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30 de Setembro, 2005 Carlos Esperança

Ontem, em Coimbra

Numa sessão pública na Faculdade der Economia, com os candidatos autárquicos do PS, PCP, BE e PSD/CDS/PPM, pedi a palavra «na dupla condição de membro da Associação República e Laicidade e activista da criação da Associação Ateísta Portuguesa».

Perguntei aos quatro candidatos se cabia nos seus objectivos criar um espaço condigno para as pessoas com pituitária avessa ao incenso e pele alérgica à água benta, para serem velados quando morressem, bem como da possibilidade de construir um crematório em Coimbra.

Todos manifestaram respeito pela razão que me assistia tendo o PCP sido o mais objectivo a comprometer-se a integrar no seu programa o primeiro pedido. O BE e o PS manifestaram solidariedade com a solicitação. O PSD/CDS/PPM, pela voz do candidato comum e actual presidente da Câmara, disse que estava prevista a construção de um crematório e que achava que se devia encontrar esse espaço neutro, sem símbolos religiosos, para ateus, agnósticos e crentes de religiões minoritárias localmente.

Creio que é uma luta que devemos conduzir nos vários municípios. Acrescento que um terço do auditório aplaudiu a minha solicitação e várias pessoas vieram ter comigo para se solidarizarem e manifestarem a vontade de pertencer à futura Associação Ateísta. Muitos outros não esconderam a sanha cristã que os devorava.

30 de Setembro, 2005 Carlos Esperança

Uma solução para cada caso

No convento das carmelitas uma jovem mulher aparecia todas as manhãs a rezar junto ao altar da Virgem Maria.

Intrigada, um dia a madre superiora perguntou-lhe o motivo da súplica, ao que a devota respondeu:

– Venho aqui rezar duas ave-marias a pedir um filho.

– E já experimentou um padre nosso? – indagou a madre.

30 de Setembro, 2005 Palmira Silva

Marketing arrojado

Um livro intitulado «Abre a porta» recomenda uma série de práticas evangelizadoras no mínimo pouco comuns, que incluem a disseminação dos Evangelhos em festas de … lingerie. Este livro, que tem o apoio de um bispo da Igreja Anglicana, o bispo de Bolton David Gillett, preconiza que nesta era em que mais pessoas sabem o seu signo do Zodíaco que os Dez Mandamentos é altura de os cristãos recorrerem a métodos pouco convencionais para «espalhar a mensagem» e travarem o declínio no número de fiéis em Inglaterra.

Assim todos os meios são válidos para apanhar os mais incautos num momento descontraído e tentar impingir-lhe as «verdades absolutas» do cristianismo. Festas de lingerie (não é explícito se poderá ser lingerie mais sedutora ou se estas festas se restringem às cuecas de gola alta da coisa do anel de prata), festas do chocolate, de tricot, de leitura de policiais, de tratamentos de beleza, enfim a panóplia completa para relaxar os incréus, ou mais propriamente as descrentes, já que o livro trata essencialmente de tácticas de evangelização de mulheres.

A minha experiência pessoal faz-me suspeitar que, contrariamente ao que o piedoso Bispo afirma, uma ida à manicure ou à esteticista não é de facto a altura mais apropriada para falar de Adão e Eva. Quiçá o seu fascínio pelo programa de que é fã incondicional, o Big Brother, lhe tenha feito perder um pouco de … perspectiva! Mas o desespero de ver o produto que vendem sem saída e a clientela a desaparecer tem levado a Igreja de Inglaterra a campanhas de marketing … inesperadas!

29 de Setembro, 2005 Palmira Silva

Deduções fiscais new age

As autoridades fiscais holandesas aceitaram como deductível os 2 210 euros que uma actriz de 39 anos pagou para tirar um curso de um ano sobre… feitiçaria! O curso envolve o ensino da correcta utilização de utensílios indispensáveis à profissão, tais como o perscrutar uma bola de cristal quiçá manobrar uma recalcitrante vassoura, para além do domínio de complicados hocus pocus feitiços e da arte de bem preparar mezinhas de origem vegetal.

O fisco holandês aceitou as despesas porque o curso serviu para promover a actividade profissional da ex-actriz, agora devotada a espalhar o conhecimento da mágica da terra em workshops e afins.

