16 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança
A influência do Papa
«O bispo de Coimbra teve ainda tempo de lhe ler uma carta enviada pelo Papa Wojtyla, algumas horas antes de Lúcia morrer, desejando-lhe as melhoras» – lê-se no «Público».
«O bispo de Coimbra teve ainda tempo de lhe ler uma carta enviada pelo Papa Wojtyla, algumas horas antes de Lúcia morrer, desejando-lhe as melhoras» – lê-se no «Público».
João Pedro Moura, nuns comentários que deixou num artigo do Diário Ateísta, elaborou uma lista de bibliografia racionalista sobre a questão de Fátima que deve ser partilhada com todos os leitores deste blogue. Segue o seu texto:
1 – «NA COVA DOS LEÕES», Tomás da Fonseca, edição do autor, Lisboa, 1958
É a primeira obra a tratar e a desmascarar o assunto.
Tomás compilou as cartas e os artigos que havia publicado sobre a questão desde o início e publicou-as neste livro.
Há um ou outro ponto obscuro na sua argumentação, concretamente, quando emite a hipótese de a «aparição» se tratar duma encenação por parte duma senhora dum militar, integrando os «empresários», como ele chamava, do negócio religioso. Mas, Tomás da Fonseca esmiuça muito bem as personagens, actos e ditos, com o seu peculiar e demolidor sarcasmo. É a única obra coeva das «aparições».
É muito improvável poder adquirir-se este livro. A haver disponível, imagino que só poderá existir em dois locais, uma livraria em Lisboa e outra no Porto.
2 – «A FABRICAÇÃO DE FÁTIMA», Prosper Alfaric, Edições Delfos, s/d (década de 70)
Alfaric foi ex-padre, convertido ao ateísmo (isto é que é bom!), e professor de História das Religiões, na Faculdade de Letras da Universidade de Strasbourg, na França, na década de 50. Foi um insigne investigador das origens do cristianismo, o assunto mais difícil, em História, e um grande propugnador do laicismo e do ateísmo. Foi membro da «Union Rationaliste».
Fez uma conferência em Paris, sobre o assunto, denunciando a mascarada fatímica, em França, e carreando informações estrangeiras sobre o assunto, nomeadamente, quanto às intervenções dos papas Bento XV, Pio XI e Pio XII, essa criatura horrenda, sobre as «aparições».
Suponho que é impossível arranjar esta obra nos alfarrabistas.
3 – «FÁTIMA DESMASCARADA», João Ilharco, Coimbra, 1971
Aproveitando a maior liberdade marcelista, este autor de Coimbra abriu uma estrondosa brecha na coesão e unanimismo religiosos ao publicar este livro com semelhante título.
Levantou uma enorme polémica, nas hostes católicas, e foi severamente exprobrado pelos agentes da clericalha tartufa. Durante uns tempos, O Correio de Coimbra, entre 1971 e 1972, teceu grossa discussão com o autor, até a coisa se ir diluindo.
Foi preciso alguma coragem ao autor para publicar tal livro, nas condições, no mínimo, imprevisíveis, do marcelismo?
A tese do autor, tal como a de Tomás da Fonseca, remete o caso das «aparições» para uma conspiração, do princípio ao fim, por partes de agentes clericais (padres). Só que, a tese de Ilharco, defendendo que foi colocada uma imagem no sítio da «aparição», com incidência de raios solares orientados para a imagem com o espelho colocado a distância recatada e manipulado por um cúmplice, não me convence. É uma tese extravagante e inverosímil. Não repudio a hipótese duma qualquer intervenção conspirativa e cénica, como defendeu Tomás da Fonseca, mas não me convence inteiramente.
Esta obra talvez se consiga adquirir em alfarrabistas, sobretudo em Coimbra.
4 – «FÁTIMA – O QUE SE PASSOU EM 1917», Fina d`Armada, Bertrand, 1980
Foi o primeiro livro estudioso de Fátima, após o 25 de Abril. Eu assisti à sua apresentação pública, na livraria Bertrand, no Porto, e falei com a autora.
Posteriormente, também assisti ao debate de apresentação do livro, em auditório, e pude verificar as provocações de que foi alvo a autora, por parte de agentes católicos, que estavam na sala para fazer comentários depreciativos e provocatórios. Vocês nem sabem do que é que esta gente pestífera é capaz de fazer quando se sente incomodada e «ofendida» na sua doutrina .
A autora, que é professora de História, e que foi também a mais importante feminista portuguesa, nos primeiros anos pós-25 de Abril, desenvolveu também uma tese, nesse livro, sobre influência ovnilógica no fenómeno de Fátima.
