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27 de Setembro, 2005 Carlos Esperança

Momento Zen da segunda-feira

A visão de quem é cego

João César das Neves (JCN), pregador inveterado, prosélito genuflectido à vontade dos padres, é um créu que, à mais leve falta, vem em socorro da ICAR para penitência dos pecados que só ele e o seu confessor conhecem.

Em vez de pagar em orações, passar horas a rezar padre-nossos e ave-marias, JCN é o moço de recados do clero mais retrógrado. A defesa da criminalização do aborto é a penitência que lhe dão quando não se obriga a defender milagres.

Na homilia desta segunda-feira, que o Diário Ateísta leu no DN, por devoção e humor, JCN fala várias vezes de democracia como se a sua Igreja alguma vez tivesse estado a seu lado.

Não queremos privar os leitores do sermão «a cegueira de quem não quer ver». Por isso apenas dois reparos:

1 – «Os defensores da legalização, naturalmente, negam identidade humana ao embrião. Tal como os esclavagistas faziam com os negros ou os nazis com os judeus.» – escreve JCN. Onde escreveu «esclavagistas» podia ter escrito «Igreja católica» pois não se poupou ao comércio de escravos nem à vanguarda do anti-semitismo».

2 – Referindo-se aos que pretendem a alteração da lei que arrasta mulheres a tribunal, devassa a intimidade, humilha e condena à prisão, o plumitivo escreve: «Mas quantas mulheres querem salvar deste destino? Zero. Não há nenhuma! É um esforço intenso para libertar exactamente ninguém».

Então que malvadez o leva a defender uma lei que os juizes se coíbem de aplicar, a opinião pública despreza e a saúde pública condena, a menos que um imenso ódio às mulheres o leve a mantê-las sob a ameaça que as assusta e envergonha?

JCN acaba a homilia a citar a Bíblia, livro pouco lido e cada vez menos recomendável.

Nota: Por motivos imprevistos não foi possível colocar ontem este post.

27 de Setembro, 2005 Ricardo Alves

Já vai havendo católicos que me dão esperança

É muito raro encontrar entre os crentes, e muito particularmente entre os crentes católicos, quem assuma uma posição, por mais tímida ou ambivalente que seja, favorável à laicização do Estado. É portanto de saudar a declaração de Miguel Marujo (no penúltimo Terra da Alegria, a 21 de Setembro) pedindo a remoção da «quinquilharia» religiosa (crucifixos, santinhos e demais imagética religiosa) que ornamenta tantas salas de aula de escolas públicas. Efectivamente, há consequências a tirar quer da diversificação crescente da sociedade portuguesa (existem hoje comunidades muçulmanas e hindus em Lisboa) quer da sua secularização (e, para além dos factos sociais, existem leis que estão a ser infringidas…). Porém, convém precisar o sentido em que se usam algumas palavras.
  • Secularização é uma palavra que remete para práticas sociais. Deve usar-se no sentido de perda de importância das referências religiosas na vida quotidiana dos indivíduos ou das sociedades. O decréscimo da percentagem de católicos praticantes ou da percentagem de casamentos religiosos são indícios de secularização, não de laicização.
  • Porque laicidade é um termo que se deve reservar para a esfera política e estatal. Um Estado laico é independente das igrejas e comunidades religiosas e neutro quer quanto às opções filosóficas e religiosas dos cidadãos quer quanto às ideologias. A remoção de símbolos religiosos dos serviços estatais será um avanço na laicização do Estado, como o seria o fim da Educação Moral e Religiosa nas escolas públicas.

E aqui divirjo, num ponto importante, do católico leigo Miguel Marujo: um Estado laico não tem qualquer obrigação de ajudar uma facção dos seus cidadãos (ou várias facções) a difundir a sua religião, e ainda menos integrando uma disciplina confessional no espaço físico e no horário do ensino público. A laicidade significa justamente que o Estado não deve promover nem constranger desnecessariamente qualquer religião. A transmissão da religião pode ser feita (e deverá continuar a sê-lo enquanto houver quem assim o queira) no âmbito associativo. Aliás, isso já acontece, o que torna mais prescindível a duplicação que a Educação Moral e Religiosa constitui face aos cursos fornecidos nas igrejas.

A terminar, devo recordar que somos todos anti-qualquer-coisa. Por mais diálogo inter-religioso que façam, existirão sempre muitos católicos anti-ateísmo, anti-IURD ou anti-Testemunhas-de-Jeová, enquanto existem ateus anti-religiosos e muçulmanos anti-quase-tudo. Justamente para gerir estes conflitos potenciais, o Estado não pode ser nem pró nem anti; pelo contrário, deverá abster-se em matéria religiosa e assim ser efectivamente laico.

