto incandescente provocou incêndios nas florestas à volta da cidade, e terá sido posteriormente transladado para um templo local. Multidões de curiosos acorreram ao local onde se dirigem ao meteorito em oração.

Alguém se lembra da pedra negra em Meca? Esta chegou tarde demais para fazer concorrência.

A Notícia

Pastor de seita cristã no Canadá casa com criança de 10 anos

Pastor de seita defende-se em tribunal de acusação de casamento com menor de 10 anos, tendo ele 56 anos. O argumento de defesa apresentado em tribunal pelo jovem (de espírito, claro) pastor é muito simples: não há nenhuma lei no Canadá que defina uma idade mínima para o casamento. Exige ainda ser reunido de volta à sua «esposa» porque uma das missões que recebeu de Deus é aconselhamento de casais, e que para tal precisa da sua esposa.

Demasiadas leituras do velho testamento onde se encontra a única e verdadeira lei de Deus. Afinal porque havia ele de mudar de opinião? Ou seremos as cobaias de Deus?

A Notícia

26 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

Não ao anti-semitismo

Mais de meio século decorrido, lembro-me do ódio das catequistas da minha infância. Recordo o horror e a sanha com que evocavam os judeus, que mataram «Nosso Senhor». Tenho presente o desvario boçal de quem julga com ignorância, condena com crueldade e exulta com as atrocidades.

Nessa altura, as crianças faziam a primeira comunhão vestidas de cruzados e o anti-semitismo devorava os corações de gente simples e analfabeta, submetida à fome, à miséria e à oração. Os demónios do anti-semitismo continuavam a habitar o catolicismo romano. Pio XII pontificava e a pusilanimidade do seu silêncio perante o Holocausto era compensada pela coragem com que denunciava a exiguidade dos trajos femininos.

Fez ontem sessenta anos que se abriram as portas do campo de morte de Auschwitz. A dimensão do ódio e da demência superaram a imaginação mais perversa. Treblinka e Auschwitz são nomes que arrepiam, lugares que envergonham a Humanidade, sítios que interpelam a consciência humana. Não podem ser esquecidos.

Pior do que o ódio para que os homens são aptos é a crueldade de que os deuses são capazes.

Em nome da vida, é preciso combater o racismo e a xenofobia, exorcizar o passado de violência, crueldade e morte que parece ressurgir diariamente. Em nome da memória é preciso prestar homenagem a seis milhões de judeus vítimas da mais ignóbil e feroz campanha de extermínio sistemático de que há registo.

O Diário Ateísta curva-se respeitosamente perante todos os homens e mulheres vítimas do ódio racial e da intolerância religiosa.

26 de Janeiro, 2005 André Esteves

Ainda a Zitinha…

(brinquem.. brinquem.. Quando começarem a decidir por nós o que nós devemos ser…)

25 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

A velha ICAR e a nova Espanha

A ICAR no seu labirinto

Hoje, os jornais europeus dão largo destaque às advertências, ameaças e acusações que João Paulo II fez ao legítimo Governo de Espanha, a tal ponto que a Associação de Teólogos João XXIII considerou as declarações papais como prova da sua falta de condições para dirigir a Igreja.

Autêntico talibã, o chefe da ICAR acusou a Espanha de promover o laicismo para «restringir a liberdade religiosa». Perante os bispos, durante a visita que cada cinco anos são obrigados a fazer-lhe, acusou: «O laicismo não faz parte da tradição espanhola mais nobre». De facto, a tradição autóctone está mais ligada às lutas contra os mouros, ao extermínio dos judeus, à evangelização da América do Sul e à inquisição. De facto, os reis católicos, que JP2 quis canonizar, destacaram-se pela beata crueldade e pia intolerância.


Compreende-se o desespero de JP2 cujas receitas americanas definham ao ritmo das indemnizações que as dioceses são obrigadas a pagar em virtude dos processos de pedofilia. Esta semana a revista «FOCUS», n.º 275, titulava à largura de duas páginas: «Pedofilia deixa Igreja americana falida». Também várias dioceses alemãs, desavindas com o vetusto e duro cardeal Joseph Ratzinger, reduziram os generosos óbolos que alimentavam a gula do Vaticano. É neste contexto que o Opus Dei se transformou no grande financiador, impondo posições ultramontanas, dignas do Concílio de Trento.

O Papa pretende manter a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas espanholas, uma prática que colide com a Constituição e a liberdade religiosa. Para o último ditador europeu, liberdade religiosa significa apenas o direito ao monopólio. O diário «El Correo Gallego», referindo-se às diatribes de Sua Santidade, titula o artigo: «Ataque fulminante do Papa à Espanha laica».

JP2, que perfilha as teses do ultra-reaccionário cardeal Rouco Varela, presidente do episcopado espanhol, acusa o Governo de «difundir uma mentalidade inspirada no laicismo até promover o desprezo para com a religião». Embora seja dito pelo Papa, falta à verdade – como assinala o «El Periódico» – pois, «nem a Constituição, que garante a liberdade de religião, nem os factos, suportam essa tese». A ICAR não suporta que se legalizem casamentos homossexuais, que se avance na investigação bio-ética ou se aconselhe o preservativo para a prevenção da SIDA, «uma patologia do espírito», como a definiu o Vaticano, prevenida pelo preservativo cuja rejeição moral é absoluta .

