29 de Maio, 2005 Carlos Esperança
O ateísmo e o «Público»
Depois do massacre mediático a que a lenta agonia de um papa e a rápida eleição de outro deram origem, seis páginas sobre ateísmo, da Revista XIS (integrante do «Público» de 28 de Maio, com chamada de 1.ª página) pareceu-me uma auspiciosa compensação para ressarcir os incréus das duras provações a que foram condenados.
Foi, pois, com entusiasmo que me atirei à leitura. Em vez do almejado prémio, saiu-me uma penitência pior do que ir a pé a Fátima. Em vez de uma entrevista a ateus que dessem uma visão da vida sem borrifos de hissope nem odores de incenso, apareceram dois crentes a falar do ateísmo.
A jornalista Inês Menezes começou por ouvir Michel Renaud, «professor catedrático, membro do Instituto de Bioética da Universidade católica Portuguesa e um dos mais ilustres e eloquentes pensadores da actualidade». [sic]
Arredado dos caminhos da santidade, não estranhei a lacuna cultural, ignorando o autor famoso, mas conhecendo os enciclopedistas franceses e numerosos existencialistas e marxistas ateus, aceitável a quem prefere uma biblioteca a uma sacristia. Acrescentei um pio pensador aos conhecimentos e à penitência.
Após tão rude prova, julguei que o outro entrevistado fosse um ateu respeitado, alguém indiferente a que as pessoas da Santíssima Trindade fossem três ou trezentas, que não distinguisse a água benta da outra e que estivesse desinteressado da salvação da alma.
Nada disso. Saiu-me de novo um crente de alto gabarito, Vasco Pinto Magalhães, «jesuíta, licenciado em Filosofia e Teologia e co-fundador do Centro de estudos de Bioética. Actualmente é responsável pela formação inicial dos jesuítas e autor de vários livros sobre a fé».
Agora, espero que no próximo número da «Revista XIS» apareça, para compensar o «dossier ateísmo», um dossiê sobre a fé e que convidem dois ateus para esclarecerem o que leva pessoas inteligentes a acreditar que a sua religião é a única verdadeira e que há mais vida para além da morte.
Na minha opinião, não há a mais leve suspeita da existência de Deus nem ele faz algo para o provar. Contrariamente ao que afirma Inês Menezes, não «andamos todos à procura de outros deuses, capazes de responderem aos nossos anseios», quando não temos um deus por conta.
Eu, pelo menos, não ando. Pergunte a outros ateus.
Nota: Este texto foi enviado ao «Publico», com cópia para a jornalista Inês Menezes.