21 de Dezembro, 2005 Carlos Esperança
Vocações sacerdotais
Depois de uma maratona de padre-nossos e ave-marias um cristão chega exausto ao fim do terço. Antigamente a fé aguentava uma coroa e os joelhos suportavam a novena.
Quando as missas eram em latim, a ignorância aturava o ritual e suportava a liturgia no convencimento de que o Paraíso estava ao dobrar do amém e os paroquianos suportavam o frio do inverno e as delongas da homilia.
Depois que o vernáculo substituiu o esoterismo de uma língua morta os crentes duvidam da salvação da alma a troco da confissão e actos de contrição.
Santa Bárbara deu lugar aos pára-raios, o veterinário substituiu santa Filomena na cura das bestas, a flecha que trespassava S. Sebastião deixou de comover os créus e, para as moléstias do corpo, deixou de invocar-se a divina fauna e passou a recorrer-se ao S.N.S.
A penicilina revelou-se mais eficaz do que o pai-nosso, a aspirina um analgésico mais potente do que as orações e a vacina mais eficaz do que a divina graça. Anti-depressivos batem o exorcismo e qualquer médico de segunda é melhor do que um santo de primeira.
A água benta, com poderes comprovados por séculos de ignorância, foi ultrapassada, primeiro pelos manipulados e depois pela panóplia de drogas que os laboratórios da indústria farmacêutica puseram no mercado.
Face à exiguidade dos milagres e à falta de certificados de garantia, a clientela procura a ciência e manda passear a fé. Não admira que faltem ajudantes aos bispos e quiromantes da divina Providência.
A falta de padres, que o aluguer de brasileiros e polacos vai atenuando, é um bom sinal. O homem escreve direito por linhas tortas.