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21 de Abril, 2005 jvasco

Não temos nada melhor para fazer?

A crítica à ICAR (Igreja Católica Apostólica Romana) é ainda um tabu. Não importa quão legítima ela seja, não importa quão cordato seja o tom, não importa que o façamos num espaço onde nenhum católico é obrigado a «tropeçar» em textos que não quer ler. Não importa nada disso, há vários católicos que ficam revoltados com a existência de críticas à ICAR.

Muitas vezes a revolta é tão independente da crítica em questão, que pouco importam os argumentos. É nessa circustância que surgem várias ladaínhas recorrentes. Uma delas é esta:

«Vocês não têm mais nada que fazer? Porque é que estão sempre a criticar a ICAR Porque é que isso é tão importante para vocês? Porque é que vocês vivem para criticar a ICAR?»

Deixem prestar-vos alguns esclarecimentos. Neste Diário são publicados cerca de 20 textos por semana. Somos 10 autores, e eu, curiosamente, escrevo cerca de um décimo dos textos. Isso dá uma média de cerca de dois textos por semana. A fiar-me no meu perfil, escrevo uma média de 241 palavras por artigo. Isso dá um esforço semanal de menos de 500 palavras escritas, menos de uma página de texto.

Deixem-me dar-vos uma novidade: eu não preciso de dedicar todo o meu tempo livre para escrever uma página de texto semanal. Eu não preciso de «viver para críticar a ICAR» para ter motivação para escrever essa página. É lamentável que pareça, aos olhos de alguém, tão escandalosamente trabalhosa a produção semanal de uma página de texto. Não abona nada de positivo a respeito dessa pessoa.

É óbvio que este blogue não existe só para criticar a ICAR. Muitos nos nossos artigos falam das religiões em abstracto, e de outras religiões (o Islamismo, o Induísmo, o Paganismo) e Igrejas (IURD, testemunhas de Jeová, Evangélicos) em concreto. Estranhamente esses artigos não parecem «incomodar» os nossos leitores crentes, não parecem suscitar neles estas dúvidas acerca da forma como dispendemos o nosso tempo livre, e acerca dos nossos objectivos de vida.

E se eu realmente dispendesse muito tempo a criticar algo que me parecesse errado? Qual era o problema? Era por isso que as minhas críticas seriam menos legítimas?

São interrogações que não passam pela cabeça daqueles que não suportam críticas a uma Igreja, não importando o quão legítimas elas sejam.

21 de Abril, 2005 Palmira Silva

O útero segundo Bento XVI

Respostas às dúvidas propostas sobre o «isolamento uterino» e outras questões

Os Padres da Congregação para a Doutrina da Fé, às dúvidas apresentadas na assembleia ordinária e abaixo referidas, julgaram dever responder a cada uma como segue:

(…)
2. Quando o útero (por exemplo por causa de operações cesarianas precedentes) se acha num tal estado que mesmo não constituindo em si um risco imediato para a vida ou a saúde da mulher, não seja previsivelmente mais em condição de chegar ao fim de uma futura gravidez sem perigo para a mãe, perigo que em alguns casos poderia resultar mesmo grave, é lícito extirpá-lo (histerectomia), com a finalidade de prevenir um possível perigo futuro proveniente pela concepção ?

R. Não.

3. Na idêntica situação do número 2 citado acima, é lícito substituir a histerectomia pela laqueamento das trompas (procedimento chamado também ‘isolamento uterino’) tendo em conta que se atinge o mesmo fim preventivo dos riscos de uma eventual gravidez, com um procedimento muito mais simples para o médico e menos molesto para a mulher e que além disso, em alguns casos a esterilidade assim adquirida pode ser reversível ?

R. Não.

Explicação
(…)
Diferente, do ponto de vista moral, se apresenta o caso de procedimento de histerectomia e de ‘isolamento uterino’ nas circunstâncias descritas nos números 2 e 3; eles entram no caso moral da esterilização directa, a qual, no documento Quaecumque sterilizatio ( AAS LXVIII – 1976, 738-740, n. 1 ), vem definida como uma acção que «tem por único efeito imediato, tornar a capacidade de gerar incapaz de procriar». «Por isso», continua o mesmo documento «não obstante toda subjectiva boa intenção daqueles cujas operações são inspiradas pelo cuidado ou pela prevenção de uma doença física ou mental, prevista ou temida como resultado de uma gravidez, tal esterilização permanece absolutamente proíbida segundo a doutrina da Igreja».

