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21 de Junho, 2005 Palmira Silva

100 anos de Jean Paul Sartre

«O existencialismo não é senão um esforço para tirar todas as consequências duma posição ateísta coerente» Jean Paul Sartre

Completa-se hoje o centenário do nascimento de um dos pensadores mais polémicos do século XX, pelas reflexões antagónicas que ainda hoje provoca, Jean-Paul Sartre. O intelectual que melhor encarnou a figura do intelectual, o único laureado que até hoje recusou um Prémio Nobel, o da Literatura, o ateu convicto e coerente!

A «reabilitação» recente de Sartre por um dos seus maiores críticos, Bernard Henry-Lévy, no livro «Le Siécle de Sartre», reflecte a conjuntura actual em que problemas como a exclusão social, o advento de fundamentalismos sortidos, incluindo movimentos nacionalistas ou identitários, de certa forma derrubaram os paradigmas pós-existencialistas. Depois da crítica violenta à filosofia sartreana por Henry-Lévy e André Gluksmann na década de 80, assistimos agora ao regresso à ribalta da reflexão filosófica, política e ética do sujeito de Sartre: um produto do livre arbítrio e como tal destinado a ser livre e a lutar pela sua liberdade.

21 de Junho, 2005 Ricardo Alves

O ateísmo contra o espírito de rebanho

Ser ateu, por si só, não é sinónimo de ser de esquerda ou de direita, democrata ou republicano, de ter princípios éticos ou de ser um facínora. No entanto, quem lê o Diário Ateísta sabe que os ateus que aqui escrevem assumem o seu ateísmo como um ponto de vista que permite combater quer os preconceitos que as várias religiões institucionalizaram, quer a ignorância obscurantista que alimenta injustiças por esse mundo fora, quer as paixões irracionais que pretendem fomentar o ódio entre grupos.

As congregações clericais alimentam o espírito de rebanho. O pastor católico, protestante ou muçulmano que se arroga pensar em nome e em vez da multidão que o ouve, pretende arregimentar pessoas que deveriam ser livres e autónomas para os seus objectivos de poder. A submissão de um grupo à hierarquia é uma especialidade clerical, e muitas vezes prepara a manipulação identitária desse grupo por outras hierarquias e outros totalitarismos. É por isso que os fascismos, mesmo quando algo pagãos, sempre se deram bem com as igrejas, particularmente a católica.

A minha militância ateísta neste blogue pretende exactamente destruir o espírito de rebanho. Só quando cada cidadão pensa livremente, liberto dos dogmas religiosos, pseudo-científicos, ou das opiniões políticas contingentes, é que se descobre aquilo que pode unir todos os cidadãos civicamente, desligando-os das comunidades da «sociedade civil» a que se pode aderir livremente, mas que, tantas vezes, oprimem os indivíduos. A mim, a autoridade estatal não me causa problemas de maior, desde que seja democrática e republicana. Não posso dizer o mesmo de determinadas «associações da sociedade civil» em que a autoridade resulta da «palavra revelada» ou do culto da violência.

Respeito todas as pessoas, mas não determinadas ideias, como o fascismo ou o clericalismo. Quer o fascismo quer o clericalismo são manipulações identitárias que pretendem substituir a capacidade individual de pensar autonomamente pelo espírito de rebanho. São dois totalitarismos que devem ser igualmente combatidos.
20 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Propaganda da morte

A morte ao serviço do fanatismo e da manipulação das emoções é um fenómeno recorrente na política e explorado de forma obscena pelas religiões.

As monarquias, sempre ligadas a uma Igreja, fazem da morte de um príncipe ou de um rei um espectáculo popular, com cenas de histerismo colectivo e mórbida comoção de multidões. A comunicação social ajuda, como se viu na morte da princesa Diana.

Em Portugal lembro-me da encenação da morte de Salazar como tentativa de oxigenar um regime que não demoraria a segui-lo num funeral que provocou alívio e explosões de alegria. Em Espanha o cadáver de Franco ainda serviu para reunir multidões fascistas e dignitários eclesiásticos na esperança de que o regime se eternizasse e os seus crimes ficassem impunes.

Já em democracia, a morte de Sá Carneiro foi instrumentalizada para alterar o sentido de voto nas eleições presidenciais que decorriam em Portugal.

Nada disto é novo. A morte é uma arma carregada de emoção. No quadrante oposto Engels apelou à luta junto ao túmulo de Marx, Lenine junto ao de Lafarge e Staline, com experiência de ex-seminarista, procedeu a uma colossal manipulação de massas no enterro de Lenine. Em França o PC fez da morte de Maurice Thorez uma gigantesca manifestação. O mesmo aconteceu em Itália com Palmiro Togliatti, na China com Mao ou, recentemente, em Portugal, com Álvaro Cunhal.

São muitos os exemplos, mas ninguém bate as religiões. O funeral do ayatola khomeini reuniu multidões de fanáticos que choraram copiosamente o sinistro dignitário islâmico. A morte de Maomé é celebrada com peregrinações gigantescas e fanatismo demente.

