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19 de Fevereiro, 2005 Mariana de Oliveira

Abominações do abominável

No dia 18 de Fevereiro, João César das Neves, insigne intelectual e académico da nossa praça, deu uma interessantíssima entrevista ao jornal «O Independente» que merece ser divulgada e estudada.

Depois de comentar a injustiça do seu processo judicial – em que é acusado de ter equiparado «actos homossexuais ao crime de pedofilia», referindo que «os recentes casos de pedofilia são todos, mesmo todos, homossexuais», de ter comparado os homossexuais a drogados e de os ter considerado doentes -, diz que a nossa sociedade encontra-se num caminho para a destruição por estar obcecada pelo prazer.

Continuando com a questão da «doença da homossexualidade», esclarecendo o despacho de pronúncia, César das Neves diz que em lado nenhum considera os homossexuais doentes ou drogados, mas afirma apenas que existem algumas semelhanças. Ora, isto é muito mais aceitável, pois claro! E que semelhanças são essas? A anormalidade do comportamento! Daqui passa logo para a magnífica conclusão de que, se há 30 ou 40 anos a homossexualidade e a pedofilia eram consideradas iguais e se , actualmente, a primeira é aceitável, daqui a uns tempos serão ambas iguais.

Se os caros leitores já estão impressionados com o que se disse até agora, tenham em conta que isto é só o começo. Logo a seguir, o grande economista afirma que a homossexualidade é um comportamento desviado… «como o diz o catecismo da Igreja Católica»! Será que o que diz a ICAR, para o académico, é lei? O que diz a ICAR é apenas a sua opinião. Daí que entenda que as relações entre pessoas do mesmo sexo sejam imorais. Mais: qualquer dia, com estes movimentos para a legalização dos casamentos homossexuais, será a vez da poligamia, do incesto e da bestialidade! A legalização da poligamia não é muito chocante desde que funcione para os dois sexos, que as relações entre os cônjuges sejam devidamente acauteladas bem como a segurança do comércio jurídico. Quanto ao incesto, este constitui um impedimento ao casamento – e nada mais do que isso – por razões de saúde. Relativamente à bestialidade, não pode ser nunca equiparada ao casamento porque os animais não têm vontade, faltando logo, à partida, um dos requisitos – vontade livre e esclarecida – para aquele contrato.

Da homossexualidade, João César das Neves passa para a obsessão pelo prazer e suas consequências: a queda da instituição familiar e, assim, a decadência da sociedade. E como se manifesta esta obsessão? Pelos livros de educação sexual que incitam à masturbação, que entendem que é algo perfeitamente normal, e à descoberta da sexualidade! Que vergonha! Que pecado! Que crime! Porquê? Porque «o sexo é uma força extraordinariamente poderosa que define a nossa vida». É um comportamento desviante que distorce a personalidade. É por isso que as sociedades «tentaram arranjar costumes, hábitos e regras para controlar esta coisa». O leitor repare que o entrevistado se refere ao sexo como «coisa», como se fosse algo de nojento que nem merece ser tratado pelo nome.

A seguir, JCN fala na única revolução sexual da História – a imposta pela Igreja – e que acabou «com o deboche absoluto, com regras muito sortidas». «Abandonar a Igreja», diz, é «voltar ao mesmo». Por isso é que diz que a pedofilia deixará de ser crime, porque na Grécia Antiga era normal. Todo este afastamento da boa doutrina da Igreja da moderação sexual e, desta forma, da família está a conduzir ao aumento do «consumo de droga, do suicídio, da desorganização das famílias, do abandono dos mais velhos».

E o preservativo? Esta questão, de acordo com o académico, não se coloca numa relação estável entre marido e mulher (como se o casamento conferisse, automaticamente, estabilidade numa relação) e que aquele pedaço de látex «é uma forma mecânica de tratar questão». Na verdade, para quem leva uma vida de deboche (o que quer que isso seja) e não conhece as regras da Igreja, isto é só um pormenor.
E se um casal heterossexual não quiser ter filhos? A solução de JCN é o fiável método do calendário!

