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7 de Novembro, 2005 Ricardo Alves

Tentai evangelizar-me e eu vos responderei à letra

Caros católicos que tão devotamente ledes o Diário Ateísta,
chamo-vos a atenção para a prova gritante de «secularismo agressivo e intolerante» que os meios de comunicação social, inclusivamente os estatais, nos deram no passado fim de semana, e que ameaça repetir-se nos próximos dias. Efectivamente, nos espaços de emissão confessionais e nos programas noticiosos ou temáticos, nos intervalos e até, quiçá, nos programas de desporto ou de culinária, tem sido promovida uma campanha católica de proselitismo agressivo e fanático denominada «Congresso Internacional para a Nova Evangelização». O monopólio ateísta é de tal modo forte que os media, mesmo os estatais, não têm dado (nem se prevê que venham a dar) qualquer espaço para que os ateus ou agnósticos exerçam o direito ao contraditório que é reconhecido em todas as áreas à excepção da religião.
Esta operação de propaganda, para além de ser apoiada pelos mesmos media que daqui a uma semana voltarão a promover programas «imorais» e «desavergonhados», é apoiada por pelo menos duas autarquias locais de um Estado supostamente laico (a de Lisboa e a da Amadora), e promete importunar os cidadãos incautos em todo e qualquer espaço público da cidade de Lisboa, incluindo as praças principais e os centros comerciais mais frequentados, pressionando-os a voltarem a frequentar um culto que abandonaram de livre vontade, ou que jamais frequentaram.
Evidentemente, estou ciente de que os católicos, assim como as testemunhas de jeová e os seguidores da cientologia, têm legalmente o direito de ir pela rua fora tentando convencer as pessoas a mudarem as ideias religiosas que têm. Todos temos esse direito, aliás, embora eu e outros ateus prescindamos habitualmente de o exercer. Porém, já avisei publicamente aqui neste blogue, há mais de um ano, que sou ateu e que tenciono continuar a sê-lo até ao ocaso da minha consciência. Se me quiserdes bater à porta ou abordar na rua, ficais desde já prevenidos que vos convidarei a abandonar a vossa religião, que farei troça das aldrabices de Fátima e que criticarei o apoio público de que o vosso proselitismo, escandalosamente, beneficia.
7 de Novembro, 2005 Carlos Esperança

Naquele tempo…

Naquele tempo, Deus não era ainda o mito. Era apenas um mitómano a gabar-se de ter feito o Mundo em seis dias, há quatro mil anos, nem mais, nem menos, e ter descansado ao sétimo.

Era um celibatário inveterado que inadvertidamente criara Adão e Eva no Paraíso, onde vivia e tinha a oficina. Fez o homem à sua imagem e semelhança e a mulher a partir de uma costela do primeiro.

Preveniu-os de que não se aproximassem da árvore do conhecimento, advertência que a Eva logo desprezou, tentada por um demónio que por ali andava. O senhor Deus logo os expulsou do Paraíso, recriminando a malvada e com pena do imbecil que se deixou tentar.

Entretanto, na Terra, local de exílio, o primeiro e único casal logo descobriu um novo e divertido método de reprodução que amofinou o Senhor e multiplicou a espécie.

Deus era bastante sedentário mas as queixas que lhe chegaram pelos anjos, um exército de vassalos hierarquizados, levaram-no a deslocar-se ao Monte Sinai onde ditou a Moisés as suas vontades. Ensandecido pelo isolamento e pela castidade veio exigir obediência e submissão aos homens e fazer ameaças.

Após algum tempo, vieram profetas – vagabundos que prediziam o futuro -, lançando o boato de que o velho, tolhido pelo reumático, enviaria o filho para salvar o Mundo. Foi tal a ansiedade entre as tribos que alguns viram no filho da mulher de um carpinteiro de Nazaré o Messias anunciado.

Com a falta de emprego, algum pó e líquidos capitosos à mistura, inventaram a história do nascimento do pregador com jeito para milagres e parábolas.

Puseram a correr que Maria fora avisada pelo anjo Gabriel, um alcoviteiro de Deus, de que, sem ter fornicado, estava prenhe de uma pomba chamada Espírito Santo.

Nascido o puto, que nunca mijou, usou fraldas, fez birras ou fornicou, cedo se dedicou aos milagres e à pregação falando no pai e na obrigação de todos irem e ensinarem as sandices que debitava. Acabou mal e deitaram as culpas aos judeus, desde então os suspeitos do costume. Claro que JC também era judeu mas isso não quer dizer nada.