O próprio ministro Jose Bono teve de responder ao Papa lembrando que algumas posições da Igreja vão contra a mensagem de Cristo – afirma «El País».

O Vaticano tomou definitivamente partido pelo PP espanhol, dirigido até há pouco por Aznar cujas ligações ao Opus Dei eram do domínio público. Todavia, isso não impediu que, nos últimos quatro anos, passasse de 29% para 14,2% a frequência da missa por jovens entre 15 e 29 anos que se intitulam católicos – como informa hoje o «Público», que termina com este compromisso de José Blanco, influente dirigente do PSOE: «Está excluída qualquer doutrina religiosa como fonte inspiradora do ordenamento jurídico, pois não se pode exigir que as normas jurídicas, que a todos obrigam, sejam ditadas por princípios religiosos que apenas vinculam quem os professa».

25 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

João Paulo II, um Papa obsoleto

Juan G. Atienza acusa a Igreja de, com a colaboração do Opus Dei, tentar criar o governo teocrático universal sonhado por Paulo. A sua aberta aliança com a Mafia internacional e a pseudo-maçonaria financeira bem como o abuso indiscriminado do negócio milagreiro (Lourdes, Fátima, La Salette, Chestojowa, o sangue de S. Pantaleão, os milagres do padre Pio, etc., são outras acusações que o mesmo autor lhe faz e de que todas as pessoas se podem dar conta*.

Em «Os pecados da Igreja» o Opus Dei aparece como o instrumento do confronto final entre o cristianismo e o islão fundamentalista.

Quem pensa que o estado-maior da ICAR esquece a guerra santa, quem julga que sob as sotainas se escondem apenas desejos reprimidos e votos de castidade, ignora o potencial de violência de que a fé, a repressão sexual e o desejo de martírio são capazes.

Na recente carta apostólica sobre o Ano da Eucaristia, João Paulo II concede uma indulgência plenária aos católicos que «participem numa missa, adoração eucarística ou procissão». Enganam-se os que pensam que a Igreja mudou. Até na promoção dos produtos repete os bónus que levaram à ruptura com Lutero.

Graças ao fabrico de beatos e santos em série, com este Papa a ICAR passou da época artesanal para a era industrial.

Quem acredita na conversão da Igreja católica à modernidade?

* «Los Pecados de la Iglesia». Pgs. 341 e 342. Ob. Citada

24 de Janeiro, 2005 jvasco

Peregrinação a Meca e «Capital Cultural»

Acabou mais uma peregrinação a Meca.

Todos os anos se vai repetindo o ritual: cerca de 2 milhões de fiéis islâmicos de 160 países participam na hajj.

A peregrinação inclui a vigília no monte Arafat, o sermão na mesquita Namirah, a ida ao Muzdalifah depois de passar o dia em oração, lendo o Alcorão e pedindo perdão.

Neste local os peregrinos rezam durante o pôr do sol, enquanto recolhem pedras para o ritual do dia seguinte: o apedrejamento do demónio. Os peregrinos vão a Meca, e atirarão pedras sobre os três pilares que representam o mal. No ano passado, nesta fase do ritual, morreram 244 pessoas, mas este ano apenas ocorreram alguns «ferimentos ligeiros».

Esta peregrinação deve ser feita, pelo menos uma vez na vida, por qualquer muçulmano com capacidade física e financeira.

Sempre que vejo notícias sobre esta peregrinação, lembro-me de uma conferência internacional da fundação Calouste Gulbenkian, dedicada ao tema «Globalização, Desenvolvimento e Equidade». A conferência estava dividida em temáticas, as quais iam desde as questões cambiais até às questões tecnológicas. Uma destas temáticas consistia numa análise aos problemas de subdesenvolvimento de África. Um dos oradores explicou detalhadamente aquilo que entendia por «capital cultural» e a influência que podia ter no desenvolvimento: falou sobre as questões da confiança entre as pessoas, de como isso facilita o empreendimento e pode tornar desnecessária a burocracia; falou sobre a corrupção e sobre a forma de como ela pode ser ou não tolerada; falou sobre a sociedade civil, sobre a forma como pode ser activa ou amorfa, e uma série de outras questões. Na sua opinião, o «capital cultural» tinha um grau de importância no desenvolvimento equiparável ao «capital financeiro» e «capital tecnológico», e era possivelmente mais determinante que os recursos naturais.

Curioso foi quando ele decidiu dar exemplos concretos. Falou sobre como em África as Igrejas podem ter muitas vezes uma acção paralisante e contrária ao desenvolvimento, enquanto mantêm uma grande influência sobre a sociedade. Enquanto na África sob influência do catolicismo, são as políticas anti-natalistas que tendem a ser minadas pela Igreja local, no norte de África são os líderes islâmicos que conseguem obter dos governos dinheiro para subsidiar, a quem não tenha recursos (quase ninguém os tem), uma peregrinação a Meca durante a sua vida. Atentem nisto: governos de países que enfrentam sérias dificuldades económicas, que precisam de canalizar todos os seus recursos para se desenvolverem, «patrocinam» peregrinações a Meca aos seus habitantes, tal é o fervor religioso dessas sociedades.

