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6 de Março, 2006 Carlos Esperança

Em defesa da liberdade


Resposta a um crente islâmico

O Diário as Beiras (3/3/06) publicou uma carta do leitor Cheikh Brahim Abdellahi, sob o título «Em defesa de humanidade, profeta MOHAMED, paz esteja com ele», dirigida ao primeiro-ministro dinamarquês Anders Fogh Rasmussen, em que condena as caricaturas de Maomé e lhe exige, sem atraso, «que apresente desculpa não só ao mundo muçulmano, mas também a toda a humanidade, porque o profeta MOHAMED, a paz esteja com ele, representa a conclusão de todos os valores humanos nobres e que são respeitados por qualquer ser humano equilibrado».

Respeito as minorias mas respeito ainda mais, louvado seja o livre-pensamento, a verdade e a liberdade. Defendo os crentes mas reservo-me o direito de combater as crenças, louvado seja o livre pensamento.

Assim, permito-me esclarecer o devoto Cheikh de alguns equívocos:

1 – O primeiro-ministro dinamarquês é certamente leitor assíduo do «Diário as Beiras» mas não vai responder à sua exigência pelo facto de não poder, nem querer, abolir a liberdade de imprensa;

2 – Apesar do respeito que merece o profeta Maomé, louvado seja o livre-pensamento, as sociedades democráticas preferem o respeito pelos direitos humanos;

3 – O direito à liberdade de expressão é mais sagrado do que a alegada vontade de Maomé, Cristo ou Moisés;

4 – Em democracia a fé é facultativa, contrariamente à teocracia onde é obrigatória, e defende-se a liberdade de todas as religiões, bem como do agnosticismo e do ateísmo.

5 – Nos países laicos e democráticos ninguém é perseguido por razões religiosas e o direito de abandonar ou abraçar qualquer religião é defendido pelo Estado de direito.

Quanto aos valores humanos nobres, que invoca para Maomé, convém ter em conta:

I – Não são respeitados por todos os seres humanos equilibrados, como alega;

II – A democracia e a laicidade do Estado não são consentidas nos países muçulmanos;

III – O respeito pela igualdade entre os sexos não existe;

IV – A Declaração Universal dos Direitos do Homem é ignorada;

V – A decapitação, lapidação e tortura são práticas correntes.

Os Árabes que contribuíram para o humanismo e favoreceram o Renascimento europeu eram, então, mais tolerantes e cultos do que os cristãos mas, agora, regrediram e dão ao mundo exemplos de intolerância e fanatismo.

Não há, pois, uma guerra de civilizações. Há um antagonismo entre o islão político, de contornos fascistas, e a democracia, uma luta entre a civilização e a barbárie, um conflito entre a fé e a liberdade. Louvado seja o livre-pensamento.

Publicado simultaneamente no «Ponte Europa»

5 de Março, 2006 Palmira Silva

IDiotia e terror no Kansas

Em Novembro escrevi um post que relatava como o presidente do Departamento de Estudos Religiosos da Universidade do Kansas (KU), Paul Mirecki, farto das IDiotias que assolam o estado, ofereceu uma disciplina com o título «Tópicos especiais em Religião: Desenho Inteligente, Criacionismo e outras Mitologias Religiosas».

A posição de Mirecki, e de muitos mais docentes da Universidade, é, como seria normal, que «O criacionismo é mitologia. O desenho inteligente é mitologia. Não é ciência. Eles tentam fazê-lo passar por ciência. Mas obviamente que não é».

Hoje recebi um mail de uma das minhas amigas americanas que foi à KU dar uma conferência e me pôs ao corrente dos desenvolvimentos da temerária acção de Mirecki.

Os fundamentalistas cristãos do Kansas não gostaram do novo curso proposto, que ofendia as suas crenças religiosas, nem da troca de mails de Mirecki com um grupo de estudantes fundamentalistas cristãos, alguns com uma linguagem um pouco mais arrojada, é um facto, nomeadamente o que referia que o curso seria «uma estalada» na «cara gorda dos fundamentalistas», mas eram mails privados. Tornados públicos por um conservador pelo menos igualmente … sem papas na língua, que costumava referir a na época primeira dama Hillary Clinton como… Hitlary!