Quanto à hipocrisia da Igreja face ao aumento da sida e à constatação de que as relações sexuais não se passam entre casais estáveis? Não há hipocrisia nenhuma! De acordo com César das Neves, a ICAR não condena o preservativo, mas sim o deboche. Se as pessoas só tiverem relações sexuais como diz a Igreja, deixa de haver sida. As campanhas de luta contra a sida deviam dizer «não ande aí no deboche» em vez de aconselharem o uso do preservativo.

Relativamente ao aborto, obviamente, João César das Neves considera que a ciência não tem dúvidas ao afirmar que existe a destruição da vida humana. Não sei a que ciência é que se refere porque se há algo onde a ciência se divide é na definição do início (e no fim) da vida humana. Assim sendo, equivalendo a interrupção voluntária da gravidez à morte de uma criança, esta devia ser proibida em todos os casos, incluindo mal-formação genética e em caso de violação.

Que conclusões podemos retirar desta esclarecedora entrevista? Como disse o Carlos Esperança:
1 – O acto sexual só é legítimo se se destinar à procriação;
2 – A masturbação e uma abominação porque dá prazer. Para fazer um espermograma
deve-se casar canonicamente, praticar o coito com vista a reprodução e fazer,
depois, uma punção no baixo ventre da mulher para recolher a amostra de sémen;
3 – A masturbação feita aos outros não foi abordada por JCN pelo que ficou sem
se saber se pecavam os dois ou só um;
4 – Deboche é qualquer prática sexual que tenha em vista o prazer. A gula é o
deboche dos hidratos de carbono;
5 – Tudo o que diz a ICAR é a verdade, a única verdade, a verdade de JCN;
6 – O Papa é o sociólogo, o psicólogo, o casto e o modelo das virtudes humanas. Se todos o seguissem acabaria a humanidade por falta de reprodução.

18 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

A canonização de Lúcia


Os interesses do Vaticano e da Igreja católica portuguesa são tão coincidentes que tudo está a ser tratado de modo a arranjar rapidamente um milagre para a falecida irmã Lúcia.
O padre Luís Kondor, vice-postulador da Causa dos Pastorinhos já advertiu que «os bispos portugueses vão estar atentos» aos sinais que indiciem o mais leve milagre e, de algum modo, apela a que seja pedida a intercessão de Lúcia, em detrimento doutras devoções, nas numerosas aflições dos portugueses, acompanhadas de rezas.

Poder-se-ia considerar já milagre o facto de o Vaticano abdicar da cobrança à postulação portuguesa do valor que habitualmente custa uma beatificação, entre 250 e 300 mil euros, valores que são considerados investimento pois a venda de artigos religiosos rapidamente faz ressarcir a despesa inicial da igreja nacional empenhada no negócio.

Este Papa que já criou 483 santos e mais de 1300 beatos (uma criação que supera em número a de muitos industriais do ramo da agro-pecuária), está fortemente empenhado em patrocinar a carreira de santidade da irmã Lúcia. Mesmo o sucessor não fica em condições de duvidar dos milagres que já estão a ser fabricados nem de negar a santidade de quem descobriu em Salazar um enviado de Deus.

18 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

O exorcismo

Não foi a água benta, o sinal da cruz ou as orações que expulsaram o diabo do quotidiano. Foi a alfabetização, o progresso e os avanços científicos que o remeteram para espaços rurais remotos onde ainda estrebucha em competição com Deus. Aliás, Deus e o Diabo estão condenados a disputar o mesmo espaço e a competir nos mesmos clientes.
Cristo começou a actividade profissional no ramo dos milagres e na expulsão dos demónios que fazia afogar no Mar Morto transportados por porcos. Através dos séculos, o clero, além de outras actividades com que preencheu o vazio intelectual, nunca deixou de recorrer ao exorcismo como forma de purgar o corpo das maleitas da alma. O hissope e a cruz são os instrumentos de trabalho apoiados na água benta e no latim.

