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29 de Junho, 2005 Palmira Silva

Emídio Guerreiro (1899-2005)


Morreu o humanista insubmisso e generoso, o sonhador da liberdade. O Diário Ateísta recorda e homenageia o homem que olhava serenamente para a morte: «O problema da morte nunca me preocupou muito, nem do ponto de vista espiritual nem filosófico. Por uma razão: eu encaro a morte como uma necessidade biológica, tão necessária como o respirar». Que apenas temia a perda de dignidade: «Temo que o sofrimento atinja a minha dignidade. Não a morte. Penso que ter uma morte digna é um direito que todo o homem tem e deve ser respeitado.»

Porque, como afirmou na entrevista que concedeu ao Expresso, por ocasião do centenário do seu nascimento, a dignidade humana foi o ideal por que lutou toda a sua vida. «Como não pode haver dignidade se não houver liberdade, naturalmente que eu lutei pela liberdade. Lutei contra todos os regimes prepotentes, lutei contra todas as ditaduras».

Também como tributo a este cidadão exemplar, o Diário Ateísta continuará a sua modesta contribuição para que se concretize o vaticínio de Emídio Guerreiro:
«O terceiro milénio será, na minha opinião, o milénio da desalienação humana. O homem criou mitos, depois confiou atributos a esses mitos, depois sujeitou-se a eles. Agora vai-se libertar deles.»

29 de Junho, 2005 Mariana de Oliveira

Compêndio

O papa Bento XVI apresentou ontem uma versão reduzida do catecismo da Igreja Católica, preparada pelo seu alter-ego Joseph Ratzinger. Em 598 perguntas e respostas, o livro sintetiza o ensino sobre a fé cristã, a moral individual e o pensamento social.

O capítulo que parece ter mais interesse, por ter mais relação com o dia-a-dia dos crentes, é o dedicado aos Dez Mandamentos (celebrizados pelo realizador Cecil B. DeMille) onde são abordadas as questões da moral cristã. O mundialmente conhecido «Não matarás» traduz-se na proibição de matar, estendendo-se a temas como o aborto, a eutanásia, o suicídio, mas também a necessidade de criar condições de paz no mundo.

O compêndio considera como comportamento imoral «toda a iniciativa como a esterilização ou contracepção, que impedem a procriação», e recorda que os católicos divorciados e que se voltaram a casar não podem receber a comunhão. Entre outras, são consideradas “imorais porque se dissociam do acto de procriação [o] adultério, masturbação, pornografia, prostituição, actos homossexuais».

Para além disso, caso alguma lei de um Estado soberano viole estes preceitos morais, o livro entende como legítimo o recurso à desobediência civil.

Mais uma vez temos o reiterar de posições cripto-conservadoras de uma Igreja Católica que pretende ser moderna e tolerante, mas que, no entanto, continua a perseguir ou a excluir as mesmas pessoas.

29 de Junho, 2005 Mariana de Oliveira

A generosidade não é para todos

Depois da Nota sobre a Educação da Sexualidade, hoje constatamos que a Conferência Episcopal Portuguesa é uma organização multifacetada capaz de opinar sobre os mais diversos assuntos, nomeadamente sobre o estado das finanças públicas.

O documento, intitulado «Um olhar de responsabilidade e de esperança sobre a crise financeira do país» e que se configura como um «oportuno relembrar alguns aspectos da doutrina social da Igreja, que devem inspirar o comportamento dos cristãos e de quantos procuram o melhor para o país», afirma que as medidas anunciadas pelo governo «ameaçam penalizar ainda mais aqueles que já são mais sacrificados, pela situação de pobreza ou de falta de trabalho, pela doença e pela desajustada carga fiscal».

O texto realça as «exigências do bem comum» e «a prevalência do bem de toda a colectividade sobre interesses pessoais ou corporativos» e pede ajuda aos cidadãos «quer pagando os impostos justamente distribuídos, quer empenhando-se criativa e solidariamente no implementar de soluções».

No entanto, a Nota Pastoral, apesar dos constantes apelos à generosidade, nada refere sobre a possibilidade de a Igreja, por livre e espontânea vontade, proceder ao pagamento de impostos sobre os seus rendimentos por forma a contribuir para o aumento das receitas do Estado.

28 de Junho, 2005 Mariana de Oliveira

Os passarinhos e as abelhinhas

A Conferência Episcopal Portuguesa divulgou uma Nota sobre a Educação da Sexualidade na qual reitera que, «no campo da sexualidade, como noutros, compete à família decidir as orientações educativas básicas que deseja para os seus filhos, decorrentes dos seus valores, crenças e quadro cultural».

