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14 de Março, 2006 Carlos Esperança

A Cúria Romana pode abandonar o Vaticano

«Bento XVI afirmou que a África deve ser uma prioridade para a Igreja Católica.

Num encontro de oração com jovens universitários da Europa e do continente africano, que decorreu no último sábado, o Papa sublinhou a necessidade de impulsionar o humanismo cristão como via de cooperação entre o continente europeu e o africano» – afirma a Agência Ecclesia, órgão oficial da seita.

Há grande euforia nos meios ateístas europeus, com a possibilidade de a Cúria Romana se transferir para o Burkina Faso, um país da região do Sahel, para contrariar aí a influência do islão telecomandado da Arábia Saudita.

Se a auspiciosa previsão se confirmar, a Bielorússia ficará como a derradeira ditadura do espaço europeu
14 de Março, 2006 Palmira Silva

Cristanianismo vs islamismo

Não é apenas o Vaticano que explora os medos da modernidade despoletados pelo terrorismo islâmico para passar a mensagem que apenas o fundamentalismo cristão pode derrotar a ameaça do fundamentalismo islâmico.

Depois de Ratzinger, que expressou repetidamente as suas preocupações sobre o futuro de uma Europa sob a ameaça da laicidade e do Islão, em que a primeira, ou seja, a exclusão de Deus da vida pública, impede a única resposta que dará conta da ameaça islâmica, a assunção inequívoca e firme da superioridade do cristianismo é a vez dos dignitários anglicanos usarem o terrorismo islâmico como forma de coacção psicológica para angariar clientela!

No passado domingo os membros da congregação da Catedral de Lincoln foram avisados por um dos seus responsáveis, Alan Nugent, que, a não ser que os ingleses (assumidos pelo dignitário como cristãos por omissão) levem a sua fé a sério, a Inglaterra tornar-se-á a breve trecho uma nação islâmica.

Para Nugent é significativo que, embora menos difundido pelos media, nas manifestações integrantes da guerra dos cartoons, para além dos posters «brutais e violentos», esses sim muito reproduzidos na imprensa, muitos posters dos manifestantes avisavam que em breve a Inglaterra seria uma nação islâmica. «Não há dúvida que o Islão é uma fé missionária e a conversão de incréus um factor decisivo na sua difusão. Não é assim surpreendente que muitos muçulmanos possam ter a esperança que este país se converta à fé do profeta- especialmente quando encontram frequentemente uma fé cristã que é incerta e em declínio».

Não é muito difícil prever que esta será uma tecla muito utilizada no futuro próximo por parte de todas as confissões cristãs, a necessidade de combater fogo com fogo, isto é, combater o fundamentalismo islâmico com fundamentalismo cristão. Face aos prevísiveis ataques aos valores em que assenta a nossa civilização por parte das religiões, cristã e islâmica, é necessário que todos os que não querem regressar ao obscurantismo das Cruzadas afirmem a laicidade e a defesa dos direitos humanos consagrados como a única forma de ultrapassar a actual crise!

14 de Março, 2006 Palmira Silva

Uma entrevista com Daniel Dennett

O autor de «Breaking the Spell: Religion as a Natural Phenomenon», o livro que tenta explicar o como e o porquê de os homens terem inventado os deuses e um dos proponentes do termo «bright» para designar livre-pensadores em geral foi entrevistado pelo Guardian.

Vale a pena ler a entrevista (e esta outra) em que o cientista, que colaborou com Dawkins na extensão para o pensamento do mecanismo dos genes egoístas ou memes, compara neste seu novo livro a religião a um pequeno parasita, o verme Dicrocoelium dendriticum (lancet fluke), «um pequeno verme cerebral» que altera o comportamento de formigas de forma a ser engolido por uma ovelha ou vaca para se poder reproduzir nas entranhas destes animais. Dennett afirma que «memes são ideias contagiosas. Elas alastram de pessoa para pessoa. Há milhões de pessoas neste mundo que vivem de propagar memes. Todos os que trabalham em publicidade, todos em relações públicas e todos em religião».

Acusado pelos seus detractores de ser um «fundamentalista de Darwin», no sentido em que acredita que não existe uma área da vida que não possa ser passível de explicação em termos de selecção natural ( eu acrescentaria também deriva genética para dar conta de bizarrias nas mitologias religiosas de algumas comunidades isoladas), um rótulo que aceita alegremente, Dennett devotou a sua vida a mostrar como os ideais que consideramos mais sagrados, autodeterminação, individualismo, justiça, a alma, tudo o que se refere ao «Eu» pode (e deve) ser explicado em termos de preservação genética.