Não aceito esta tese sobre OVNIs, por motivos que não vou focar aqui. Registo, contudo, o mérito da investigação desta autora, muito esmerada e minuciosa na análise social do caso de Fátima, recolhendo importantes e inéditas informações no Arquivo Formigão, o mais importante investigador e historiador do fenómeno de Fátima e o principal promotor do negócio…
E mesmo no que toca a OVNIS, a autora patenteia uma metodologia e perspectiva científica sobre a questão, indo o mais longe que a ciência pode ir?
Este livro ainda estará disponível em livrarias e alfarrabistas.
5 – «FÁTIMA – NOS BASTIDORES DO SEGREDO», Fina d`Armada e Joaquim Fernandes, Âncora Editora, Lisboa, 2002
Trata-se duma edição semelhante à anterior, mas com a vantagem de ser mais recente (22 anos depois) e apresentar novas perspectivas e informações sobre a questão. Obra muito informativa, constituindo uma extraordinária investigação, como é característico destes autores.
Joaquim Fernandes foi, durante cerca de 20 anos, jornalista no JN. Fundou na década de 70, no Porto, o CEAFI, Centro de Estudos Astronómicos e Fenómenos Insólitos, organismo muito prolífico nessa década e na de 80, em estudos de ovnilogia, constituindo o mais importante centro de investigação de OVNIS, que houve em Portugal, e ele, J. Fernandes foi o mais importante investigador português nessa matéria, sem nunca sair da perspectiva científica no estudo dos OVNIS, não fazendo quaisquer concessões aos esoterismos que a ovnilogia suscitou.
É licenciado em História e docente da Universidade Fernando Pessoa, no Porto, onde fundou o CTEC ? Centro Transdisciplinar de Estudos da Consciência, grupo com ligações internacionais, que procura investigar as bases neurobiológicas do fenómeno religioso, intersectando a Física, Química, Sociologia, História, Psicologia, assunto esse sobre o qual tal centro já editou uma antologia, em livro, de artigos de autores nacionais e estrangeiros.
Está a preparar o doutoramento sobre «Imaginário Extraterrestre na Imprensa Portuguesa». Estuda os aspectos teóricos, históricos e antropológicos das «aparições». É membro da Society for Scientific Exploration, da Universidade de Stanford, na Califórnia.
Obra disponível nas livrarias.
6- «FÁTIMAMENTE», Padre Mário de Oliveira, edição de Guilherme Silva, 2000
Que dizer do padre Mário de Oliveira?!
Cada livro que ele edita, e é quase um por ano, são obras que nós subscrevemos, numa grande parte, sobretudo, as respeitantes à religião.
Mário de Oliveira é um laico, fortemente anticlericalista e? e? criptoateu?
O que é que faltará a este homem para renegar os últimos resquícios de fé e religiosidade?!
Com a vantagem de ser um profundo conhecedor do meio, pois já foi padre, quero dizer foi-lhe retirada a paróquia por excessiva dissidência com a hierarquia. É o nosso mais importante aliado, sem dúvida nenhuma.
Nesta obra, Mário desanca na exploração religiosa de Fátima e nega a validade de todo o fenómeno, com várias perspectivas e dados.
Guilherme Silva ilustra a obra com muitas fotos evidenciadoras dos rastejamentos e outras cenas degradantes do antro fatímico.
Certamente que está disponível nas livrarias.
7 – «FÁTIMA NUNCA MAIS», Padre Mário de Oliveira, Campo das Letras, Porto, 1999
Outra obra do Mário, denunciadora do fenómeno de Fátima, com várias perspectivas e ligações a outros acontecimentos.
8 – «AS “APARIÇÕES” DE FÁTIMA, Imagens e Representações (1917-1939)», Luís Filipe Torgal, Editora Temas e Debates, Lisboa, 2002
Outro livro muito bom sobre Fátima deste professor de História, de Coimbra, e o melhor em bibliografia, pois contém uma extensíssima bibliografia, não só sobre o assunto, mas também sobre enquadramentos conjunturais e correlativos numa vasta perspectiva.
Nas livrarias.
9 – «AS DUAS FACES DE FÁTIMA», Manuel Eladio Laxe, Editorial Império, Lisboa, 1987
Deixei para o fim, propositadamente, aquela que me parece ser a melhor obra de investigação sobre Fátima. Extraordinária investigação, enriquecida com fotografias que, normalmente, muitos autores desprezam. Um portento de minúcias, ilações, explicações, comparações.
Uma autêntica investigação judicial sobre a matéria.
Só me parece que o autor deveria ter abordado melhor as «Memórias da Irmã Lúcia». Será, a priori, a única crítica que lhe faço.
