No Vaticano continua aquela orgia mística, em que participam 256 bispos e cardeais de 118 países, chamada sínodo.
Em três semanas de reclusão, sob o olhar indiferente de um Cristo com ar de passador de droga, rodeados de santos com aspecto demente e da Virgem parida e insatisfeita, 256 celibatários debitam trivialidades e convencimento. Têm a clientela a preservar, um livro estúpido a defender e rituais obsoletos a manter.
B16, guardião da fé e almocreve da tradição, pede a quadratura do círculo para que a atracção do circo se mantenha e o recrutamento de vendedores da fé se dinamize. Vão maus os tempos para quem não se adapta ao mercado.
Aparecem outros charlatães, mais ousados e divertidos, com músicas novas a tomar o lugar do cantochão, a coreografia e o bailado a substituir o ritual romano, milagres em directo e ao domicílio e a expulsão de demónios às mãos cheias.
Após três semanas de albergue e castidade, relatórios e orações, a massajar a próstata em cadeirões, persignando-se para esconjurar o demo, as 256 criaturas certificam que «nas sagradas espécies Jesus Cristo está real e substancialmente presente».
É a transubstanciação, um fenómeno alquímico que com farinha e água recria o corpo e o sangue de Jesus. E os beatos, convictos da endrómina, engolem a hóstia receosos de trincar um tendão, mastigar uma cartilagem, romper uma artéria, ferrar um canino no escroto ou triturarem uma víscera do divino JC com os molares.
Por tão pouco, foi desperdício a viagem ao Vaticano.
Claro que é sempre possível às excelências reverendíssimas levar numerário, trazer relíquias, e transformar pós da Colômbia em substâncias aromáticas para abastecer o turíbulo e disfarçar a alergia ao banho.
O prémio Nobel da literatura foi atribuído este ano a um professo e confesso ateu, Harold Pinter.
O Diário Ateísta aproveita o ensejo para recomendar a leitura da obra de Pinter, reconhecido internacionalmente como o dramaturgo mais complexo do pós-II Guerra Mundial, e, em conjunto com Samuel Beckett, um dos expoentes do teatro do absurdo.
Não obstante o anúncio por Pinter, um acérrimo crítico da guerra do Iraque, da sua decisão de abandonar a prosa em favor de um maior empenho em actividades políticas, aparentemente o «bichinho» da escrita não se alimenta apenas de poesia e Printer, para grande alegria dos fãs, nos quais se inclui esta vossa escriba, produziu um peça radiofónica transmitida pela BBC no seu 75º aniversário, na passada segunda-feira.
Hoje, milhares de peregrinos regaram a fé e os ossos a caminho da Cova da Iria. O Deus pusilânime e mesquinho mandou a água que faltou nos incêndios, arruinou as culturas e secou as nascentes.
Muitos rosários e dores de pés acompanharam os devotos até ao lugar onde monsenhor Luciano Guerra aguarda o óbolo em géneros e numerário e um bispo ou cardeal prepara a missa e a bênção e aguarda a comissão.
Há 88 anos, em Maio, o Sol fez ali piruetas enquanto a Virgem, com cio, roída de saudades do Espírito Santo, saltitava de azinheira em azinheira à procura de um pastor faminto. Saíram-lhe três fedelhos embrutecidos pelo padre e pelos pais, cheios de fome e missas, a recordar-lhe as fraldas e o olhar reprovador do carpinteiro.
Apanhada naquele ermo com o manto de luz, e nada por baixo, mandou-lhes fazer o que sabiam, rezar o terço, pedir a conversão da Rússia e, para disfarçar, disse tonteiras: «é preciso consagrar o mundo ao meu imaculado coração», «a guerra vai acabar» e «Deus anda muito zangado», como se o mau humor fosse culpa das crianças.
Pobres peregrinos, levam preces e fé e apanham gripes e desenganos. Chegam cansados e regressam benzidos e mal pagos às fábricas falidas do vale do Ave e às pobres courelas de Entre Douro e Minho.
É assim todos os dias 13, mercados mensais da fé cuja feira anual tem lugar em Maio e é preparada com milhares de velas e rosas, centenas de padres e freiras, bispos, cardeais e outros parasitas da fé em retiro espiritual ou viagem de negócios, a prometer o Paraíso e a ameaçar com o Inferno.
Às vezes, de Roma, chega o Papa a abanar a tiara e a adejar os paramentos. É o delírio.
O reverendo Graham Taylor, ou G.P. Taylor, um autor de literatura infantil de algum sucesso, foi convidado a abandonar uma escola no sul de Inglaterra depois de ter usado linguagem menos própria numa palestra que, supostamente, deveria convencer a audiência dos benefícios da leitura.
