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5 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

Choque de civilizações?


«I cobble together a verse comedy about the customs of the harem, assuming that, as a Spanish writer, I can say what I like about Mohammed without drawing hostile fire. Next thing, some envoy from God knows where turns up and complains that in my play I have offended the Ottoman empire, Persia, a large slice of the Indian peninsula, the whole of Egypt, and the kingdoms of Barca {Ethiopia}, Tripoli, Tunisi, Algeria, and Morocco. And so my play sinks without trace, all to placate a bunch of Muslim princes, not one of whom, as far as I know, can read but who beat the living daylights out of us and say we are ‘Christian dogs.’ Since they can’t stop a man thinking, they take it out on his hide instead…» Pierre Augustin Caron de Beaumarchais, As Bodas de Fígaro*

De Londres a Jakarta passando por Gaza e Islamabad, em suma em todo o mundo islâmico e nos locais onde a comunidade islâmica tem mais força, temos assistido àquele que parece o choque de civilizações preconizado por Samuel Huntington há mais de uma década. Pessoalmente não subscrevo todas as teses de Huntington mas as reacções desproporcionadas do mundo islâmico a um não acontecimento recordaram-me as minhas reflexões aquando da morte de Theo van Gogh. E considero ser um não acontecimento porque numa sociedade democrática em que, ao contrário do que se passa na maioria dos países islâmicos, há pluralismo de opiniões, liberdade de expressão e o estado não controla os meios de comunicação, não faz sentido responsabilizar todo um país pelos actos de uns poucos indíviduos.

Hoje, na Síria, milhares de manifestantes incendiaram as embaixadas da Noruega e da Dinamarca (destruindo o edifício de três andares onde se encontravam situadas as embaixadas da Suécia e do Chile) em Damasco. Em Londres os manifestantes que se deslocaram da mesquita de Regent’s Park para a embaixada da Dinamarca empunhavam cartazes onde se podia ler «Matem os que insultam o profeta» e «A única forma de isto ser resolvido será se os responsáveis forem entregues para serem punidos pela lei islâmica, para que possam ser executados».

O que fizeram os «responsáveis» que tantos milhares exigem punidos com uma pena que nenhum país europeu aplica e que despoletou este «choque de civilizações»? Simplesmente publicaram uns cartoons (inócuos na minha opinião) que representam Maomé e aludem à ameaça real que o fundamentalismo islâmico constitui actualmente! Se, como afirmava o Sheik Munir hoje na Sic, os muçulmanos se sentem ofendidos pelo facto de Maomé ser caricaturado com um turbante em forma de bomba e que tal supostamente implicaria que todos os muçulmanos são terroristas, então convenhamos que as reacções do mundo islâmico não são as mais apropriadas para demonstrar que tal não é verdade!

Pelo contrário, a escalada de violência a que temos assistido nos últimos dias pode ser classificada como puro terrorismo, que é simplesmente o uso da violência ou a ameaça do uso da violência contra civis por razões políticas, religiosas ou ideológicas.

Ceder, nem que seja um mílimetro, ao terrorismo islâmico em qualquer expressão é ceder nas duramente alcançadas conquistas civilizacionais ocidentais, construídas em torno do respeito dos direitos humanos e em que a liberdade de expressão foi e é a pedra basilar. Espero, para bem da civilização, que a proposta das organizações árabes que pretendem que a ONU aprove uma resolução banindo «desrespeito de crenças religiosas» esteja condenada ao fracasso! Ou outra longa noite obscurantista nos envolverá certamente…

Especialmente se considerarmos tudo o que é considerado um insulto ao Islão, desde questionar a legitimidade do apedrejamento até à morte de apóstatas, ursos de peluche e cruzes, igualdade de direitos para as mulheres, comer carne de porco, etc.. Não estou disposta a andar de burka, três passos atrás de um acompanhante masculino e sem poder conduzir o meu carro, simplesmente porque muitos políticos ocidentais estão reféns de um maniqueismo pré-queda do muro tão anacrónico e abstruso quanto as aberrações das leis islâmicas!

As reacções ao não acontecimento das caricaturas de Maomé, para além de caricatas, já que o suposto insulto residiu na associação de violência com o islamismo e de facto a associação foi efectuada não pelos cartoons mas pelos próprios manifestantes, são uma demonstração de totalitarismo, uma ameaça às fundações da nossa sociedade e à própria democracia! Como escreveu Ibn Warraq, o Ocidente não tem nada que pedir desculpas e não deveria pedir desculpas!