Sabe-se que foi circuncidado, que era um monoglota exímio em aramaico, língua em que discutiu com Pôncio Pilatos, que só sabia latim, sem necessidade de intermediário.

Quando se lixou, crucificado, esteve três dias provisoriamente morto e, depois, subiu ao Céu levando o prepúcio que tantas discussões teológicas havia de gerar. Os judeus ainda hoje são odiados porque o mataram mas há quem diga que isso foi uma calúnia dos que se estabeleceram com a nova religião e queriam substituir a antiga.

6 de Novembro, 2005 Mariana de Oliveira

Tentativa de um acordo frustrado

A semana passada, a Conferência Episcopal Espanhola declarou a inexistência de um acordo sobre o tratamento da religião no projecto para a Lei Orgânica da Educação e a manutenção do apoio à manifestação convocada para Madrid, no dia 12 de Novembro. Anteontem, foi a vice-presidente do governo espanhol, María Teresa Fernández de la Vega, que assegurou que o acordo «não foi possível e lamentamo-lo».

Ao que parece, o governo socialista mostrava-se disposto a inserir nos currículos escolares a disciplina de História das Religiões, dentro da nova área de Educação para a cidadania, e a manter a obrigatoriedade da educação religiosa, embora como matéria opcional e não computável.

O diálogo com o governo, segundo os bispos espanhóis, «não deu os frutos esperados» e as negociações precipitaram-se face à iminente manifestação contra a nova Lei Orgânica da Educação, onde não está excluída a presença de alguns membros da hierarquia da ICAR.

Depois do conselho de ministros do passado dia 4, a vice-presidente explicou que o governo de Espanha teria gostado de ter chegado a um acordo, mas que tal não tinha sido possível. Apesar de se mostrar aberta a um novo acordo, María Teresa de la Vega entende que «francamente, vejo-o muito difícil, não acredito, inclino-me mais a pensar o contrário». Acerca da manifestação do próximo dia 12 e da presença de padres, afirmou: «não é a primeira vez que alguns bispos apelam à participação numa manifestação contra o governo, e não o digo com alegria, mas também considero que são eles que se devem explicar aos cidadãos».

Até agora, alguns bispos – como os de Tarazona e Huesca – anunciaram a sua presença na manifestação que pretende evitar a marginalização do ensino da religião (católica, claro) e a deterioração da situação laboral dos seus professores. Assim, o bispo auxiliar de Madrid, Fidel Herráez, enviou uma carta a todos os sacerdotes, que contém uma nota do Conselho de Laicos onde se convoca a manifestação e se recorda que «ao cardeal Rouco pareceu oportuno enviar esta carta às paróquias». Por seu turno, o delegado diocesano do ensino de Madrid, Avelino Revilla, expediu uma missiva a todos os directores de colégios e aos professores de religião, onde lhes diz que «nos colocaram numa situação difícil e o mínimo que podemos fazer é levantar a nossa voz como cidadãos e manifestarmo-nos contra um modo de legislar que não tem em atenção o bem comum e os direitos fundamentais do indivíduo». Aqui, onde se lê «bem comum» e «direitos fundamentais do indivíduo», deverá ler-se «bem comum aos católicos» e «direitos fundamentais do indivíduo católico».

Numa sociedade que se quer pluralista e num ensino público que pretende ser coerente com esse mesmo pluralismo, não pode nem deve haver lugar ao favorecimento de uma religião face às outras ou face a nenhuma. Devemos defender a liberdade de religião, que só será verdadeiramente atingida se não for imposta o ensino de uma religião aos alunos independentemente da sua vontade, isto porque aquela liberdade tem um sentido positivo e também um sentido negativo igualmente essencial.

6 de Novembro, 2005 Carlos Esperança

Europa, escuta…o Vaticano está em luta…

Bento XVI lança Igreja na luta contra a secularização da Europa

Nas alfurjas do Vaticano ouvem-se latidos contra o laicismo. O pastor alemão mostra os dentes, afia as garras e vocifera em latim. Saem-lhe santas imprecações em forma de oração, por hábito e contenção beata.

Quando o paramentam para os rituais, enquanto sente as mãos macias do sacristão e as sedas que lhe moldam a pele, B16 cisma vingar-se contra a Europa indiferente a que as pessoas da Santíssima Trindade sejam três ou trezentas, os mandamentos da lei de Deus sejam dez ou cem e os milagres necessários para criar um santo sejam dois ou duzentos.

