Loading
17 de Agosto, 2005 Palmira Silva

A maioria silenciosa

Um artigo publicado ontem na revista científica «Sociology», uma das mais prestigiadas no campo, intitulado «Religion in Britain: Neither Believing nor Belonging» (Religião na Grã-Bretanha: Nem acreditando nem pertencendo) desmistifica uma das pretensões dominantes quando se discute religião na Europa, que os europeus apesar de não «praticarem» a respectiva religião (cristã), não indo à missa e não pertencendo a qualquer congregação, continuam a «Acreditar sem pertencer», ou seja, são o que em Portugal se designa por «católicos (cristãos) não praticantes».

O artigo resume o trabalho de investigação da equipa do prof. David Voas, investigador do Cathie Marsh Centre for Census and Survey Research da Universidade de Manchester, que examina 14 anos de dados dos inquéritos British Household Panel Survey e British Social Attitudes para concluir exactamente o contrário do que é pretendido pela hierarquia religiosa britânica: as congregações estão a perder a crença religiosa mais rapidamente que que as igrejas perdem as respectivas congregações. Assim, o número de pessoas que acreditam de facto é menor do que o número dos que pertencem «passivamente», sem acreditar, a uma religião.

O estudo indica ainda que, como seria de esperar, os pais têm um papel determinante na transmissão da crença aos respectivos filhos. Mas mesmo em famílias em que ambos os progenitores acreditam convictamente, há 50% de probabilidade de os filhos serem descrentes. Essa probabilidade aumenta muito quando apenas um dos pais é crente e, pelo contrário, verifica-se que a descrença dos pais não tem grandes problemas em ser transmitida aos filhos.

Considerando o censo de 2001 em que 15,1% dos britânicos se declaram sem religião e 7,8% não indicam religião, ou seja, há 4 anos quase um quarto da população era constituída por ateus e agnósticos, e as conclusões deste estudo, que indica que a maioria dos que se declaram pertencentes a uma religião só o são nominalmente e de facto são descrentes, podemos concluir que os descrentes são a maioria, silenciosa, no Reino Unido!

16 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

Taizé: Irmão Roger assassinado esta noite

O irmão Roger Schutz foi assassinado esta noite durante uma cerimónia religiosa em Taizé, a comunidade ecuménica que fundou em França, em 1940. O religioso de 90 anos foi esfaqueado três vezes durante a oração da noite que se celebrava na igreja da Reconciliação.

A presumível autora do crime é uma mulher romena, de 36 anos, que foi detida, segundo disse uma fonte policial citada pela agência AFP.

Apesar do socorro imediato foi impossível evitar que o monge resistisse aos ferimentos.

16 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

A homilia de Bento XVI

Rome: Benoît XVI invite à ne pas retirer les crucifix des lieux publics
Crucifix, crèches et cours de religion: agacementsRome, 15 août 2005 (Apic) Le pape Benoît XVI a invité à rendre Dieu visible et à ne pas retirer les crucifix des lieux publics, le 15 août 2005, revenant ainsi sur une polémique apparue deux ans plus tôt en Italie. (…)

Li o teor da homilia de B16, proferida no dia 15, na igreja da paróquia de Castel Gandolfo, residência de férias dos Papas romanos:

O Papa B16 retoma uma polémica de 2003 em que um juiz mandou retirar um crucifixo de uma escola pública em nome da laicidade de Estado.

Para Bento XVI (B16) o crucifixo deve estar presente em todos os locais públicos e privados, nos caminhos e praças, como testemunho da presença divina. O artigo só é omisso quanto à intenção de plantar crucifixos em países doutras religiões.

Mas vejamos o caso da Itália:

Não surpreende este fanatismo do velho inquisidor – querer crucificar a humanidade. Só admira que não lhe ocorra que o Estado possa querer a bandeira italiana nas igrejas, a foto de Berlusconi suspensa no transepto e um altar para Garbaldi ou Giordano Bruno.