(…) Portanto os procedimentos acima descritos não têm um carácter propriamente terapêutico, mas são realizados para tornar estéreis os futuros actos sexuais ferteis, livremente realizados. O fim de evitar os riscos para a mãe, derivados de uma eventual gravidez, vem portanto prejudicado com o meio de uma esterilização directa, em si mesma sempre moralmente ilícita, enquanto outras vias moralmente lícitas ficam abertas à uma livre escolha.

A opinião contrária, que considera as supracitadas práticas referidas nos números 2 e 3 como esterilização indirecta, lícita em certas condições, não pode portanto considerar-se válida e não pode ser seguida na praxe dos hospitais católicos.

21 de Abril, 2005 Carlos Esperança

Timor – Um protectorado do Vaticano (2)

Em 26 de Março escrevi no Diário Ateísta, sob o título em epígrafe, um artigo sobre a ausência de liberdade religiosa em Timor, tema a que o João Vasco voltaria, há uma semana, com o artigo denominado «Sintomático…».

Não sei se é a influência do desvario islâmico, que grassa na região, ou a natureza da ICAR, apenas contida nos Estados laicos, que leva os dois bispos de Timor a açular as populações autóctones contra o primeiro-ministro Mari Alkatiri, a quem acusam de chefiar um «regime antidemocrático» pelo facto de pretender diminuir o peso da religião nas escolas públicas.

Ontem, a ICAR passou a ter como monarca absoluto e vitalício Bento XVI, um misto de Tomás de Torquemada e de Carol Wojtyla, que, tal como os bispos de Timor, defende que «só na Igreja Católica» está a salvação, visão totalitária que sobreviveu ao concílio Vaticano II, que a repudiou pela primeira vez.

No mesmo dia em que o inquisidor se tornou Papa, os bispos de Dili e de Baucau, largaram nas ruas da capital de Timor, sob o comando do padre Benâncio Araújo, cinco mil timorenses armados de terços e imagens da Virgem, numa manifestação contra o Governo, que acusam de antidemocrático por pretender tornar facultativa a disciplina de religião e reduzir a sua carga horária.

O padre Benâncio, porta-voz da Diocese de Dili, apelou ainda a outros membros da ICAR para organizarem manifestações para «derrubar o regime antidemocrático», eleito democraticamente.

O episcopado timorense exige o ensino obrigatório da religião na escola pública. Desde há dois meses, a Igreja católica não se limita a rezar. Combate e uiva, agora cada vez mais raivosa e em sintonia com o novo pastor alemão.

Portugal e a Europa poderão defender a liberdade religiosa em Timor?

20 de Abril, 2005 Carlos Esperança

Bento XVI – pastor alemão

O facto de os cardeais terem escolhido entre si o pastor alemão Ratzinger para o redil da ICAR, justifica uma segunda publicação no Diário Ateísta do texto escrito em 15-02-2001 para o «Diário as Beiras», de Coimbra.

O Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Sagrada Congregação da Fé (ex. Santo Ofício) num ensaio consagrado à liturgia, em 11 de Fevereiro de 2001, criticou severamente a música rock e pop e manifestou reservas em relação à ópera que acusa de ter «corroído o sagrado» de tal modo que – cita – o papa Pio X «tentou afastar a música de ópera da liturgia», donde se deduz que ela é claramente desajustada à salvação da alma.

Eu já tinha desconfiado que certa música é a «expressão de paixões elementares» e que o «ritmo perturba os espíritos», estimula os sentidos e conduz à luxúria. Salvou-me de pecar a dureza de ouvido que tinha por defeito e, afinal, era bênção.
Mas nunca uma tão relevante autoridade eclesiástica tinha sido tão clara quanto aos malefícios da música, descontada a que se destina à glorificação do Senhor, à encomendação das almas ou a cerimónias litúrgicas (outrora com o piedoso sacrifício dos sopranistas).

