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13 de Abril, 2005 Carlos Esperança

JP2 deve ser canonizado

A urgência da canonização do Papa Wojtyla é um desejo irreprimível dos numerosos órfãos que deixou. De facto, ele bem merece. Canonizou gente muito pior.

13 de Abril, 2005 Carlos Esperança

A eleição do Papa

«Deus já escolheu» [o futuro Papa].
(Afirmação do Sr. José Policarpo em carta à diocese de Lisboa)

Não se percebe a necessidade da deslocação a Roma de tantos cardeais. Bastava um telegrama do Céu, com a assinatura de Deus, a comunicar a decisão.

13 de Abril, 2005 jvasco

Um Deus cruel

«Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela; e porque estreita é a porta, e apertado o caminho que conduz à vida, e poucos são os que a encontram»
Mateus 7:13

O Deus da mitologia cristã é conhecido pelos crentes por ser um Deus perfeito, de amor e de bondade. Também é conhecido por ser um Deus omnisciente, omnipresente e omnipotente. Creio que tudo isto está em evidente contradição com as escrituras sobre as quais essa mitologia é baseada.

Basta considerarmos o seguinte: o Inferno é, de acordo com essas escrituras, um lugar de sofrimento terrível e eterno. De acordo com essas escrituras, é o destino da maioria da humanidade. Assim sendo, o Deus da mitologia cristã decidiu, quando criou o mundo, fazer a maioria da humanidade por si criada sofrer um castigo terrível e eterno.

Qualquer cristão argumentará que não é bem assim: «não é Deus que condena as pessoas ao Inferno, Ele apenas lhes dá a Liberdade para escolherem, ele quer que elas escolham o céu!». Mas a verdade é que esse Deus já sabe a escolha que a maioria daqueles que criou vai fazer. Já sabe que qualquer um deles se vai eternamente arrepender da sua escolha, e que qualquer um deles preferia nunca ter existido, a ter sido criado tendo o sofrimento eterno como destino. Ainda assim Deus decidiu criá-los a todos. Quanta maldade, quanta crueldade é que tal acção representaria? Uma infinita maldade. Uma infinita crueldade. Ideal para a megalomania da mitologia cristã, que insiste em chamar a tal Deus, «um Deus de amor».

Imaginemos a seguinte imagem: um indivíduo teve, ao longo da sua vida, 13 filhos. A cada um destes, quando tinham 2 anos, deu-lhes a seguinte escolha: «Que é que preferes, estes espinafres, ou este bolo? Podes escolher o que quiseres, mas peço-te que não escolhas o bolo, pois será muito mau para ti, e eu ficarei triste». Estando o bolo envenenado, e sendo da natureza das crianças de dois anos preferirem doces a espinafres, ligando pouco a certas recomendações, 12 dos 13 filhos morreram. O filho que não morreu foi muito amado e recebeu todo o carinho e amor do pai.

Acharemos nós que este pai é amoroso e carinhoso? Considerá-lo-emos um bom pai?

Ele queria que todos os filhos escolhessem os espinafres, mas tinha de lhes dar a «Liberdade» para escolherem. Que maior prova de amor? Ele sofreu por todos os filhos que morreram, chorando amargamente. Ele acarinhou e protegeu o filho que fez a escolha certa durante toda a sua vida.

Não!
Este pai é horrível! Doentio!
De uma falta de amor indescritível!

Mas infinitamente pior é o Deus da mitologia cristã. Pois o pai do exemplo, mata os seus filhos, algo infinitamente menos cruel do que presenteá-los com o sofrimento eterno.

E o pai do exemplo, pode supor que muitos filhos vão escolher o bolo, mas o Deus da mitologia Cristã sabe que a maioria daqueles que criou escolherão o caminho do Inferno, e ainda assim tendo (pela sua omnipotência) o poder de criar apenas aqueles que vão escolher a salvação, preferiu criar todos.