B16 não palra e crocita, grunhe e uiva. Como cabo de um exército de sotainas convocou as hostes para anunciar o Evangelho, aqueles 4 livros cheios de contradições e violência que se juntaram ao Antigo Testamento, por ordem de Constantino, escolhidos entre muitos outros ainda mais contraditórios e inverosímeis.

Ao pedir aos bispos «um testemunho claro, público e corajoso», B16 não manda ensinar padre-nossos ou treinar beatos a ruminar ave-marias, usa um eufemismo para lançar a cruzada, faz uma declaração de guerra com palavras melífluas, incita os bispos a brandir o báculo e a arremeter contra Governos que se neguem a esportular o óbolo, a fazer a genuflexão e a dificultar o proselitismo.

Para B16 a liberdade é a «ditadura do relativismo», o respeito pelos Mandamentos de Deus (interpretados pela Mafia que dirige) deve ser imposto e não admite que «desapareça a identificação com o Magistério da Igreja», isto é, a subserviência à tiara.

B16 exorta os Bispos a que «exponham a Palavra de Deus com toda a clareza, mesmo os pontos que, muitas vezes, são escutados com menos vontade ou que provocam reacções de protesto ou mesmo de deserção». É a ordem de marcha, em beata cruzada contra os infiéis, réprobos, apóstatas e ateus.

5 de Novembro, 2005 Carlos Esperança

Religião e charlatanismo

O obscurantismo é o húmus em que as três religiões do livro mergulham as raízes. A tradição, os mitos e o charlatanismo são os ingredientes com que fabricam Deus.

Mas quem é Deus? É o indivíduo que criou o mundo em seis dias e descansou ao sétimo, o ser cruel e misógino, o narcisista desejoso de louvores, o sádico que exulta com sacrifícios e aluga quartos no Céu às almas que, por definição, não ocupam lugar?

Talvez seja o velho, apoquentado pelo reumático e interesseiro, que vinha do Céu à Terra para ditar a sua vontade a Moisés, no Monte Sinai, ou para reiterá-la a Maomé, analfabeto e rude, com desvarios aumentados.

Ou seria um OVNI que perdeu a bússola e só conhecia Jerusalém e arredores, região do planeta onde semeou sandices, ameaças e medos, onde prometeu reunir vivos e mortos, TODOS, de todos os tempos, no exíguo vale de Josafá?

O Deus monoteísta é certamente o charlatão que prometia a ressurreição e a vida eterna, que se disse proprietário de uma quinta, chamada Paraíso, onde correm rios de mel e há um bar de alterne com imensas virgens à espera de beatos dementes e criminosos.

Esse Deus é o troca-tintas que ora abria o mar, para passar o povo eleito, ora convencia outras tribos de que era delas que gostava e lhes deixava as mesmas terras, rios e lagos, num exercício de intriga que semeou ódios, ressentimentos e guerras perpétuas.

Deus é uma criação infeliz, com todos os defeitos humanos e nenhuma virtude, vingativo, caprichoso e autoritário. É o déspota que faz a síntese entre o pior de que os homens são capazes e os excessos que só Deus pode. É fautor de guerras, justificação para a violência e desculpa para a crueldade.

O ateísmo data do séc. XVI e só começa verdadeiramente em 1729 com a publicação da «Memória dos pensamentos e sentimentos do abade Jean Meslier». Meslier (1664-1729) deixou um Testamento em que desmascara a Igreja, Jesus, Deus, a Religião e se assume como ateu, provando a falsidade de todas as divindades e de todas as religiões do mundo.

Todavia, já no século II os cristãos denunciavam e estigmatizavam os «atheos», «os que não acreditam no seu Deus ressuscitado ao terceiro dia», um cadáver provisório a que a mãe do imperador Constantino viria a inventar um oportuno sepulcro.

4 de Novembro, 2005 Carlos Esperança

In illo tempore

Quando eu era criança, as almas penadas soíam visitar parentes e reclamar missas que podiam aliviar as penas e dar-lhes tranquilidade eterna. Os santos eram os habituais, sem novas adições que os milagres, as necessidades do mercado e o espírito supersticioso de JP2 haviam de criar.

