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25 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Burla piedosa

Segundo a Agência Ecclesia, «Lisboa renova a consagração ao Imaculado Coração de Maria» no próximo dia 2 de Julho. Claro que é mentira. Não é a cidade que se consagra, é o «Grupo da Imaculada» que tomou a iniciativa.

Há neste gesto beato um claro abuso: dirigir sinais cabalísticos e borrifos de água benta aos cidadãos que não gostam de ser conspurcados com tal água nem ameaçados com semelhante gestos, ainda por cima oriundos de um travesti com sotaina.

Mas ignoremos os gestos idiotas de quem se julga ungido para consagrar os lisboetas, como se todos fossem devotos, de quem pensa que a cidade é umaa sacristia, de quem imagina que é útil a paródia circense da consagração da cidade.

O interessante é que os piedosos devotos que ocupam a ociosidade em rezas e bênçãos não se dêem conta de que a segunda consagração, após vinte anos, apenas desacredita a primeira, reconhecendo que o prazo de validade caducou ou que as bênçãos são como algumas vacinas que precisam de doses de reforço.

À primeira desgraça, os cidadãos de Lisboa vão reclamar da ineficiência da consagração e pedir uma indemnização pela administração do placebo. Quem assume a garantia da piedosa apólice?

25 de Junho, 2005 Palmira Silva

Linha dura islâmica no Irão

Segundo o ministério do interior, e com a contagem dos votos quase terminada, o ultra-conservador Mahmud Ahmadinezhad ganhou a eleição presidencial no Irão com 61% dos votos, largamente destacado de Akbar Hashemi Rafsanjani com 35%.

Votaram 22 milhões de eleitores, cerca de 47% do eleitorado, contra 63% na primeira volta, quando foi eliminado o «reformador» Mehdi Karroubi.

Aparentemente os habitantes das províncias pobres do Irão compareceram massivamente às urnas para votar no ex-militar, apoiado pela teocracia ultra-conservadora islâmica, que prometeu resistir à decadência do Ocidente, combater a corrupção e melhorar as condições de vida de milhões de iranianos.

Segundo os observadores internacionais ocorreram «falhas» nas eleições. Os apoiantes de Rafsanjani e os candidatos reformistas afirmaram que estas foram manipuladas, os últimos acusando os Guardas Revolucionários do Irão e a segurança Basij de orquestrarem um conluio de forma a dar a vitória ao ultra-conservador, que afirmou ao votar ontem «Hoje é o início de uma nova era política para a nação iraniana»

Um dia de facto triste para a liberdade, religiosa e não só, no Irão. E o fim da esperança de regresso para muitos iranianos exilados, perseguidos e torturados pelo regime do ayatollah Khomeini, que tomou o poder após a revolução iraniana que depôs o Xá Reza Pahlavi, em Fevereiro de 1979. Conheci muitos iranianos nestas condições nos Estados Unidos, na sua maioria membros da comunidade científica.

E um dia de reflexão para os que acreditam que apenas na laicidade estrita e inviolável reside uma sociedade com um futuro pacífico. Os fundamentalismos sortidos têm a sua génese em crises económico-político-sociais, um pouco como assistimos hoje em dia na Europa. Na realidade os fundamentalismos islâmicos são epifenómenos do descrédito sofrido pelo nacionalismo árabe durante a década de 1970, em que as sociedades muçulmanas assistiram, gradualmente, à substituição do pan-arabismo pelo pan-islamismo como ideologia política de massas. Assim, imediatamente após ter tomado o poder, Khomeini apelou à revolução islâmica. A Revolução iraniana afirmava dois dos pontos centrais dos adeptos do islamismo radical. O poder tinha de ser conquistado através da força das armas, neste caso através da revolução, e o Ocidente «decadente», com especial ênfase nos Estados Unidos, o grande Satã, é o inimigo principal do Islão.

O primeiro ponto não foi necessário hoje no Irão mas o segundo é uma constante. Todas as religiões precisam de um Satã a quem atribuir os males do mundo e para mobilizar os crentes no necessário exorcismo. Normalmente violento, porque o demo tem muitas manhas…

24 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Ainda o Diário Ateísta

Recentemente um bando de energúmenos da melhor cepa fascista apareceu a escrever nas caixas de comentários do Diário Ateísta.