Ainda bem que um Deus assim não existe.

13 de Abril, 2005 jvasco

Sintomático…

A Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) gosta de impôr as suas regras a todos: crentes e não-crentes.

Veja-se, por exemplo, esta notícia muito curiosa: em Timor, o governo quer tornar facultativo o ensino da religião. A ICAR reage acusando o governo de «atentar ‘contra a convicção e referências fundamentais dos timorenses’, ao mesmo tempo que ‘minimiza a Sagrada Escritura’» .

Não parece familiar? Por cá, quem pretende que as escolas públicas não tenham crucifixos pendurados nas paredes, é considerado por alguns um «fanático ateu» que quer impôr a laicidade aos outros. Do outro lado do planeta, um governo que quer tornar facultativo o ensino do cristianismo é acusado de «atentar contra a Igreja». Só muda o cenário, o teatro é o mesmo.

12 de Abril, 2005 Carlos Esperança

Ele não está aqui

Deus não está aqui mas vai andar por aí, pelas caixas de comentários, a escrever pias inanidades, a mostrar a face intolerante, o ódio fanático e rudimentares conhecimentos de português, com pseudónimos ou sob anonimato.

Deus não está aqui mas tem umas santas alimárias sempre prontas a repetir o que diz o Papa, câmaras de eco de uma burla monumental com dois milénios de existência, prontas a jurar que Deus curou o olho esquerdo de D. Guilhermina, cego com óleo fervente a fritar peixe, por intercessão de Nuno Álvares Pereira.

Deus não está aqui mas não falta quem garanta tê-lo visto curar o tumor cerebral de um judeu que chupou uma hóstia das mãos de JP2, um caso raro de milagre para clientes de outro Deus, na pessoa de um blasfemo que se atirou ao corpo e sangue de JC sem a purificação do baptismo e uma confissão bem feita.

Deus não está aqui mas vão andar por aí o Opus Dei, a Comunhão e Libertação e um exército colossal de cardeais, bispos, padres e beatos que dispõem de somas gigantescas de dinheiro, poder e influência; que não hesitam em recorrer a armas iníquas para promover a mercadoria que nunca viram mas cuja existência juram; que lutam com a convicção de um cientista e o fanatismo de um crente.

Deus não está aqui mas vai andar por aí a máquina colossal de propaganda que aceitou pacificamente a criação de 448 santos e 1338 beatos entre bem-aventurados de conduta duvidosa, comportamentos pusilânimes e acções reprováveis e que nem duvidou dos milagres que cadáveres em avançado estado de decomposição fizeram para maior glória de Deus e proveito da Santa Madre Igreja.

Deus não está aqui mas vai andar por aí a ICAR e os seus vassalos açulados contra o laicismo, a liberdade e o ateísmo.

12 de Abril, 2005 pfontela

Bastiões da fé

Há regiões do ocidente onde historicamente a religião sempre exerceu grande influência, e na maior parte dos casos (se não todos) essa influência traduziu-se pela infiltração das esferas do poder político e pela criação e manutenção duma ortodoxia violentamente repressiva. Um desses casos é a Irlanda, um país que recentemente viveu um verdadeiro milagre económico, sendo sempre o exemplo citado para outros seguirem. Veio a público um estudo em que ficou claro que esta evolução económica foi acompanhada de uma evolução social.

A percentagem de Irlandeses que diziam ter confiança nas igrejas (sendo que na Irlanda igrejas é quase sinónimo de ICAR) baixou entre o período de 1990 a 2000 de 72% para 52%. E a percentagem daqueles que acreditam que a religião possui respostas para os problemas morais também baixou, de 42% para 30%. As posições de oposição a outros temas seguiram pelo mesmo caminho: aborto (de 53% para 51%), drogas leves (de 88% para 72%), homossexualidade (de 52% para 37%) e divórcio (de 31% para 26%).