A falta de demónios levou os padres católicos a abandonarem a prática do exorcismo e, apenas, um ou dois por diocese possuem autorização episcopal para se dedicarem à actividade, que exige força, habilidade e muita fé. Segundo o padre Humberto Gama, experiente a enxotar Satanás de muitas almas atormentadas do distrito de Bragança, às vezes são precisas várias sessões para extirpar o Maligno, que se agarra à alma do paciente com o desespero de um sem-abrigo que não tem para onde ir.

O inferno foi abolido já no presente pontificado, embora sem efeitos retroactivos, não havendo habitat extraterreno para Satã se aplicar a empunhar o garfo de três dentes com que no catecismo da minha infância mergulhava as almas no azeite fervente. Mas, há tempos, talvez depois de a doença de Parkinson se agravar, JP2 anunciou, com espanto para muitos, que o diabo existia. De resto a Igreja Maná, a IURD e outras que se estabeleceram por conta própria, dedicaram-se à prática de milagres em directo na televisão e à prática do exorcismo com grande sucesso nos telespectadores e enorme benefício para os possessos, aliviados pelo saber e determinação dos clérigos.

É nesta fase do mercado da fé que a Universidade do Vaticano lança um curso de exorcismo. O curso, no «prestigiado Athenaeum Regina Apostolorum, terá a duração de dois meses e incluirá a história do Satanismo e o seu contexto na Bíblia, aulas de psicologia e direito e seminários sobre o trabalho espiritual, litúrgico e pastoral dos exorcistas».

Acautele-se o Demo. O curso tem o prestígio da instituição mais antiga e experiente no ramo e com maior credibilidade no mercado. As possessões estão condenadas graças aos exorcistas encartados pela Universidade. O Vaticano está para o Demo como a vacina esteve para varíola.

17 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

A Igreja Maná e as eleições legislativas

Os parasitas de Deus organizados em torno da Igreja Maná questionam a utilidade das eleições e aconselham a inutilização do voto, através de uma cruz no respectivo boletim.
A cruz é, de facto, o instrumento de tortura que sabem usar. Propô-lo contra o regime democrático é um acto de devoção e uma manifestação clerical com que os bandos de inúteis exploram a superstição, cobram o dízimo, ameaçam com o inferno e procuram subverter uma sociedade livre e democrática.

Em alternativa, este bando de malfeitores propõe: «Faça de Deus a sua fonte – Mateus 6:33» e «exija aos políticos e governantes os seus direitos», provavelmente o direito de viver em ditadura sob a vontade de Deus interpretada por um marginal que enriquece à sua custa – o apóstolo Jorge Tadeu.

Este proxeneta de Deus, fundador da Igreja Maná, informa que, pessoalmente, ele não vota, mas aconselha os seus fiéis a usarem o voto nulo, para não poder ser aproveitado de forma fraudulenta, possível com o voto em branco. De facto, a fraude seria possível se a indignidade cívica, a ausência de ética e a prática de um crime estivessem na cabeça dos cidadãos, que tornam possível o acto eleitoral, como está na cobardia mística do apóstolo que está a transformar uma Igreja de vão de escada num empório comercial.

A proposta do bispo Tadeu «é uma forma de envergonhar o governo e todo o sistema que não está a ser correcto para com o povo português». Para o pregador da bíblia é o sistema democrático que o incomoda, não vendo em nenhuma força partidária o direito e a legitimidade para dirigir o País. É a atitude de um clérigo que beneficia de um sistema que gostaria de abolir se fosse maioria, que não reconhece ao povo direitos de cidadania mas apenas obrigações religiosas. A delinquência mística é incompatível com a democracia. Já o padre católico da igreja de S. João de Brito o demonstrara com uma opção diferente.

