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1 de Novembro, 2005 Palmira Silva

250 anos depois , II – A Reforma

Como forma de contrapôr o poderio económico dos jesuítas, Sebastião de Carvalho e Melo criou em 1755 a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, encarregue do transporte de produtos procedentes desta região, como ouro e «drogas do sertão» (como eram conhecidas na Europa as essências e frutos desta zona, como sejam, por exemplo, a pimenta-do-reino, anil, urucum, baunilha, âmbar, canela, cravo, pau-brasil, pau-preto, e, principalmente, o cacau) e do transporte de mercadorias e escravos destinados aos vales Guaporé-Madeira, comércio até aí monopólio da Companhia de Jesus. Em 1757, Sebastião José de Carvalho e Melo, conde de Oeiras e marquês de Pombal, ministro todo-poderoso do rei D. José I, cria os «Directórios dos Índios», aldeamentos que visam assegurar a liberdade dos índios e libertá-los do jugo dos jesuítas.

Um atentado contra o rei verificado em 13 de Setembro de 1758 deu ao marquês de Pombal a desculpa perfeita para se ver livre dos perniciosos jesuítas. Depois de ter conseguido, com muita dificuldade, permissão do Papa para processar os jesuítas acusados de cumplicidade neste atentado, ignorando os rogos do Papa em contrário, expulsou-os de Portugal por decreto de 3 de Setembro de 1759, e em breve seguiu para Itália o brigue S. Nicolau carregado de jesuítas.

Com Portugal finalmente livre da influência nefasta dos jesuítas, o marquês de Pombal empreendeu uma reforma profunda do estado português visando a sua modernização e seguindo os modelos de que acompanhara de perto a implementação durante a sua anterior carreira diplomática, nomeadamente entre 1738 e 1743 na sua qualidade de ministro plenipotenciário em Londres, onde assistiu à modernização da monarquia britânica levada a cabo por Jorge II e pelo seu primeiro-ministro, Robert Walpole. Mas a experiência mais inspiradora viveu-a em Viena, onde chegou em 1745 como Enviado Especial-Ministro Plenipotenciário, mediador numa discórdia relativa aos direitos de nomina da cúria entre as cortes de Viena de Áustria e de Roma, isto é um braço de ferro entre o imperador Francisco I e o papa Bento XIV. Nesta época o conde von Kaunitz, ministro da arquiduquesa Maria Teresa de Habsburgo, reformava a administração austríaca e reduzia consideravelmente o poder da Igreja no Estado. Igreja que despoletara a guerra da sucessão austríaca (1740-1748) reconhecendo como imperadores Maria Teresa e o seu marido Francisco I (de acordo com os desejos do falecido imperador Carlos VI expressos e reconhecidos na Sançao Pragmática de 1713) e Carlos Alberto da Baviera. A guerra da sucessão só foi resolvida, a favor de Maria Teresa e seu marido, pelo Tratado de Aix-la-Chapelle ou Aachen, em 1748.

Assim e depois do papel crucial assumido pelo marquês de Pombal no pós-terramoto, a primeira vez na história em que um governo chamou a si responsabilidade de organizar e coordenar a resposta a uma catástrofe, este passou a deter a confiança ilimitada de D. José. O seu enorme poder político, praticamente absoluto, permitiu-lhe concretizar a sua ambição de modernização e laicização do Estado nacional, que na realidade se traduziu numa renovação moral nacional.

1 de Novembro, 2005 Mariana de Oliveira

As causas do terramoto de 1755

Há 250 anos deu-se uma das maiores catástrofes naturais que a Europa da modernidade viu. O terramoto de 1755 destruiu uma das mais opulentas capitais do mundo e matou dez mil das duzentas e cinquenta mil pessoas que habitavam em Lisboa naquela manhã de Novembro.

Como é natural, após os abalos instalou-se o pânico generalizado, o que deu origem ao aparecimento dos profetas da desgraça que anunciavam o dia do juízo final. Thomas Chase, súbdito britânico sobrevivente à tragédia, diz que a cada tremor os populares «bradavam “Misericórdia!” todos de joelhos, nos tons de voz mais dolorosos que possam imaginar». «As pessoas estavam todas em oração, cobertas de pó, e a luz aparecia como se tivesse estado um dia muito escuro». «Nesta aflição se ouvião fervoríssimas confiçõens em público de culpas cometidas», refere outro testemunho. A população só terá acalmado com uma aparição da virgem na Penha de França «acenando um lenço branco ao povo».