Dois fanáticos cristãos resolveram mostrar a sua indignação em relação às ofensas à sua fé e crenças. Mirecki foi espancado em Dezembro, menos de um mês depois do anúncio da nova disciplina!

Uns dias depois, Mirecki foi forçado a demitir-se da sua posição embora a KU, afirme que a decisão, assim como o cancelamento do curso, foi «voluntária». Mirecki no entanto afirmou que «A Universidade penalizou-me e negou-me os meus direitos constiticionais de falar e expressar a minha opinião», afirmando ainda que a sua carreira foi arruinada pelos fundamentalistas cristãos.

Pelo que a minha amiga me contou parece que a Cleveland Indy Media Center só não acertou no ponto de interrogação quando descreveu o ocorrido num artigo intitulado «Terror fascista no Kansas

5 de Março, 2006 Palmira Silva

Um juíz «independente»

Um dos primeiros actos de Samuel Alito, o ultra-conservador católico recentemente confirmado para uma posição (vitalícia) no Supremo Tribunal norte-americano, foi enviar uma nota a James Clayton Dobson, o influente teocrata que fundou e dirige a organização fundamentalista Focus on the Family.

Na carta, Alito agradece a Dobson todo o apoio que este e a organização que dirige lhe prestaram e promete que «durante o tempo que estiver no Supremo Tribunal [isto é, até morrer] terei presente a confiança em mim depositada”.

A organização Americans United for Separation of Church and State, que considera que esta carta é mais uma prova que o mais recente Opus Dei no Supremo está no «bolso» dos teocratas, já protestou o respectivo teor.

«O Juíz Alito deveria seguir a Constituição e não as ordens de Dobson e dos teocratas» afirmou o Rev. Barry W. Lynn, o director executivo da Americans United. «Esta nota sugere fortemente que Alito tem uma agenda de extrema-direita em vez de ser um juíz para todos». «É obscenamente desadequada. Alito parece um candidato político numa volta vitoriosa em vez de um juíz justo e independente».

Infelizmente a confirmação de Alito para o Supremo era indicação evidente das objecções agora expressas. Os Estados Unidos estão em risco de se transformarem numa teocracia cristã

5 de Março, 2006 Palmira Silva

Docência e discriminação

A Universidade de Charleston, na Virginia, uma instituição privada não-religiosa, alterou os termos de um anúncio de recrutamento para um professor de ética, depois do primeiro anúncio que exigia um docente que «deve apresentar uma crença em Deus e apresentar valores éticos e morais com uma perspectiva centrada em Deus» ter sido considerado em violação do artigo VII do Civil Rights Act.

Ian Ayres, da Yale University Law School e perito em direitos civis, afirmou na terça-feira, um dia depois do dito anúncio ter aparecido, que o anúncio era discriminatório em termos de religião e como tal uma violação dos direitos civis de ateus, agnósticos e crentes em religiões ateístas (como o budismo), opinião corroborada por Erwin Chemerinsky, um professor de direito na Duke University, que afirma que a nova redacção de angariação de pessoal docente é mais segura em termos legais.

Claro que a necessidade de não discriminação com base na religião se aplica apenas a instituições não religiosas. As Universidades confessionais podem discriminar à vontade desde que as «regras» para a discriminação religiosa sejam públicas. E estas regras não implicam apenas que ateus e agnósticos sejam personas non gratas no campus

Por exemplo, no início do ano o Wheaton College em Illinois despediu um professor de Filosofia, Joshua Hochschild, depois de este se ter convertido ao catolicismo.