26 de Setembro, 2005 Palmira Silva

Campanhas de desinformação

Todos nós recordamos a campanha contra a Associação para o Planeamento da Família, APF, que incluiu uma petição que circulou célere na Internet e onde, entre outras coisas, se exigia a suspensão de supostos programas de educação sexual em curso nas escolas, promovidos pelo Ministério da Educação em parceria com a APF.

A campanha caluniosa, lançada por associações ultra-conservadoras, nomeadamente a Associação Juntos pela Vida, que pretendiam certamente desacreditar a APF e o seu meritório trabalho, foi baseada em factos falsos, numa clara manobra para assustar as famílias portuguesas e criar um clima político-social pouco propício à introdução da disciplina de Educação sexual nas escolas. A matéria em que se baseou esta campanha foi veiculada numa notícia publicada na edição de 14 de Maio no Semanário Expresso que versava sobre manuais e materiais de educação sexual de conteúdo não só nitidamente de mau gosto mas completamente despropositados. Apesar de ter sido por diversas vezes referida na notícia, a APF nunca foi ouvida nem os seus comunicados publicados ao abrigo do direito de resposta. Mas procedeu contra os seus detractores, nomeadamente apresentando queixa na Alta Autoridade para a Comunicação Social, AACS.

Hoje foi divulgada uma nota de imprensa da APF que transcreve a deliberação da AACS que dá razão à queixa apresentada pela APF, aprovada por unanimidade em 21.09.05:

«Apreciada uma queixa da Associação para o Planeamento da Família (APF) contra o jornal Expresso com base na alegação que este, referindo-a, lhe não deu voz como deveria, no processo de elaboração do artigo publicado a 14 de Maio último a propósito da Educação Sexual nas Escolas, desse modo, ao que sustenta, praticando uma informação parcial, com elementos falsos e atentatórios da sua honorabilidade, a Alta Autoridade para a Comunicação Social, ao abrigo das faculdades conferidas pela Lei nº43/98, de 6 de Agosto, entendendo que a audição e pronúncia da reclamante era, no contexto, necessária e adequada, delibera chamar a atenção do jornal para a necessidade de cumprimento do ético-juridicamente disposto em matéria de rigor informativo.»

26 de Setembro, 2005 Ricardo Alves

Arte proibida em Londres

A Tate Gallery de Londres retirou uma obra de arte intitulada «Deus é grande» de uma exposição por recear que pudesse ofender os muçulmanos. O trabalho artístico retirado consiste numa folha espessa de vidro contendo cópias da Bíblia, do Corão e do Talmude.

A direcção desta conhecida galeria de arte assumiu que a decisão se deveu ao temor de chocar «sensibilidades religiosas». John Latham (autor desta e de outras obras em exibição na exposição) acusou a Tate Gallery de «cobardia».

O único comentário que me ocorre é que, a partir do momento em que nos começamos a censurar a nós próprios, as leis que restringem a liberdade de expressão podem avançar: arrombarão portas abertas.

Fonte: The Observer.
26 de Setembro, 2005 Palmira Silva

Tolerância cristã

Uma estudante de 14 anos, Shay Clark, foi expulsa de uma escola cristã em Ontário, Califórnia, devido ao facto de a sua mãe viver com outra mulher.

«A sua família não verifica as políticas de admissão» foi a justificação escrita enviada pelo director da escola à mãe biológica da adolescente, Tina Clark. Aparentemente nessas políticas de admissão de estudantes está a incluída a necessidade de pelo menos um dos pais não viver em pecado, mais concretamente não estar envolvido em práticas «imorais e inconsistentes com uma vida cristã positiva, tais como cohabitação sem casamento ou relações homossexuais»

Tina Clark e a sua companheira vivem juntas há 22 anos e têm mais duas filhas com 9 e 19 anos, respectivamente.

26 de Setembro, 2005 Palmira Silva

Instruções papais

A intolerância e discriminação da Igreja de Roma atingiu o seu zénite sob o papado de Ratzinger. Assim, após séculos de acolhimento de braços abertos, espera-se para breve uma instrução papal que formalizará a interdição aos homossexuais de ingressarem em seminários. Esta instrução surge após uma revisão da política da Igreja em relação à homossexualidade ordenada pelo finado João Paulo II na sequência do escândalo da pedofilia nos Estados Unidos, envolvendo padres católicos. Aparentemente foi ao actual Papa que o nosso opinador de estimação, J.C. das Neves, foi beber a sua inspiração para equivaler a homossexualidade ao crime de pedofilia! Mesmo para uma instituição que considera a homossexualidade uma «desordem intrínseca» parece um pouco forte esta declaração implícita de que, contrariamente aos seus colegas heterossexuais, os padres homossexuais não só são incapazes de manterem os votos de celibato como são intrinsecamente predispostos a cometer actos criminosos.