Gabriel Malagrida era um jesuita que recebeu de D. João V licença para fundar uma missão no Pará e, granjeando algum prestígio na Corte, acompanhou o rei na sua morte. Em 1754, depois voltado ao estrangeiro, foi-lhe pedido para assistir à morte da rainha D. Maria Ana de Áustria. Nos sermões dos dias que se seguiram, o jesuita punha em causa a autoridade do rei e de Sebastião de Carvalho, dizendo sobre as causas naturais do fenómeno que «nem o próprio Diabo poderia inventar uma falsa ideia tão passível de nos conduzir à ruína irreparável».

Para Malagrida, a razão do terramoto residia no castigo divino pelos teatros, a música, as danças, as comédias, as touradas e outras ocupações de lazer que constituíam ocupações pecaminosas e obscenas. No Outono de 1756, publicou um panfleto propagandístico intitulado «Juizo da verdadeira causa do terremoto que padeceu a corte de Lisboa no 1.º de Novembro de 1755», em que, para além da teoria do castigo, citava profecias de freiras, condenava os que levantaram abrigos nos campos, os que trabalhavam na reconstrução da cidade, e recomendava procissões, penitências e recolhimento e meditação de seis dias nos exercícios de santo Inácio de Loyola.

Em consequência deste panfleto, o jesuita foi desterrado para Setúbal e, mais tarde, uma vez que não deixou de pregar contra o governo e os esforços de reconstrução, foi preso e entregue à Inquisição, que o condenou à pena de garrote e de fogueira.

Cavaleiro (Francisco Xavier) de Oliveira, queimado em éfige num auto-de-fé, apresentava como causas do terramoto de 1755 a beatice lusitana e a ferocidade da Inquisição.

Numa época em que os valores iluministas entravam em aberto confronto com o que a Igreja propugnava, a explicação natural das causas do terramoto estava destinada a entrar em colisão com a explicação «divina». Após a catástrofe a última coisa que a população precisava era de um bando de padres envergando as suas sotainas negras a anunciarem o fim do mundo. O que precisava, isso sim, era de enterrar os mortos e cuidar dos vivos, no dizer do futuro Marquês de Pombal.

Para mais informações, dêem uma vista de olhos no Público de domingo e de hoje e na National Geographic deste mês.

1 de Novembro, 2005 Palmira Silva

250 anos depois, I – O Marquês de Pombal e os jesuítas

«Enterram-se os mortos e alimentam-se os vivos» Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro conde de Oeiras e futuro Marquês de Pombal, em resposta à pergunta «E agora?» em 1 de Novembro de 1755, data em que ocorreu a maior catástrofe natural em território nacional. Imediatamente após o terramoto o brilhante governante organizou equipas de bombeiros para combater os incêndios e recolher os milhares de cadáveres, para impedir a eclosão de epidemias, o que evitou que a dimensão da tragédia atingisse proporções ainda mais catastróficas.

Em contrapartida, «no meio do cenário de devastação, a Inquisição manteve-se implacável, ordenando a evacuação dos seus prisioneiros para Coimbra, amarrados e transportados em mulas».

A reacção pragmática daquele que viria a ser um dos estadistas nacionais mais marcantes foi determinante no (doloroso) nascimento de um estado moderno dos escombros de um país atrasado e retrógrado, completamente subjugado à Igreja e seus ditames. A Lisboa pré-terramoto era uma cidade cosmopolita «à força», mercê da opulência proporcionada pelo ouro e diamantes provenientes do Brasil e da sua posição indiscutível de primeiro porto europeu, conferida pelo comércio proveniente das possessões ultramarinas. Mas era uma cidade com uma traça urbana medieval, com edíficios na sua maioria decrépitos e insalubres, em que existia uma resistência tenaz às novas ideias que despontavam na Europa, resistência ao modernismo imposta pela Inquisição e pelo poder quase ilimitado dos Jesuítas junto ao Rei. Poder ilimitado que era afrontoso aos olhos do futuro Marquês de Pombal já que para além das tarefas de cristianização os jesuítas controlavam boa parte dos interesses económicos nacionais. Assim os cofres do Estado não reflectiam a riqueza e o fausto da Igreja já que o comércio era de facto dominado pela Igreja e não pelo Estado.