29 de Setembro, 2005 Carlos Esperança

O Papa regressou ao covil

Após dois meses de férias na residência de verão, em Castel Gandolfo, B16 acaba de regressar ao antro do Vaticano, o habitat natural destes espécimes únicos, que há cerca de mil anos começaram a usar o epíteto de Papa católico, cognome que atribuíram aos antecessores.

Tinha 30 mil devotos à espera, convencidos de que ver o Papa é meio caminho andado para o Paraíso, onde não os esperam rios de mel nem 70 virgens (para isso escolhessem o Paraíso islâmico), mas onde podem jogar à bisca de nove com Deus e brincar às escondidas com os anjos, desde que não assediem a virgem Maria. (Para as mulheres não há divertimentos, nem no Paraíso).

O tema da audiência concedida aos 30 mil peregrinos, escolhido pelo antigo inquisidor, foi «o amor divino», o único que o múnus e a idade ainda lhe consentem. Mas o que será isso de amor divino? O Papa Ratzinguer explica: «Deus não abandona o seu povo, mas intervém continuamente na história, manifestando nela a omnipotência».

Apesar do esoterismo das palavras é fácil pensar nas vítimas dos maremotos, dos tufões e na parafernália de instrumentos bélicos com que os devotos de um Deus assassinam os devotos do Deus concorrente. Com a indiscutível omnipotência do Deus de B16, não há dúvida do sadismo com que mata, fere e deixa sem casa, medicamentos, comida e água potável milhões de inocentes.

Com um Deus assim, só admira a clientela que resiste.

29 de Setembro, 2005 Palmira Silva

Religião e Sociedade

As religiões judaico-cristãs assentam numa concepção do ser humano naturalmente perverso, muito susceptível às tentações do mafarrico, factos que justificam a existência do Mal. Outra concepção concomitante é o mito da Queda que nos sobrecarrega com o pecado original: «o homem era inocente e bom, e o mundo era um jardim, um paraíso. Mas o homem foi tentado, sucumbiu e caiu». A tradição cristã, que influenciou indelevelmente a sociedade ocidental é assim muito veemente na condenação da natureza humana e da sua natureza intrinseca e irrevogavelmente má afirmando que não há nem salvação moral nem sociedade funcional fora do amor a Deus. Aliás essa é a arma mais frequentemente esgrimida contra os ateístas, ou seja, os crentes em geral e os católicos em especial afirmam a impossibilidade de existência de um sistema moral fora dos auspícios divinos.

Um artigo recente publicado na revista científica que dá título a este post, Journal of Religion and Society, vem liminarmente deitar por terra todos os supostos argumentos de ordem moral que, sem qualquer sustentação empírica mas apenas reflectindo o sentimento de superioridade moral que as religiões conferem, os crentes vêm falaciosamente utilizando até agora. E que apenas confirma o que Feuerbach já afirmava há cerca de 150 anos: «quando a moral se baseia na teologia, quando o direito depende da autoridade divina, as coisas mais imorais e injustas podem ser justificadas e impostas».

No artigo são analisados dados de incontáveis sondagens internacionais, nomeadamente da International Social Survey Programme, Gallup e outras, que permitem a conclusão que «Em geral, taxas mais altas de crença e reverência num Criador correlacionam com taxas mais altas de homícidio, mortalidade juvenil e de jovens adultos, infecções com doenças sexualmente transmíssiveis, gravidez adolescente e aborto nas democracias prósperas».

Reflectindo ainda que «democracias não religiosas, a favor do evolucionismo contradizem a máxima de que uma sociedade não pode gozar de boas condições a não ser que a maioria dos seus cidadãos acreditem ardentemente num criador moral». Aliás, a desacreditação desta máxima já tinha sido indicada aqui no DA com o exemplo da República Checa, a democracia ocidental mais ateia.

A conclusão retirada no artigo «O medo generalizado que uma cidadania sem Deus deve experienciar um desastre social é assim refutado» apenas corrobora as minhas lucubrações de que o progresso ético da humanidade é impedido peals religiões.

