Portanto, a «liberdade» na acepção doutrinal católica consiste em seguir um caminho único, o de uma «verdade» auto-proclamada, a fé, e na ausência desta a liberdade não se realiza. Ou seja, segundo a divagação papal, quem não é crente não é livre. E, pergunta o leitor, quem dá acesso a tal «verdade»? O parágrafo 2 esclarece:
Submete-se, deste modo, a liberdade de consciência à autoridade eclesial (católica, claro). E poder-se-á exercer a liberdade, recusando esta «verdade» e as suas consequências? O parágrafo 15 responde de forma categórica que a «verdade revelada» institui uma «obrigação»:
A autonomia individual só pode, portanto, ser condenada sem ambiguidades (parágrafo 107):
O indivíduo não pode portanto querer ser senhor do seu destino. Querer fazê-lo é «iludir-se» e afastar-se da «grandeza». Segue-se, inexoravelmente, a ideia de que quem não aceita isto não tem a mesma dignidade de quem o aceita, e de que só é verdadeiramente «homem» quem tem «fé», mas não uma fé qualquer (parágrafo 102)…
E está tudo dito. Segundo Karol Wojtyla só se é livre se se for crente, essa crença é definida pela ICAR, implica que se abandone a liberdade individual aos ditames da ICAR, e quem não quiser nada disto é menos homem. Ou menos mulher, se considerarmos as consequências práticas mais gravosas, que não devem espantar ninguém que conheça o pensamento totalitário de Karol Wojtyla…
Chega-nos da Colômbia a notícia de que, aproveitando todo o momento mediático, um artista de banda desenhada arrancou com a publicação de uma BD do papa.
Ilustrando a sua vida? – perguntará o leitor.
Não. O papa será um super-herói. Ressuscitado da morte para combater satanás. E como qualquer leitor de quadradinhos sabe, um super-herói, neste caso o «homem-papa», «Homopapa» ou «Homopater» não dispensa toda uma parafernália de equipamento com poderes especiais no combate do mal.
É a capa anti-satânica, o ceptro energético, são as calcinhas da castidade, os bolsos cheios de imagens menoritas, àgua benta e uma bíblia sagrada. Um bom super-herói não dispensa nenhuma ferramenta para um trabalho bem feito! Afinal, os seus arqui-inimigos muitas vezes nem usam calcinhas.
Segundo o autor, o homopapa irá ter crossovers (expressão do meio, que descreve histórias onde vários super-heróis se encontram) com o super-homem e o batman. Com os quais, o homo papa irá aprender a lutar contra o mal.
O autor, católico não praticante, nega qualquer oportunismo e declara-se um grande admirador de sua santidade, aprestando-se a dizer que esta é a sua maneira de o homenagear.
O que é que querem que eu diga?! O circo começa e o homem nem sequer está enterrado. De um lado temos os católicos de elite com voos místicos e apocalípticos, passando pela numerologia barata, do outro os católicos não praticantes cheios de esperteza saloia.
E ainda querem que não se ligue ao kitsch e aos fait divers? Como haviamos de nos rir de nós próprios e da humanidade? A realidade será sempre mais estranha que qualquer ficção…
P.S-> O autor será publicado pela DC Comics e já planeiam a distribuição no México e na Polónia, para além da Colômbia natal. Pelo andamento da carruagem ainda se publica em Portugal.
A exibição do corpo de João Paulo II lembra os caçadores furtivos que antigamente mendigavam pelas portas mostrando como troféu o cadáver de um lobo, uma raposa ou um gato bravo. Os predadores exploravam o animal morto enquanto o cheiro do bicho e o óbolo dos curiosos o permitiam.
Esta semana o turismo fúnebre virou-se para Roma. De todo o mundo afluem multidões impelidas pela pressão mediática, num tropismo lúgubre de sabor necrófilo. Políticos e clérigos exibem-se em promíscua cumplicidade, por entre multidões de devotos, num espectáculo de mútua indignidade e recíproca subserviência.