Muitos cargos do governo eram ainda ocupados por membros da Companhia de Jesus e o ensino estava sob o controle dos Jesuítas que continuavam a seguir estritamente o sistema aristotélico (ou seja, tomista). Em 1746, quase no final do reinado de D. João V, agraciado com o título de Fidelissimo pelo papa Bento XIV em recompensa da sua obediência estrita aos ditames do Vaticano, o reitor do Colégio das Artes de Coimbra proíbia por decreto «…quaisquer conclusões opostas ao sistema de Aristóteles» e, em particular, «opiniões novas, pouco recebidas e inúteis para o estudo das Ciências Maiores, como são as de Renato Descartes, Gassendi (Pierre Gassendi teve mais sorte que Giordano Bruno e conseguiu sobreviver à recuperação do atomismo de Leucippus e Epicurus), Newton e outros».

Ou seja, o poder da Inquisição fazia do Portugal setecentista um firme bastião da Contra-Reforma, Inquisição cujo crivo censório impedia a dissipação das trevas obscurantistas, impostas pela Igreja católica, pelos ventos do Iluminismo que se faziam sentir nos círculos cultos do resto da Europa.

Os jesuítas constituiam assim um obstáculo intransponível a todos os projectos da reforma económica, política, militar e, principalmente, social do país pretendida pelo marquês de Pombal. Os jesuítas dominavam todos os aspectos da vida do país, ditando as normas sociais no confessionário, impedindo o progresso do país pelo monopólio da educação e reinando nas finanças pelas benesses e privilégios oferecidas por uma série de devotos reis e pelos bons ofícios da Inquisição.

Não obstante a funesta influência jesuítica se efectivar em toda a Europa, atingia dimensões catastróficas em Portugal devido ao poderio incontestado dos jesuítas nas colónias, principalmente as da América do Sul. Poder absoluto verificado especialmente no Paraguai em que os jesuítas resistiram em ceder o seu domínio sobre o território à coroa portuguesa, como estabelecido em tratado entre a Espanha e Portugal. Foi necessário empreender contra a Companhia de Jesus medidas enérgicas para que os jesuítas cumprissem os tratados ibéricos, campanha dirigida pelo governador do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade, com colaboração de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão de Sebastião de Carvalho, na zona do Amazonas. O marquês de Pombal ordenou ainda aos governadores-gerais das colónias que investigassem os jesuítas. O resultado do inquérito foi deplorável para aqueles padres, nada abonando em favor da moral e bons costumes seguidos por estes. Face às provas da profunda corrupção da Companhia, Sebastião de Carvalho ordenou que os jesuítas fossem suspensos do exercício da confissão e da pregação em todas as dioceses portuguesas e obteve de Roma um visitador encarregue de proceder a um inquérito e de reformar os (muitos) abusos verificados na Companhia. Bento XIV nomeou para visitador o cardeal patriarca de Lisboa.

Tudo isto contribuiu para a convicção do marquês que Portugal só tinha a ganhar se se livrasse da influência perniciosa dos jesuítas, não só pela resistência que estes faziam às tropas portugueses no Paraguai e pelo seu faustoso poder económico mas especialmente pelo papel nocivo que detinham na educação que os tornava um obstáculo incontornável ao livre desenvolvimento do espírito humano, essencial ao desenvolvimento e progresso do país.

Bibliografia não disponível online:
«1755 O Terramoto de Lisboa» João Duarte Fonseca, Argumentum, Novembro de 2004.

31 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Contra o obscurantismo: O Legado de Einstein

O melhor antídoto contra o obscurantismo religioso é o conhecimento científico. E nada melhor que «O Legado de Einstein» para iniciar a divulgação de eventos científicos para o público em geral.