De facto, e como já escrevi, se analisarmos criticamente a História, podemos constatar que apenas depois de Petrarca e do início dos movimentos humanistas, que colocam a ênfase no Homem e não em qualquer ser transcendente, e consequentes separação da Igreja-Ciência e da Igreja-Estado se dá um avanço ético nas sociedades ocidentais. A progressão do sub-homem de Sartre para o Homem pleno, só pode de facto realizar-se através do humanismo. Apenas acreditando no Homem, repudiando a tradição cristã da sua natureza pecadora e má, e estabelecendo uma ética centrada no Homem e não em verdades «reveladas», podemos viver harmoniosamente com os nossos semelhantes.

Ou seja, a ética cristã assenta na natureza intrinsecamente má do Homem, causada pela dentadinha na maçã da pérfida Eva, e na supressão virtuosa dessa natureza humana, por obediência a ditames divinos. A ética ateísta pretende não só devolver ao Homem a dignidade que as religiões do livro lhe sonegaram como combater o antropocentrismo autista que estas promovem. E como este estudo confirma, em total oposição ao que pretendem os crentes, a ética ateísta permite o desenvolvimento de uma sociedade melhor, mais pacífica e mais justa!

28 de Setembro, 2005 Palmira Silva

Moral cristã segundo os teocratas americanos

O líder republicano da Câmara dos Representantes, Tom Delay, um fervoroso cristão muito activo no caso Terri Schiavo, foi forçado a abandonar o seu cargo de liderança no Congresso dos Estados Unidos por ter sido indiciado por um Grande Júri num caso de conspiração, que envolve financiamento ilegal da campanha republicana de 2002.

Os teocratas americanos, vulgo religious right, perdem assim uma das vozes mais tonitruantes no Congresso em defesa dos «valores cristãos», um grande paladino de óvulos, espermatozóides e células estaminais, que abomina e tenta com todas as forças anular a separação estado-religião. Especialmente perdem um dos soldados de Deus na promoção de «uma perspectiva bíblica» na política norte-americana, que participou activamente no impeachment de Bill Clinton por considerar que este tinha «a perspectiva errada». O devoto republicano considera ainda que «Apenas o cristianismo permite uma forma de perceber as fronteiras morais e físicas» do «sentido da vida» e que «apenas o cristianismo fornece uma forma de viver em resposta às realidades que vivemos neste mundo». Aparentemente essa «fronteira moral» e as respostas cristãs aos estímulos exteriores seguem a máxima maquievélica de que os fins justificam os meios… e para eleger paladinos da moral e bons costumes cristãos, como Delay, todos os meios, mesmo ilegais, são moralmente (para os cristãos, claro) legítimos!

28 de Setembro, 2005 Carlos Esperança

Os paramentos do clero

Os que me conhecem mal pensam que sou anti-clerical mas quem me conhece bem tem a certeza. Divirto-me a observar as vestes eclesiásticas, alvos bibes, negras sotainas, os adereços brilhantes e os sapatinhos coloridos dos bispos.

Os paramentos dos machos castrados do divino têm enorme propensão para imitar os atavios femininos. Sob a aparência assexuada a que o múnus os obriga é a ilusão hermafrodita que os persegue.

Na mórbida execração do sexo é apenas a preservação do poder que une o clero.

Passar a juventude a reprimir desejos, a conter com gelo os calores do corpo, a acumular traumas com a virgem nua dos sonhos púberes ou com a tanga solta do Cristo que jaz na parede fria da camarata do seminário, é um sacrifício sem Paraíso que compense.

Aos padres está vedada a sexualidade, apenas lhes recomendam a castidade. Em vez de palavras ternas e beijos húmidos em lábios que se unem e corpos que se estremecem, debitam reles orações e beijam medalhas frias de ícones de fancaria.

Os olhos semicerrados do oficiante, à elevação da hóstia, é o esgar involuntário da frustração do orgasmo por haver. O hissope com que aspergem é a evocação ritual do pecado solitário e a eucaristia a degustação de um cadáver servido em rodelas de pão ázimo ou liquefeito com sabor a vinho.

27 de Setembro, 2005 Carlos Esperança

Momento Zen da segunda-feira

A visão de quem é cego

João César das Neves (JCN), pregador inveterado, prosélito genuflectido à vontade dos padres, é um créu que, à mais leve falta, vem em socorro da ICAR para penitência dos pecados que só ele e o seu confessor conhecem.