Os dez colaboradores habituais são ateus de diferentes proveniências culturais e variadas opções políticas que têm em comum o ateísmo e o desejo de combater as religiões pela acção deletéria que lhe atribuem. Há certamente outros ateus que não se identificam connosco nem nós queremos qualquer confusão com eles.

No meu caso pessoal, junto ao ateísmo militante um anti-clericalismo entusiástico, certo de que não posso combater eficazmente a droga sem beliscar os traficantes. Não é só a religião que é responsável pelo atraso dos povos e por uma atitude retrógrada perante a vida, é o clero, na luta pelo poder político, que impede o progresso e cerceia a liberdade.

Sabemos que não somos os únicos. Há ateus entre extremistas violentos, estalinistas e nazis. Mas é fauna com que não nos identificamos.

O Diário Ateísta defende a liberdade religiosa e o direito de todos poderem ter uma religião, abdicar dela, aderir a outra ou desprezar qualquer fenómeno atribuído a Deus. Apenas não abdica do direito de combater as crenças nem de defender igual direito para os que nos combatem, desde que a única arma seja a palavra.

O que todos aqui defendemos é a democracia, baseada no sufrágio universal e secreto, o respeito pelas minorias, a não discriminação de quem quer que seja por motivos de raça, sexo ou outros e a exigência da separação do Estado e da Igreja, única condição para que os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos possam ser respeitados. Apenas impedimos o proselitismo religioso neste espaço bem frequentado pelo ideal ateísta.

As religiões são falsas e mentirosas. Atribuem a Deus livros que consideram sagrados e que frequentemente apelam ao crime, mas, nem por isso, aceitamos outro foro para o seu julgamento que ultrapasse a opinião pública que nos esforçamos por esclarecer e os tribunais a quem, num Estado de direito, cabe julgar os crimes de crentes e ateus.

Os homens primitivos criaram Deus à sua imagem e semelhança, com os seus piores defeitos e nenhuma das virtudes que a humanidade no seu incessante progresso se tem encarregado de criar. É por isso que Deus é cruel, vingativo, misógino, ignorante e feroz.

O dever dos homens e mulheres civilizados é desmascarar as religiões e os clérigos que as parasitam. O Estado moderno, laico e democrático, é um dique contra a superstição e a ignorância que o clero perpetua e as religiões se esforçam por aprofundar.

O Diário Ateísta continuará a defender os seus pontos de vista de acordo com a visão de cada colaborador, com o respeito devido à Constituição da República Portuguesa e o apreço que lhe merece a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