Espero que o gregoriano, sobretudo se destinado à missa cantada, bem como o Requiem, apesar do valor melódico, possam ressarcir-nos a alma dos danos causados pelo frenesim da valsa, a volúpia do tango ou a euforia de certos concertos profanos.
Só agora, mercê das avisadas palavras de Sua Eminência, me interrogo sobre a acção deletéria do Rigoleto ou da Traviata, dos pensamentos pecaminosos que Aida ou Otelo poderão ter desencadeado em donzelas – para só falar de Verdi – ou dos instintos acordados pela Flauta Encantada de Mozart ou pelo Fidélio de Beethoven! E não me venham com a desculpa de que há diferenças entre a ópera dramática e a cómica, ou entre esta e a bufa.

A música, geralmente personificada na figura de uma mulher coroada de loiros, com uma lira ou outro qualquer instrumento musical na mão, já nos devia alertar para o pecado oculto na arte de combinar harmoniosamente os sons.

Sua Eminência fez bem na denúncia. Espera-se agora que, à semelhança das listas que publicou com os pecados veniais e mortais e respectivas informações complementares para os distinguir, meta ombros à tarefa ciclópica de catalogar as várias músicas e os numerosos instrumentos em função do seu potencial pecaminoso.

Penso que a música sacra é sempre de louvar (desde que dispensados os eunucos), enquanto a música de câmara, a ser executada em reuniões íntimas, é de pôr no índex. Na música instrumental, embora o adjectivo seja suspeito, talvez não haja grande mal, mas quanto à música cifrada não tenho dúvidas de que transporta uma potencial subversão.

Nos instrumentos há-os virtuosos, como o sino, o xilofone, as castanholas e quase todos os de percussão, deixando-me algumas dúvidas, mais por causa do nome, o berimbau.

Nos de corda, excepção para o contrabaixo e, eventualmente, o piano (excluídas perigosas execuções a quatro mãos) quase todos têm riscos a evitar. A lira, o banjo, a cítara, o bandolim e o violino produzem sons que conduzem à exacerbação dos sentidos.

Mas perigosos mesmo – a meu ver – são os instrumentos de sopro. Abro uma excepção para os órgãos de tubos que nas catedrais se destinam a glorificar o Altíssimo. Todos os outros me parecem pecaminosos. A flauta, o clarim, o fagote, o pífaro e a ocarina estimulam directamente os lábios e, desde o contacto eventualmente afrodisíaco aos sons facilmente lascivos, tudo se conjuga para amolecer a vigilância e deixar-nos escravizar pelos sentidos. Nem o acordeão, a corneta de pistões ou a gaita de foles me merecem confiança.

20 de Abril, 2005 Palmira Silva

Música benta para ouvidos ateus?

Num ponto estou em desacordo com os meus colegas de blog: a eleição de quem eu considerava o mais provável sucessor de João Paulo II, por uma simples análise política de uma instituição que reitero como puramente política, não constitui motivo de regozijo. Simplesmente porque a minha análise global dos cenários que esta calamidade implica é francamente negativa.

Apesar de não acreditar em profecias «nostradâmicas» ou «malaquianas» que prevêm este Gloria Olivae como o penúltimo Papa, acho que as consequências da eleição deste Papa, para quem o epíteto ultra conservador é um eufemismo, serão desastrosas. Direi mesmo que o dia de hoje, 19 de Abril de 2005, pode constituir um marco para um retrocesso civilizacional que será muito difícil de recuperar. Para que tal não aconteça nós, ateístas, agnósticos e, como tive a grata surpresa de confirmar agora mesmo na SIC Notícias, alguns católicos, temos de redobrar os nossos esforços para combater os inevitáveis ataques à laicidade e ao apelidado relativismo moderno, que espero esclarecer num próximo post.

Não é um bom augúrio um Papa que considera que «Se os divorciados se casam civilmente, ficam numa situação objectivamente contrária à lei de Deus. Por isso, não podem aproximar-se da comunhão eucarística» assim como «O fiel que convive habitualmente more uxorio com uma pessoa que não é a legítima esposa ou o legítimo marido, não pode receber a comunhão eucarística».

Mesmo em termos estéticos e musicais este Papa tem uma palavra a dizer condenando a música rock como um «contra-culto que se opõe ao culto cristão», acusando ainda a música de ópera de ter «corroído o sagrado».