Que diria o pio inquisidor, perseguidor de teólogos progressistas, censor de livros e filmes, se em Portugal, por exemplo, a bandeira verde-rubra tremulasse no cimo dos campanários, se o altar-mor de cada igreja ostentasse um busto do Dr. Sampaio, se no adro das igrejas houvesse um monumento a Afonso Costa ou no átrio dos conventos fosse obrigatória uma estátua de Joaquim António de Aguiar?

O Papa quer a cruz em todos os lugares em vez dos símbolos do Estado democrático.

Se as outras religiões disputam a fé, cabe ao Governo disciplinar o mercado e garantir a concorrência.

Se o Papa quer o catecismo nas Escolas, eu quero que se estudem as leis da República nas Igrejas. A ICAR pôs os alunos das escolas públicas a copiar a Bíblia. O Estado devia obrigar os seminários e os colégios católicos a copiar a Constituição.

O Papa é obsoleto, mas perigoso. Os livres-pensadores têm de barrar-lhe o caminho.

16 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

XX Jornada Mundial da Juventude

Multidão em festa oferece nova imagem da Igreja – diz a Agência Ecclesia

Bastam os 760 bispos, sendo 63 deles cardeais, e largas centenas de padres, arciprestes, vigários, monsenhores e cónegos, e o colorido das suas bizarras indumentárias, para que o fiasco seja evitado e sete mil jornalistas e muitos operadores de imagem justifiquem a deslocação.

O Papa B16 ameaçou varrer a Europa com um «vento de nova fé». Mas faltam hoje ao velho inquisidor os instrumentos de persuasão do Santo Ofício.

Para a organização do comício foram gastos 100 milhões de euros. Quinhentas mil garrafas de água por benzer serão distribuídas e a organização conta com 30 mil voluntários mobilizados para dar serventia ao evento.

Os bispos alemães contam arregimentar 350 mil jovens para verem ronronar de contentamento o pastor alemão que regressa às origens em visita de negócios místicos.

Só para as missas de abertura desta tarde os padres emborcaram 160 litros de vinho que, depois dos sinais cabalísticos da praxe, passa a sangue de Cristo e mantém o teor alcoólico.

Durante as festividades serão consumidas 2,8 milhões de hóstias consagradas cuja diferença das não consagradas só com muita fé se nota.

Fonte: Agência Ecclesia

16 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

Ir a Colónia ver o Papa

As delegações regionais da ICAR reuniram esforços para levar à Alemanha meio milhão de jovens para se genuflectirem aos pés do velho inquisidor que geriu a sua própria promoção a Papa. Trata-se da chamada 20.ª Jornada Mundial da Juventude.

B16 é perigoso pela inteligência, habilidade e determinação, mas falta-lhe a mínima simpatia, o mais leve traço de humanidade e a mais elementar manifestação de bondade.

A ICAR, Empresa milenar, está habituada a lidar com Papas de todos os tipos, desde os perversos, que fizeram do Vaticano um antro de devassidão e escândalo, até aos Papas modernos, sofisticados e cultos, manhosos na arte da sedução e tenebrosos a corromper Governos e ONGs, especialistas a infiltrar o veneno religioso nos centros do poder.

A ICAR joga uma dupla cartada nesta maratona da fé organizada com profissionalismo e amplos recursos. Por um lado finge que o Papa é amado pela juventude, por outro que a Alemanha, onde as igrejas se encontram desertas, é fértil em proselitismo, apto a rojar-se aos pés do pastor alemão, que regressa a casa ricamente paramentado, com um vasto programa de propaganda e um amplo séquito, luzidio e colorido.

A próxima semana será muito importante para a ICAR e para a Europa laica. O lugar-tenente de Cristo fará um número de ilusionismo que dê visibilidade à ICAR ou permitirá que o desinteresse do seu país natal se manifeste?

No primeiro caso teremos um lamentável sucesso do marketing eclesiástico, com uma multidão de cardeais, bispos e monsenhores em exibição. No outro, teremos um fiasco que o ruído de meio milhão de jovens aliciados pelas sacristias não conseguirá disfarçar.