Era o tempo em que Pio XII, após o conúbio com o nazi/fascismo, se afadigava a preparar a fuga de criminosos nazis para os poupar ao julgamento de Nuremberga.

Na paróquia onde eu vivia, rezava-se pelos «nossos governantes», cujo passado era pouco recomendável, pelo Santo Padre, que era pior, e execravam-se os judeus, que acabavam de ser vítimas de um genocídio, por terem matado Jesus.

A adesão da ICAR ao nazismo não foi um acidente de percurso ou o erro de um Papa particularmente reaccionário, foi o corolário da fé, um paradigma da religião que apoiou todas as ditaduras com excepção do comunismo.

É curioso recordar que o nazismo nunca foi excomungado, enquanto o comunismo, após a queda do muro de Berlim, viu reiterada a excomunhão. Hitler teve direito a missa solene e à compungida mágoa da igreja católica manifestada em todas as paróquias da Alemanha, por ordem expressa da ICAR, apesar do suicídio ser, para a Igreja, motivo de exclusão dos sacramentos.

4 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Joseph Smith – I: o início da lenda

Começa hoje em Palmyra, New York, a conferência que celebra o bicentenário do nascimento de Joseph Smith, o fundador da versão do cristianismo que dá pelo nome de Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.

Conhecidos em Portugal graças aos «Elders», os jovens mormons que, como parte integrante da sua fé, passam uns anos fora do seu Utah natal em quasi mandatórias tarefas de evangelização, tentando converter «gentios» para a verdadeira fé, os LDSs (ou SUDs, santos dos últimos dias, como devem ser conhecidos os fiéis dos disparates debitados por Smith) contabilizam cerca de 12 milhões em todo o mundo.

Neste data em que os LDSs celebram 200 anos sobre o nascimento do fundador da respectiva seita o Diário Ateísta não poderia deixar de dedicar umas linhas a tão devoto cristão e tão disparatada seita.

Nascido aos 23 de Dezembro de 1805 em Sharon, Vermont, numa família pouco dada a religiões organizadas mas prenhe de indíviduos atreitos a visões celestiais e comunicações pessoais do panteão celeste, Joseph Smith teve um início de vida algo atribulado, mercê da incapacidade familiar em assegurar proveitos para alimentar a prole.

De facto quando o profeta tinha cerca de 15 anos a família foi expulsa de Sharon, de acordo com algumas fontes por serem considerados vagabundos indesejáveis. A família estabelece-se então em Palmyra, na zona ocidental do estado de New York. Aparentemente a mudança não alterou significativamente as condições da família e os rendimentos familiares continuaram parcos até à súbita eclosão de capacidades paranormais no jovem rebento.

De acordo com algumas fontes a presciência de Smith com pedras «mágicas» surgiu durante a adolescência de Joseph em Palmyra quando um mágico itinerante, que pretendia localizar água e tesouros escondidos pelos indíos, ofereceu os seus préstimos nesta especialidade pela módica quantia de 3 dólares diários. As capacidades sobrenaturais do charlatão eram supostamente conferidas por pedras «mágicas» e fascinaram o jovem Smith. Quando os serviços oferecidos pelo «adivinho» se revelaram infrutíferos e este foi convidado a abandonar (rapidamente) a localidade já o jovem «profeta» dominava q.b. o hocus pocus indispensável à arte de bem enganar os incautos. Outras fontes indicam que essa arte foi uma herança paternal…

Independentemente da origem da aprendizagem é certo que um certo Josiah Stowell, impressionado com relatos da clarividência e artes mágicas do jovem, o convidou a deslocar-se para o outro lado do estado, para a propriedade de Isaac Hale em Susquehanna Valley, com o objectivo de Smith «adivinhar» o paradeiro de um tesouro supostamente aí escondido pelos espanhóis.

Como assalariados de Stowel e Hale, pai e filho deslocaram-se para a quinta do segundo onde, como «adivinhado» por outro perscrutador de cristais «mágicos», e de acordo com o contrato firmado com os dois crédulos empregadores, os Smith deveriam encontrar uma «mina valiosa de ouro ou prata e também … moeda cunhada e barras ou lingotes de ouro ou prata» (Salt Lake Tribune, 23 Apr. 1880). O presciente adivinho procedia ao seu «trabalho» enterrando a cara num chapéu contendo as indispensáveis pedras «mágicas» e adivinhando localizações para o precioso tesouro; a parte menial de escavação cabia a uma equipa de esperançosos e crédulos caçadores de tesouros. Infelizmente Smith não conseguiu localizar o tesouro devido, segundo ele, a um «encantamento» lançado sobre o tesouro, tão poderoso que nem a magia de Smith o conseguia quebrar, e Smith, que se tinha apaixonado pela filha de Hale, Emma, caiu em desgraça aos olhos do decepcionado futuro sogro.