A liberdade de expressão é um valor em que assenta a nossa sociedade democrática e livre. Foi a liberdade de expressão que pemitiu a abolição da escravatura, a instituição da democracia, a igualdade de direitos para todos, independentemente de cor da epiderme, credo, sexo ou opção sexual. Não precisamos de «lições» de comportamento de sociedades que não respeitam os mais elementares direitos humanos, onde as mulheres são sub-humanos sem quaisquer direitos, a não ser o apedrejamento por suposto adultério, o mesmo destino dos homossexuais!

*As Bodas de Fígaro, com libreto de Lorenzo da Ponte, foi criada por Wolfgang Amadeus Mozart a partir de uma comédia escrita em 1784 por Pierre Augustin Caron de Beaumarchais, o mesmo autor de «O Barbeiro de Sevilha», escrita em 1775 e transformada em ópera por Rossini, e de «A mãe culpada», escrita em 1792.

4 de Fevereiro, 2006 Ricardo Alves

Pensamento do dia

«A questão é que a fé, mesmo a fé moderada, é perniciosa porque ensina que acreditar em algo sem evidências é uma virtude
The point is that faith, even moderate faith, is pernicious because it teaches that believing something without evidence is a virtue.» Richard Dawkins na New Statesman.)
4 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

Lúcia fez milagre na Argentina

[A menina foi submetida a dez dias de terapia intensiva e começou a fazer hemodiálise. Quando tudo parecia encaminhar-se para que melhorasse, contraiu uma infecção hospitalar. Para a curar da bactéria, os médicos precisavam de dar-lhe um antibiótico. Mas os rins podiam não aguentar o poder do medicamento.
Foi então, a 13 de Junho, que Alexandra Maria se ajoelhou junto à cama da filha, levou ao peito o livro «Memórias da Irmã Lúcia» e pediu à vidente que curasse a menina e a deixasse viver sem sequelas. Dias depois, a criança recuperou. «Fizeram análises e já não havia sinais da infecção, nem da doença», conta a mãe, salientando que até os médicos classificaram a cura de «milagre»].
(Correio da Manhã, 3/2/2006)

Como previsto, pelo Diário Ateísta, em 18 de Fevereiro do ano passado, no artigo «A canonização de Lúcia», a adjudicação de um milagre seria breve, apesar de, por hábito, a intercessão milagreira estar interdita a cadáveres menores de cinco anos.

O Vaticano prescindiu da cobrança dos 250 a 300 mil euros à postulação portuguesa, custo habitual de uma beatificação – excelente augúrio, tratando-se de dinheiro.

Menos de um ano depois, e antes de removido o cadáver, já chegaram às mãos do padre vice-postulador 13 quilos de milagres, em cartas, que referem graças recebidas.
E há um que não falha. É, pelo menos, a convicção do padre responsável pelo processo de canonização dos pastorinhos Francisco e Jacinta Marto. «É uma cura sensacional, já por intercessão da irmã Lúcia depois da sua morte», disse o sacerdote.

O Diário Ateísta soube pelo Correio da Manhã, um jornal com excelentes relações com o divino e com o antigo director da PJ, que se chama Rosário André, tem quatro anos e vive na cidade de Salta, no Norte da Argentina, a menina curada em Junho de 2005 por intercessão da Irmã Lúcia.

A mãe da criança, Alexandra Maria, é uma grande devota de Nossa Senhora de Fátima e dos Pastorinhos.

Está, assim, em vias de ser reparada a injustiça, provocada pela longevidade, em que a Lúcia se atrasou no caminho da santidade, apesar de ser a única confidente da Virgem, que a aturava nas conversas, a via e lhe fazia os recados.

Graças à Lúcia, os portugueses criaram pelo terço uma loucura só hoje comparável à do Euromilhões, a Rússia começou o processo de conversão e JP2 levou um tiro por não ter previsto que o 3.º segredo era com ele.

3 de Fevereiro, 2006 jvasco

Liberdade de Expressão

É engraçada a forma como esta imagem traduz bem a polémica que causou

3 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

Em nome da liberdade


A transferência do direito divino para a soberania popular foi um pequeno passo para a democracia e uma grande decepção para o clero.

A liberdade é um bem cada vez mais escasso. Devassada pela insegurança dos Estados, ameaçada pelo medo e tolhida pelo fanatismo religioso, a liberdade precisa de quem a defenda contra tudo e contra todos.

A publicação destas caricaturas de Maomé desencadeou a ira do islão e os desacatos, ameaças e violências dos fanáticos do pastor de camelos. Amanhã seriam os cristão a combater esta alusão ao calvário de Cristo e a liberdade de expressão regressava às mãos dos padres e coronéis que na ditadura exerciam a censura à imprensa.

Temos na memória o trauma das perseguições da inquisição, a celeuma recente de um aconselhável preservativo colocado em sítio menos óbvio – o nariz de João Paulo II -, pelo cartoonista António e o assassinato de um médico por um pastor evangélico, na sequência da prática de um aborto, nos EUA.