Não se pense que a Irlanda em 10 anos passou a ser um paraíso liberal, trata-se ainda de um dos países onde a ICAR tem mais peso e onde a tradição ainda pesa sobre os costumes, mas fica claro que a situação está a mudar a um ritmo acelerado. Se a Irlanda mudou (e ainda está a mudar) então ainda existe esperança para outras fortalezas do clericalismo e do fanatismo.

12 de Abril, 2005 jvasco

Vote no Hugo [repetição]

Não resisto.

Tenho bastantes ideias para escrever artigos, até mesmo de mais para o pouco tempo que tenho disponível para o fazer. No entanto, gosto muito de um texto que já cá tinha colocado, mas numa altura em que o nosso Diário tinha muito menos visitas e visibilidade.

É por isso que quero voltar a partilhar este texto de Jim Huber, adaptado por Tim Gorski.

VOTE NO HUGO

Hoje de manhã alguém bateu à minha porta. Era um casal bem vestido e arrumado. O homem falou primeiro, e disse

João: Olá! Eu sou João, e esta é a Maria.
Maria: Olá! Gostaríamos de convidá-lo a votar no Hugo connosco.
Eu: Como assim? O que é isso? Quem é Hugo, e porque é que vocês querem que eu vote nele? Nem é dia de eleição hoje.
João: Se votar no Hugo, ele dar-lhe-á um milhão de dólares, e se não, ele espanca-o.
Eu: Mas o que é isso? Extorsão da máfia?
João: Hugo é um multibilionário filantropo. Hugo construiu esta cidade. A cidade é dele. Ele pode fazer o que ele quiser, e ele quer dar-lhe um milhão de dólares, mas isso só é possível se você votar nele.
Eu: Mas isso não faz o menor sentido. Se o Hugo construiu a cidade, é dono dela e pode fazer o que quiser, então por que precisa ser eleito? E por que ele…
Maria: Quem é você para questionar o presente do Hugo? Você não quer o milhão de dólares? Não vale a pena por votar nele uma vez só?
Eu: Bom, talvez, se mesmo a sério, mas…
João: Então venha connosco votar no Hugo.
Eu: Vocês já votaram no Hugo?
Maria: Ah, claro, e…
Eu: E vocês já receberam o milhão de dólares?
João: Bom, na verdade não. Você só recebe o dinheiro depois de sair da cidade.
Eu: Então porque é que vocês não saem?
Maria: Você só sai quando o Hugo deixar, ou você não leva o dinheiro, e ele espanca-o.
Eu: Vocês conhecem alguém que tenha votado no Hugo, saído da cidade e ganho o dinheiro?
João: Minha mãe votou no Hugo por anos. Ela saiu da cidade ano passado, e tenho certeza de que ela ganhou o dinheiro.
Eu: Você não falou com ela depois disso?
João: Claro que não, o Hugo não deixa.
Eu: Então porque é que acha que ele vai dar-lhe o dinheiro se nunca falou com alguém que tivesse conseguido o dinheiro?
Maria: Bom, ele dá-lhe um pouco antes de você ir embora. Pode ser um aumento de salário, pode ser um pequeno prémio de lotaria, pode ser que você ache uma nota de cinquenta na rua.
Eu: E o que tem isso a ver com o Hugo?
João: O Hugo tem uns «contactos».
Eu: Sinto muito, mas isso parece-me muito estranho…
João: Mas é um milhão de dólares, você vai arriscar? E lembre-se, se você não votar no Hugo, ele espanca-o.
Eu: Talvez se eu pudesse ver o Hugo, falar com ele, ajustar os pormenores directamente com ele…
Maria: Ninguém vê o Hugo, ninguém fala com o Hugo.
Eu: Então como é que vocês votam nele?
João: Às vezes nós fechamos os olhos e votamos, pensando no Hugo. Às vezes votamos no Carlos, e ele conta ao Hugo.
Eu: Quem é o Carlos?
Maria: Um amigo nosso. Foi ele que nos ensinou a votar no Hugo. A gente só precisou de o levar a jantar algumas vezes.
Eu: E vocês simplesmente acreditaram no que ele disse, quando ele contou que existia um Hugo, e que o Hugo queria que vocês votassem nele, e que o Hugo daria uma recompensa?
João: Claro que não! Carlos trouxe uma carta que o Hugo lhe mandou anos atrás, explicando tudo. Tenho uma cópia aqui, veja você mesmo.