Aliás a promoção e divulgação da ciência e do pensamento científico para o público em geral é o objectivo deste ciclo de colóquios, integrado no Ano Internacional da Física 2005 e organizado pelo Centro de Física das Interacções Fundamentais, em colaboração com o Projecto QuantLog: Logic in Quantum Computation and Information, do Centro de Lógica e Computação, do Instituto Superior Técnico. Tomando como ponto de partida os trabalhos de Albert Einstein, tentar-se-á mostrar a evolução das ideias e conceitos em Física, as implicações daí resultantes para a compreensão da Natureza e para a vida do dia a dia, como consequência das aplicações tecnológicas resultantes.

O programa é o que se segue:

3 de Novembro
António Brotas, IST, Lisboa
Física clássica e relatividade: continuidade e ruptura

10 de Novembro
Hélder Crespo, FCUP, Porto
O fotão e a emissão estimulada: dois ingredientes para o laser

17 de Novembro
João Lopes dos Santos, FCUP, Porto
Condensação de Bose-Einstein: setenta anos entre previsão e realização

24 de Novembro
Yasser Omar, ISEG, Lisboa
Do desassossego de Einstein até à criptografia quântica

30 de Novembro
Vítor Rocha Vieira, IST, Lisboa
Movimento Browniano: átomos e flutuações

Local: Instituto Superior Técnico, Av. Rovisco Pais
Anfiteatro Prof. António da Silveira (EA5, Torre Norte), às 16:00 h

31 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Bush nomeia mais um teocrata para o Supremo

A «guerra» teocrática tomou novo fôlego nos Estados Unidos depois da renúncia de Harriet Myers para o Supremo Tribunal americano, em substituição da moderada Sandra Day O’Connor.

Os teoconservadores que pretendiam ser o nomeado alguém como Antonin Scalia ou Clarence Thomas, ambos devotos católicos, membros do Opus Dei, grandes defensores de óvulos e espermatozóides, da pena de morte, da discriminação de homossexuais e mulheres e de todos os ditames do Vaticano, estão esfuziantes com a nomeação de Samuel Alito.

Samuel Alito é conhecido por Scalito por mimetizar perfeitamente a ideologia de Antonin Scalia.

Depois da posse de John G. Roberts, se Alito passar no Senado, existirá, pela primeira vez na História deste país, maioria clara de teoconservadores no Supremo Tribunal americano. Muito mau augúrio para o futuro daquela que é actualmente a única superpotência mundial.

30 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Sex and the Holy City – II

No programa da Panorama podemos assistir a um exemplo elucidativo sobre o modus operandis da Igreja no terceiro mundo, que, mesmo em países em que o catolicismo não é a religião maioritária, se infiltra através de grupos de ajuda supostamente humanitária e impõe a sua cultura de morte através destas instituições. O Quénia é esse exemplo, um país em que apenas cerca de 28% da população é católica, mas em que a Igreja católica praticamente controla a saúde e a educação. Quando o governo queniano declarou a SIDA como um emergência nacional e tentou adoptar o uso de preservativos como uma forma de controlar a epidemia, a Igreja católica local reagiu violentamente contra tal medida, levando um dos membros do Parlamento local a declarar a Igreja católica como «o maior obstáculo na luta contra o HIV/SIDA». De igual forma a minoritária mas poderosa e influente Igreja Católica opôs-se vigorosamente e boicotou um programa de educação sexual nas escolas, apesar de a ONU recomendar esta como uma das formas fulcrais para evitar a disseminação da SIDA.

No programa é entrevistado o Cardeal Maurice Otunga, o responsável máximo da ICAR local, que conduziu várias manifestações de fé e devoção cristãs, com o ponto alto na queima de preservativos e folhetos educativos sobre a SIDA. Dignitário que considera e afirma publicamente sem qualquer prurido de consciência, tal como Raphael Ndingi Mwana’a Nzeki, o arcebispo de Nairobi, que o uso de preservativos dissemina a SIDA. Otunga mantém, tal como o piedoso cardeal Alfonso Lopez Trujillo, responsável pelo Conselho Pontifical da Família, que o HIV é suficientemente pequeno para passar através dos preservativos (que têm… poros!). Reafirmando que «os preservativos podem mesmo ser uma das principais razões para a disseminação do HIV/SIDA», ecoando o que a conferência dos bispos da África do Sul, um dos países mais flagelados pela doença, tinha afirmado uns anos antes.