Os bispos admitem que «a cooperação da família com a escola potencia a aprendizagem dos alunos e promove um desenvolvimento mais adequado». No entanto, «os pais têm o direito e o dever de educar os filhos, inclusive no referente à sexualidade» sendo este exercício «anterior à intervenção de outras instituições, para além da família, designadamente a escola. Essa responsabilidade, inalienável e insubstituível, envolve o período da vida dos filhos desde o nascimento à idade adulta». Noutro ponto do texto, lê-se ainda que «as outras instituições nunca podem substituir os pais, mas devem ajudá-los no cumprimento da sua missão educativa». A intervenção da escola na área da sexualidade não pretende substituir-se aos pais nesta questão, pretende apenas colmatar falhas graves de conhecimentos básicos sobre as relações sexuais entre seres humanos. Falhas essas que colocaram Portugal com um elevado número de infectados com HIV, sem contar com todas as outras doenças sexualmente transmissíveis.

O documento da Conferência Episcopal refere também a questão dos manuais escolares da disciplina. Em causa, diz a nota, está o documento Educação Sexual em Meio Escolar: Linhas Orientadoras. De acordo com o texto, «os conteúdos e ideias que se pretendem veicular, as metodologias propostas e a bibliografia sugerida como base de trabalho, que serviram de suporte àquelas iniciativas, colidem com a sensibilidade e as convicções do público referido». A partir do momento em que, num livro escolar, aparece a figura de um aparelho reprodutivo a sensibilidade de um católico está gravemente afectada e ficará mais ainda se esse mesmo livro fornecer uma lista de zonas erógenas.

Não se ficando por aqui, a Nota sobre a Educação da Sexualidade entende que «a educação da sexualidade não se resume a mera informação sobre os mecanismos corporais e reprodutores, (…) reduzindo a sexualidade à dimensão física possível de controlar com vista à prevenção contra o contágio de doenças sexualmente transmissíveis e o surgimento de gravidezes indesejadas» e que uma tal concepção «deturpa» a sexualidade «isolando-a da dimensão do amor e dos valores», e abre as portas à «ausência de critérios éticos, e à aceitação, por igual, de múltiplas manifestações da sexualidade, desde o auto-erotismo, à homossexualidade e às relações corporais sem dimensão espiritual porque o amor e o compromisso estão ausentes».

Portanto, podemos concluir que a Conferência Episcopal Portuguesa entende que a disciplina de Educação Sexual é bem-vinda, desde que respeite as sensibilidades dos católicos porque, caso contrário, a sociedade será transformada num bando de masturbadores-homossexuais-fornicadores.

28 de Junho, 2005 Carlos Esperança

As ateus e o casamento do clero católico

Nós, ateus, não somos contra as uniões de facto nem contra o matrimónio do clero católico. Eventualmente somos contra o seu excessivo património cuja proveniência seja suspeita. E, em absoluto, somos contra a obrigatoriedade do seu casamento.

Esse acto que os padres católicos têm o hábito de benzer, e que em nenhuma circunstância permitem repensar, deve ser-lhes permitido e nunca imposto.

As uniões de facto entre padres, ou entre estes e freiras, ou de freiras entre si, é um direito que nós, ateus, defendemos, sem imposições. Temos simpatia pelos casamentos mistos, um padre e um padeiro, uma freira e uma professora, um bispo e um torneiro mecânico, uma madre superiora e um alfaiate, por exemplo. Mas, repito, sem que seja obrigatório.

Em coerência, defendemos igualmente uniões entre mullahs e cónegos católicos, rabis e monges ortodoxos, freiras e pastores evangélicos, arcebispos e suicidas islâmicos, entre dignitários de ambos os sexos e de qualquer religião, embora desconhecendo os riscos do cruzamento de um bonzo com uma freira carmelita e muitas outras combinações que não têm sido objecto de ensaios duplo-cegos estatisticamente significativos.

Os papas modernos perderam o hábito da procriação, contrariamente aos seus santos antecessores da Idade Média cujos rebentos algumas vezes ocuparam a cadeira do progenitor. Ultimamente a provecta idade e os preconceitos têm-nos impedido da multiplicação que a bíblia preconiza.

Se um Papa romano quiser tomar por companheiro/a um chofer de táxi ou a superiora das Reparadoras do Imaculado Coração de Maria, o geral do Opus Dei ou um gerente do Banco Ambrosiano é um direito que não lhe deve ser coarctado. Mas sempre, repito uma vez mais, se for da livre e expontânea vontade de ambos.

Já quanto ao preservativo deve ficar ao critério dos casais eclesiásticos. Se acham que ofende ao seu Deus, enjeitem o adereço e rezem para que nada lhes aconteça. O Senhor, na sua infinita misericórdia, há-de poupar os ministros do culto à sífilis, à hepatite, à blenorragia e à SIDA que os frequentadores dos bares de alterne arriscam.

Quanto à interrupção da gravidez, deve ser respeitada aos casais clericais a renúncia, ainda que o feto resultante de uma piedosa cópula entre um cónego sexagenário e uma freira balzaquiana mostre sinais ecográficos de malformações congénitas ou uma análise aponte para o nascimento de um mongolóide.