João entregou-me uma fotocópia de uma carta com o cabeçalho «Do punho de Carlos». Havia onze pontos ali:

1. Vote no Hugo e ele dar-lhe-á um milhão de dólares quando você sair da cidade.
2. Beba álcool com moderação.
3. Espanque quem não for como você.
4. Coma bem.
5. O próprio Hugo ditou esta lista.
6. A lua é feita de queijo verde.
7. Tudo que o Hugo diz está certo.
8. Lave as mãos depois de ir à casa de banho.
9. Não beba.
10. Só coma salsicha no pão, e sem condimentos.
11. Vote no Hugo, ou ele espanca-o.

Eu: Parece que isso foi escrito no bloco do Carlos.
Maria: Hugo não tinha papel.
Eu: Tenho um palpite que se fôssemos conferir, descobriríamos que essa letra é do Carlos.
João: Claro que é, o Hugo ditou.
Eu: Pensei que vocês tinham dito que ninguém vê o Hugo.
Maria: Agora não, mas tempos atrás ele falava com algumas pessoas.
Eu: Pensei que vocês tinham dito que ele era um filantropo. Como é que um filantropo bate nas pessoas só porque elas são diferentes?
Maria: É o desejo de Hugo, e o Hugo está sempre certo.
Eu: Como sabe?
Maria: O item 7 diz: «Tudo que o Hugo diz está certo». Para mim isso é suficiente.
Eu: Talvez o seu amigo Carlos tenha inventado isso tudo.
João: De jeito nenhum! O item 5 diz: «O próprio Hugo ditou esta carta». Além disso, o item 2 diz «beba álcool com moderação», o item 4 diz «coma bem», e o item 8 diz «lave as mãos depois de ir à casa de banho». Toda a gente sabe que isso está certo, então o resto deve ser verdade também.
Eu: Mas o item 9 diz «não beba», o que não bate com o item 2. E o item 6 diz que «a Lua é feita de queijo verde», o que está simplesmente errado.
João: Não há contradição entre 9 e 2, 9 só esclarece 2. E quanto ao 6, você nunca esteve na Lua, então não pode ter certeza.
Eu: A ciência já estabeleceu muito bem que a Lua é feita de rochas…
Maria: Mas eles não sabem se as rochas vieram da Terra ou do espaço, então poderiam muito bem ser queijo verde.
Eu: Não sou um perito, mas acho que a ideia é que dois ou mais corpos de bastante massa podem ter colidido durante a formação do sistema solar para criar o sistema Terra-Lua. Mas não saber exactamente como a Lua foi formada não tem nada a ver com ela ser feita de queijo.
João: Ah! Você acabou de admitir que os cientistas não podem ter certeza, mas nós sabemos que o Hugo está sempre certo!
Eu: Sabemos?
Maria: Claro, o item 5 diz isso.
Eu: Você está a dizer que o Hugo está sempre certo porque a lista diz, e a lista está certa porque o Hugo ditou, e sabemos que o Hugo ditou porque a lista diz. Isso é lógica circular, é a mesma coisa que dizer que «o Hugo está certo porque ele diz que está certo».
João: AGORA você entende! É tão bom ver alguém entender a forma de pensar do Hugo!
Eu: Mas… ah, deixem estar… E que história é essa com as salsichas?
João (enquanto Maria enrubesce): É um esclarecimento do item 4. Salsicha, só no pão, sem condimentos. É a maneira do Hugo. Qualquer coisa diferente disso é errado.
Eu: Mas então pode comer hamburguer sem pão? E bratwürst?
João: Espere aí, espere aí! Não vamos deixar as coisas mais complicadas do que elas são. É melhor deixar esses pormenores para os peritos profissionais no Hugo e suas regras.
Eu: E se não tiver pão?
João: Sem pão, nada de salsicha. Salsicha sem pão é errado.
Eu: Sem molho? Sem mostarda?
João (Gritando, enquanto Maria parece chocada): Não precisa falar assim! Condimentos de todos os tipos são errados!
Eu: Então uma pilha enorme de repolho azedo com umas salsichas picadas em cima, nem pensar?
Maria (enfiando os dedos nas orelhas): Eu não estou escutando!! La la la, la la, la la la.
João: Mas que nojento! Só um pervertido comeria isso…
Eu: Mas é bom! Eu como sempre!!
João (amparando Maria, que desmaia): Se eu soubesse que você era um desses, não teria desperdiçado meu tempo. Quando o Hugo o espancar, eu vou estar lá, contando meu dinheiro e rindo. Eu vou votar nele por você, seu comedor-de-salsicha-cortada-com-repolho!