Por isso, e apesar de todo o corpo de conhecimento científico em contrário e as recomendações da organização Mundial de Saúde, sustentadas em factos médicos e não em preconceitos religiosos, a propaganda anti-preservativo da Igreja católica no Quénia atingiu proporções desastrosas e teve um sucesso mortal. Um inquérito levado a cabo pela Kenyan Media Institute indica que 54% dos quenianos não acreditam que os preservativos sejam eficientes a prevenir a infecção com o HIV e concordam que «os preservativos encorajam a imoralidade que por sua vez expõe as pessoas ao risco de contraírem o vírus».

No programa assistimos ainda a uma visita de uma freira católica à família de um homem queniano infectado com o HIV, que não usa preservativo porque, de acordo com os piedosos ensinamentos cristãos, reiterados na visita, «sabe» que o preservativo deixa passar o vírus…

Mentira deliberada que podemos ver propagada pela Igreja católica em todo o mundo, da Ásia à América latina, via os seus 100 000 hospitais e 200 000 agências de serviço social, mantidos com o dinheiro de todos nós! E insatisfeitos em «apenas» disseminar mentiras, proíbir o uso e informação sobre os preservativos (ou qualquer método contraceptivo) nas instituições católicas, a Igreja usa todos os mecanismos de pressão política de que dispõe para que tal seja geral, mesmo em ONG’s seculares. Em Lwak, perto do Lago Vitória, o director de um centro de combate à SIDA afirma que não pode distribuir preservativos devido à oposição da Igreja. Gordon Wambi afirma no programa: «Alguns padres têm dito que os preservativos estão contaminados com o vírus HIV»

30 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Sex and the Holy City

Há uns dias tive oportunidade de finalmente ver o programa da BBC «Sex and the Holy City» do qual já lera algumas transcrições mas nunca tinha visionado. O programa é absolutamente devastador e deveria ser de visualização obrigatória para todos, especialmente os católicos, para todos se aperceberem da real dimensão da influência nefasta da Igreja Católica no mundo.

Na realidade muitos dos católicos que defendem mesmo as práticas mais desumanas da «santa» Igreja, como as que respeitam à posição em relação à contracepção, aborto terapêutico, uso do preservativo como profilaxia da SIDA e em geral tudo o que diga respeito à saúde sexual e reprodutiva, contrapondo como elemento que se sobrepõe a esta atitude retrógrada, com contornos criminosos, um suposto papel humanitário levado a cabo pela Igreja, no terceiro mundo em particular, não assistiram certamente a este programa esclarecedor.

Para além do mais convém não esquecer que se a Igreja tem dinheiro para levar a cabo este suposto papel social que, segundo os crentes, justifica as doutrinas mais abjectas, tal se deve exclusivamente ao facto de não estar sujeita a quaisquer obrigações fiscais. Assim, o dinheiro que é usado para convencer o mundo da estrita necessidade das instituições religiosas provem de investimentos e negócios que, no mundo inteiro, não contribuem um cêntimo para os estados respectivos assegurarem eles próprios o papel social para que as religiões se reclamam indispensáveis. A Igreja Católica, por exemplo, é a multinacional mais poderosa nos Estados Unidos, com negócios não taxados que vão desde a operação de parques de estacionamento, hotelaria, empresas de comunicação social a bancos. A tudo isto soma-se a contribuição monetária não despicienda dos governos estaduais e federal.

Ou seja, as religiões em geral e a católica em particular constituem um negócio extremamente lucrativo que, para além de não pagar impostos sobre os lucros dos respectivos investimentos, recebe contribuições significativas dos impostos que todos pagamos. O seu suposto contributo social (que não o é de facto) só é possível à custa do nosso dinheiro, quer o que contribuímos directamente via impostos quer aquele que não é colectado de actividades (muito) lucrativas e que seria melhor utilizado numa assistência social estatal!

E as supostas meritórias acções das instituições sociais religiosas, nos países do terceiro mundo e em todo o lado onde se instalam, não são fornecidas graciosamente: os receptores dessa «beneficiência» são livre e abundantemente proselitados, isto é, sujeitos a lavagem cerebral em doses massivas, e essa «beneficiência» é ministrada de acordo com os ditames «morais» do Vaticano.