24 de Junho, 2005 Ricardo Alves

Livros para as férias

Aproxima-se, para a generalidade dos habitantes do hemisfério norte, a época de uma merecida pausa no trabalho, libertando espaço para a vida privada e o lazer. Um dos meus rituais prévios à partida para férias consiste em escolher alguns livros para ler. Deixo aqui algumas sugestões para ateus, ateias, agnósticos, livre-pensadores, laicistas e curiosos, escolhidas entre as edições mais recentes.
  1. O «Traité d´athéologie: physique de la Métaphysique» de Michel Onfray tem feito furor nos meios ateístas franceses. O autor, que é filósofo, milita por um ateísmo hedonista, não niílista, e procede, neste livro violentamente blasfemo e abertamente anti-religioso, à crítica dos três monoteísmos (judaísmo, cristianismo e islão), salientando o que têm em comum: o ódio à razão, à liberdade, às mulheres e à sexualidade, e a defesa da fé, da obediência, da submissão e da castidade. (Ler algumas citações.)
  2. Em «Freethinkers: A History of American Secularism», Susan Jacoby demonstra que os EUA foram fundados na separação do Estado e das igrejas e que sempre existiu uma forte corrente secularista norte-americana que incluiu figuras como Thomas Jefferson, John Adams, Thomas Paine e Robert Ingersoll, corrente essa sempre influente em progressos sociais como a abolição da escravatura, a defesa do ensino do darwinismo, ou o direito à contracepção. Um livro importante num momento em que o carácter originalmente laico dos EUA se encontra pervertido por um cristianismo proselitista.
  3. Henri Peña-Ruiz é o principal filósofo da laicidade nosso contemporâneo. O seu livro mais recente, «Histoire de la laïcité: Genèse d´un idéal», traça a história do ideal laico, ou seja, o avanço progressivo da ideia de igualdade de tratamento entre aquele que crê no céu e o que não crê, por um Estado sem religiões reconhecidas nem ateísmo de Estado, pela defesa de uma esfera pública consagrada ao interesse geral e não às guerras de identidades.
  4. Num início de século em que o Islão está no centro das atenções e das reflexões, vale a pena ouvir o que têm para dizer os apóstatas que abandonaram esta religião. A mais célebre de entre eles é a deputada holandesa de origem somali Ayaan Hirsi Ali, da qual foi publicado recentemente «Insoumise». Hirsi Ali foi excisada aos cinco anos, educada numa escola wahabita, e aos 22 anos abandonou a família para escapar a um casamento arranjado. Esta ateia corajosa tornou-se famosa após ter colaborado com Theo Van Gogh no filme «Submissão», devido ao qual este realizador holandês foi assassinado.
  5. Outra visão pouco abonatória do Islão pode ser encontrada em «Why I am not a Muslim», de Ibn Warraq. O autor analisa os mitos fundamentais do Islão, e discute a hipotética compatibilização desta religião com os direitos humanos, a democracia e a laicidade. Ibn Warraq está ligado ao Institut for the Secularisation of Islamic Society.
  6. Infelizmente, nenhum destes livros (que eu saiba) está traduzido em língua portuguesa. (Algum editor se voluntaria? Peña-Ruiz e Onfray, por exemplo, fazem muita falta.) No entanto, encontram-se traduzidos dois livros de Chadortt Djavann («Abaixo os véus!» e o que pensa Alá da Europa») sobre a polémica do véu islâmico em França.
24 de Junho, 2005 Palmira Silva

Submissão II

A deputada holandesa Ayaan Hirsi Ali, que escreveu o argumento da curta-metragem «Submissão – Parte I», sobre a repressão sofrida pelas mulheres no Islão, afirmou à BBC que pretende continuar os planos originais e filmar a sequela do filme, não obstante o perigo envolvido em tal propósito.

De facto, «Submissão» foi a causa do bárbaro assassinato do realizador Theo Van Gogh, morto em Novembro último por um fundamentalista islâmico e a razão porque até hoje Ayaan Hirsi Ali continua rodeada de rígidas medidas de segurança. Mas para a parlamentar não realizar a continuação do filme «Recompensaria os assassinos de Theo van Gogh, recompensaria a violência, sugerindo que (os terroristas) conseguem impor às pessoas o comportamento que querem que estas apresentem».

Assim, Hirsi Ali pretende cumprir os objectivos do filme, «colocar uma lente nos detalhes dolorosos do Islão».

Detalhes nos quais está incluído que, como consequência da realização deste filme, com ou sem continuação, a vida desta holandesa nunca retornará à normalidade, perseguida até à morte pelos fanáticos islâmicos, tal como ainda acontece a Salman Rushdie pela publicação em 1989 dos «Versículos Satânicos». Mas segundo ela, «Independentemente dos riscos, vou fazer o filme, para mostrar que não nos devemos submeter à violência».

E considera que «É o que acontece – quando, como muçulmano, alguém afirma que não é muçulmano ou afirma algo que os radicais consideram apostasia, então eles acreditam que matar essa pessoa os levará para o Céu. Por isso vou viver, para lhes provar que não existe Céu – ou Inferno, já agora».

22 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Vaticano em busca de milagres

O Vaticano pede aos fiéis que lhe comuniquem as graças recebidas por intercessão do defunto Papa JP2 que, já em vida, tinha experiência no ramo.

Não se tinham apagado ainda os ecos do tumor cerebral curado a um crente que estendia a língua para a rodela de pão ázimo benzida, que JP2 lhe ministrou, e já outros milagres nasciam como cogumelos nas terras férteis da ICAR.