Eu não poderia estar mais de acordo com Dennett! Especialmente com a sua acepção que o mundo do futuro vai estar polarizado entre racionalidade e irracionalidade, isto é, crença.

13 de Março, 2006 Carlos Esperança

Afinal fala

Quaresma para escutar Jesus

«Escutar Cristo e obedecer à sua voz: este é o único caminho que leva à plenitude da alegria e do amor» – disse B16.

Afinal ele fala. Só lhe falta aprender a escrever.

12 de Março, 2006 Palmira Silva

Sodomized Religious Virgin Exception

A existência de mais um Opus Dei no Supremo Tribunal norte-americano, especialmente um que já demonstrou qual é a sua real agenda, deu alento aos teocratas que veêm no actual orgão máximo da justiça neste país apoiantes da sua aspiração de transformar os Estados Unidos numa teocracia cristã.

Um dos primeiros passos, de acordo com a misoginia e execração do sexo característicos do cristianismo, foi dado no South Dakota onde o governador Michael Rounds assinou no início da semana uma lei que criminaliza o aborto excepto no caso de perigo de morte da gestante.

Os esforços para que tal aconteça em mais estados da Bible Belt, nomeadamente no Ohio, Georgia e Tennessee, que assistem há meses aos esforços dos denodados fundamentalistas em levar às respectivas Câmaras de Representantes leis similares, redobraram desde que a lei no South Dakota passou e agora foi assinada pelo Governador. No Mississippi, a criminalização do aborto com excepção de violação, incesto e a saúde da gestante foi aprovada a semana passada. No Missouri foi proposta legislação em tudo análoga à do South Dakota.

Quais as motivações dos devotos cristãos, autênticos cruzados por óvulos e espermatozóides, que não têm rigorosamente nada a ver com uma pretensa «defesa intransigente da vida», é óbvio da explicação do Senador Bill Napoli, republicano (claro) do South Dakota, sobre as condições em que ele consideraria ser aceitável uma mulher abortar. Vale a pena ver e ouvir a entrevista em que o piedoso senador explica em que condições abre uma excepção, conhecida como a «Sodomized Religious Virgin Exception» por toda a blogoesfera americana. Transcrevo na íntegra para apreciação dos nossos leitores, sem me atrever a traduzir, esta pérola de raciocínio cristão, que mostra claramente que o objectivo dos teocratas nem remotamente tem a ver com protecção de óvulos e espermatozóides mas sim com a punição de mulheres que consentiram ter sexo -e, quiçá, horror dos horrores, até gostaram!

«A real-life description to me would be a rape victim, brutally raped, savaged. The girl was a virgin. She was religious. She planned on saving her virginity until she was married. She was brutalized and raped, sodomized as bad as you can possibly make it, and is impregnated. I mean, that girl could be so messed up, physically and psychologically, that carrying that child could very well threaten her life.»

Fico na dúvida se uma virgem ateia que seja brutalmente violada, sodomizada tão violentamente quanto possível constitui uma excepção para tão cristão político. Ou se tal como uma não virgem estava a «pedi-las» e em consequência merece ser punida com uma gravidez indesejada…

Como Napoli explica, o ideal cristão que defende é um regresso aos casamentos «Wild West» da sua infância em que nenhum casal se atrevia a sexo pre-marital sem que «the whole darn neighborhood» os obrigasse a um casamento, a tiro de bala se necessário. «You just didn’t allow that sort of thing» – sexo fora do casamento sem a devida punição pela comunidade – «to happen…And I happen to believe that can happen again. I don’t think we’re so far beyond that that we can’t go back to that».

Eu pessoalmente há muito que temo que esse retrocesso não só seja possível como esteja cada vez mais próximo. Desde que Roberts foi confirmado no Supremo!

12 de Março, 2006 Palmira Silva

Uma campanha politicamente incorrecta

Um grupo de pastores e paroquianos deu início a uma campanha de angariação de fundos para salvar a respectiva igreja, a Martin Luther Memorial Church em Berlim. O que torna desconfortável o aparentemente inócuo e louvável propósito deste grupo de cristãos é ser esta a última igreja nazi em terreno alemão. De facto, esta igreja, com uma imagem de um soldado nazi esculpida no púlpito, lado a lado com o mítico Cristo, representado como um ariano musculado e vitorioso, embaraça as autoridades políticas e eclesiásticas desde o fim da segunda guerra e certamente muitos dignitários prefeririam que a colaboração intíma entre a religião cristã e o regime nazi fosse esquecida.