É também no espaço mediático que se trava a luta entre a laicidade e o charlatanismo religioso. A derrota religiosa é uma vitória do progresso, da civilização e da democracia.

16 de Agosto, 2005 jvasco

Somos todos irmãos

Deve fazer cerca de 7 anos que isto aconteceu. Era 29 de Julho e um amigo meu fazia anos.
Eu era ateu há muito pouco tempo, mas este meu amigo já o era há uns anitos, e a maioria dos amigos dele que estavam presentes, também. No entanto, uma amiga dele não só era católica como até fazia parte do coro da igreja. Depois do jantar, algures num bar agradável, falou-se de tudo: política, física, criação do universo e… religião. Por estar em minoria, e talvez por ser insegura, por mais que se falasse no ateísmo, a rapariga não discutiu nada: permaneceu sempre muito calada. Até que o aniversariante, ao ver os olhares dela de aprovação em relação a tudo o que era dito, e sabendo da realidade, lá lhe disse: «Mas tu não és católica?». Ao que ela respondeu:

-Sou católica, sim, mas eu também tenho muitas dúvidas. Por exemplo: Jesus diz que somos todos irmãos, mas depois condena o incesto. Como é que será possível depois as pessoas terem filhos?

Conhecendo a peça, é possível saber que não se tratava de nenhuma ironia refinada. Depois de lhe explicarmos que o «somos todos irmãos» era uma alegoria, e que não era por aí que a fé cristã falhava, pudemos voltar alegremente à nossa conversa.

15 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

Momento Zen da segunda-feira

João César das Neves (JCN) raramente desilude os leitores. À segunda-feira prega-nos a habitual homilia com as graças do seu Deus, e respectiva família, e execra os hereges que desprezam tão sagrada gente e os mitos que lhe estão associados.

A pérola da semana tem por título «Um tempo salvo por uma mulher», em cujo exórdio se lê: «O nosso tempo só admira e cultiva o paganismo porque não faz a menor ideia do que ele fosse, conhecendo apenas as modernas imagens parolas».

Diz-nos que «Santa Maria Madalena é uma das maiores santas da nossa história», sem indicar o catálogo dos milagres ou fazer uma resenha das virtudes. Nem sequer refere a actividade profissional da dita, antes de se dedicar em exclusivo a Jesus Cristo (JC).

Depois, como bom conhecedor da bíblia, refere imagens eróticas e fala da crueldade dos deuses pagãos como se falasse do deus abraâmico.

Vale a pena transcrever a frase onde descreve a religião: «É horrível viver a vida com a omnipresença de deuses, espíritos e demónios, que dominam todos os elementos e se tornam vingativos se não forem alimentados por libações». Basta substituir libações por orações, colocar deus no singular e temos o Deus da ICAR.

Sendo o cristianismo, sobretudo a versão terrorista da ICAR e a de alguns evangélicos, a expressão do pior que JCN atribui ao paganismo, é curioso que nos diga que JC nos libertou de tudo isso.

Diz ainda JCN que JC falou do Seu Pai [sic] (do de JC, o de JCN é posterior), «o único Deus, o Deus que é bom e próximo e ama sobretudo os pobres». Esta arrogância de o Deus de JCN ser melhor do que o Deus dos suicidas islâmicos ou o dos judeus com tranças à Dama das Camélias aceita-se, mas o facto de ser o único, é o beato a desejar o monopólio.

Para provar a consideração que a ICAR tem pela mulher, não se baseia no número de padres, bispos ou papas que a ICAR ordenou, mas no número de santas que fabricou.

Não refere as que a Inquisição queimou como bruxas, a obediência a que as condena ao homem, a conduta misógina e a impureza que a ICAR imputa à mulher, ao ponto de falsificar uma virgindade para a mãe de JC.

No delírio beato, JCN atribui ao cristianismo «os fundamentos dos direitos humanos, a igualdade entre todas as pessoas e a libertação da mulher» – um exercício de falsificação histórica e de manipulação da verdade, confundindo cristianismo e Revolução Francesa.