No cristianismo a morte do fundador é festejada todos os anos, apesar de ser incerta a data e ignorado o destino do cadáver. A ICAR, na desvairada tendência para a idolatria papal, faz da morte de cada Papa um espectáculo mórbido e uma propaganda imensa.

A agonia de JP2 foi vendida às televisões, minuto a minuto, até à apoteose da morte. A exploração do sofrimento fez lembrar os mendigos que alugam deficientes para ampliar a piedade e o óbolo dos transeuntes que dobram as esquinas de uma cidade do terceiro mundo.

O Vaticano falhou a morte em directo, o cadáver a sair do avião, o estertor perante as câmaras, mas não renunciou às multidões em Roma nem ao espectáculo montado para garantir a emoção e a propaganda para telespectadores de todo o mundo. JP2 foi o primeiro cadáver exibido e explorado, à escala planetária, como gadget promocional.

A ICAR ganhou a batalha da globalização vendendo o seu produto – a morte. B16, menos supersticioso e narcisista, mais tenebroso e calculista, dirige sub-repticiamente uma campanha de proselitismo através dos bispos, padres e idiotas úteis cujo fanatismo se assemelha ao dos talibãs.

O laicismo está em perigo. A liberdade religiosa corre perigo. A hóstia pode tornar-se de consumo obrigatório, como era o óleo de fígado de bacalhau nas escolas de há meio século. Deus morreu mas a santa mafia, incapaz de arranjar um produto novo, tudo fará para o impor, não olhando a meios.

É preciso estar atento.

20 de Junho, 2005 Carlos Esperança

A ICAR e a moral

Tenho para mim que a «moral» é a ciência dos costumes e que a humanidade, no seu progresso constante, se tem tornado mais exigente e justa à medida que a diversidade se afirma, a instrução se democratiza e as religiões recuam.

A Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), frequentemente referida no Diário Ateísta, está longe de ser a pior. Há pior, infelizmente. Apenas conseguiu ser a pior de Portugal durante oito séculos e meio por não ter deixado medrar outras.

Até se compreende que a ICAR, como fenómeno empresarial de sucesso, perdidas as armas repressivas, desabituada da tortura e esquecidos os autos de fé, procure a via legal, ganhando na secretaria, com o Estado, o que perdeu com a deserção dos créus.

Em Portugal, o ultraje à liberdade e à igualdade de todas as crenças tem origem na Concordata negociada nas alfurjas do poder por prelados sonsos e governantes pios. Sempre que se concedem privilégios alguém ganha e alguém perde e a Concordata é a capitulação do Estado, dito laico, perante a última teocracia europeia – o Vaticano.

A ICAR gosta de apresentar-se como defensora da moral e dos bons costumes, apesar da sordidez do seu passado e das misérias do presente. Nos últimos tempos o divórcio, o aborto, a eutanásia e os casamentos homossexuais fazem parte da sanha persecutória da última ditadura europeia.

O Vaticano esqueceu a facilidade com que no passado anulou casamentos em que único obstáculo era o custo da decisão, só ao alcance dos muito ricos.

Mas há um episódio interessante da nossa História que convém lembrar. A Igreja que se baseia na Bíblia, onde o incesto e outros crimes aparecem com natural condescendência é a mesma igreja que abençoa o adultério e incensa os adúlteros.

Quem passar por Alcobaça vá ver os magníficos túmulos de D. Pedro e D. Inês, junto ao altar-mor, para mais facilmente os amantes se encontrarem face a face, no dia de juízo final, quando no Vaje de Josafat, entre Jerusalém e o Monte das Oliveiras, o criador do Céu e da Terra vier julgar os vivos e os mortos.

D. Pedro preferiu a bela Inês à rainha D. Constança, teve quatro filhos da adúltera, e a Santa Madre Igreja sepultou os amantes juntos, para gozarem as delícias da eternidade junto ao altar-mor do convento de Alcobaça, perante a indiferença de Deus e a cumplicidade dos padres.

Boa gente.

19 de Junho, 2005 Palmira Silva

Crucificação exorcista

A freira romena que morreu na sequência de um exorcismo mal sucedido, conduzido pelo padre Daniel com ajuda de quatro freiras, sofria de esquizofrenia, condição que os piedosos membros do clero acharam ser indicação concludente da sua possessão pelo mafarrico.

O padre Daniel, acusado de ser o responsável pelo crime, declara que não tem nada de que se arrepender: «Deus realizou um milagre com ela e finalmente a Irina foi libertada do mal». Claro que o pequeno pormenor de a infeliz freira de 23 anos ter sido também «libertada» da vida é irrelevante para o devoto padre, certamente mais preocupado com a salvação da alma que a preservação de uma vida tão maculada pelo demo.

O padre acrescentou ainda que «Não percebo porque razão os jornalistas estão a dar destaque a isto. O exorcismo é uma prática comum no coração da Igreja Ortodoxa Romena e os meus métodos não são de todo desconhecidos dos outros padres».

Considerando os métodos utilizados é de perguntar quantos mais infortunados com doenças do foro psicológico terão sucumbido nas mãos destes exorcistas!