É um autor espanhol e o livro foi editado em Espanha, donde foi traduzido para Portugal.
Dificilmente se conseguirá adquirir nas livrarias.
Sob o título «Ridicularizar a Jesus Cristo», Diário as Beiras, 15-02, o vosso colaborador Acácio Marques (AM) manifesta uma extrema intolerância.
Sendo legítimas as críticas que faça aos «nobeis da literatura», ao «Código da Vinci» ou a qualquer outra publicação que lhe desagrade, é menos tolerável o carácter censório que demonstra e é, de todo, inadmissível a ameaça explícita e violenta contra a liberdade de criação artística, seja em defesa da figura de Jesus Cristo (JC) ou sob outro pretexto qualquer.
Diz de JC, «que, como é do seu estilo, não se defende, nem O (sic) defendem, até porque não precisa», mas o Índex dos livros que a Igreja católica condena só deixou de ser actualizado em 1961 e os tribunais do Santo Ofício duraram séculos.
AM congratula-se com as ameaças e manifestações orquestradas contra um «Musical» que a BBC emite, uma execrável manifestação de censura e intolerância. A que título o pastor evangélico Stephen Green e outros crentes exaltados se manifestam em Londres para impedirem a exibição do espectáculo? Que excelente exemplo de tolerância!
Mas onde AM atinge o delírio e a exaltação beata é quando afirma com indisfarçável satisfação: «Metam-se assim com Buda ou Maomé, e já verão. Bem se viu o que aconteceu com o Van Gogh, do filme holandês menos favorável ao Islão e seu Profeta, simplesmente assassinado em plena rua!…» (sic). Este incitamento à violência, vulgar em órgãos paroquiais, não é compatível com a linha editorial do «Diário as Beiras».
Em vez de execrar o crime hediondo de um fanático muçulmano contra um cineasta, AM exalta o crime de quem esfaqueou mortalmente um cineasta, por ódio religioso. Se o vosso pio colaborador se congratula com um acto de tal demência, está a meio caminho entre um cruzado e um suicida islâmico.
Apostila – O filme de Van Gogh denuncia a violência islâmica contra as mulheres.
Paulo Portas não perde uma missa e, em campanha eleitoral, duplica a assiduidade. Não respeita a Constituição que é laica, não respeita o País que separou a Igreja do Estado e já se esqueceu da figura que fez no funeral do tenente coronel Maggiolo Gouveia onde foi em busca da hóstia, de uma genuflexão e da desonra das funções que ocupa.
Enquanto a família da defunta carmelita afirma que Paulo Portas pediu para assistir à missa, reservada a familiares e próximos, o CDS garante que o ministro da Defesa foi convidado. Não interessa saber quem mente nesta piedosa maratona litúrgica em que as orações são inúteis e a exploração da fé, com fins eleitorais, faz parte da corrupção moral de um país habituado a viver de joelhos.
Sabe-se da devoção de Paulo Portas à Senhora de Fátima, a quem agradeceu, há anos, a orientação dos ventos e marés que levaram para as praias da Galiza a maré negra de um petroleiro afundado que ameaçou a costa norte de Portugal. O País apenas desconhecia as relações próximas com a freira carmelita. A dar crédito a Francisco Vieira, familiar da irmã Lúcia, Paulo Portas «manifestou a vontade pessoal» de assistir à missa alegando «a simpatia que nutria pela irmã Lúcia e pela sua devoção a Fátima».
O cidadão Paulo Portas pode ir a várias missas diárias, empanturrar-se de hóstias, fazer calos nos joelhos com genuflexões, entortar a coluna vertebral de tanto a vergar em cerimónias religiosas, persignar-se constantemente e invocar o nome de Deus a cada momento. O ministro da Defesa, porém, não pode nem deve rastejar aos pés dos padres, afocinhar perante um bispo ou lamber-lhe o anel. É o Estado que fica de rastos com a humilhação do ministro e o aviltamento do devoto.
Clique aqui para ver uma versão maior desta carta e aqui para ver a carta de Lúcia elogiando Salazar.