Bendita corja. Santa Mafia.

17 de Fevereiro, 2005 Ricardo Alves

Fátima e o fascismo

São muitos os revisionistas que pretendem branquear o papel da ICAR durante o Estado Novo. É portanto pertinente recordar a Carta Pastoral «Transformação consoladora: Portugal ressurge do seu abatimento», escrita pelos bispos portugueses em 1942, para assinalar os 25 anos dos acontecimentos de Fátima.
«Quem conheceu as ruínas do primeiro quartel deste século, quem viu atirar ao edifício sagrado das crenças antigas o camartelo demolidor, quem ouviu os gemidos dos proscritos e sentiu ao vivo a desolação que pairava na casa de Deus, e vê agora como das ruínas se vão erguendo arrojadas construções, quem vê de novo entrar na escola o nome de Deus, quem vê restabelecidas as relações normais com a Santa Sé e assente o estatuto jurídico da Igreja, numa ordem nova que não afronta ninguém, mas faz justiça às tradições cristãs de Portugal, quem vê o desenvolvimento, que bem podemos chamar ressurreição, das missões católicas nas colónias e no Padroado [do Oriente], não pode deixar de sentir uma funda impressão de surpresa e de exclamar “digitus Dei est hic”-“aqui está o dedo de Deus”. Sim, passou sobre nós a mão de Deus, e passou sobre nós, porque passou no meio de nós a Mãe de Deus. E, se levantarmos os olhos do passado doloroso que acabamos de evocar e os fixamos no presente, contemplando o panorama internacional, a nossa surpresa sobe de ponto. Uma trágica cinta de fogo e de sangue envolve o mundo; as nações do velho e do novo continente estremecem batidas pela catapulta da guerra; (…) reina a desolação e a miséria em países ainda ontem prósperos e poderosos; e no meio desta convulsão universal, deste tremendo naufrágio do mundo que se diria civilizado e progressivo, a pequenina nau portuguesa continua a singrar serena e confiante, como se o vulcão destruidor se não tivesse desencadeado e não açoitasse impiedosamente sobre os mares. Como explicar tão grande portento?

Seria injustiça desconhecer a acção vigilante e patriótica dos nossos governantes, bem dignos da gratidão do país pela prudência e pelo zelo com que procuram manter-nos afastados da guerra; mas a situação é tão delicada, tão imprevistas as complicações, tão enevoado o horizonte diplomático, que sem um auxílio especial do céu baldados seriam todos os esforços. É grande de mais a procela para que forças humanas a possam debelar. Bendizendo pois as canseiras daqueles que devotamente zelam pelo bem público, temos que buscar mais alto o segredo da bênção misteriosa que as valoriza e lhes garante a eficácia.

Haverá algum português com fé que não reconheça na nossa situação privilegiada um revérbero daquela luz que a Santíssima Virgem veio trazer a Fátima, que fez incidir na alma dos pastorinhos e por eles sobre o mundo? Não é necessário ter fé; basta contemplar o que em tudo isto há de extraordinário para sentir e reconhecer que um poder mais alto se levanta e um coração terno e misericordioso vela amorosamente por Portugal. (…)»