Nesta Universidade os docentes são obrigados a assinar uma declaração de fé que, de acordo com a «Missão» da instituição, é um sumário da doutrina bíblica em acordo com o cristianismo evangélico e enumera as crenças que todos os funcionários devem ter: o Antigo e Novo testamentos «são completamente verdadeiros e de autoridade suprema e final», o nascimento livre de pecado original de Jesus (a virgindade de Maria, não o dogma da Imaculada Concepção, um dogma católico) é inquestionável assim como a existência de Satanás, a criação por Deus de Adão e Eva e a dentadinha na maçã na base do pecado original e da «Queda», etc..

O despedimento de Hochschild, que se declarou disposto a seguir esta declaração de fé, baseou-se no facto de a sua conversão violar a crença de que apenas as escrituras ( e não a exegese destas debitada pelo Papa e pelo Vaticano, o cerne do catolicismo) definem os objectivos de Deus para a humanidade.

Hochschild dá agora aulas na Mount St. Mary’s University, uma Universidade católica em Maryland, onde a exegese de Roma é a norma a ser seguida…

De igual forma a Oklahoma Christian University requer que os seus empregados sigam uma declaração de fé que abrange não apenas crenças mas também condutas. Assim, docentes e não docentes devem usar não exactamente burkas mas quase e não podem ter sexo fora do casamento.

Os seus funcionários foram ainda notificados no início do ano que a Universidade pretende alterar a sua política de forma a poder ainda despedir quem se divorcie ou separe sem intenção de reconciliação…

4 de Março, 2006 Palmira Silva

Blair, Bush, Deus e o Iraque

O que têm em comum Tony Blair e George W. Bush? São ambos devotos cristãos renascidos, movidos para a vida política pela sua fé e que afirmam terem sido inspirados e apoiados por Deus na decisão pela invasão ilegal do Iraque.

De facto, já sabíamos que G. W. Bush justificou a guerra no Iraque por obediência a ordens divinas, expressas de viva voz, que lhe incumbiram a guerra ao «eixo do mal»: «Sou conduzido por uma missão de Deus. Deus disse-me ‘George vai e luta contra estes terroristas no Afeganistão’. E eu fui. E então Deus disse-me ‘George, vai e acaba com a tirania no Iraque’. E eu fui.»

Tony Blair foi mais discreto em relação à inspiração divina da sua decisão, por aconselhamento dos seus assessores, que o persuadiram, por exemplo, a não terminar a sua alocução ao país no seguimento da invasão do Iraque, em 20 de Março de 2003, com «Deus vos abençoe». Esses assessores, que Blair classificou de «um bando de ateístas», convenceram-no que não era uma boa ideia invocar Deus porque «estaria falando para muita gente que não quer padres a enfiarem-lhe coisas pela garganta abaixo». Mas afirmou ao então editor do The Times, Peter Stothard, em 2 de Abril de 2003 – o dia em que tropas norte-americanas mataram sete mulheres e crianças num checkpoint – que estava pronto para responder a Deus por «aqueles que morreram ou foram horrivelmente mutilados em consequência das minhas decisões».

Mas hoje no programa da TV1 com Michael Parkinson (partilhado com Andrea Bocelli, Christina Aguilera e Kevin Spacey) Blair confessou que essa decisão, como a maioria das suas decisões políticas, foi inspirada pela sua fé cristã.

Durante o programa, Blair confirmou ainda uma hipótese avançada por um dos seus biógrafos, de que foi levado para a política quando, durante a sua frequência da Universidade de Oxford, redescobriu a religião – cristã, claro, com algumas suspeitas de que Blair se tenha convertido ao catolicismo da sua esposa Cherie, o que talvez explique porque nomeou uma Opus Dei ministra da Educação.