Claro que algumas das conquistas do século passado vão estar sob ataque cerrado, nomeadamente o fim da discriminação de sexos, opção sexual ou de religião. De facto este Papa considera as mulheres como divinamente predestinadas à dominação do homem, condenando, entre inúmeras outras coisas, a emancipação da mulher, recuperando toda a letra da encíclica Casti Connubii do pio Pio XI.

De igual forma deixou claro e de forma «incisiva» a sua rejeição às uniões homossexuais. Segundo Joseph Ratzinger e, podemos pressupor, Bento XVI: «diante do reconhecimento legal das uniões homossexuais (…) é necessário opôr-se de forma clara e incisiva. Há que se abster de qualquer tipo de cooperação formal à promulgação ou aplicação de leis tão gravemente injustas». Esta posição anacrónica e tão vigorosa de apelo à desobediência civil , expressa nas santas «Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais», mereceu de Mario Vargas Llosa um artigo que recomendo.

E, claro, o suposto diálogo ecuménico foi abruptamente interrompido quando se elegeu como Papa o autor do Dominus Iesus.

Voltamos assim em pleno e sem rodeios diplomáticos a uma Igreja com um referencial centrado na mui glorificada Idade Média das Cruzadas e caça às bruxas e hereges! Para que o fim desta história não seja uma reedição da História negra da Humanidade temos de unir esforços, todos, ateus, agnósticos e crentes com referencial no século XXI!

19 de Abril, 2005 jvasco

Mas o que é que nós temos com isso?

Várias vezes oiço católicos queixarem-se da atitude dos ateus a propósito de toda a questão relacionada com a escolha do novo Papa.

«Epá, porque é que se metem onde não são chamados? O Papa é o líder de uma Igreja a que não querem pertencer, então porque é que têm de se pôr a dizer se acham bem, ou acham mal, se preferem este ou aquele?»

Devo dizer que este tipo de discurso não me sensibiliza muito. Acho-o mesmo um bocado pateta.

Até parece que não faz sentido um português pronunciar-se sobre as eleições norte-americanas. Dizer que considera que Bush governa bem, ou afirmar que Bush é um mau líder.
Até parece que não faz sentido dar qualquer opinião sobre um chefe de um estado que não o nosso (é isso que o Vaticano é). Fidel, Berlusconi, Tony Blair. Será que quando dizemos o que pensamos sobre eles (bem ou mal) esperamos que alguém nos venha dizer que não é nada connosco porque somos portugueses?

O Papa tem uma influência enorme sobre a nossa sociedade. As suas posições e escolhas influenciam fortemente todos os católicos, mas também os restantes cristãos, ateus, os agnósticos, os islâmicos, os indus, etc… Que sentido é que faz condenar um não-católico por dar a sua opinião sobre o Papa?

Claro que não faz nenhum. E tanto é assim que, se der uma opinião positiva sobre o Papa, nunca vou ouvir essa ladaínha de que não tenho nada com isso. Se der uma opinião positiva, qualquer católico a ouvirá e ponderará.

Eu preocupo-me com o mundo que me rodeia. Por essa razão, mesmo que não dê a importância que daria se fosse católico, considero a escolha do novo Papa um acontecimento incontornável da actualidade.
E faz tanto sentido que me pronuncie sobre ela (apreciando positiva ou negativamente) como sobre outra qualquer que tenha a mesma importância.

PS- Já agora esclareço: a escolha dos cardeais parece-me lamentável.
Comentando o artigo da Palmira (em que ela previu acertadamente o nome escolhido) pessoalmente disse-lhe que a Igreja Católica não podia ser assim tão retrógada.
Enganei-me…

19 de Abril, 2005 pfontela

Clericalismo – vivo e de boa saúde

No seguimento do artigo do João Vasco chega-nos agora a novidade que a ICAR está a organizar um verdadeiro golpe de Estado em Timor Leste. Foram feitos apelos (por membros influentes da hierarquia católica) a todos os católicos para que viessem para as ruas e expulsassem o primeiro ministro, Mari Alkatiri, que cometeu o crime abominável de querer manter o estado laico e de tornar as aulas de catolicismo não obrigatórias e irrelevantes em termos de nota. Continuam até agora os apelos populistas na rádio católica de Timor a incitar ao derrube do governo. Sendo que de momento a policia impede o acesso das multidões fervorosas ao centro de Dili.