Na Primavera de 1826, alguns caçadores de tesouros desiludidos acusaram Smith de «conduta desordeira» e de ser um «impostor». Este foi julgado e considerado culpado de ambas as acusações num tribunal de Bainbridge, New York com a ajuda de Hale que se incluía nas testemunhas de acusação. Não existem registos da pena imposta ao jovem charlatão mas sabe-se que em Janeiro de 1927 Joseph Jr conseguiu subtrair Emma das mãos do recalcitrante Hale e fugir com ela.

3 de Novembro, 2005 Ricardo Alves

Maioria católica no Tribunal Supremo dos EUA

A nomeação de Alito para o Tribunal Supremo dos EUA, a ser confirmada pelo Senado após as audiências que terão lugar em breve, será a concretização, pela primeira vez na história dos Estados Unidos, de uma maioria católica nesse órgão de soberania. Efectivamente, neste momento existem quatro juízes católicos, dois protestantes e dois judeus no Tribunal Supremo. Alito seria o quinto católico. De minoria religiosa perseguida no século 18 a minoria religiosa perseguidora no século 21, os católicos dos EUA estão a demonstrar as vantagens comparativas de uma seita monolítica e inamovível: mesmo sendo minoritária, acaba por impôr-se. As mulheres e as minorias sexuais poderão ser as primeiras vítimas de um Tribunal dominado por católicos.

Fontes: Washington Post, Humanist Network News, Americans United for Church and State Separation.

2 de Novembro, 2005 Carlos Esperança

O Papa e a morte

Perante milhares de devotos e curiosos que ontem assistiam ao Angelus, no Vaticano, data conhecida por dia de Todos os Santos, entre os membros da seita, o Papa defendeu que «a morte é a transição entre a peregrinação terrestre e a pátria do Céu».

B16 exortou os católicos a não temerem a morte, encarando-a «com serenidade».

Acontece que não há dupla nacionalidade, que a «pátria do Céu» não é recomendável e que a viagem não costuma ser uma opção estimulante nem uma decisão pessoal.

Mas, para quem vive da morte, o Céu é uma opção de vida e uma mercadoria a promover.

1 de Novembro, 2005 Palmira Silva

250 anos depois , III – A Modernização

Talvez a acção mais marcante do Marquês se tenha verficado nas inestimáveis reforma e laicização do ensino nacional, concretizadas na reformas pombalinas do Ensino, iniciadas em 1759, data da expulsão dos jesuítas que monopolizavam o ensino até aí. Reformas onde se incluiu a remodelação da Universidade de Coimbra, nas suas palavras «uma Universidade onde as teimas, os sofismas e os maus livros fazem grande figura».

A reforma do ensino começou pelos «estudos menores», para os quais foi criado um corpo de «professores régios», em substituição dos mestres até aí eclesiásticos. Mais tarde, passou-se à reforma do «Estudo Geral» de Coimbra.

A reforma pombalina incidiu especialmente na introdução das ciências da natureza e das ciências exactas, até aí blasfémias proscritas dos campi universitários. Mas os curricula «tradicionais» não foram descurados, tendo-se procedido à reforma da Faculdade de Medicina, introduzindo investigação experimental de acordo com as sugestões de Ribeiro Sanches, o que levou à fundação do Teatro Anatómico e do Dispensatório Farmacêutico, e à criação de duas novas faculdades, a de Matemática e a de Filosofia. Esta última concedia um lugar particular à Filosofia Natural, com a criação do Gabinete de Física (equipado com equipamento experimental que constitui hoje em dia uma das melhores colecções do género referentes aos séculos XVIII e XIX) e do Museu de História Natural, que conjuntamente com o Hospital e as dependências da Faculdade de Medicina, ocuparam o antigo Colégio de Jesus, cuja igreja foi transformada em Sé Catedral, e à construção do Laboratório Químico e do Jardim Botânico.