Aparentemente nem os partidos da oposição nem os familiares dos soldados britânicos ficaram impressionados com a manifestação de fé do primeiro-ministro britânico

4 de Março, 2006 fburnay

Galileu e a Igreja (IV – fim)

Em 1621 morreu o cardeal Bellarmine, o papa Paulo V e o grão-duque da Toscânia, Cosimo II. Galileu havia perdido todos os seus principais apoiantes numa altura em que o poder da Igreja Católica recuperava. Antes de Gregório XV ser eleito papa Galileu publica “O Analisador” e durante o seu papado Galileu fortalece a sua amizade com os Barberini. Francesco Barberini havia sido doutorado em Pisa e o seu tio, o cardeal Maffeo Barberini, escreveu a Galileu elogiando-o. Quando Gregório XV morre Maffeo Barberini é eleito Urbano VIII e a dedicatória à família Barberini agradou ao papa. Isso certamente facilitou a possibilidade de seis audiências em Roma, onde Galileu recebeu algumas homenagens. Urbano VIII dá ainda autorização a Galileu de ensinar o Copernicanismo desde que não o defendesse, o que era ainda melhor que o anterior documento que certificava que Galileu não havia abjurado.

É então que Galileu se prepara para escrever uma das obras mais famosas da História da Ciência: “Diálogo sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo”. Nele, Galileu simula um diálogo entre os dois sistemas, copernicano e aristotélico, representados por duas personagens, Salviatti e Simplício, respectivamente. Uma terceira personagem, Sagredo, modera o diálogo de forma neutra mas aos poucos toma o partido de Salviatti. O censor de Roma aprova o livro tal como havia anteriormente aprovado “O Analisador” mas desta vez com uma advertência: Galileu deve incluir no texto uma notificação que adverte o leitor de que ele, Galileu, não apoiava o Copernicanismo. Essa notificação poderia ser alterada na forma mas não na substância. Galileu fê-lo, incluindo-o numa espécie de ex-libris, pela boca de Simplício. Os jesuítas agarraram a oportunidade pelos cabelos e fizeram ver a Urbano VIII que estava a ser insultado. Reuniram-se os eclesiásticos para avaliar a situação.

A acusação de Galileu começou por uma acusação de heresia, por ter publicado um livro (com a autorização de Roma, diga-se) em que ensinava o Copernicanismo. As provas? As minutas não assinadas na comissão com Bellarmine. Galileu foi chamado a Roma.

Para além de conhecer o perigo em que se encontrava, Galileu estava muito doente, com dores crónicas, e tentou adiar a ida a Roma tal como o fizera o seu amigo Sarpi. Tentou ainda impedir a distribuição do livro, tarde demais.

O julgamento iniciou-se em Abril de 1633, sem que a acusação conseguisse arranjar algo mais concreto do que o crime de escrever em italiano e não em latim. Galileu usou o documento que lhe havia sido dado por Bellarmine garantido a inexistência de abjuração. Mas a questão para os inquisidores era simples: uma falsa acusação de heresia era tão grave como uma heresia e a Inquisição não é herege, obviamente. Galileu tinha de confessar algo, nem que para isso fosse torturado. O próprio cardeal Barberini o advertiu desse facto. Galileu percebeu que não tinha saída e assinou a confissão.

«Eu juro que sempre acreditei, acredito agora, e com a ajuda de Deus irei no futuro acreditar em tudo aquilo que a Santa Igreja Católica e Apostólica sustiver, pregar e ensinar […] Eu abjuro de coração sincero e genuína fé, eu amaldiçoo e detesto os ditos erros e heresias, e de forma geral todo e qualquer erro e partido contrário à Santa Igreja Católica. E eu juro que no futuro não direi nem defenderei por palavra ou escrita tais coisas que possam trazer-me semelhante suspeita; e se conhecer algum herege, ou suspeito de heresia, que o denunciarei a este Santo Ofício, ou ao Inquisidor e Ordinário do local onde possa estar.»

Galileu foi condenado a uma prisão perpétua domiciliária por sete dos dez cardeais do tribunal. Um dos três que se recusaram a assinar a pena foi o cardeal Barberini.

Galileu Galilei viria a morrer em 1642 mas não sei antes publicar na clandestinidade a sua obra prima: “Discursos e Demonstrações Matemáticas Relativas a Duas Novas Ciências”. A sua influência na Europa viria a contribuir grandemente para a continuidade do desenvolvimento da Ciência agora estagnado, debaixo do peso da Igreja, na Itália onde o próprio Renascimento havia surgido.

