O «crime» do padre Lange consistiu na ousadia de publicar no boletim da igreja um artigo em que cometia o sacrilégio de se manifestar contra a proposta de emenda constitucional que visa proibir o casamento homossexual nos Estados Unidos e que, com o incansável e entusiástico apoio da ICAR, tem vindo a ser implementada pelos mais conservadores e reaccionários sectores das igrejas evangélicas americanas:
«Os padres desta paróquia não podem apoiar esta emenda à Constituição; não lhe reconhecem qualquer utilidade e vêem-na como um ataque a certas pessoas da nossa paróquia, nomeadamente as que são gays».
É perfeitamente típica esta posição dos responsáveis católicos americanos que, coerentemente, diga-se, continuam a preferir os mais reprováveis e retrógrados sentimentos homofóbicos, à liberdade de consciência dos seus próprios membros.
George W. Bush nomeou ontem Harriet Miers, uma conselheira da Casa Branca, para o Supremo Tribunal.
A nomeação de Miers, cuja posição sobre assuntos como o aborto e a separação religião-Estado é desconhecida, provocou ondas de indignação nas hostes teocratas. De facto, os teocratas norte americanos que ajudaram a eleger Bush sentem-se traídos nas suas aspirações de verem juízes teoconservadores no Supremo, que transcreveriam na pena da lei os anacrónicos dogmas cristãos.
Não obstante os protestos dos teoconservadores, que preferiam alguém como o católico John G. Roberts no lugar, a apreciação de Dick Cheney sobre Miers, sossegando o conservador spin doctor Rush Limbaugh sobre a nomeação, não é muito animadora…
«Como podem desconhecer o Sol?» é o título da homilia desta segunda-feira com que o inefável predicante J. César das Neves (JCN) brinda os leitores, à guisa de penitência.
Ontem, domingo, conhecido no jargão beato por Dia do Senhor, JCN, bem confessado, melhor rezado, lindamente comungado e magnificamente benzido, atirou-se à prosa num ataque de proselitismo.
Começou com uma ameaça aos leitores do Diário de Notícias: «daqui a um mês, Lisboa será inundada pelo Congresso Internacional da Nova Evangelização», altura de pôr de prevenção os bombeiros da laicidade, não sejam gigantes as ondas de fé e irreparáveis os danos do maremoto.
Queixa-se depois o catecúmeno: «Hoje a Igreja é vasta, activa, bem visível e, apesar disso, ignorada». Infelizmente é verdade. Tornou-se vasta pela cumplicidade oficial, activa pelo proselitismo dos beatos, bem visível por incúria dos cidadãos e, apesar disso, ignorada, como se não constituísse perigo.
JCN é um sólido colosso da fé que faz «todas as coisas, das menores às decisivas, com os olhos no Céu». E diz que «Ela [a Igreja] é sempre aberta, acessível em qualquer lugar, missionária por vocação».
Uma vez mais JCN tem razão, pelos piores motivos. A ICAR multiplica capelas, igrejas, catedrais, nichos, cruzes, nomes de santos e da Virgem, nos seus infinitos heterónimos, a designar pontes, viadutos, ruas, becos, avenidas, largos, praças, barcos, aviões, hospitais, numa imparável onda de santidade que atinge aldeias, vilas e cidades, numa manifestação de força clerical e de provocação ao carácter laico do Estado.
O devoto termina a homilia a citar a bíblia, o que lhe atenua a culpa das tolices que debita, atónito por haver quem despreze a Igreja porque, tal como o Sol, também a ICAR devia ser conhecida.
E devia. Há quem despreze o perigo.
B16 advertiu, durante a homilia, que quando Deus é desterrado da vida pública para a esfera privada não há tolerância, apenas hipocrisia. Vindo de quem cultiva a hipocrisia como arte e a mentira como arma, a afirmação é um uivo ululante contra a laicidade.
Nas palavras herméticas do velho inquisidor as diatribes contra a liberdade vêm sob a forma de exigência para que Deus, e não o homem, seja o «dono do mundo», posto sob controlo do bando que o representa ? o Papa e os seus sicários.
Durante três semanas o conclave vai debruçar-se sobre o declínio da fé nas paróquias da Europa e América – 75% do mercado católico -, e a forma de recuperar as vendas onde a fogueira, a excomunhão e as perseguições são armas proibidas ou de eficácia duvidosa.
Como previsto, aqui no Diário Ateísta, B16 representa a extrema direita e procura o regresso ao passado mais obscurantista da ICAR, na esperança de recuperar o prestígio, poder e maldade que fizeram do antro do Vaticano um covil de chacais.