Agora que o bem-aventurado se finou, depois da mórbida exploração a que foi sujeita a sua longa agonia, o Vaticano pede que lhe sejam comunicados pela Internet os milagres que o cadáver de João Paulo II anda a fazer por esse mundo de Cristo.

Já não faltam milagres para que B16 o canonize, mas entusiasmar as hostes de fanáticos e supersticiosas é um truque que beneficia o proselitismo e rende benefícios à seita.

Enquanto as multidões rezam, não pensam e, quanto menos pensam, mais acreditam.

22 de Junho, 2005 pfontela

Perseguições e mitos III

Continuo os dois artigos antecedentes, onde expus os mitos que predominavam na sociedade romana imperial sobre o cristianismo, sendo que alguns deles já foram analisados e desmontados. Espero com este artigo dar conclusão à série.

O último artigo não chegou a analisar as acusações de orgias incestuosas e como tal vamos começar por aí.

A explicação habitual para estes rumores é que os pagãos faziam confusão entre seita cristã e certos movimentos gnósticos. Mas as provas disso não são muito sólidas. Irenaeus, escrevendo depois do massacre de Lyons, afirma que os cristãos foram confundidos com os carpocratianos(1), que eram uma seita gnóstica que supostamente não reconheceria os conceitos de bem e mal e como tal seriam promíscuos. No entanto foi Clemente de Alexandria, em cerca de 200 DC, que primeiro associou o rumor de orgias ao movimentos dos carpocratianos(2). Eusébius, dois séculos mais tarde, repete exactamente os mesmo rumores citando exactamente as mesmas fontes. Independentemente da veracidade dos rumores à volta dos carpocratianos as acusações omnipresentes de orgias incestuosas que eram lançadas aos cristãos não podem ser explicadas de forma credível por uma confusão com uma qualquer seita obscura.

A explicação mais provável é novamente uma mistura de dois elementos: a realidade de um ritual religioso cristão misturado com um estereótipo já existente. O ritual em questão era a ágape, o festim do amor. Durante os dois primeiros séculos de cristianismo era prática comum um cidadão privado convidar cristãos baptizados para uma refeição comunal. A refeição era suposto ser uma celebração de fraternidade cristã e incluía a celebração da eucaristia. A orgia imaginária descrita por Minucius Felix era precisamente a caricatura deste ritual. A verdade é que a celebração da ágape era muitas vezes motivo para comer e beber em excesso (todo o processo era catalisado por visões da segunda vinda de Cristo que, como sempre, para os cristãos primitivos era algo que estaria para muito breve) mas não para ritos orgiásticos. Esses fazem parte do segundo elemento da explicação: o mito pagão da bacanália. Supostamente a bacanália seria um ritual religioso que foi importado da Grécia para a Etrúria e depois levado para Roma e aí o culto teria crescido em dimensão até incluir orgias nocturnas em larga escala. Em 186 AC o Senado chegou mesmo a aprovar legislação a proibir a bacanália. Veja-se o que Tito Livio diz sobre o tema:

«Existiam ritos iniciáticos…Ao elemento religioso foram adicionados os prazeres do vinho e do festim para que maior número de mentes pudesse ser atraído. Quando o vinho já tinha inflamado as suas mentes e a noite e a mistura entre machos e fêmeas, novos e velhos já tinha destruído qualquer sentimento de modéstia todos os tipos de corrupção começaram a ser praticados, já que cada um tinha ao seu dispor o prazer para o qual a sua natureza mais se inclinava… Se algum deles não estava inclinado para ser abusado ou se mostrava relutante em cometer um crime ele era sacrificado como uma vitima. Considerar que não existe mal… era a mais alta forma de devoção religiosa que existia entre eles.»(3)

Mas a bacanália não foi condenada apenas como uma orgia com traços homicidas. O cônsul romano encarregue de esclarecer o povo afirma ainda o seguinte:

«Eles ainda não revelaram todos os crimes dos quais foram parte…o mal cresce diariamente e expande-se para o exterior. Neste momento ele já é demasiado grande para poder ser considerado como um assunto puramente privado: o seu objectivo é o controlo do estado…Agora como indivíduos eles têm medo vós, reunidos aqui nesta assembleia: quando voltarem para as vossas casas e quintas eles irão reunir-se e vão tomar medidas que serão simultaneamente para a sua própria protecção e para a vossa destruição: e aí vocês, como indivíduos, terão que os temer enquanto grupo… nada é mais enganador em aparência do que uma falsa religião.»(4)

Em resumo: os participantes da bacanália eram considerados como conspiradores políticos e como tal o Senado tomou acção rápida e brutal para suprimir a bacanália. Independentemente da sua supressão o que isto prova é que ao assimilarem a ágape à bacanália os romanos pagãos estavam mais uma vez a considerar os cristãos como conspiradores sedentos de poder (sendo em tudo semelhantes às acusações de canibalismo).

Todas as acusações que vimos até agora (orgias incestuosas, canibalismo, infanticídio ritual e regular) apontam numa mesma direcção: desumanizar os cristãos até eles se transformarem na incarnação de tudo o que era considerado pelos romanos como anti-humano.

A explicação para tudo isto está na absoluta incompatibilidade do cristianismo primitivo com a religião de estado romana. Para os romanos a religião não era uma questão de devoção pessoal mas antes uma espécie de culto nacional em que os deuses eram os protectores de Roma e os detentores dos altos cargos da nação sempre foram identificados com os deuses. Com o advento do Império e a deificação do Imperador (em parte derivada da tradição romana de poder e em parte da tradição grega de monarcas divinizados) as diferenças tornaram-se ainda mais óbvias. O culto Imperial unia o mundo romano, o aniversário do imperador era um feriado nacional e os deuses nacionais transformaram-se na garantia da eternidade do Império. Ao negarem violentamente todo este passado e estas ligações os cristãos tornaram-se impopulares, isolados, temidos e odiados. Eles efectivamente não faziam parte do mundo greco-romano.

Eventualmente com a conversão de membros da aristocracia Imperial e de um grande número de plebeus o cristianismo ganhou aceitação no mundo. Tornou-se impossível acusar os grandes senhores e senhoras de conspiração contra o estado devido à sua conversão ao cristianismo. Ao mesmo tempo que o número de conversões aumentava exponencialmente a Igreja ganhava poder, os bispos tornaram-se jogadores na arena da política Imperial e não estando contentes com isso acabaram por levar a cabo a solução final para o paganismo: a erradicação.

A história da perseguição do cristianismo primitivo foi o prelúdio para o que se seguiu em séculos posteriores. Os mitos que alimentaram as perseguições aos pais da Igreja mutaram e foram usados como munição contra outros. A partir do momento que a Europa é cristianizada (com a excepção do norte e leste da Europa que permaneceram ferozmente pagãos até muito tarde) e o poder da Igreja começa a aumentar as acusações de heresia tornam-se comuns, nasce a figura sinistra da Inquisição, os templários são destruídos sob acusação de manterem pactos demoníacos e praticarem sodomia e, por fim, todo este mundo de mitos, medo e política culmina na insana cruzada contra as bruxas nos séculos XVI e XVII.

(1)- Irenaeus, Adversus Haereses, lib. I, cap. XXV
(2)- Clemente de Alexandria, Stromateis, lib. III, cap.II
(3)- Livio, Ab urbe condita, lib. XXXIX, cap. VIII
(4)- Livio, Ab urbe condita, lib. XXXIX, cap. XVI

22 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Correio dos leitores – Um milagre


É frequente ouvirmos relatos de pessoas que dizem que foram agraciadas com milagres e atribuírem essas graças a intervenção de Deus, Jesus Cristo, Virgem Maria ou qualquer outro Santo dos milhares que povoam os Céus, a quem essas pessoas recorreram, pedindo ajuda, em momentos de aflição.
É de um desses milagres que quero aqui dar testemunho. Porém, não foi qualquer Divindade ou Santidade que operou esse milagre, mas sim uma cadelinha, a minha Kika, que eu venero como a uma Santa, mas que não a quero no Céu (pelo menos por enquanto).