O choque tecnológico tão em voga hoje em dia era também uma ambição de Sebastião José. Assim, as Universidades colaboravam no desenvolvimento das indústrias, da mineração e da agricultura. A Faculdade de Matemática, a que estava anexo o Observatório Astronómico, tinha como objectivo paralelo o estudo da agrimensura, de grande interesse especialmente para a planificação e ordenamento do território. Por outro lado, foram importados mestres estrangeiros com o objectivo de dinamizarem a quasi inexistente indústria nacional, destacando-se o italiano Domingos Vandelli, que procurou em Coimbra revivificar a indústria da faiança decorativa, de grande tradição na cidade e ainda hoje muito viva.

De facto, Sebastião de Carvalho e Melo foi providencial não só para a indústria mas também para o comércio nacionais. Preocupado com a promoção do comércio, que declarou «profissão nobre, necessária e proveitosa», fundou a Aula do Comércio, da responsabilidade da Junta de Comércio que também criou, escola que deveria ensinar contabilidade segundo o modelo inglês, para além de ter utilizado toda a sua enorme capacidade diplomática para conseguir acordos comerciais muito vantajosos para Portugal. Para além do impulso tecnológico inédito no país que tentou incutir na nossa indústria, foi um patrono da indústria nacional, dispensando um cuidado especial à fábrica das sedas, situada no largo do Rato, em Lisboa, às fabricas de lanifícios da Covilhã, Fundão e Portalegre, e à fabrica de vidros da Marinha Grande. Criou as Fábricas de Cordoaria, a Real Escola Náutica do Porto, a Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro e a Impressão Régia, hoje Imprensa Nacional.

Procedeu igualmente à Reforma pombalina da Administração Financeira do Estado (Lei de 22 de Dezembro de 1761), em que cria o Erário Régio ou Tesouro Real, o precursor no actual ministério das Finanças e altera radicalmente a organização económica e financeira portuguesa. São introduzidos, formal e completamente, os princípios e regras que não mais deixarão de guiar a administração orçamental do Estado moderno, iniciando a ruptura com o antigo regime e começando a desfazer a confusão entre património nacional e património da Coroa. Cria ainda o cargo de Intendente Geral da Polícia, medida que constituiu o primeiro combate contra o banditismo.
Deve-se igualmente ao Marquês de Pombal a reforma da nossa legislação civil, reforçada com a publicação da Lei da Boa Razão, que tornava necessário todas as futuras leis serem fundamentadas numa razão justa, senão tornar-se-iam inválidas.

E não podemos esquecer que foi por acção do Marquês de Pombal que a Inquisição perdeu o seu poder absoluto, tendo sido suprimida a censura eclesiástica da imprensa (substituída pela Real Mesa Censória, mas de qualquer forma um progresso em relação à situação até aí verificada) e, com a única excepção de Malagrida, acabaram os autos de fé inquisitoriais em que os supostos hereges eram queimados em orgias de fé, como aconteceu durante o reinado do Fidelíssimo João V ao dramaturgo António José da Silva, o Judeu. Os autos de fé regressaram brevemente depois da queda em desgraça do marquês verificada após a morte de D. José I e da ascensão ao trono de D. Maria I, que pretendeu «reparar as ofensas do reino a Deus». Os últimos autos de fé em território nacional realizaram-se em 1781, tendo sido queimadas dezassete pessoas em Coimbra e oito pessoas em Évora.

Finalmente convém recordar que foi por sua ordem que foi abolida a distinção entre cristão-velhos e cristãos-novos, entre canarins e europeus na Índia e promulgada a abolição da escravatura na metrópole.

Em suma, não obstante o seu pendor ditatorial, um exemplo perfeito do despotismo iluminado que preconizava um Estado absolutista, e o seu lado negro manifestado na brutal retaliação com que puniu os seus adversários políticos, nomeadamente os Távoras, o marquês de Pombal, umas das figuras mais determinantes na nossa História, foi um estadista e um político brilhante que retirou Portugal das trevas obscurantistas e do atraso para onde o poder da Igreja o tinha desterrado. Não mais a Igreja, apesar das tentativas para tal verificadas no reinado da piedosa Maria I, comandou e determinou todos os aspectos da vida nacional. As sementes da laicidade, que tardam em fruir plenamente neste cantinho à beira mar plantado, foram lançadas irreversivelmente em solo português pela mão do controverso mas brilhante Marquês de Pombal!

Bibliografia não disponível online:
«1755 O Terramoto de Lisboa» João Duarte Fonseca, Argumentum, Novembro de 2004.