Bento 16 prepara-se para recuperar o latim como língua sagrada do catolicismo romano, à semelhança do que o islão faz com o árabe, regressando às missas acompanhado do canto gregoriano.
Bernard Fellay, o líder actual da FSSPX, recebido fraternalmente por B16, tem motivos de júbilo e razão para crer que o bispo Marcel Lefebvre, oficialmente excomungado, se torne santo. Só lhe faltam dois milagres.
«É importante fazer um grande esforço para explicar adequadamente os motivos das posições da Igreja, destacando que não se trata de impor aos não-crentes uma perspectiva de fé, mas sim de interpretar e defender os valores radicados na natureza mesma do ser humano.» Ratzinger aka Bento XVI dixit
Qunado li esta notícia lembrei-me de uma excelente crónica de José Vítor Malheiros, no Público (link indisponível) de 26 de Abril, especialmente do parágrafo que afirmava: «Quando alguém como Ratzinger chama a atenção para o “relativismo moral” da sociedade moderna mas, ao mesmo tempo, afirma que ‘não há salvação fora da Igreja Católica’ […] ou condena o aborto em nome da defesa da vida mas se mostra compreensivo para com a pena de morte, compreendemos que os ‘valores morais universais e absolutos’ que defende são apenas a supremacia das posições do Vaticano sobre todas as outras, com as variantes regionais e temporais que este entenda defender.
O Vaticano não possui qualquer autoridade para falar de ‘relativismo moral’ pois essa é a sua moeda corrente. Um dos domínios onde isso é gritante – e só não vê quem não quer – é a questão dos direitos das mulheres no seio da Igreja. A Igreja não pode considerar que o mais alto papel a que uma mulher pode aspirar é lavar os pés do Papa e falar de duplicidade de critérios. Como não pode abençoar torcionários e autores de massacres e falar do direito à vida, ou amordaçar as opiniões divergentes no seu seio e falar dos direitos humanos. Ou condenar milhões de africanos a morrer de SIDA ameaçando-os com o inferno se usarem o preservativo e falar da piedade, do perdão e do amor de Cristo».
De facto, fico sempre espantada com a pesporrência totalitária de quem se arroga detentor das «verdades absolutas» reveladas, de quem acha que só a hierarquia da Igreja de Roma é competente para definir o que é a natureza humana da qual decorrem, sem discussão, os seus dogmas. Ou seja, estas «verdades absolutas» que não podem ser questionadas, resultam da interpretação desta natureza humana … pelos iluminados pelo espírito santo, outro dogma cristão. Claro que quem questiona estes dogmas são relativistas «infelizes que não receberam as graças de Deus» ou «não conheceram Jesus». O que redunda exactamente no tentar «impor aos não-crentes uma perspectiva de fé».
Para além das inconsistências morais referidas na crónica de José Vítor Malheiros, analisando a posição da Igreja de Roma ao longo da História verificamos ainda que, como para o resto da Humanidade, na realidade as «verdades absolutas» para a ICAR foram-se alterando com o tempo. Verdadeiro e falso são valores lógicos atribuídos a uma determinada proposição, ou seja, a verdade não pode ser absoluta, porque ela é um conceito que emitimos sobre uma proposição. Uma verdade de ontem pode não ser uma verdade hoje, porque o contexto em que essa verdade é avaliada mudou ou porque novos dados entretanto descobertos transformaram essa verdade em mentira. Isso aconteceu a muitas «verdades absolutas» da ICAR, não só as que foram desmistificadas (com grande oposição e muitas fogueiras inquisitoriais pelo meio) pela ciência, como o geocentrismo ou o criacionismo bíblico, mas também os «valores morais universais e absolutos» que foram, com grande resistência, abandonados pela Igreja de Roma. O anti-semitismo, a defesa da escravatura, a perseguição e assassínio de bruxos, hereges e apóstatas, a defesa do uso de tortura, a legitimidade das guerras «santas», a negação dos direitos dos homens, a defesa de regimes de «direito divino» e a condenação da democracia, a condenação da liberdade de expressão, a luta contra a emancipação da mulher, enfim, uma série de «erros» morais por alguns dos quais, difíceis de apagar dos livros de História, João Paulo II fez me(i)a-culpa.
Mas todas estas ex-verdades absolutas católicas só são reconhecidas hoje como abominações morais após muita resistência da Igreja, muitos discursos e encíclicas condenando os erros da modernidade, em tudo menos no assunto idênticos às prelecções contra a «ditadura do relativismo» do actual Papa. Que autoridade e credibilidade para falar em «valores morais universais e absolutos» tem uma Igreja que tantas vezes impôs dogmas falsos? Que perseguiu, torturou e muitas vezes queimou como hereges os que se atreveram a questioná-los?