Espera-se ainda que inicie brevemente uma inspecção aos 229 seminários católicos americanos, uma Visita Apostólica que tem como fim examinar se existe «evidência de homossexualidade» nos mesmos.

Considerando que uma percentagem significativa do clero americano é homossexual, mais de 25% segundo algumas estimativas, e que existem seminários designados por «seminários lavanda» com uma população estudantil quasi exclusivamente gay, a medida pode ser um tiro no pé de uma instituição com cada vez mais dificuldade em atrair recrutas, pelo menos no mundo ocidental!

25 de Setembro, 2005 Palmira Silva

Arte proibida em Teerão

O Museu de Arte Contemporãnea de Teerão está a conhecer uma afluência inusitada de visitantes. A razão é uma exposição que exibe 190 quadros da colecção de Farah Pahlavi, a mulher do ex-Xá, incluindo obras de Picasso, Toulouse-Lautrec e Andy Warhol, que é simultaneamente uma despedida simbólica do actual director Ali-Reza Samiazar, forçado a pedir a demissão pelo novo regime do presidente Mahmoud Ahmadinezhad. De facto, os quadros agora expostos estavam banidos numa cave desde a queda do Xá e advento da teocracia no Irão, considerados «imorais» e «anti-islâmicos» pelos mullahs.

Numa entrevista ao Jornal de Arte, Samiazar, que acredita que a exposição não será encerrada porque é demasiado popular, revela que «Foi difícil promover a arte sob o governo reformista de Khatami (o anterior presidente), não há qualquer hipótese de o fazer sob os conservadores». Especialmente devido à recente tomada de posse como ministro da Cultura de Hossein Saffar-Harandi, um ultra-conservador, que acabará com o que resta da liberdade cultural no Irão.

Não obstante este ser um óbvio acto de revolta contra a ditadura dos mullahs, muito bem acolhido pelos visitantes do museu, que consideram esta a melhor exposição que Teerão conheceu e que se indignam por terem sido negados a sua apreciação por tanto tempo, Samiazar estabeleceu limites. Alguns quadros nunca saíram da cave, incluindo um Renoir representando uma mulher semi-nua. Pior sorte teve um tríptico de Francis Bacon representando dois homens numa cama e respectivos servos, que teve um tempo de vida efémero na exposição. No dia de abertura dois membros da milícia Basij arrancaram o painel central que representava os dois homens adormecidos e saíram com ele. O destino do quadro é desconhecido…

25 de Setembro, 2005 Palmira Silva

Exorcistas explicam-se

Depois de realizada em grande segredo a oitava convenção dos exorcistas italianos, a que compareceram 180 caçadores de demónios, realizada em Collevalenza, na província de Perúgia, subordinada ao tema esclarecedor «O exorcista na Nova Evangelização», o presidente da Associação Internacional de Exorcistas resolveu esclarecer os mal entendidos sobre os exorcistas ao periódico italiano Avvenire.

Ficámos a saber que a tarefa principal do exorcista é proclamar os Evangelhos e que o «seu apostolado conduz à fé pessoas que estão possuídas, iludidas ou obsecadas pelo demónio».

Mas o principal de toda a entrevista reside na descrição dos sinais de possessão que, muito convenientemente, para além de «doença desconhecida ou mesmo sintomas que são difíceis de identificar», uma descrição suficientemente lata para incluir todo o género de manifestações, especialmente em países menos desenvolvidos, esclarecem que a presença do mafarrico é denunciada pela «aversão pelo sagrado». Assim para o devoto charlatão prelado serão certamente possuídos pelo demo todos os ateístas!

Na realidade, desde 1999, data em que foi revisto e publicado o novo manual de caça ao Demo, que a Igreja de Roma tenta recuperar esse instrumento de dominação que se mostrou tão útil para a santa Igreja ao longo dos séculos. Como preleccionou o cardeal Jorge Medina Estevez, ex-prefeito da Congregação para o Culto Sagrado e a Disciplina dos Sacramentos, que relembrou o mundo católico da presença bem real do Demo, em cuja existência é mandatório acreditar, e esclareceu que o Demo «Engana os homens persuadindo-os de que não precisam de Deus e que são auto-suficientes». Não esquecendo que para o dignitário o mafarrico tem novas armas linguísticas que não hesita em usar: «O Diabo está muito presente, serve-se da mentira e para enganar usa eufemismos. Denomina o aborto interrupção da gravidez e os filhos, cargas. Anima os casamentos entre homossexuais e as leis de divórcio, apresenta o mal como bem, endeusa o dinheiro». Ou seja, o ilustre dignitário identificou como possuídos pelo Demo os que são a favor da despenalização do aborto, do controlo de natalidade, do casamento entre homossexuais e do divórcio.