JCN diz que uma «versão revisionista da História esforça-se por representar as eras cristãs como séculos de obscurantismo e barbárie, extrapolando para o todo de alguns casos aberrantes».

Podia lembrar a época actual, a luta da ICAR contra o preservativo, a homofobia, o apoio aos ditadores, a perseguição a teólogos progressistas, a negação do direito ao divórcio, a tibieza em relação à pena de morte, a censura de livros e filmes, a luta contra a liberdade religiosa (impondo o ensino obrigatório da sua no ensino oficial), enfim, um nunca mais acabar de horrores que tem na seita Opus Dei o seu expoente máximo.

Algumas frases são de fino recorte intelectual: «O que interessa ao culto actual de Madalena é directamente a cópula. Nossa Senhora é mulher, esposa, mãe. Tem todos os elementos femininos, mas é virgem. Isso mostra como vivemos num tempo obcecado pelo aspecto sexual no seu sentido mais venéreo. Sem o coito uma mulher não é mulher».

Claro que uma mulher é mulher sem o coito, mas há dois mil anos era o único método de engravidar e, ainda hoje, é o mais popular para dar prazer e gerar filhos.

Vale a pena ler todas os desvarios místicos de JCN. Quem não se comoverá com a festa da Assunção de Nossa Senhora que hoje, 15 de Agosto, tem lugar?

«Proclamado por Pio XII em 1950, este é o quarto dogma mariano da história da Igreja, depois da Maternidade de Deus no concílio de Éfeso em 431, da Virgindade Perpétua em 649 e da Imaculada Conceição de 1854». Uma fonte de erudição e de humor.

Sobretudo esta da «virgindade perpétua» deu cabo de mim. Vejam, leitores, como pode a fé ensandecer um créu.

Não percam «Um tempo salvo por uma mulher», de JCN, no Diário de Notícias.

15 de Agosto, 2005 Palmira Silva

Origem da vida

A Universidade de Harvard lançou um projecto multidisciplinar para investigar as origens da vida, «Origins of Life in the Universe Initiative».

O projecto, ainda na fase inicial, é uma resposta da comunidade científica americana aos assaltos imbecis dos criacionistas ao evolucionismo. Tornado mais urgente pelas declarações recentes de G. W. Bush apoiando o ensino do desenho inteligente (ID).

Porque, como afirmou David R. Liu, um professor de Química e Química Biológica em Harvard, «Nós começamos com um reconhecimento mútuo da complexidade profunda dos sistemas vivo» mas «o que espero é que seremos capazes de reduzir essa complexidade a uma muito simples série de eventos lógicos que puderam ter lugar sem qualquer intervenção divina».

14 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

O pudor divino

Ontem, durante as cerimónias adrede preparadas para as vítimas da fé e escravos da crendice popular, o bispo de Leiria/Fátima, Serafim Ferreira e Silva, agradeceu a presença em Fátima e a fé por todos manifestada, criticando os que se apresentaram no recinto do Santuário com os corpos mais descobertos do que o desejável.

«O Santuário não é uma praia nem uma esplanada» – disse o bispo, ameaçando com uma futura vigilância mais apertada, segundo o Diário de Notícias.

Sabendo-se da lubricidade de Deus, o melhor é evitar-lhe as tentações. A menos que se tema que o diabo entre pelos decotes ou penetre por algum sítio recôndito em busca das almas, com a missão facilitada pelo desleixo de peregrino/as sufocados pelo calor.

14 de Agosto, 2005 Carlos Esperança

Oportunismo religioso

Ontem, no cemitério militar de Sampetersburg, teve lugar uma cerimónia religiosa para assinalar o 5.º aniversário do afundamento do submarino nuclear Kursk, no mar de Barents, onde pereceram todos os 118 tripulantes que se encontravam a bordo.

Sempre que há uma tragédia a evocar, uma ferida a sangrar, uma fragilidade emocional a explorar, os clérigos aparecem como abutres, alimentando-se da putrefacção dos corpos.