E assim João arrastou Maria para o carro, e foram embora.

O original faz parte da página da igreja do pensamento livre, que gentilmente o cederam.

12 de Abril, 2005 fburnay

Física e Catolicismo?

Dei de caras com posters no IST que exibiam uma fotografia de Einstein com a seguinte frase: «A Realidade é um dado. Mas dado por quem?». Se se tratasse de um tema para um encontro de agnósticos, eu compreendia perfeitamente a indagação mascarada de citação. No entanto é curioso constatar que se trata de publicidade ao Happening 2005 do movimento Comunhão e Libertação que, entre outros locais, tem lugar no campus da Alameda esta semana. Frase algo idiota, diga-se, pretende certamente atingir as mentes quase-agnósticas e pouco críticas de alguns estudantes do instituto. Pressupôr-se-á então que a resposta seja «o Deus cristão, relatado na Bíblia, que todos devemos adorar conforme as indicações da Igreja Católica Apostólica Romana à qual pertence o membro que fundou o movimento Comunhão e Libertação»? É uma resposta forçada. Mas forçada por quem? Pela ICAR, naturalmente…
12 de Abril, 2005 Ricardo Alves

«O que pensa Alá da Europa?», por Chahdortt Djavann

No actual contexto internacional, poucas mulheres ex-muçulmanas têm a coragem de militar publicamente contra a opressão a que a religião islâmica condena as mulheres. Uma delas, já muitas vezes aqui referida no Diário Ateísta, é a ateia somali Ayaan Hirsi Ali (ler ali o resumo de uma entrevista recente). Outra, é a iraniana Chahdortt Djavann, da qual foi publicado recentemente o livro «O que pensa Alá da Europa?» (da mesma autora, já fora publicado «Abaixo os véus!»).
Neste seu último livro, Chahdortt Djavann contribui para o debate sobre a lei francesa que proíbe os símbolos religiosos ostensivos desmontando os argumentos pró-véu com desassombro e eficácia.
É impiedosa com os «intelectuais europeus» e os «sociólogos “compassivos”», que acusa de serem em parte ingénuos e em parte cúmplices. Obecados com a «identidade cultural» e o «multiculturalismo», estes intelectuais chegam a comparar o piercing e o umbigo ao léu ao uso do véu. Como nos diz, a diferença é que «nenhum regime obrigou à força de kalachnikov a totalidade das mulheres de um país a usar o umbigo ao léu (…) ao passo que o véu (…) é imposto a centenas de milhões de mulheres no mundo inteiro». Djavann recorda àqueles que afirmam que o véu é uma «expressão da liberdade individual», que o véu é «o emblema do sistema islamita», «o símbolo que permite toda a violência e toda a barbárie em relação às mulheres», que as transforma num «atractivo sexual» e «[num] bem exclusivamente reservado aos homens muçulmanos». A nossa autora acrescenta que as raparigas que aparecem na televisão a defender o seu véu como «uma escolha individual» são incapazes de condenar sem ambiguidades atentados às liberdades individuais como a lapidação de mulheres adúlteras. Só não percebe quem não quer: o véu não é só o véu, é o símbolo e a arma de todo um sistema de opressão social e sexual das mulheres.