Ele deu outros exemplos relacionados com o «capital cultural» que nada tinham a ver com a religião, mas este aqui dá que pensar…

24 de Janeiro, 2005 jvasco

Blasfémia! Vejo-me grego para entender isto

Fiquei sem palavras. Simplesmente sem palavras.

Aliás, é caso para ficar sem palavras, porque é de censura que se trata.

Na Grécia, Gerhard Haderer foi condenado a 6 meses de cadeia, por ter sido autor do livro «A Vida de Jesus», já comentado neste blogue.

O livro é uma paródia à vida de Jesus, na qual alguns milagres são «explicados» pelo consumo de cannabis (eu já li o livro e achei engraçadíssimo).

A Associação Internacional de Editores condenou a resposta da justiça grega, mas a Igreja Ortodoxa aplaudiu-a.

Gerhard Haderer vai recorrer para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Parece que não há pudor em demonstrar o total e completo desrespeito para com a liberdade de expressão. Desrespeito esse abençoado pela Igreja Ortodoxa.

Isto seria anedótico se não fosse triste e perigoso.

PS- Aproveito para agradecer ao Boss, que nos comentários ao artigo anterior chamou a atenção para esta situação, através de uma hiperligação para um artigo do renas e veados sobre este caso preocupante.

Agradeço também ao Ricardo Alves que me facultou uma hiperligação para uma tradução inglesa da constituição grega, a qual mostra claramente o artigo 14º, que foi central neste triste episódio. A primeira alínea desse artigo é aquela que permite que estes atentados à liberdade de expressão possam ocorrer em nome da religião. Mas logo nas primeiras palavras desta constituição («em nome da Santíssima Trindade») podemos concluir que a mesma não é uma constituição laica.

23 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

Tolerância

Alguns leitores não terão reparado nesta advertência: «As opiniões expressas no Diário Ateísta são da exclusiva responsabilidade dos seus autores, e não representam necessariamente a generalidade dos ateus». Estranho seria a unanimidade de pontos de vista entre os onze colaboradores habituais, com percursos de vida distintos, variadas origens e diferentes marcas do passado.

O Diário Ateísta (DA) não pode, em nome da harmonia universal, defender a utilidade das religiões, a bondade dos seus valores ou a verdade dos seus livros. Quem começa por comover-se com o martírio de Deus acaba por acreditar nas mentiras da sua religião. Quem crê nos livros sagrados acaba por abdicar do livre-pensamento.

As religiões combatem o que julgam ser os nossos erros, nós combatemos o que pensamos serem as suas mentiras. Não vem daí mal ao mundo. O pluralismo é fonte de progresso e o caldo de cultura onde florescem as democracias. Não há mal em que haja crentes, o perigo reside nos que não se conformam com os crentes de outras religiões ou com os que desprezam Deus e a fauna celeste, se riem das profecias ou se alheiam dos castigos com que os padres assustam os fiéis.

Para lá das regras mínimas de urbanidade que é útil cultivar em sociedade, não devo condicionar a liberdade de expressão na denúncia dos erros, contradições e mentiras que exornam a bíblia. Dizer que o Deus de Abraão não merece crédito, que a sua crueldade indigna, que o seu pensamento se situa entre a indigência intelectual e a crueldade assassina, não revela radicalismo, denota civilização. Só há, aliás, uma desculpa para os bárbaros «ensinamentos» do Antigo Testamento – a crueldade do tempo em que o seu deus foi criado.

A tolerância não dimana da submissão à mentira, é apanágio de quem entende que o erro não exige castigo, a superstição não carece de cadeia e a oração não merece coimas. Há quem goste de ver gente de joelhos e prostrada no chão em subserviência beata. Desprezo esse deus e condoo-me com os seus crentes. Denuncio o despautério, antipatizo com a estética e sofro com as vítimas da fé.

O DA não se propõe divulgar orações, defender dogmas ou promover os mandamentos da Igreja; não reconhece valor terapêutico aos sacramentos nem acredita que a água benta seja melhor que a outra; tem fundadas dúvidas de que o pão e o vinho se tornem corpo e sangue de Jesus no momento da consagração na Missa; vê a confissão como uma arma política ao serviço do clero, a absolvição como placebo e a comunhão como ritual inútil e bizarro.

Mas há um aspecto em que os ateus são intransigentes: não se conformam com a violência dos livros sagrados e, muito menos, com os castigos que infligem aos infelizes que vivem em países onde as suas determinações são lei. Deus pode sentir um requinte sádico em mandar alguém para o inferno, em assistir à excisão de um clitóris, à lapidação de uma mulher, à amputação de membros, ao assassínio de sodomitas, à tortura de infiéis e a outras barbaridades, perante o ar bovino ou exultante dos seus fiéis.

Um ateu condena toda a crueldade inútil e tem a certeza de que vale mais a felicidade de um só homem do que o prazer de qualquer deus.