Felizmente nem todos os cristãos acreditam que varrer da História esta colaboração é a melhor solução. «De alguma forma devemos arranjar uma maneira de preservar o edifício, preservando o seu interior como um aviso mas também complementá-la com um centro de documentação explicando a história complicada da Igreja no Terceiro Reich,» é a opinião de Isolde Boehm, um dos responsáveis da igreja, transmitida ao Times of London.

As suásticas, ilegais desde o fim da guerra, que anteriormente ornavam profusamente as paredes foram removidas e um busto de Hitler na nave substituído por um de Lutero mas a igreja ainda exibe um candeeiro em forma de uma cruz de ferro, o orgão que foi utilizado para colocar os participantes de uma sortida anti-semita em Nuremberga na sua melhor disposição cristã, para além das esculturas de soldados nazis. O exterior da igreja foi desenhado no estilo Bauhaus em 1929, um pouco antes da chegada ao poder dos nazis. O interior da igreja é o problema com iconografia nazi gravada em cada nicho. Como afirma Ilse Klein, uma historiadora que é conselheira da paróquia, «Não existe outra Igreja na Alemanha tão obviamente desenhada ao estilo fascista».

E se não há problemas em preservar e utilizar outros edifícios com traças igualmente denunciadoras, por exemplo a final do Mundial este ano será disputada no estádio olímpico de Berlim, desenhado para os Jogos Olímpicos de 1936, o problema é que muitos cristãos prefeririam não serem lembrados da estreita colaboração do cristianismo com o nazismo. Aliás, como as nossas caixas de comentários indicam, a maioria recusa-se sequer a admitir essa colaboração, preferindo o muito mais confortável e confortante (para eles, claro) revisionismo histórico cristão que inscreve os crimes do nazismo nos hipotéticos crimes do ateísmo.

11 de Março, 2006 pfontela

Da necessidade de não definir

Estava a ler o livro “O Ocidente Dividido” de Jurgen Habermas quando dei com este pedaço de texto na transcrição de uma entrevista que lhe fizeram em 2004:

«O adjectivo fundamentalista tem uma conotação pejorativa. Com ele designamos uma mentalidade que se empenha em impor politicamente as suas próprias convicções e razões, mesmo quando estas são tudo menos universalmente aceites. Isto é valido especialmente no caso dos dogmas religiosos.»

Até aqui nenhum choque, a definição parece-me correcta de todos os pontos vista e além disso é clara e concisa. Mas há mais a dizer sobre o tema, como por exemplo a relação entre ortodoxia e fundamentalismo:

«Claro, não devemos confundir o dogmatismo e a ortodoxia com o fundamentalismo. […] Uma ortodoxia só se torna fundamentalista quando os representantes e defensores da verdadeira fé ignoram a situação epistémica de uma sociedade pluralista no que diz respeito às cosmovisões e insistem (até com recurso à violência) na imposição política e no carácter universalmente vinculador da sua doutrina.»

É óbvio a qualquer observador que a moral católica está longe de ser universal ou consensual já que se mesmo da Igreja não conseguem obter um consenso quanto mais fora dela. Quanto ao pluralismo a situação é ainda mais clara: pluralismo é algo que a ICAR abomina já que enquanto representante da única verdade tudo o resto são erros e mentiras que têm que ser combatidas, aliás responsabilizam a diversidade de opiniões e culturas no Ocidente cosmopolita como um factor de decadência.

Ora com estes pontos assentes podemos facilmente concluir que de facto a ICAR se trata de uma organização fundamentalista, já que no seu discurso público continua não apenas a defender que são detentores da Verdade (como é de esperar de qualquer religião) mas vão mais longe ao exigir aos governantes seculares o regresso aos míticos códigos católicos e ao exortar os seus seguidores a impor leis que promulguem essa visão. Isto é fundamentalismo puro e duro, a única diferença entre a ICAR e os islamitas é que o Vaticano não rapta pessoas para fazer chantagem com governos – pelo menos não abertamente… ainda está por apurar a totalidade de responsabilidade da Igreja no caso Ambrosiano que acabou em várias mortes no mínimo suspeitas.