Em suma, os ateus respeitam a vontade do clero católico sem pretender impor-lhe os seus valores, com respeito pelas suas convicções e autodeterminação sexual.

Em troca, os ateus exigem que a ICAR respeite as convicções e os valores alheios.

28 de Junho, 2005 jvasco

Correcção

Devo fazer um comentário sobre o artigo anterior: ser padre e ateu é possível. Padre, ateu e honesto é que não.

27 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Momento Zen da segunda-feira

João César das Neves (JCN), quiçá no comprimento da penitência imposta pelo confessor, para o absolver de algum pecado mortal, volta hoje aos temas com que julga conseguir as bem-aventuranças celestes.

Uns julgam ter à sua espera setenta virgens e rios de mel doce, outros esperam encontrar a virgem Maria e banhos quentes. «Cada doido com sua mania» – como diz o adágio.

JCN afirma que o divórcio e as uniões de facto enfraquecem o matrimónio, contrato que – segundo ele – deve ser sacramentado e manter-se indissolúvel, independentemente dos maus tratos, alcoolismo, infidelidade, incompatibilidade de feitios e torturas mútuas ou unilaterais.

JCN vê o matrimónio como um cálice amargo que, por vontade divina, deve ser bebido até à última gota.

«As crianças são descartadas antes de nascer pelo aborto e mal-amadas depois pelo divórcio» – afirma o pio plumitivo. Espero que se refira a crianças diferentes, isto é, que as mal-amadas não sejam os fetos abortados a que ele chama crianças.

JCN parece temer que a interrupção voluntária da gravidez, o divórcio e os casamentos homossexuais se tornem obrigatórios. Não distingue direitos de obrigações, como não compreende que a humanidade se vá libertando de um velho carrasco – Deus.

O católico fervoroso, JCN, entende que «vivemos no tempo que mais agride, despreza e oprime a mulher». Esquece tempos, não muito longínquos, em que uma mãe solteira era expulsa de casa, agredida, às vezes morta por questões de honra, e, na melhor hipótese, acabava na prostituição em Lisboa. Esquece que, dentro do matrimónio, a violação não existia juridicamente, as agressões eram normais e a mulher era um objecto que Deus entregava ao poder discricionário do marido, com a bênção da Igreja.

Este avençado de Deus desconhece que o direito de voto, o acesso à educação, o direito ao trabalho, a igualdade (ainda débil) entre os dois sexos são conquistas recentes após luta contra a tradição, a vontade da ICAR e a mentalidade religiosa.

JCN diz que estas questões (I.V.G., casamentos homossexuais e divórcio) «estraçalham hoje a sociedade espanhola, corroem a cultura holandesa, incendeiam os estados norte-americanos». Não refere as intrigas, a chantagem e as ameaças com que a ICAR procura destruir governos legítimos.

Surpreende-me que JCN não apele aos bispos, padres e ao próprio Papa para contraírem o sagrado matrimónio, sempre heterossexual, abstendo-se do divórcio e multiplicando-se cristãmente, sem recorrerem ao aborto.

Pode ser uma solução para a falta de vocações sacerdotais.

26 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Catequese à moda antiga

O «Correio da Manhã», de hoje, informa que o padre João Parente, da freguesia de Parada de Cunhos, terá agredido dois jovens da aldeia de Granja, que frequentavam a catequese para a Profissão de Fé, uma cerimónia que facilita o percurso dos difíceis caminhos do Paraíso.

As agressões ocorreram dentro do estabelecimento – a Igreja Matriz de Parada de Cunhos, na diocese de Vila Real.

Como o pontapé e as piedosas chapadas que sua reverência distribuiu pelos miúdos não foram do agrado dos pais, que preferem arriscar a salvação da alma a verem agredidos os seus filhos, o padre fugiu da paróquia, sem confiar na protecção divina.

A fuga do ministro de Deus deixa a paróquia sem missa, sem profissão de fé e outras cerimónias litúrgicas que exijam um padre encartado.

Por enquanto, Deus está sem agente na aldeia da Granja.

26 de Junho, 2005 jvasco

A Recta e a Fada dos dentes


Uma recta existe?
Sou da opinião que sim.
Claro que não existe nenhum objecto material que se prolongue pelo infinito de todo o universo, com comprimento infinito mas área e volume nulos.
Mas existe como conceito, como concepção.

A Fada dos dentes existe?
Tudo indica que não.
Existe como conceito, mas discutir a existência do «conceito de Fada dos dentes» é diferente de discutir a existência da Fada dos dentes.

Pelo contrário, discutir a existência da recta é discutir a existência e validade dessa concepção.
De forma análoga, não faz sentido concluir que Deus existe pela simples razão de que existe o respectivo conceito.

Para muitos leitores, este texto pode parecer extremamente disparatado. É óbvio que a existência do «conceito de Deus» não torna Deus real, sob pena de termos de considerar que Zeus e Osiris existem e estão de boa saúde. No entanto é um argumento recorrente, que vai sendo repetido por alguns religiosos.