O outro lado da questão pode ser considerado lendo os excertos seguintes da intervenção de Salazar numa conferência da União Nacional, em 1949.
«Portugal nasceu à sombra da Igreja, e a religião católica foi desde o começo elemento formativo da alma da Nação e traço dominante do carácter do povo português. Nas suas andança pelo mundo – a descobrir, a mercadejar, a propagar a fé – impôs-se sem hesitações a conclusão: português, logo católico. (…) A adesão da generalidade das consciências aos princípios de uma só religião e aos ditames de uma só moral, digamos, a uniformidade católica do País foi assim, através dos séculos, um dos mais poderosos factores de unidade e coesão da Nação portuguesa. Portanto factor político da maior transcendência; e por esse lado nos interessa.
(…)
Neste montão de escombros materiais e morais, a Concordata de 1940 deve ser considerada, no domínio religioso, como a reparação possível das espoliações passadas e a garantia da liberdade necessária à vida e à disciplina da Igreja, ao exercício do culto e à expansão da fé. Mantendo o princípio da Separação como mais consentâneo com a divisão dos espíritos e a tendência dos tempos, ela dá à Igreja a possibilidade de se reconstituir e mesmo de vir a recuperar por tempos o seu ascendente na formação da alma portuguesa. Sob o aspecto político, a Concordata pretende aproveitar o fenómeno religioso como elemento estabilizador da sociedade e reintegrar a Nação na linha histórica da sua unidade moral
Dois lados da mesma moeda?
17 de Fevereiro, 2005 André Esteves

O Kitsch da Fé

Aparentemente sou um ser fracturado espiritualmente.
Todos os dedos das minhas mãos têm estados espirituais diferentes!

Se a minha cabeça é racional e diz que as religiões não passam de um embuste e auto-engano por parte dos outros, o meu coração chama por altos píncaros de transcendência.
E o que dizer dos meus pés? Eles que aguentam com o peso do meu corpo, 100 exigentes quilos, pedem paciência e obstinação num protestante dia-a-dia . O baço, esse, fica-se pelo absurdo da vida e o fígado reclama por libações a baco, em desejos de morte libertadora. Os pulmões e o diafragama fartos do tabaco, reclamam por ascetismo e deixam-me com soluços em protesto. As partes pudendas, essas… Queriam um cartão dum clube de troca de casais, e os intestinos devem ser fundamentalistas, pois tratam tudo o que lhes for estranho como merda.

Tudo isto, porque experimentei os anéis da foto.
Decididamente, tenho que passar a usar luvas, para conseguir atingir algo próximo a um estado laico.

Os milagres da «Nova Era» conseguem-se graças às maravilhas dos novos materiais. Nada como um cristal líquido sensível ao calor, para mostrar o estado espiritual de uma pessoa. Se está quente de fé, de raiva ou de desejo, não há distinção. Só na hora da compra é que não se demonstrou muito esclarecimento.

Viva o novo mercado da fé! Onde as crenças são como as modas. Trocam-se na primavera e no inverno. Tal como os estados de espírito e o tempo que faz lá fora.

16 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

A influência do Papa

«O bispo de Coimbra teve ainda tempo de lhe ler uma carta enviada pelo Papa Wojtyla, algumas horas antes de Lúcia morrer, desejando-lhe as melhoras» – lê-se no «Público».

16 de Fevereiro, 2005 Mariana de Oliveira

A visão de Fátima

João Pedro Moura, nuns comentários que deixou num artigo do Diário Ateísta, elaborou uma lista de bibliografia racionalista sobre a questão de Fátima que deve ser partilhada com todos os leitores deste blogue. Segue o seu texto:

1 – «NA COVA DOS LEÕES», Tomás da Fonseca, edição do autor, Lisboa, 1958
É a primeira obra a tratar e a desmascarar o assunto.
Tomás compilou as cartas e os artigos que havia publicado sobre a questão desde o início e publicou-as neste livro.
Há um ou outro ponto obscuro na sua argumentação, concretamente, quando emite a hipótese de a «aparição» se tratar duma encenação por parte duma senhora dum militar, integrando os «empresários», como ele chamava, do negócio religioso. Mas, Tomás da Fonseca esmiuça muito bem as personagens, actos e ditos, com o seu peculiar e demolidor sarcasmo. É a única obra coeva das «aparições».
É muito improvável poder adquirir-se este livro. A haver disponível, imagino que só poderá existir em dois locais, uma livraria em Lisboa e outra no Porto.