A mórbida satisfação de verem um papa amortalhado é lenitivo bastante para suportar o cheiro nauseabundo das essências canónicas misturadas com os fluidos de corpos que se comprimem a reclamar um banho.
Uma semana é pouco tempo na vida de um corpo decrépito mas é uma eternidade para um cadáver em bom estado à espera de funeral. Não há incenso que disfarce, nem pituitária que resista. E um papa, depois de morto, não devia cheirar pior.
O Vaticano não tem maternidade, todo ele é um cemitério. A vida pouco conta naquele bairro, é um mero pretexto da retórica contra o aborto. A morte, essa sim, é a matéria prima de que se alimenta a fé, a angústia e o medo.
Os festejos fúnebres duram uma semana. Os abutres que velam o cadáver exultam com a morte e exaltam o sofrimento. A comunicação social amplia a vertigem mortuária e promove a orgia fúnebre a que não falta a adequada coreografia para comover os fiéis e dilatar a fé.
O espectáculo é obsceno. Recria-se o esplendor da contra-reforma servido por modernos meios de comunicação. Onde está o respeito por um cadáver que se exibe e explora? Mas que pode esperar-se do Estado totalitário que nunca assinou a Declaração dos Direitos Humanos do Conselho da Europa?
A iniciativa da Associação República e Laicidade (ARL) de pedir o fim dos crucifixos e dos rituais religiosos na escola pública desencadeou um debate salutar, que tem sido particularmente vivo no blogue Barnabé. O debate parece ter amainado nas últimas horas, e podem portanto retirar-se algumas conclusões.
Continua a espantar-me o debate e a polémica sobre a questão dos crucifixos na sala de aula.
Sinceramente nunca pensei que fosse uma questão polémica. Sempre considerei que qualquer católico de bom senso subscreveria a posição da ARL (Associação República e Laicidade) e que a questão dos crucifixos na sala de aula só não estaria resolvida por questões de inércia burocrática, e falta de empenho nessa questão (estamos todos de acordo que não é prioritária – mas é de muito fácil resolução).
Nem me passou pela cabeça que tantas pessoas ficassem revoltadas com a posição da ARL, e não entendessem qual a razão para retirar os ditos crucifixos. Já tentei explicar por palavras, mas resolvi fazer um pequeno esboço, que talvez seja mais explícito, visto que as palavras têm-se mostrado insuficientes:
Ninguém gostaria de ver a segunda imagem, pois não? Nem numa aldeia onde o satanismo fosse uma «tradição cultural» e numa escola oficial onde a maioria dos professores fossem satânicos. Se viajassem para tal aldeia, para aí viver, eram bem capazes de gostar que tais símbolos fossem retirados, já que o director da escola nem sequer permitiria uma imagem cristã na sala de aula dos vossos filhos. Eu gostaria que tais símbolos satânicos fossem retirados.
Façam lá a analogia…
O estado não é cristão, islâmico, satânico, budista, ateu ou agnóstico. E não deve ser! O estado deve ser laico. Indiferente às religiões ou posições religiosas, não fazer propaganda nem às religiões, nem à ausência delas. Cada cidadão opta em total liberdade, sem a pressão do estado para fazer esta ou aquela escolha.
E se eu acharia mal ver um símbolo ateu no topo da sala de aula, pois o estado não tem nada que fazer propaganda ao ateísmo, também acho mal ver uma cruz (assumindo que não tem valor artístico especial, etc…).
Será a minha posição tão difícil de entender?
São 1:41 da manhã e a RTP1 está a passar um telefime sobre o famoso «julgamento dos macaquinhos» em 1925 no Tennesse. John Scopes, um professor de uma escola primária foi preso por explicar a evolução aos seus alunos, contrariando a famosa lei Butler que proibia o ensino da evolução nas escolas do estado de Tennesse.
Já tive a oportunidade de ver o telefilme e trata-se, na minha opinião, de mais uma lavagem de um clássico de Hollywood, em que o politicamente obrigatório hollywoodesco pinta, como de costume para não desagradar demais os seus espectadores fanáticos, os ateus como nihilistas psicóticos que procuram perseguir a religião, na figura do jornalista Hornbeck.