Eis o milagre:
A minha Kika estava doente: Ela que sempre “dava sinal”, ladrava, mal sentisse alguém próximo da porta; Desatava em grandes correrias, e latidos, quando ouvia o tropear de algum cavalo; Que comia a ração dela e queria, ainda, comer a ração da Pantufa (a gata que, tal como ela, foi adoptada pelo mesmo dono e, com quem andava sempre na brincadeira, desarrumando toda a casa);
A Kika, então: Não comia, não ladrava, não corria ao ouvir o tropear dos cavalos, nem brincava com a Pantufa.
Foi ao médico (médica veterinária) que diagnosticou intoxicação alimentar, talvez devida a algum alimento mais condimentado que o dono (eu) lhe tivesse dado a comer.
Foi-lhe aplicado, nas veias, soro biológico, sujeita a medicação, dieta alimentar e recomendado algum repouso. A Kika começou a melhorar e, ao fim de alguns dias, ao sentir o ruído da carroça dos ciganos e dos cascos do burro, que a puxava, “desatou” a correr e a ladrar com um nervosismo tal que, devido ao estado ainda débil em que se encontrava, caiu “morta”!..
Eu, transtornado, peguei-a nos braços numa aflição indescritível e, chorando convulsivamente, supliquei-lhe:
KIKA!.. Não morras!.. Não morras!.. KIKA!..
Decorridos alguns momentos, que para mim foi uma eternidade, deu-se o milagre!…
A minha Kika começou a dar sinais de vida; As pupilas, que se tinham dilatado, começaram a reagir e aqueles olhinhos tão meigos e tristes começaram a fixar-se nos meus que, embaciados, pelas lágrimas que deles derramavam, me deixavam na dúvida se eu estaria ver bem, mas, para confirmar o “milagre” a minha Kika começou a lamber-me a cara como que para enxugar o fluído lacrimal que me escorria pelas faces.
Nessa altura, emocionado, como nunca, nos 63 anos da minha vida, balbuciei:
Obrigado!… KIKA!… Obrigado!…

Podem crer que este milagre não foi obra de qualquer Divindade ou Santidade. Não foi, mas podia ter sido. Garanto-vos que, naqueles momentos de aflição:
Se eu fosse devoto da Nossa Senhora de Fátima, as minhas súplicas teriam sido dirigidas à Virgem Maria e, no dia 13 de Maio, seria mais um peregrino na Cova da Iria, talvez a oferecer uma cadelinha de cera – comprada lá – e uma oferta, em euros, bem generosa á Nossa Senhora, para engrossar as receitas do Santuário.
Se eu fosse um dos fieis da Igreja Universal do Reino de Deus, teria suplicado a intervenção do Espirito Santo, em nome de Jesus Cristo, e na próxima sessão de culto, lá estaria eu no “Centro de Ajuda Espiritual” a dar o meu testemunho aos “irmãos” na fé, e a oferecer a “Deus” (Edir Macedo) uma oferta exemplar, a pagar 100 euros por um frasquinho do “Santo Óleo” – “vindo especialmente de jerusalém, do monte das oliveiras” (azeite que os fieis compram em garrafas de litro e entregam aos “obreiros”) e, talvez um dia destes aparecesse frente ás câmaras da TV Recorde Internacional, a dizer que Jesus entrou na minha vida e salvou a minha Kika.
(Não sei é que resposta eu encontraria, se me perguntassem porque Jesus salvou a minha cadelinha e não salvou, tantos milhares de crianças que pereceram, na Ásia, vitimas do Tsunami.)

Nota final: Análises posteriores ao sangue da Kika, concluíram que a minha “menina” padecia de uma terrível anemia que lhe provocava desmaios ao menor esforço.
Está assim explicado o milagre, que em principio foi obra da própria Kika, porque venceu o desmaio e posteriormente, para ela sobreviver, foi o milagre da Ciência Humana que desenvolveu o conhecimento da medicina, que inventou equipamentos, e técnicas, que permitem realizar as análises e o milagre da Natureza que cria a matéria prima para a industria Farmacêutica desenvolver os medicamentos que combatem as enfermidades.
GRAÇAS A ELES!… LOUVADOS SEJAM!….

A Kika e a Pantufa
Autor: atento