2 – «A FABRICAÇÃO DE FÁTIMA», Prosper Alfaric, Edições Delfos, s/d (década de 70)
Alfaric foi ex-padre, convertido ao ateísmo (isto é que é bom!), e professor de História das Religiões, na Faculdade de Letras da Universidade de Strasbourg, na França, na década de 50. Foi um insigne investigador das origens do cristianismo, o assunto mais difícil, em História, e um grande propugnador do laicismo e do ateísmo. Foi membro da «Union Rationaliste».
Fez uma conferência em Paris, sobre o assunto, denunciando a mascarada fatímica, em França, e carreando informações estrangeiras sobre o assunto, nomeadamente, quanto às intervenções dos papas Bento XV, Pio XI e Pio XII, essa criatura horrenda, sobre as «aparições».
Suponho que é impossível arranjar esta obra nos alfarrabistas.

3 – «FÁTIMA DESMASCARADA», João Ilharco, Coimbra, 1971
Aproveitando a maior liberdade marcelista, este autor de Coimbra abriu uma estrondosa brecha na coesão e unanimismo religiosos ao publicar este livro com semelhante título.
Levantou uma enorme polémica, nas hostes católicas, e foi severamente exprobrado pelos agentes da clericalha tartufa. Durante uns tempos, O Correio de Coimbra, entre 1971 e 1972, teceu grossa discussão com o autor, até a coisa se ir diluindo.
Foi preciso alguma coragem ao autor para publicar tal livro, nas condições, no mínimo, imprevisíveis, do marcelismo?
A tese do autor, tal como a de Tomás da Fonseca, remete o caso das «aparições» para uma conspiração, do princípio ao fim, por partes de agentes clericais (padres). Só que, a tese de Ilharco, defendendo que foi colocada uma imagem no sítio da «aparição», com incidência de raios solares orientados para a imagem com o espelho colocado a distância recatada e manipulado por um cúmplice, não me convence. É uma tese extravagante e inverosímil. Não repudio a hipótese duma qualquer intervenção conspirativa e cénica, como defendeu Tomás da Fonseca, mas não me convence inteiramente.
Esta obra talvez se consiga adquirir em alfarrabistas, sobretudo em Coimbra.

4 – «FÁTIMA – O QUE SE PASSOU EM 1917», Fina d`Armada, Bertrand, 1980
Foi o primeiro livro estudioso de Fátima, após o 25 de Abril. Eu assisti à sua apresentação pública, na livraria Bertrand, no Porto, e falei com a autora.
Posteriormente, também assisti ao debate de apresentação do livro, em auditório, e pude verificar as provocações de que foi alvo a autora, por parte de agentes católicos, que estavam na sala para fazer comentários depreciativos e provocatórios. Vocês nem sabem do que é que esta gente pestífera é capaz de fazer quando se sente incomodada e «ofendida» na sua doutrina .
A autora, que é professora de História, e que foi também a mais importante feminista portuguesa, nos primeiros anos pós-25 de Abril, desenvolveu também uma tese, nesse livro, sobre influência ovnilógica no fenómeno de Fátima.
Não aceito esta tese sobre OVNIs, por motivos que não vou focar aqui. Registo, contudo, o mérito da investigação desta autora, muito esmerada e minuciosa na análise social do caso de Fátima, recolhendo importantes e inéditas informações no Arquivo Formigão, o mais importante investigador e historiador do fenómeno de Fátima e o principal promotor do negócio…
E mesmo no que toca a OVNIS, a autora patenteia uma metodologia e perspectiva científica sobre a questão, indo o mais longe que a ciência pode ir?
Este livro ainda estará disponível em livrarias e alfarrabistas.