É nestas situações que se vê o quanto a ICAR mudou. Nada. Sedenta de poder e de conformidade a todo o custo continua na sua cruzada de domínio e com Bento XVI como líder episódios destes só se vão tornar mais comuns e mais violentos. Auguro dias difíceis e de muita luta aos defensores do secularismo.

19 de Abril, 2005 Ricardo Alves

Fica tudo claro: clericalismo ou liberdade

Detesto as meias-tintas e as ambiguidades. A haver luta, prefiro-a em campo aberto e de olhos nos olhos. Saúdo portanto a eleição de Joseph Ratzinger, que hoje se tornou o tirano perpétuo e absoluto dos católicos. Ou muito me engano, ou recordaremos o nome de Bento 16º com a clareza daqueles momentos em que todos sabemos de que lado estamos.
Ao contrário do que nos diziam alguns vaticanólogos, quem entra Papa não sai cardeal, sai mesmo Papa (e depressa), pelo menos se esse alguém é o membro numerário desejado para Papa pelo Opus Dei. Imagino que a Comunhão e Libertação terá lançado também o seu módico de votos cardinalícios a favor do principal candidato ultraconservador, o que deixará literalmente a apanhar papéis as facções mais moderadas, como a Comunidade de Santo Egídio ou mesmo os Focolari e os Jesuítas.

A ascensão de Ratzinger ao comando da maior máquina política do mundo significa que acabou, definitivamente, a «abertura» do Concílio Vaticano 2º. As fantasias «ecuménicas», por exemplo, terminarão. Ou qualquer sombra de «diálogo» em matérias éticas. Quem leu os escritos teóricos do homem que chefiou a ex-Inquisição durante 23 anos sabe do que falo.

Não será também um personagem idoso e pouco fotogénico como Joseph a transfigurar-se na vedeta mediática que Karol conseguiu ser. E se Karol Wojtyla podia alegar alguma «resistência» (através de orações?) à ditadura comunista polaca, Joseph Ratzinger não só não se opôs ao regime nazi como até fez o serviço militar no exército alemão, em plena guerra, quando poderia alegar os seus estudos no seminário para evitar o recrutamento. Só desertou duas semanas antes do fim da guerra, já com o exército alemão em desagregação. Deveria ter escolhido, em coerência com o seu militarismo e com os seus tempos na Juventude Hitleriana, o nome de Pio 13º. Mas deve ser supersticioso.

Joseph Ratzinger é suficientemente falho de sentido de humor para falar da música rock como um «contraculto» e para proibir as missas com danças e guitarradas. Tão radical que até fala da homossexualidade como uma «desordem», e tão clerical que considera «pecado grave» votar pelo casamento civil de homossexuais. Se já escrevia o texto de Karol, agora vai lê-lo ele próprio. Sem mediador. Joseph Ratzinger é la cosa vera.

Um dos efeitos indirectos deste papado será, provavelmente, o recrudescimento das igrejas pentecostais na América Latina e dificuldades acrescidas para um catolicismo popular em África ou na Ásia. No entanto, algumas democracias em países do Sul do planeta poderão ser presas fáceis de um clericalismo que, através do Opus Dei, terá pontos de apoio tecnocráticos e financeiros que não se devem subestimar. O catolicismo do terceiro mundo será cada vez menos a fé das massas e cada vez mais o elitismo da massa.

Porém, a batalha decisiva será na Europa, que Ratzinger encara, com um esgar de horror, como «descristianizada». Os católicos que não querem ou não podem sujeitar-se ao integrismo mais estrito da doutrina católica têm pela frente anos de chumbo. Se querem liberdade ou autonomia ética, terão que se afastar da ortodoxia. Recordo a estes católicos que a liberdade de consciência inclui a liberdade de mudar de crença, e que existe liberdade de associação, ou seja, podem perfeitamente fazer uma ICAR-Reformada, com o apoio de teólogos «progressistas» como Hans Küng e Leonardo Boff, os mesmos que Ratzinger anda a perseguir há décadas. Pensem nisso.

A polarização será agora mais clara do que nunca: ou a obediência à maior multinacional da fé, ou a liberdade individual.