4 de Março, 2006 Palmira Silva

Linda Smith: Deus, a maior piada

Morreu Linda Smith, uma das mais fabulosas comediantes britânicas, com um domínio extraordinário da língua inglesa e um humor espontâneo e inteligente, com que deliciava os seus ouvintes da BBC4 e tele espectadores dos vários programas que protagonizava.

Depois de duas décadas a partilhar com a sua audiência uma visão satírica da actualidade, não é de surpreender que nos seus últimos dias planeasse a expressão pública dos seus valores humanistas e ateístas de forma condigna. Assim, o adeus a Linda Smith será efectuado num funeral humanista.

Um serviço memorial será efectuado no dia seguinte ao funeral no teatro East London, e também para a semana realizar-se-à no Theatre Royal em Stratford, uma homenagem a Linda por colegas comediantes, de certa forma cumprindo uma aspiração da comediante, não concretizada em vida, a realização de um espectáculo que reunisse «pessoas que não fossem necessariamente a audiência humanista normal».

Esperemos que seja realizado em breve, e não apenas no Reino Unido, outro dos seus desejos, a separação efectiva da religião da esfera pública em geral e o fim do financiamento público de escolas confessionais em particular. Numa sociedade em que crescentemente a noção de Deus se revela se não absurda pelo menos irrelevante, como o é a britânica, não faz sentido a quantidade de dinheiro público que se desperdiça em escolas confessionais prosélitas, que não só promovem a segregação da sociedade desde tenra idade, como são elitistas no mau sentido, ou seja, recusam a entrada a crianças problemáticas!

4 de Março, 2006 lrodrigues

A noção do ridículo

A reunião da Câmara Municipal de Cascais do próximo dia 6 de Março de 2006 adivinha-se, sem dúvida, muito animada e educativa.
De facto, a ilustre vereadora com a responsabilidade do pelouro da cultura, Ana Clara Justino (independente eleita pelo PSD), resolveu proporcionar ao executivo municipal uma lição sobre a Páscoa.

E já fez o trabalho de casa e tudo:
De acordo com a «Informação à Câmara» que já fez distribuir, a piedosa vereadora ensina-nos que «o cordeiro, a cruz, o pão e o vinho» são os símbolos que identificamos com a Páscoa.

E a lição continua:
«O cordeiro simboliza Cristo, sacrificado em prol do seu rebanho, a cruz mistifica todo o significado da Páscoa na ressurreição e no sofrimento de Cristo. O pão e o vinho oferecido aos seus discípulos, simbolizam a vida eterna, o corpo e o sangue de Jesus. Mas se perguntarmos a uma criança qual o símbolo que para ela mais se associa à Páscoa, facilmente adivinhamos a resposta: o ovo!»

E depois lá continua a dissertação, desta vez sobre os ovos na antiguidade, como podemos observar na imagem à direita.

(Clicar sobre a imagem para a ampliar, e de seguida sobre o ícone que aparecer no canto inferior direito).

Talvez não tenha ocorrido à senhora vereadora (isso teria sido para ela um ovo de Colombo) que o Estado português é laico por imposição constitucional.

A senhora vereadora esqueceu-se certamente que o cordeiro que ela toma como Deus ensinou há já dois milénios ao rebanho de que ela faz parte que «a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus».

E talvez a senhora vereadora não saiba que não lhe pagam um salário ao fim do mês, nem senhas de presença nas reuniões do executivo, nem lhe dão carro e motorista às ordens, para andar a espalhar a fé cristã pelo concelho.
Nem tem de andar a esbanjar os recursos financeiros da autarquia a evangelizar o munícipes.

Mas pior do que tudo, a senhora vereadora sabe muito bem que as crianças do concelho de Cascais não lhe fizeram mal nenhum, e não têm que ser martirizadas e sujeitas à tortura de ensinamentos iconoclastas e medievais, infligidas pelo próprio executivo da Câmara Municipal, que deveria ser o primeiro a respeitar o laicismo do Estado.

Mas, no fim, se virmos bem, há ainda outra coisa que falta à senhora vereadora:
A noção do ridículo!