5 – «FÁTIMA – NOS BASTIDORES DO SEGREDO», Fina d`Armada e Joaquim Fernandes, Âncora Editora, Lisboa, 2002
Trata-se duma edição semelhante à anterior, mas com a vantagem de ser mais recente (22 anos depois) e apresentar novas perspectivas e informações sobre a questão. Obra muito informativa, constituindo uma extraordinária investigação, como é característico destes autores.
Joaquim Fernandes foi, durante cerca de 20 anos, jornalista no JN. Fundou na década de 70, no Porto, o CEAFI, Centro de Estudos Astronómicos e Fenómenos Insólitos, organismo muito prolífico nessa década e na de 80, em estudos de ovnilogia, constituindo o mais importante centro de investigação de OVNIS, que houve em Portugal, e ele, J. Fernandes foi o mais importante investigador português nessa matéria, sem nunca sair da perspectiva científica no estudo dos OVNIS, não fazendo quaisquer concessões aos esoterismos que a ovnilogia suscitou.
É licenciado em História e docente da Universidade Fernando Pessoa, no Porto, onde fundou o CTEC ? Centro Transdisciplinar de Estudos da Consciência, grupo com ligações internacionais, que procura investigar as bases neurobiológicas do fenómeno religioso, intersectando a Física, Química, Sociologia, História, Psicologia, assunto esse sobre o qual tal centro já editou uma antologia, em livro, de artigos de autores nacionais e estrangeiros.
Está a preparar o doutoramento sobre «Imaginário Extraterrestre na Imprensa Portuguesa». Estuda os aspectos teóricos, históricos e antropológicos das «aparições». É membro da Society for Scientific Exploration, da Universidade de Stanford, na Califórnia.
Obra disponível nas livrarias.

6- «FÁTIMAMENTE», Padre Mário de Oliveira, edição de Guilherme Silva, 2000
Que dizer do padre Mário de Oliveira?!
Cada livro que ele edita, e é quase um por ano, são obras que nós subscrevemos, numa grande parte, sobretudo, as respeitantes à religião.
Mário de Oliveira é um laico, fortemente anticlericalista e? e? criptoateu?
O que é que faltará a este homem para renegar os últimos resquícios de fé e religiosidade?!
Com a vantagem de ser um profundo conhecedor do meio, pois já foi padre, quero dizer foi-lhe retirada a paróquia por excessiva dissidência com a hierarquia. É o nosso mais importante aliado, sem dúvida nenhuma.
Nesta obra, Mário desanca na exploração religiosa de Fátima e nega a validade de todo o fenómeno, com várias perspectivas e dados.
Guilherme Silva ilustra a obra com muitas fotos evidenciadoras dos rastejamentos e outras cenas degradantes do antro fatímico.
Certamente que está disponível nas livrarias.

7 – «FÁTIMA NUNCA MAIS», Padre Mário de Oliveira, Campo das Letras, Porto, 1999
Outra obra do Mário, denunciadora do fenómeno de Fátima, com várias perspectivas e ligações a outros acontecimentos.

8 – «AS “APARIÇÕES” DE FÁTIMA, Imagens e Representações (1917-1939)», Luís Filipe Torgal, Editora Temas e Debates, Lisboa, 2002
Outro livro muito bom sobre Fátima deste professor de História, de Coimbra, e o melhor em bibliografia, pois contém uma extensíssima bibliografia, não só sobre o assunto, mas também sobre enquadramentos conjunturais e correlativos numa vasta perspectiva.
Nas livrarias.

9 – «AS DUAS FACES DE FÁTIMA», Manuel Eladio Laxe, Editorial Império, Lisboa, 1987
Deixei para o fim, propositadamente, aquela que me parece ser a melhor obra de investigação sobre Fátima. Extraordinária investigação, enriquecida com fotografias que, normalmente, muitos autores desprezam. Um portento de minúcias, ilações, explicações, comparações.
Uma autêntica investigação judicial sobre a matéria.
Só me parece que o autor deveria ter abordado melhor as «Memórias da Irmã Lúcia». Será, a priori, a única crítica que lhe faço.
É um autor espanhol e o livro foi editado em Espanha, donde foi traduzido para Portugal.
Dificilmente se conseguirá adquirir nas livrarias.