Ditames de facto imorais como é perfeitamente ilustrado no supracitado programa da BBC. Onde acompanhamos o repórter Steve Bradshaw num périplo pelo mundo e assistimos à forma criminosa como a Igreja de Roma impõe os seus anacrónicos ditames (as)sexuais a todos, católicos e não católicos, usurpando o papel estatal na assistência médica e hospitalar em países sub-desenvolvidos. Ditames que resultam, por exemplo, numa cultura de morte nas Filipinas e contribuem para o alastrar da epidemia de SIDA no devastado continente africano.

30 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Humanismo e sociedade

Decorre até amanhã em Amherst, New York, um Congresso Internacional devotado ao tema «Toward a New Enlightenment» realizado no âmbito das comemorações do 25º aniversário do Conselho do Humanismo Secular. Entre os congressistas encontram-se Richard Dawkins e os prémios Nobel da Química Harold Kroto e Herbert Hauptmann. Harry (Kroto) é um ateu «militante» que tive o prazer de conhecer em finais dos anos oitenta e já nessa altura, antes do recrudescer dos fundamentalismos religiosos que hoje nos assolam, o seu tema favorito de conversa, tirando o C60, claro, cuja descoberta lhe valeu o Nobel em 1996, era a ameaça para a humanidade e para o seu desenvolvimento ético que as religiões representavam. Aliás, preocupação que não esteve ausente da sua autobiografia no site da Fundação Nobel, em que se pode ler:

«Depois de tudo isto, acabei sendo um apoiante de ideologias que advogam o direito do indíviduo falar, pensar e escrever em liberdade e segurança (certamente a fundação de uma sociedade civilizada). Tenho problemas pessoais muito sérios quando confrontado com indíviduos, organizações e regimes que não aceitam que essas liberdades são direitos humanos fundamentais. (…) Assim sou um apoiante da Amnistia Internacional, um humanista e um ateu. (…) Organizações que procuram influência política através de um esforço coordenado perturbam-me e por isso considero que grupos religiosos e grupos de pressão religiosos que operam desta forma o fazem anti-democraticamente e não deveriam ter qualquer papel em política.Também tenho problemas com aqueles que pregam ideologias racistas e relacionadas que quasi parecem indistínguiveis do nacionalismo, patriotismo e convicção religiosa»

As considerações de Harry sobre a religião e sua influência nefasta na Humanidade são reflectidas neste Congresso:

«Milhares de anos de história humana e as delapidações das guerras mundiais trouxeram a maior parte do mundo para o limiar da paz e proporcionaram a véspera do enlightenment (termo difícil de traduzir, talvez iluminismo no sentido de oposição a obscurantismo religioso). O último século em particular viu a emergência de tratados internacionais e instituições que constituiram passos em frente no desenvolvimento de uma verdadeira civilização internacional, liberta dos erros e preconceitos inerentes a culturas religiosas fundamentalistas. Foram propostos novos métodos de governo, nacional e internacional, e estabelecidos tratados internacionais reconhecendo os direitos humanos fundamentais. Os valores do Enlightenment europeu foram estabelecidos através destas novas instituições e tratados mesmo quando se verificam revezes quer no Médio Oriente quer em democracias ocidentais.

O fundamentalismo religioso em todo o mundo ameaça o nosso progresso de uma forma que a Guerra Fria nunca o fez. Duas visões escatológicas competitivas enfrentam-se agora em que a vitória mútua assegura o fim do mundo enquanto os sistemas económicos em competição na Guerra Fria asseguravam que a derrota mútua seria o fim inevitável do falhanço da paz. O fundamentalismo ameaça igualmente o progresso científico e cultural e as liberdades individuais, já que as religiões lutam por supremacia ideológica, sem qualquer respeito pelas verdades descobertas pela ciência ou pelas batalhas por liberdades individuais que foram travadas e ganhas contra o autoritarismo e contra o medo. Até à data os Estados Unidos e a Europa Ocidental têm sido faróis na marcha do progresso e dos valores do Enlightenment mas a maré parece estar a recuar. Enquanto as forças do fundamentalismo preparam e armam os seus seguidores para uma batalha contra os valores que abraçámos devemo-nos unir numa causa para defender mais veementemente que nunca esses valores.