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

3 de Março, 2006 Ricardo Alves

O mundo das religiões (3/3/2006)

  1. Na Grécia, um dos países mais clericais da União Europeia, é finalmente possível optar pela cremação de um cadáver. No entanto, devido a um compromisso com a Igreja Ortodoxa Grega, cujo «papel predominante» é reconhecido constitucionalmente, apenas os cidadãos gregos não ortodoxos poderão ser cremados.
  2. O Tribunal Supremo do Canadá decidiu que foi uma infracção da liberdade religiosa não permitir que um estudante sikh frequentasse as aulas armado de um punhal cerimonial. No entanto, os estudantes sikhs serão obrigados, futuramente, a transportar apenas punhais pequenos para a escola, a mantê-los embainhados e a não os experimentarem nos colegas.
  3. Uma estudante russa e o seu pai decidiram processar o Governo por não ensinar o criacionismo a par da teoria da evolução. Numa convergência ecuménica enternecedora, o processo judicial será apoiado pela Igreja Ortodoxa Russa em conjunto com as comunidades muçulmana e judaica. Porém, nada foi dito sobre a defesa do ensino da ressurreição a par da segunda lei da termodinâmica ou sobre o ensino do geocentrismo a par do heliocentrismo.
2 de Março, 2006 Ricardo Alves

Manifesto dos 12 (agora em Português)

«Depois de ter vencido o Fascismo, o Nazismo e o Estalinismo, o mundo enfrenta agora uma nova ameaça totalitária global: o Islamismo.

Nós, escritores, jornalistas, intelectuais, vimos aqui apelar à resistência ao totalitarismo religioso, bem como à promoção da liberdade, da igualdade de oportunidades e dos valores laicos para todos.

Os eventos que ocorreram recentemente, depois da publicação das caricaturas de Maomé em jornais europeus, tornaram evidente a necessidade de um combate em prol destes valores universais. Trata-se de um confronto a travar no campo ideológico e que nunca poderá ser ganho pelas armas. Aquilo a que estamos presentemente a assistir não constitui um conflito de civilizações, nem um antagonismo Este-Oeste, mas antes uma luta global entre democratas e teocratas.

Como todos os totalitarismos, o Islamismo estabelece-se sobre medos e frustrações. Os pregadores do ódio apostam nesses sentimentos para formar batalhões destinados a impor um mundo de opressão e desigualdades. Contudo, nós afirmamos clara e firmemente: não existe nada, nem mesmo o desespero, que possa justificar a escolha do obscurantismo, do totalitarismo e do ódio. O Islamismo é uma ideologia reaccionária que aniquila a igualdade, a liberdade e a laicidade sempre que as encontra. O seu êxito só pode conduzir a um mundo de dominação: dominação do homem sobre a mulher, dominação dos islamistas sobre os demais. Para nos opormos a este processo, temos que assegurar direitos universais a todos os povos discriminados ou oprimidos.

Rejeitamos o «relativismo cultural», que consiste em aceitar que homens e mulheres de cultura muçulmana devem ser privados do direito à igualdade, à liberdade e aos valores laicos em nome do respeito pelas culturas e tradições.

Recusamo-nos a renunciar ao espírito crítico por receio da acusação de “islamofobia”, um conceito infeliz que confunde a crítica do Islão enquanto religião com a estigmatização dos seus crentes.

Pugnamos pela universalidade da liberdade de expressão, para que o espírito crítico se possa exercer em todos os continentes, contra todos os abusos e todos os dogmas.

Apelamos a todos os democratas e espíritos livres de todos os países para que o nosso século venha a ser um tempo de Iluminismo e não de obscurantismo

Ayaan Hirsi Ali, Chahla Chafiq, Caroline Fourest, Bernard-Henri Lévy, Irshad Manji, Mehdi Mozaffari, Maryam Namazie, Taslima Nasreen, Salman Rushdie, Antoine Sfeir, Philippe Val, Ibn Warraq.

(Tradução de Luis Mateus – Associação República e Laicidade.)