Por uma qualquer razão que certamente não será despeito pelo facto de os livros de J.K. Rowling terem um sucesso que a série «Shadowmancer» de G.P. Taylor nunca conhecerá (só li o primeiro e não recomendo, bem pelo contrário) o piedoso pastor resolveu partilhar com as crianças a opinião que Harry Potter é homossexual, e que não seria o único na história de J.K. Rowling.
Os professores acharam não só que os termos em que o clérigo se tinha dirigido às crianças eram homofóbicos mas também que o vernáculo profusamente utilizado pelo pastor não era a linguagem mais aconselhada para alocuções a uma plateia de crianças de 12-13 anos. Este foi amavelmente convidado a interromper a palestra e deixar as instalações da escola, deixando os escandalizados professores a acalmar mais de uma centena de (muito) excitados pré-adolescentes!
Quando refiro a morte de Deus os leitores facilmente descobrem que uso uma figura de estilo. Não morre o que nunca viveu, não desaparece o que não existe. Dizer que Zeus morreu ou que Vénus foi seduzida são metáforas.
De Deus nunca foi encontrado o cadáver, sentido o cheiro da decomposição, ou visto o mais leve despojo. Quantas relíquias a ICAR venderia a almas piedosas se a mais leve prova da sua existência fosse encontrada?!
Os crentes afligem-se com apelos lancinantes à paz e orações inúteis contra cataclismos que dilaceram a humanidade, reduzem cidades a escombros e matam milhões de pessoas que acreditam na bondade e protecção divinas.
E as dúvidas aumentam quando Bush revela que fala Com Deus e que as asneiras que faz não são da sua autoria mas da responsabilidade de quem considera Comandante do comandante-chefe das Forças Armadas do EUA.
De facto, por pior que seja, Bush não podia cometer tantos erros, provocar o caos, sem a ajuda de Deus que sempre teve propensão para escolher as piores companhias.
O sínodo que está reunido no Vaticano não deixará de avaliar o estado calamitoso em que se encontra o seu único produto – Deus -, a única fonte de rendimento e pretexto para o assalto ao poder em numerosos países.
As reverendíssimas criaturas chegaram à conclusão de que perderam a ligação a Deus.
Um cardeal que dormitava, após lauto almoço, admoestado por B16, terá dito que não dormia, pensava que Deus só sabia latim e, por isso, tinha deixado de ouvir os crentes.
Os cardeais, cansados das missas e de sínodo, deram-lhe razão. B16, retrógrado e hábil, aproveitou para enterrar o concílio Vaticano 2.º e pensa trazer de volta o latim às missas e a, pelo menos, uma oração.
Não interessa que os crentes não saibam o que dizem. O que é preciso é que Deus perceba.
Os restos mortais são na nossa cultura objecto de respeito mas não de idolatria. Ninguém guarda um pêlo púbico da defunta consorte, o parafuso do colo do fémur da inefável sogra, o osso de um progenitor ou a cartilagem de um irmão. Nem, de um parente chegado, a unha com que procedia à higiene auricular.
Só a ICAR, na mórbida contemplação da morte, é capaz de forrar uma capela com ossos humanos, como acontece em Évora, sem sabermos se todos eram de cadáveres. Só a macabra paranóia eclesiástica é capaz de passear um dedo de Francisco Xavier pelas paróquias da Beira Alta, como eu vi na adolescência, sem certificado de garantia nem autorização do Delegado de Saúde.
Em Itália vários santos prepúcios, atribuídos a Cristo, disputaram a autenticidade até que os padres decidiram que JC não podia ter abandonado o sepulcro e emigrado para o Céu sem uma parte do corpo, passando a excomunhão a ser aplicada a quem tivesse o arrojo de falar desse pedaço de pele que os judeus amputam ritualmente.
Não sei que partes do cadáver ou peças do vestuário recôndito da Teresinha de Ávila, uma santa a quem os delírios hormonais exacerbaram os místicos, vai o clero expor à concupiscência e veneração dos fiéis portugueses nos próximos dias 7 a 9 de Dezembro na Guarda, Covilhã e Seia.
Há neste delírio esquizofrénico da Igreja católica, nesta obsessão mórbida por relíquias, uma estranha forma de proselitismo do clero a roçar a necrofilia.
Malalai Joya, a jovem delegada afegã da província Farah, perto da fronteira com o Irão, que fez furor há dois anos quando criticou duramente os líderes jihadi afegãos durante uma sessão do Loya Jirga (o Parlamento local) constitucional, foi eleita pela sua província natal nas eleições do passado dia 18 de Setembro. Os resultados oficiais das eleições só são esperados no final deste mês mas a eleição de Malalai está garantida.