Os valores do Enlightenment estão a ser ameaçados em todo o Mundo. A agenda fundamentalista quer no Ocidente quer no Oriente rejeita liminarmente esses valores. Estamos no limiar de uma nova obscurantista Idade Média. Poderemos aprender com as lições do Enlightenment francês e inglês e ajudar a construir um Novo Enlightenment

Os colaboradores do Diário Ateísta partilham as preocupações das associações humanistas internacionais que participam neste Congresso e tentarão ajudar, dentro das suas capacidades, a que a resposta a esta questão crucial para o futuro da Humanidade seja afirmativa. Continuaremos como sempre o fizemos a responder aos assaltos dos fundamentalismos religiosos ao que prezamos e defendemos: ciência, racionalismo, laicidade, livre pensamento e valores humanistas!

29 de Outubro, 2005 Mariana de Oliveira

Americanos criacionistas

A maioria dos norte-americanos não aceita a teoria evolucionista. Na verdade, cinquenta e um por cento dos americanos dizem que Deus criou os humanos na sua presente forma. Trinta por cento acredita que embora os humanos tenham evoluído, Deus conduziu o processo. Apenas quinze por cento entende que os humanos evoluíram e que Deus não esteve envolvido. Estes resultados são semelhantes àqueles divulgados em 2004, pouco tempo após a eleição presidencial.

Os americanos que mais facilmente acreditam apenas na evolução são os liberais (trinta e seis por cento), aqueles que raramente ou nunca participam em serviços religiosos (vinte e cinco por cento) e aqueles com um grau de ensino superiou ou mais elevado (vinte e quatro por cento).

Evangélicos brancos (setenta e sete por cento), frequentadores de missas semanais (setenta e quatro por cento) e conservadores (sessenta e quatro por cento), dizem que Deus criou o Homem na sua aparência actual.

No entanto, a maior parte dos norte-americanos entende que é possível acreditar em Deus e na evolução. Dentro desta questão, aqueles que acreditam na criação divina dividem-se: quarenta e oito por cento acha que é possível conciliar as duas coisas, mas o mesmo número discorda.

Com estes resultados não admira que os Estados Unidos se tenham tornado um palco privilegiado para o combate entre os evolucionistas, criacionistas e os novos IDiotas.

28 de Outubro, 2005 Mariana de Oliveira

Abade saído das cascas

O abade Pierre, fundador da comunidade Emmaüs, publicou ontem um livro intitulado «Mon Dieu… pourquoi?», em que aborda questões como o celibato dos padres, o sacerdócio das mulheres e onde confessa ter tido relações sexuais com mulheres de «maneira passageira».

De acordo com este padre, Roma autoriza desde há muito os «padres casados» ordenados nos ritos católicos do Oriente, como os coptas ou maronitas, acrescentando «Não vejo por que razão João Paulo II pôde afirmar recentemente que estava fora de questão abrir [a questão do] celibato para o resto da Igreja Católica». O fim do celibato «permitiria resolver, parcialmente, a crise das vocações e da penúria de padres».

No plano da teologia, o abade Pierre não vê «nenhum argumento de monta que proibiria a Jesus, o Verbo personificado, de conhecer uma experiência sexual», especialmente com Maria Madalena, «a mulher que foi mais chegada, à excepção da mãe». Se tal aconteceu ou não «não muda nada ao essencial da fé cristã».

Quanto à questão da ordenação das mulheres, o fundador da comunidade Emmaüs não vê quaisquer problemas. «Sejam quais forem as eminentes funções que ocupam, aqueles que tomam tais posições nunca avançaram um único argumento teológico decisivo que demonstre que o acesso das mulheres ao sacerdócio seria contrário à fé».

No que diz respeito aos direitos dos casais homossexuais, o abade reconhece-lhes o direito de adoptarem crianças e de «provarem o seu amor à sociedade», mas prefere que usem o termo «aliança», em vez de «casamento» para qualificarem a sua união uma vez que tal criaria «um traumatismo e uma desestabilização social forte».

É pena que estas posições mais tolerantes e equilibradas não constituam a maioria na hierarquia da ICAR. Se assim fosse, talvez não tivessemos tanto a apontar à Igreja Católica.