Em vez de pagar em orações, passar horas a rezar padre-nossos e ave-marias, JCN é o moço de recados do clero mais retrógrado. A defesa da criminalização do aborto é a penitência que lhe dão quando não se obriga a defender milagres.

Na homilia desta segunda-feira, que o Diário Ateísta leu no DN, por devoção e humor, JCN fala várias vezes de democracia como se a sua Igreja alguma vez tivesse estado a seu lado.

Não queremos privar os leitores do sermão «a cegueira de quem não quer ver». Por isso apenas dois reparos:

1 – «Os defensores da legalização, naturalmente, negam identidade humana ao embrião. Tal como os esclavagistas faziam com os negros ou os nazis com os judeus.» – escreve JCN. Onde escreveu «esclavagistas» podia ter escrito «Igreja católica» pois não se poupou ao comércio de escravos nem à vanguarda do anti-semitismo».

2 – Referindo-se aos que pretendem a alteração da lei que arrasta mulheres a tribunal, devassa a intimidade, humilha e condena à prisão, o plumitivo escreve: «Mas quantas mulheres querem salvar deste destino? Zero. Não há nenhuma! É um esforço intenso para libertar exactamente ninguém».

Então que malvadez o leva a defender uma lei que os juizes se coíbem de aplicar, a opinião pública despreza e a saúde pública condena, a menos que um imenso ódio às mulheres o leve a mantê-las sob a ameaça que as assusta e envergonha?

JCN acaba a homilia a citar a Bíblia, livro pouco lido e cada vez menos recomendável.

Nota: Por motivos imprevistos não foi possível colocar ontem este post.

27 de Setembro, 2005 Ricardo Alves

Já vai havendo católicos que me dão esperança

É muito raro encontrar entre os crentes, e muito particularmente entre os crentes católicos, quem assuma uma posição, por mais tímida ou ambivalente que seja, favorável à laicização do Estado. É portanto de saudar a declaração de Miguel Marujo (no penúltimo Terra da Alegria, a 21 de Setembro) pedindo a remoção da «quinquilharia» religiosa (crucifixos, santinhos e demais imagética religiosa) que ornamenta tantas salas de aula de escolas públicas. Efectivamente, há consequências a tirar quer da diversificação crescente da sociedade portuguesa (existem hoje comunidades muçulmanas e hindus em Lisboa) quer da sua secularização (e, para além dos factos sociais, existem leis que estão a ser infringidas…). Porém, convém precisar o sentido em que se usam algumas palavras.
  • Secularização é uma palavra que remete para práticas sociais. Deve usar-se no sentido de perda de importância das referências religiosas na vida quotidiana dos indivíduos ou das sociedades. O decréscimo da percentagem de católicos praticantes ou da percentagem de casamentos religiosos são indícios de secularização, não de laicização.
  • Porque laicidade é um termo que se deve reservar para a esfera política e estatal. Um Estado laico é independente das igrejas e comunidades religiosas e neutro quer quanto às opções filosóficas e religiosas dos cidadãos quer quanto às ideologias. A remoção de símbolos religiosos dos serviços estatais será um avanço na laicização do Estado, como o seria o fim da Educação Moral e Religiosa nas escolas públicas.

E aqui divirjo, num ponto importante, do católico leigo Miguel Marujo: um Estado laico não tem qualquer obrigação de ajudar uma facção dos seus cidadãos (ou várias facções) a difundir a sua religião, e ainda menos integrando uma disciplina confessional no espaço físico e no horário do ensino público. A laicidade significa justamente que o Estado não deve promover nem constranger desnecessariamente qualquer religião. A transmissão da religião pode ser feita (e deverá continuar a sê-lo enquanto houver quem assim o queira) no âmbito associativo. Aliás, isso já acontece, o que torna mais prescindível a duplicação que a Educação Moral e Religiosa constitui face aos cursos fornecidos nas igrejas.

A terminar, devo recordar que somos todos anti-qualquer-coisa. Por mais diálogo inter-religioso que façam, existirão sempre muitos católicos anti-ateísmo, anti-IURD ou anti-Testemunhas-de-Jeová, enquanto existem ateus anti-religiosos e muçulmanos anti-quase-tudo. Justamente para gerir estes conflitos potenciais, o Estado não pode ser nem pró nem anti; pelo contrário, deverá abster-se em matéria religiosa e assim ser efectivamente laico.