Malalai, que inquiriu o Loya Jirga em Dezembro de 2003 porque razão tinham escolhido como líderes da comissão constitucional «aqueles criminosos que trouxeram tragédia ao povo afegão» e foi vaiada pelos delegados taliban que exigiram a sua expulsão, foi obrigada a fazer campanha eleitoral sob apertadas medidas de segurança já que foi alvo de ameaças de morte por parte dos fundamentalistas islâmicos.
A sua eleição, com uma votação expressiva tendo alcançado o segundo melhor resultado da sua província, é uma nota de esperança nestes tempos tão conturbados por fundamentalismos religiosos sortidos.
Anne Hidalgo, a primeira adjunta do presidente da Câmara de Paris, liderou uma manifestação de protesto dirigida à delegação parisiense da Igreja da Cientologia, afirmando que o seu gesto pretende alertar os pais sobre o perigo que estas organizações representam para crianças e adolescentes.
Hidalgo, que previamente tinha bloqueado a iniciativa de nomear Tom Cruise um cidadão honorário de Paris, devido exactamente à sua professa devoção ao culto, considera que «Nós temos um dever de dizer a verdade. Estes movimentos são perigosos e devemos explicar porque são perigosos. Nós sabemos na idade em que o carácter é formado, especialmente durante a adolescência, se pode cair nas mãos destes movimentos. O problema é que não se sai sem cicatrizes».
Bem, não são precisas muitas explicações para perceber que a Cientologia é simplesmente uma forma imbecil e descarada de explorar os desgraçados que lhes caem nas mãos. Aliás, existem folhetos disponíveis na Internet desmascarando este esquema mirabolante de fazer dinheiro. Suponho que até mesmo o mais crédulo cidadão que acredite nas histórias iniciais da dianética se previamente informado sobre Xenu começe a suspeitar da sanidade mental de um interlocutor que o queira proselitar «dianeticamente»!
E quem é então Xenu, a pedra basilar da Cientologia? Como é explicado no folheto, era uma vez (75 milhões de anos atrás, para ser mais preciso) um comandante extraterrestre chamado Xenu. Xenu dirigia todos os planetas nesta parte da galáxia incluindo a Terra, à data dando pelo nome de «teegeeack». Mas Xenu tinha um problema. Todos os 78 planetas que ele controlava eram superpovoados. Cada planeta tinha em média 178 biliões de pessoas. Para resolver o problema da superpopulação, com ajuda de psiquiatras (daí o destempero ao vivo de Tom Cruise e o seu ódio à psiquiatria) e sob o pretexto de uma inspecção fiscal, administrou a biliões de cidadãos injecções paralisantes de uma mistura de álcool e glicol.
Os desgraçados considerados supérfluos foram enviados para a Terra em aviões em tudo análogos a DC8s com motores de foguetes em vez de hélices. Uma vez na Terra foram despejados dentro de vulcões e liquidados com bombas-H.
Mas esta história não termina aqui. Já que todos têm uma alma (chamada «thetan» nesta historia), para evitar que as almas voltassem, Xenu arranjou armadilhas electrónicas especiais que capturavam as almas em feixes electrónicos.
Depois de capturar todas as almas Xenu empacotou-as em caixas e levou-as para enormes cinemas para sessões contínuas de filmes especiais 3D, que entre outras coisas, mostravam falsas figuras, intituladas Deus, Diabo e Cristo. Na historia cientologista o processo chama-se «implante». Quando o processamento terminou, as almas saíram do cinema e invadiram aos milhares os poucos vivos que sobreviveram à limpeza demográfica de Xenu.
Quanto a Xenu, finalmente foi derrotado por Oficiais Leais e desterrado para o interior de uma montanha num dos planetas, onde ainda hoje permanece vivo confinado por campos de força alimentados por uma bateria eterna.
Assim, quem quiser ser uma «alma livre» terá necessariamente que remover todos esses «thetans» insidiosos que o infestam e pagar muito dinheiro aos únicos capazes de o fazer: a Cientologia, claro. E a única razão pela qual as pessoas acreditam em Deus ou Jesus Cristo reside nas sessões cinematográficas a que os «thetans» que os habitam foram sujeitos há 75 milhões de anos.
Suponho que ninguém com conhecimento prévio desta história absolutamente imbecil se deixará enredar nas teias da Cientologia!
Um artigo fantástico sobre a cientologia publicado na edição da Time de 6 de Maio de 1991.
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