19 de Junho, 2005 Palmira Silva

Casamento humanista

Celebrou-se hoje na Escócia o primeiro casamento humanista legalmente reconhecido.

Karen Watts e Martin Reijns foram casados por um humanista depois de se ter alterado as regras anteriormente em vigor, consideradas restritivas e discriminatórias. De facto, a celebração do matrimónio só era reconhecida se ministrada por uma autoridade religiosa ou por um representante do registo civil. Pretende-se agora que as novas regras sejam estendidas ao restante território britânico, de forma a que as cerimónias matrimoniais de ateus e agnósticos possam ser conduzidas de forma menos impessoal como o é a simples visita ao cartório. E os casamentos humanistas (antecedidos da formalização asséptica civil) são muito populares nas Ilhas Britânicas!

Para além da Escócia, os casamentos humanistas são possíveis apenas na Austrália e Nova Zelândia. Claro que cá em Portugal, país só supostamente laico, nem sequer se deve considerar a hipótese!

19 de Junho, 2005 jvasco

Diário Ateísta e política

O Diário Ateísta não é, nem pretende ser, um blogue que advoga qualquer tipo de ideologia política.
O envolvimento do DA na política deve limitar-se à defesa da liberdade religiosa, do princípio da laicidade, da defesa de ideias que estejam relacionadas com o ateísmo.

O Diário Ateísta não é de direita nem de esquerda.

Os autores do Diário Ateísta têm diferentes sensibilidades políticas: existem autores de direita, existem autores de esquerda, existem autores mais moderados, existem autores mais radicais.

É óbvio que a ideologia pessoal de cada autor pode ser destrinçada por aquilo que escreve, principalmente se escrever muito, e se, na sua forma de escrever, a respectiva sensibilidade pessoal tiver mais tendência a tornar-se patente.

Assim sendo, os leitores do DA até podem descobrir as diferentes sensibilidades políticas nos diferentes autores. No entanto, ninguém no DA pretende propagandear nenhuma ideia política.

O ateísmo não tem cor política – nunca será de mais repeti-lo.

19 de Junho, 2005 Palmira Silva

Mais materializações iconográficas na e-bay

Jeffrey Rigo, 30 anos, ateu, está a divertir-se (e eventualmente lucrar) com a onda de histeria religiosa que grassa nos Estados Unidos. Depois de tartarugas demoníacas e tostas de queijo com a imagem da «Virgem», a e-bay tem agora à venda um pedaço da casa de banho do engenheiro informático, mais concretamente o estuque manchado com o que ele afirma ser uma imagem do mítico fundador da religião cristã. Por uns meros 1999,99 dólares os interessados podem possuir esta magnífica materialização iconográfica, que o feliz vendedor confessa não achar ser qualquer tipo de manifestação divina.

Talvez por o vendedor não se mostrar devidamente impressionado com o «milagre» e confessar que todo o procedimento não é para ser levado a sério, não apareceram muitos interessados. Mas vale a pena espreitar as perguntas suscitadas pelo acontecimento e apreciar o fino humor de Jeffrey Rigo nas respostas!

Gosto especialmente destas:

Pergunta: Em relação à sua reacção «Não (é Deus)- Jesus Cristo» queria informá-lo que Jesus é de facto Deus, igual e parte da Santa Trindade.
Resposta: Quando eu era criança tinha aqueles carros que se transformavam e que ligados uns aos outros formavam um carro GIGANTE, por isso penso que sou capaz de contextualizar o que diz. O único problema é que me faltava um dos carros mais pequenos e por isso o carro realmente grande não tinha a perna esquerda. Uma vez caiu e aterrou em cima do cão.

Pergunta: Tem a certeza que não será atingido por um raio por causa do seu leilão blasfemo?
Resposta: Não, não tenho de todo a certeza. Na realidade em preparação para este leilão criei um fato por medida, um fato completo de latex reforçado. E uso o fato dentro de uma gaiola de Faraday na minha sala de computador. O hamster olha meio de lado para mim de vez em quando e a recepção do telemóvel é péssima mas quando esse raio cair do céu estarei preparado.

Pergunta: II Coríntios 9:7 «… Deus ama ao que dá com alegria.»
Resposta:«…Mexa as natas e o pesto até obter uma mistura homogénea. Salpique com tomate. Sirva com vegetais.» Creamy Pesto Dip – Betty Crocker’s Quick & Easy Cookbook, p.11

18 de Junho, 2005 jvasco

Teocracia iraniana em alta

Nas eleições presidenciais do Irão havia três candidatos favoritos, dos quais dois passariam à segunda volta se nenhum deles conseguisse mais de 50% dos votos. Um reformador, um conservador, e um ultra-conservador.
Com a palavra «conservador» não me refiro ao termo que usamos na política europeia, mas sim ao facto de defenderem as instituições e a manutenção da teocracia islâmica, ou até o seu reforço.

Hoje foi um dia triste para a liberdade religiosa e para o povo iraniano, pois os apurados para a segunda volta foram Akbar Hachemi Rafsanjani e Mahmud Ahmadinezhad: o conservador e o ultra-conservador.

A Teocracia no Irão é para continuar…