A autora, que nunca se assume como ateia mas que o sugere ao escrever várias vezes «Alá, se existe (…)», é implacável na denúncia do Islão fundamentalista. Conforme explica, um sistema como o Islão, em que se é livre de entrar, mas em que a saída (a apostasia) é punida com a pena de morte, é um sistema totalitário. Chahdortt Djavann é portanto muito dura com uma religião e uma cultura que, afirma, só poderá evoluir se separar o pensamento filosófico do pensamento religioso. De particular interesse são as páginas que dedica aos islamitas radicados na Europa, que acusa de não quererem saber dos muçulmanos, explorados laboralmente e excluídos socialmente, pois a preocupação exclusiva desses islamitas é o avanço do Islão na sua versão mais integrista. Argumenta que estes islamitas estão em convergência objectiva com a extrema direita lepenista, algo com que não posso deixar de concordar.
Num livro de 74 páginas, escritas de forma escorreita e apaixonada, Chahdortt Djavann denuncia o racismo oportunista de alguns e defende a integração numa democracia laica dos imigrantes de cultura muçulmana (que, na sua maioria, nem serão muito praticantes da sua religião de origem), apostando, subentende-se, em que na Europa possa surgir um islão que desequilibre o fanatismo dos países de origem.
São poucas as mulheres com esta coragem. Convém ouvi-las.
(«O que pensa Alá da Europa», por Chahdortt Djavann. Editorial Teorema, 2005, 74 páginas.)
11 de Abril, 2005 Carlos Esperança

O momento Zen da segunda-feira

João César das Neves (JCN) raramente desilude. A homilia de ontem tem por título «Intercessão de São João Paulo Magno», epíteto que parece designar JP2 canonizado por JCN com a mesma legitimidade com que se aventura nas lucubrações teológicas com que semanalmente se dedica ao proselitismo que o há-de levar aos altares.

Com a displicência de quem não está na corrida para substituir JP2 vai dando conselhos para que a santa madre igreja, católica, apostólica, romana, se não transforme numa seita protestante. Para JCN «seita» é a religião cristã quando não obedece ao Papa.

O concílio de Trento, um momento ignóbil da ICAR, em que as mais retrógradas posições e os mais fanáticos desvarios teológicos foram consagrados, é definido pelo pio escriba do DN desta forma: «O século XVI viu o grandioso concílio de Trento (1545-1563), aplicado por um santo, São Pio V (Papa de 1566-1572(…)» contra a «terrível Reforma».

«Em 1590 cerca de metade da massa terrestre europeia estava sob o controlo de Governos protestantes e/ou da cultura protestante; em 1690 o número era apenas cerca de um quinto.» (MacCulloch, D. Reformation, Penguin Books, Londres, 2003, p.669). JCN nem lhe treme a mão a escrever estas enormidades, nem sente vergonha a lembrar-se da brutalidade criminosa da contra-Reforma que os santos papas promoveram com a prestimosa ajuda da santa inquisição.

JCN, na sua mistificação habitual, considera que JP2 teve «um imponente pontificado» e que a sua morte pôs termo ao concílio Vaticano II que, supostamente, teria levado à prática com as suas posições autoritárias, retrógradas e estalinistas. Claro que foi justamente o contrário. Mas que poderia esperar-se de quem acredita que «a presença do Espírito Santo dá vida ao corpo místico de Jesus Cristo, que conta agora com a poderosa intercessão de São João Paulo Magno»?