Seguem-se, sem comentários, excertos da carta acima digitalizada, datada de 7 de Novembro de 1945, da Lúcia cujo falecimento mereceu luto nacional. Enviada pelo cardeal Cerejeira ao seu amigo António Salazar, em vésperas das primeiras eleições supostas livres à Assembleia Nacional, para «levar-te muita consolação e confiança», acrescentando «E se tu a lesses toda, mais consolado e confiado ficarias ainda. Escuso de dizer que isto que ela diz, o não diz dela mesma, mas por indicação divina (segundo ela deixa entender)»:
«Salazar é a pessoa por Ele (Deus) escolhida para continuar a governar a nossa Pátria, … a ele é que será concedida a luz e graça para conduzir o nosso povo pelos caminhos da paz e da prosperidade. É preciso fazer compreender ao povo que as privações e sofrimentos dos últimos anos não foram efeito de falta alguma de Salazar, mas sim provas que Deus nos enviou pelos nossos pecados. Já o bom Deus ao prometer a graça da paz à nossa nação nos anunciou vários sofrimentos, pela razão de que nós éramos também culpados».
Porquê luto nacional?
2. O falecimento de personalidades que tenham servido a República em cargos elevados, ou que tenham prestado serviços públicos de grande mérito, pode e deve ser assinalado com um dia de luto nacional. Nesse sentido, estranhamos que não tenha sido decretada tal solenidade aquando dos falecimentos – ocorridos durante o mandato do actual Governo – da antiga Primeira Ministra Maria de Lurdes Pintasilgo ou do lutador antifascista Fernando Vale.
3. Lúcia de Jesus teve como único acto relevante da sua vida o papel que desempenhou nos acontecimentos de Fátima em 1917, que a tornaram mais tarde uma actora comprometida das encenações político-religiosas conducentes a legitimar o Estado Novo (deve-se-lhe a frase «Salazar é a pessoa por Ele escolhida para continuar a governar a nossa Pátria»), e foi portanto
parte de uma operação político-religiosa que fracturou e ainda divide o país e a própria comunidade católica portuguesa.
4. Parece-nos portanto evidente que o luto nacional é, nesta ocasião, desapropriado e mesmo prejudicial à separação da política e da religião e à própria unidade nacional em torno dos valores democráticos.
Luis Mateus
(Presidente da Direcção)
Ricardo Gaio Alves
(Secretário da Direcção)
Se a alva e meiga Senhora que, há quase oitenta e oito anos, poisou numa azinheira, vestida com um manto de luz, para gáudio de três inocentes pastorinhos, por erro de navegação celeste houvesse poisado numa azinheira errada e encontrado um só pastor, mancebo de vinte e tantos anos; se a falta de energia lhe tivesse apagado o manto, sendo a beleza tanta quanto dela disseram as criancinhas, e entre o manto e o corpo nada houvesse, como é de crer, por ser a luz que resplandecia o único vestido que a cobria, poderia o dito pastor chamar-se José, como o humilde e humilhado carpinteiro de Nazaré, e a história seria outra.
Se o dito pastor, mancebo de vinte e tantos anos, na flor da idade e do desejo, impelido pelos sentidos, fosse tão rápido e eficaz a tomar a dita Senhora como o era a conduzir o rebanho, não seria o papa, muitos anos depois, a entrar em êxtase; seria ele, pastor, ali e então.
E, em vez de criancinhas a ouvirem – eu sou a Nossa Senhora -, pitoresca apresentação que só ouvi a um Sargento, falando aos soldados, – eu sou o nosso primeiro Vieira -, em vez dessa apresentação que os exegetas atribuem à Virgem Maria, teria ouvido o pastor, mancebo de vinte e tantos anos, mais afeito ao rebanho que ao corpo feminino, à guisa de apresentação e despedida, com voz lânguida e conformada, eu sou Maria.
Tudo leva a crer que a referida Senhora, de tão rara beleza, teria esquecido a conversão da Rússia, poupado o dito pastor à oração e, em vez de duas ou três aparições, teria tentado outras, sabendo embora que não era a azinheira certa aquela em que poisava, mas adivinhando à sua sombra o pastor, mancebo de vinte e tantos anos.
É preciso aumentar a probabilidade de novas aparições, seja pela duplicação do número de azinheiras ou do número de crianças que prefiram a oração à escola e se dediquem à pastorícia, de preferência longe dali, que os milagres raramente se repetem perto, e se acontecem, como há sobejas provas na Ladeira e noutros sítios, nunca são reconhecidos, por se desconfiar da abundância e se temer a concorrência.
E se no futuro apenas houver pastores crianças, com joelhos no chão e olhos no Céu, nunca mais haverá qualquer pastor na flor da idade e do desejo, mancebo de vinte e tantos anos, a ofender a virtude e a mudar o sítio às azinheiras, a perturbar a circulação celeste e os milagres.
O Rui Tavares do Barnabé, diz muito bem, tudo o que eu sinto e penso sobre o caso Lúcia.
Agora, liguem a televisão e entretenham-se com o espectáculo e a propaganda, com a mini e os tremoços que eu vou lá dentro e já volto. Os meus três cêntimos…
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.