Um dos pioneiros do teoconservadorismo e da introdução da religião no debate político nos Estados Unidos é o republicano católico devoto William J. Bennett, uma dos mais destacados cruzados nas guerras culturais que assolam os Estados Unidos. Bennett defende a moral e bons costumes cristãos afincadamente na cena política norte-americana há mais de 20 anos, primeiro na qualidade de presidente da National Endowment for the Humanities, sob Ronald Reagan, na qual preleccionou exaustivamente contra a permissividade académica. Promovido depois a ministro da Educação foi um crítico acerbo do ensino público e do multiculturalismo subjacente, defendendo um ensino centrado nos «valores» ocidentais e na religião cristã. Quiçá por isso tenha fundado a empresa K12, devotada a ajudar pais avessos à ideia de os seus filhos frequentarem imorais escolas públicas. Empresa que teve em 2004 um financiamento estatal de 4.1 milhões de dólares…
Mas foi como o Czar das drogas de Bush pai que se destacou, nomeadamente com afirmações tais como a decapitação de traficantes de droga é «moralmente plausível».
Depois da sua saída da vida política activa o devoto Bennett escreveu «O livro das virtudes», um compêndio de parábolas utilizado por milhões de pais e professores como a última palavra em questões morais. Escreveu também «A morte da indignação» onde lamenta que o público americano não tenha condenado os «pecados» de Bill Clinton mais acesamente. Aliás, Bennett considera que os Democratas são intrinsecamente menos morais que os conservadores e menos vocacionados a denunciarem os pecados que «destroem» a família. Pena é que Bennett se tenha esquecido da justiça e respeito pelos outros na sua enumeração das virtudes a seguir e, de entre os vícios que destroem as famílias, condenar o vício do jogo, que nos Estados Unidos atinge proporções e tem os efeitos do mui combatido vício das drogas. Quiçá porque a justiça não faz parte do dicionário dos teoconservadores e porque Bennett, o grande paladino dos valores morais, dotado de um sentimento de superioridade moral tão exarcerbado que lhe permite debitar dislates inconcebíveis é (ou foi, como afirma depois de os seus hábitos terem sido descobertos) ele próprio um viciado em jogo, cliente VIP de uma série de casinos em Las Vegas e Atlantic City.
O último dislate deste tão devoto católico levantou ondas de indignação e repúdio de todos os sectores nos Estados Unidos, incluindo a Casa Branca cujo porta-voz, Scott McClellan, esclareceu que o Presidente considera as palavras pronunciadas por Nennet aos microfones do seu programa nacional, «Manhã na América», ouvido por milhões de americanos, «inapropriadas».
Qual foi então o dislate debitado por este paladino da moral e bons costumes cristãos que tanto indignou a esmagadora maioria dos americanos? Simplesmente uma congeminação despoletada por uma chamada de um ouvinte que equaciona a raça como única variável na (elevada) taxa de criminalidade nos Estados Unidos:
«Poder-se-ia abortar todos os bébés negros neste país e a taxa de crime diminuiria. Essa seria uma coisa impossível, rídicula e moralmente repreensível de fazer mas a taxa de crime diminuiria».
Quando baixam as comparticipações dos medicamentos, por dificuldades orçamentais, mantém-se um dispendioso placebo comparticipado a 100% – o padre -, nos hospitais, forças armadas e de segurança, bem como nas prisões.
Os capelães militares são graduados em oficiais, com um general comandante espiritual de todos os católicos fardados – o bispo Januário Torgal -, coadjuvado por 48 capelães aptos a disparar hóstias, arremessar água benta, armadilhar missas e detonar homilias nos três ramos das FA e GNR.
Num país que assinou uma vergonhosa concordata com o último Estado totalitário da Europa – o Vaticano -, a laicidade é uma exigência constitucional subvertida pela presença dos mercenários da potência estrangeira, pagos pela nação ocupada.
Quando, por uma questão de higiene cívica e respeito pela Constituição, o Estado devia ignorar as sotainas (limitando-se a facilitar o acesso aos doentes que as solicitassem), está em curso o alargamento do privilégio a outras seitas, de acordo com o Diário de Notícias: «Ministérios revêem regimes de assistência religiosa».
A assistência religiosa é o purgante da alma por conta do erário público. Falta a avença com bruxas, quiromantes e outros espécimes que se dediquem a ofícios correlativos.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.