16 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

Carta ao «Diário as Beiras»

Sob o título «Ridicularizar a Jesus Cristo», Diário as Beiras, 15-02, o vosso colaborador Acácio Marques (AM) manifesta uma extrema intolerância.

Sendo legítimas as críticas que faça aos «nobeis da literatura», ao «Código da Vinci» ou a qualquer outra publicação que lhe desagrade, é menos tolerável o carácter censório que demonstra e é, de todo, inadmissível a ameaça explícita e violenta contra a liberdade de criação artística, seja em defesa da figura de Jesus Cristo (JC) ou sob outro pretexto qualquer.

Diz de JC, «que, como é do seu estilo, não se defende, nem O (sic) defendem, até porque não precisa», mas o Índex dos livros que a Igreja católica condena só deixou de ser actualizado em 1961 e os tribunais do Santo Ofício duraram séculos.
AM congratula-se com as ameaças e manifestações orquestradas contra um «Musical» que a BBC emite, uma execrável manifestação de censura e intolerância. A que título o pastor evangélico Stephen Green e outros crentes exaltados se manifestam em Londres para impedirem a exibição do espectáculo? Que excelente exemplo de tolerância!

Mas onde AM atinge o delírio e a exaltação beata é quando afirma com indisfarçável satisfação: «Metam-se assim com Buda ou Maomé, e já verão. Bem se viu o que aconteceu com o Van Gogh, do filme holandês menos favorável ao Islão e seu Profeta, simplesmente assassinado em plena rua!…» (sic). Este incitamento à violência, vulgar em órgãos paroquiais, não é compatível com a linha editorial do «Diário as Beiras».

Em vez de execrar o crime hediondo de um fanático muçulmano contra um cineasta, AM exalta o crime de quem esfaqueou mortalmente um cineasta, por ódio religioso. Se o vosso pio colaborador se congratula com um acto de tal demência, está a meio caminho entre um cruzado e um suicida islâmico.

Apostila – O filme de Van Gogh denuncia a violência islâmica contra as mulheres.

16 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

Paulo Portas de joelhos

Paulo Portas não perde uma missa e, em campanha eleitoral, duplica a assiduidade. Não respeita a Constituição que é laica, não respeita o País que separou a Igreja do Estado e já se esqueceu da figura que fez no funeral do tenente coronel Maggiolo Gouveia onde foi em busca da hóstia, de uma genuflexão e da desonra das funções que ocupa.

Enquanto a família da defunta carmelita afirma que Paulo Portas pediu para assistir à missa, reservada a familiares e próximos, o CDS garante que o ministro da Defesa foi convidado. Não interessa saber quem mente nesta piedosa maratona litúrgica em que as orações são inúteis e a exploração da fé, com fins eleitorais, faz parte da corrupção moral de um país habituado a viver de joelhos.

Sabe-se da devoção de Paulo Portas à Senhora de Fátima, a quem agradeceu, há anos, a orientação dos ventos e marés que levaram para as praias da Galiza a maré negra de um petroleiro afundado que ameaçou a costa norte de Portugal. O País apenas desconhecia as relações próximas com a freira carmelita. A dar crédito a Francisco Vieira, familiar da irmã Lúcia, Paulo Portas «manifestou a vontade pessoal» de assistir à missa alegando «a simpatia que nutria pela irmã Lúcia e pela sua devoção a Fátima».

O cidadão Paulo Portas pode ir a várias missas diárias, empanturrar-se de hóstias, fazer calos nos joelhos com genuflexões, entortar a coluna vertebral de tanto a vergar em cerimónias religiosas, persignar-se constantemente e invocar o nome de Deus a cada momento. O ministro da Defesa, porém, não pode nem deve rastejar aos pés dos padres, afocinhar perante um bispo ou lamber-lhe o anel. É o Estado que fica de rastos com a humilhação do ministro e o aviltamento do devoto.