A única garantia que temos contra tais atitudes potencialmente totalitárias é a construção, manutenção e valorização de um espaço público secular. E esse espaço público tem que necessariamente incluir a vida política já que não podemos esperar ter margem de liberdade pessoal se os legisladores não se comprometem com o ideal de neutralidade confessional que a sua posição exige. Em causa não estão as escolhas pessoais dos políticos ou detentores de cargos públicos, porque eles, como todos os cidadãos, têm o direito de as ter mas sim o reconhecimento de que a sua crença (em algo absoluto) é relativa dentro do espaço público e está em pé de igualdade para coexistir com outras sem que deva ser criada qualquer tipo de coerção para a impôr – coerção regra geral implantada pela “porta do cavalo” através de leis e medidas governamentais que de neutras nada possuem.

Por estas razões estou plenamente convencido que o projecto de civilização que Roma propõe além de ser totalmente anacrónico (digno da era pré-moderna) é profundamente subversivo para o bom funcionamento do tecido social, cultural e político de qualquer nação (ou conjunto de nações) civilizada já que ataca a raiz daquilo que mais valorizamos: a liberdade de opinião e escolha que só um espaço público laicizado torna possível.

Nota: o texto em itálico, que é parte de uma entrevista muito maior, pode ser lido na integra em: J. Harbermas; “El Occidente Escindido, Pequeños escritos políticos” ou no original: “Der gespaltene Westen. Kleine Politische Schriften”

11 de Março, 2006 Palmira Silva

Fundamentalismo cristão em Inglaterra

Num país em que escolas públicas confessionais são uma realidade não é de estranhar que grassem fundamentalismos sortidos. De facto, a estrita separação da res pública e da religião é condição sine qua non para o combate à praga anacrónica do século XXI, o terrorismo religioso.

De Inglaterra chegam-nos notícias que confirmam não ser apenas o fundamentalismo (e concumitante terrorismo) assente no Corão que importa combater, o fundamentalismo cristão, de forma menos mediática e violenta, é uma ameaça para a paz e para a democracia que não se pode descurar.

Uma dessas notícias é para mim extremamente preocupante e tem a ver com a introdução subreptícia do criacionismo nos curricula de ciências britânicos. Assim, a OCR admitiu que o novo curriculum de um curso de biologia a ser introduzido em Setembro encoraja as escolas a apresentar versões alternativas, incluindo criacionismo e desenho inteligente, à teoria da evolução para, supostamente, indicar aos alunos que há controvérsia «científica» sobre o tema (o que não é verdade, há discussão sobre os mecanismos operantes na evolução mas não há quaisquer controvérsias sobre a evolução de per se).

Como afirmou James Williams, da Universidade de Sussex «Isto abre uma porta legítima para a inclusão do criacionismo ou do desenho inteligente nas aulas de ciências como se fossem teorias legítimas a par do facto da evolução e das teorias [que a explicam]». Continuando, «Acho bem que teorias religiosas [criacionismo e desenho inteligente] sejam consideradas em educação religiosa mas não em ciência, onde considerá-las pode conduzir a uma falsa confirmação do seu estatuto como iguais a teorias científicas».

Outra notícia preocupante tem a ver com a campanha de ódio movida contra uma enfermeira galardoada esta semana com o título «Enfermeira do Ano» pelo ministério da Saúde britânico, pelo seu trabalho em saúde reprodutiva, nomeadamente no auxílio psicológico que presta a mulheres na fase pós-aborto. A organização UK LifeLeague, muito activa igualmente contra a transmissão pela BBC do espectáculo de Jerry Springer, apelou ao uso de tácticas terroristas semelhantes às que usou contra o director da BBC. Assim, publicou um press release divulgando o número de telefone e morada da enfermeira (como já tinha feito em relação a Mark Thompson, director da BBC) e pediu aos fundamentalistas cristãos que a contactem em casa e a façam sentir que «o único prémio que merece é prisão perpétua».

A UK LifeLeague foi fundada em 1999 e, como é declarado na sua página de entrada, «acredita que o debate e argumentação não conseguirão os resultados necessários [proibir o aborto]». Como tal, e na linha totalitária expectável de qualquer religião, considera perfeitamente legítimo impôr os seus dogmas religiosos por outras formas de acção, nomeadamente campanhas de ódio como as que tem promovido. Nos Estados Unidos, onde movimentos como a LifeLeague são em muito maior número e existem há mais anos, alguns paladinos de óvulos e espermatozóides levaram essas campanhas a extremos de violência contra os que acreditam no direito à escolha que incluíram o assassínio de vários médicos e o ataque bombista de clínicas. Tudo em nome da defesa intransigente da vida…