Temos o direito de caricaturar Deus, como afirmava intemerato o jornal France Soir «OUI, on a le droit de caricaturer Dieu».

Se nos deixarmos tolher pelo medo, não tarda que o poder seja de novo confiscado pelo clero, que sempre reivindicou procuração divina, e que sejam postos em causa direitos, liberdades e garantias arduamente conquistados ao longo dos séculos.

Dar publicidade aos testemunhos de irreverência, humor e heresia não é provocação aos crentes, é um acto de cidadania em defesa da liberdade de criação, uma ousadia contra a chantagem, uma advertência de quem resiste ao medo, à violência e à chantagem.

Este artigo, publicado em simultâneo no Diário Ateísta e no Ponte Europa, é um acto de solidariedade para com todos os criadores artísticos, órgãos de comunicação social que os acolhem e países que não se vergam à histeria da fé e ao fascismo religioso.

É também uma forma de homenagear Salman Rushdie cuja condenação à morte nunca foi censurada pelo Vaticano.

Não faltam cobardes a dizer que «deve haver um certo cuidado» e que «talvez não tenha sido sensato». A pusilanimidade não conhece limites.

3 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

Cardeal, agente duplo

«O cardeal húngaro Laszlo Paskai, antigo arcebispo de Esztergom e de Budapeste, trabalhou para os serviços secretos comunistas nos anos 1960 e 1970, escreve esta quinta-feira o semanário húngaro Elet es Irodalom».

Trata-se mais de um agente duplo do que propriamente de um espião da União Soviética. Não se pode dizer que trabalhava para Deus e para o Diabo.

O KGB e o Vaticano eram duas centrais de intoxicação internacional.

Graças à confissão, o bondoso cardeal podia prestar um excelente serviço às duas multinacionais da repressão.

2 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

Solidariedade


As barbas do profeta – Diário Ateísta/Ponte Europa

«Obviamente que sou solidário com os meus colegas Dinamarqueses» Zédalmeida

2 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

Propaganda eleitoral

Como já há uns largos meses previ, o Vaticano veio em auxílio, (mal) disfarçado, claro, de outro católico exemplar, grande defensor de óvulos e espermatozóides, Silvio Berlusconi, que parte para as eleições de Abril próximo com uma clara desvantagem em relação ao seu opositor, que encabeça a coligação de centro-esquerda, Romano Prodi.

Não obstante dizer que a Igreja Católica não vai interferir nas eleições apoiando directamente, isto é, pelo nome, qualquer dos candidatos, o Cardeal Camillo Ruini, o eclesiástico máximo da Conferência de Bispos Italianos, afirmou que os eleitores italianos «deviam ter em consideração» assuntos como o aborto e o reconhecimento legal de uniões de facto homossexuais, vivamente condenados pelo Papa há uns dias, quando escolherem quem os vai governar nos próximos anos.

Considerando que Romano Prodi, social-democrata que foi presidente da Comissão Europeia, se declarou a favor do reconhecimento dos direitos legais dos casais que vivem em união de facto, hetero ou homossexuais, embora não pretenda permitir o casamento homossexual e que Berlusconi se tem desdobrado em aparições públicas com um discurso que mereceu a observação no Corriere della Sera que, aos 69 anos e casado em segundas núpcias, Berlusconi «aparentemente tornou-se um cristão tradicionalista do dia para a noite», não é muito difícil ver nas palavras do Cardeal um apelo ao voto em Berlusconi!

De facto, usando toda a máquina mediática que controla, Silvio Berlusconi tem reiterado ao vivo e a cores, sob o aplauso do Vaticano, que a sua coligação de centro-direita representa os «valores familiares» e como tal afirmou já o seu repúdio ao reconhecimento das uniões de facto. Para além disso, pretende limitar as importações da pílula Mifepristone, mais conhecida como RU486, num país em que o aborto é legal desde 1978, e prometeu colocar activistas pró-vida nos centros estatais de aconselhamento sobre o aborto. O discurso pré-eleitoral fundamentalista católico de Berlusconi já levou milhares de manifestantes a Roma e Milão reclamando, respectivamente, o reconhecimento legal de todas as uniões de facto e que não seja revogada a lei de 1978, referendada em 1981, que permite o aborto em Itália.

Entretanto as tentativas de conquistar o voto católico de Berlusconi atingiram contornos caricatos no fim de semana passado quando, em directo numa das quasi diárias aparições nas estações de televisão italianas, prometeu honrar o «ideal católico da castidade» abstendo-se de sexo até depois das eleições!

O Corriere della Sera realça no entanto que o voto de castidade temporária de Berlusconi surgiu depois de ele ter respondido «Sim, frequentemente» à pergunta do tele-pregador que o entrevistava se tinha sido fiel às suas mulheres…