Mesmo assim, o filme original é considerado um dos filmes melhor realizados de todos os tempos e produziu uma peça para a broadway que hoje é representada, algures no planeta, todos os dias.
A escolha da RTP não é inocente. Tratam-se de migalhas para manter as aparências. Tendo-se embrenhado na orgia mediática à volta da morte de Karol Wojtila que o lobby católico preparou nos meios de comunicação social, tentam com esta gotinha acalmar críticas que provavelmente têm sentido por toda a parte…
Querem queixar-se? O número da linha de Atendimento ao Espectador da RTP1:
Chega da/do papa que nos querem fazer comer!!!
Chega de pintarem os ateus e agnósticos como o bicho papão!!!
Se não for a constituição, também pagamos impostos!!!
Desde a morte do papa João Paulo II que se tem observado um brutal esquecimento não só dos nossos meios de comunicação social, mas também dos nossos representantes políticos democraticamente eleitos de que há mais mundo para além da religião e de que nem todos os cidadãos deste mundo são católicos e, muito menos, religiosos.
De facto, desde os espaços informativos televisivos aos jornalísticos – comentadores incluídos – que observamos uma estranha lavagem das atrocidades que este papa defendeu implícita ou explicitamente bem como de certas tomadas de posição que não se coadunam com a actual conjuntura social do mundo. Os «media» limitam-se a apresentar uma visão cor-de-rosa das últimas duas décadas de pontificado, mostrando João Paulo II como um lutador pelos interesses dos jovens, dos mais desfavorecidos e de todos os outros cidadãos do mundo. Como já mostrámos no Diário Ateísta, as coisas não são assim tão simples.
Quanto à nossa classe política, hoje ficamos a saber que o senhor Presidente da República, para além dos rasgados elogios que teceu, disponibilizou o «Falcon» da República Portuguesa para que servisse de meio de transporte de José Policarpo e respectiva comitiva, bispo de Lisboa, para Itália.
O PSD, na pessoa do líder interino do seu grupo parlamentar, Marques Guedes, propôs que o período antes da ordem do dia do primeiro plenário desta semana, na quinta-feira, «seja substituído por uma condigna sessão de homenagem ao Santo Padre, com intervenções de todas as bancadas e a aprovação de um voto de pesar». Não se ficando por aqui, Marques Guedes sugere que o voto de pesar seja apresentado no plenário pelo presidente da Assembleia da República, a segunda figura mais importante da República. O social-democrata justifica esta posição dizendo que «a morte de Sua Santidade, o Papa João Paulo II, toca fundo na alma nacional e deixa emocionada a esmagadora maioria dos portugueses».
O CDS-PP, coerentemente, no passado Sábado, anunciou que iria propor ao Presidente da Assembleia da República uma sessão parlamentar especial para evocar a memória do responsável máximo da Igreja Católica.
E, agora pergunto, o resto dos portugueses que são representados pela Assembleia da República e que não são católicos? Deverão eles suportar este atropelo à laicidade? Deverá o nosso Estado prostrar-se face a esta demonstração prosélita de poder e influência da Igreja Católica? Não. Jamais. Como defensores da Laicidade e, assim, da Igualdade devemos pugnar para que esta submissão não passe despercebida aos olhos dos nossos concidadãos.
No passado Sábado, abriu-se a sucessão para o cargo mais importante da jerarquia da Igreja Católica Apostólica e Romana, também conhecida por ICAR. Nas próximas semanas assistiremos à apresentação de várias nomes que ocuparão, nos próximos tempos, o lugar de bispo de Roma.
Para que o caro leitor não seja bombardeado com as informações religiosas em vão, encontrei uma forma de as capitalizar: no site «Paddy Power Online betting on Horse Racing, Soccer, Tennis & Lotteries» poderá apostar sobre a identidade do próximo papa e também no nome que adoptará.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.