Agora que a ciência desmistificou, no mundo ocidental pelo menos, as doenças e manifestações antigamente atribuídas a influências demoníacas veremos certamente muito esgrimir desta conveniente «aversão pelo sagrado», sinal inequívoco de possessão demoníaca, como a causa que impede o reconhecimento das «verdades absolutas» da ICAR e subjacente à laicidade.

24 de Setembro, 2005 Carlos Esperança

Governo dos EUA intercede pelo Papa

O Papa Bento 16 foi acusado por um tribunal dos EUA de estar «implicado numa conspiração para ocultar os crimes de um seminarista, Juan Carlos Patiño, julgado por abuso sexual de três crianças, na igreja, durante sessões de orientação psicopedagógica, em meados da década de 1990.

No entanto, um representante do Governo dos EUA comunicou ao tribunal do Texas, que acusava o Papa do crime cometido enquanto cardeal, Prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, de que devia conceder-lhe imunidade.

O subsecretário de Estado da Justiça, Peter Keisler, assinalou que, como chefe de Estado do Vaticano, a continuação do processo contra B16 seria «incompatível com os interesses de política externa dos EUA».

Apesar de o juiz que investiga o caso ainda não se ter pronunciado, o Supremo Tribunal de Justiça declarou que os tribunais dos EUA estão obrigados a aceitar essas «sugestões de imunidade» apresentadas pelo Governo. Há, aliás, o precedente de uma acusação contra JP2, em 1994, também no Texas, que foi retirada na sequência de uma moção similar.

Por seu lado, Daniel Shea, advogado de um dos três queixosos, disse que o segredo, nestes casos, representa uma conspiração para encobrimento do crime.

A promoção a Papa não o tornou apenas Santo (Padre), libertou-o dos pecados.

24 de Setembro, 2005 Palmira Silva

Dois pesos, duas medidas

Numa altura em que os conservadores cristãos britânicos protestam e tentam boicotar a digressão do espectáculo «Jerry Springer: The Opera», muito contestado especialmente depois de a BBC ter transmitido uma gravação do espectáculo, simultaneamente preparam uma mega manifestação para protestar legislação que segundo eles… restringe a liberdade de expressão!!

De facto, numa demonstração óbvia da hipocrisia e multiplicidade de critérios características das religiões em geral e da cristã em particular, mais de 100 igrejas e denominações cristãs inglesas preparam-se para protestar a legislação, já aprovada na Câmara dos Comuns, que criminalizará o incitamento ao ódio por motivos religiosos.

Pessoalmente considero a proposta de lei completamente absurda mas por razões totalmente distintas das dos piedosos cristãos. Estes opõem-se à legislação, que define ódio religioso como «ódio contra um grupo de pessoas definidas em relação a uma crença religiosa ou ausência de crença religiosa», porque temem que sob esta legislação não possam proselitar à vontade. Como todas as religiões e variantes dentro da mesma religião se reclamam a única verdadeira, as mais viperinas manifestações de ódio religioso verificam-se nos púlpitos, onde os prelados das várias religiões atribuem os males do mundo aos desvios às suas «verdades absolutas», aos incréus e «relativismos» morais ateus e consequentemente atacam e denigrem não só o ateísmo e secularismo como as «falsas» religiões.

Para os piedosos cristãos, em Inglaterra como cá, liberdade de expressão é sinónimo de liberdade de expressão apenas para as suas «verdades absolutas». Sentem-se no direito de criticar livre e vigorosamente as outras religiões e o ateísmo mas não só protestam a alto e bom som a menor crítica, como carpem acusações de perseguição e cruzadas anti-cristãs quando essas «verdades absolutas» não são transcritas para a letra de lei. Para eles todas as vozes discordantes devem ser silenciadas. No caso inglês é-me completamente mistificante que estes preocupados crentes não se apercebam da hipocrisia subjacente a exigirem a «cristianização» da BBC, a censura da difusão pelos media de estilos de vida «alternativos» e de programas «blasfemos», enquanto protestam contra a ameaça à «liberdade de expressão».

Curiosamente durante a tão abominada ópera de Jerry Springer, que levanta questões éticas e morais importantes, nomeadamente sobre justiça e o problema do mal, o personagem representando o mítico fundador do cristianismo é confrontado com acusações e desafiado a responder a uma série de questões morais. O personagem não responde a alguma das questões, ignora as acusações e simplesmente exige «respeitem-me».

Quiçá a luta encarniçada dos cristãos contra o espectáculo seja exactamente porque o seu comportamento apenas reforça o estereótipo dos representantes do panteão católico caricaturados na peça. Os seus dogmas anacrónicos, aquilo que para eles passa por moral, não respondem aos muitos problemas éticos e sociais da actualidade, na realidade só os agravam, e, com total desrespeito pelos que não partilham as suas crenças, exigem não só que estas crenças sejam respeitadas mas, especialmente, que os seus dogmas sejam seguidos por todos!