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12 de Abril, 2006 Carlos Esperança

Um morto provisório

Reza a Bíblia (NT), o livro mais vendido e menos lido do mundo, que jaz nas gavetas dos hotéis de luxo ou serve de cunha, em casa pobres, a mesas com uma perna manca, que Jesus foi sepultado na noite de sexta-feira. Quanto ao ano é grande a confusão.

Soldados romanos montaram guarda ao túmulo por ordem de Pilatos, um sujeito que aparece no Credo tão a despropósito como viola em enterro. Para reforço, juntaram-se aos soldados outros homens com receio de que os discípulos roubassem o morto, numa época em que os cadáveres nem para as aulas de anatomia tinham préstimo.

Maria Madalena, com a saudade que se adivinha, e a mãe do defunto JC deambulavam por ali e encontraram a pedra do sepulcro levantada.

Esqueçamos as coincidências de a mãe e a nora não reconhecida andarem juntas, dar-lhes na veneta de rumarem ao sepulcro onde viram a pedra levantada e, logo, um anjo que por ali andava – a gripe das aves ainda não existia e tal espécie era frequente -, lhes ter anunciado a ressurreição de Cristo.

A mãe de Jesus estava familiarizada com tal fauna, por serem vulgares os bandos de anjos, naquele tempo, ou pela experiência adquirida com um tal Gabriel que a preveniu da gravidez daquele filho que estivera provisoriamente morto.

Jesus era entendido em milagres, dado a parábolas e danado para pregar partidas. Pedro e João, avisados pelas duas Marias, foram ao sepulcro e acharam-no vazio. Já o morto andava a fazer aparições e, para chatear o Tomé, que era um discípulo com algum tino, apareceu-lhe e convidou-o a tocar com o dedo nas chagas que tinha no flanco e nos pés.

Dessas chagas se havia de livrar para não contaminar o Céu com bactérias.

No fim de quarenta dias Jesus fez um número especial para os discípulos. Subiu ao Céu, na sua presença, sendo os Evangelhos omissos se os olhos dos devotos alcançaram tão longe ou foram vendo, apenas, o Mestre a desaparecer.

12 de Abril, 2006 Palmira Silva

Talibans madeirenses ganham

A Creatives RAM, a organização que preparou o «Madeira Paradise Dance Tour 2006» anunciou que «O Madeira Paradise, terá início na noite de sábado de Aleluia».

O evento que, como explica a referida organização «foi marcado e planeado com sete meses de antecedência com empresas nacionais e estrangeiras» e pretendia levar à Região «os melhores DJ´S do mundo», foi adiado devido à pressão e ameaça de boicote dos talibans locais, isto é, o bispo do Funchal e seus acólitos, que não admitem que alguém não siga os seus ditames e rituais macabros, nomeadamente divertindo-se na noite em que todos, crentes e não crentes, se deviam prostrar em respeito pela suposta morte do mitológico Cristo.

Especialmente uma diversão envolvendo a famigerada música rock condenada por Ratzinger como sendo um «contra-culto que se opõe ao culto cristão»!

Apenas mais uma amostra do totalitarismo, intolerância e fundamentalismo de uma Igreja que ainda na segunda-feira na nossa televisão pública foi elogiada pela sua «tolerância». Uma amostra que prenuncia a «guerra» terrorista que se avizinha quando os poderes públicos começarem finalmente a tratar os temas que a Igreja Católica considera serem da sua competência e sobre os quais se acha no direito de impôr a todos a sua posição neolítica!

11 de Abril, 2006 Carlos Esperança

Depois de Maomé…o Papa


A Conferencia Episcopal Alemã (CEA) pediu a intervenção dos organismos que controlam a televisão e a Comissão de Protecção da Juventude para analisarem o conteúdo de um anúncio da MTV (na imagem), por entender que caricatura o Papa.

Segundo o comunicado da CEA o anúncio do canal televisivo musical contém elementos que «ridicularizam a fé cristã» e vai recorrer para o Conselho Alemão de Publicidade.

Os mullahs indignaram-se contra as caricaturas de Maomé. Os bispos insurgem-se contra a caricatura do Papa. Enfim, a liberdade de expressão colide sempre com as idiossincrasias eclesiásticas.

11 de Abril, 2006 pfontela

Os teocratas que não sabiam contabilidade

Uma das principais (senão a principal) organizações do lobby conservador na América está em graves apuros financeiros. Ao longo dos anos a “Christian Coalition” tem vindo a acumular dívidas significativas (que actualmente ultrapassam os 2 milhões de dólares) e a perder membros que sentem que com um governo conservador a organização não faz sentido ou que deixou de ter credibilidade devido aos muitos escândalos em que está envolvida.

O primeiro golpe foi dado quando a reputação dos dois fundadores (Ralph Reed e Pat Robertson) foi para o caixote, o primeiro porque tem ligações altamente suspeitosas com o corrupto mais famoso dos Estados Unidos, Jack Abramoff (entre outros comportamentos menos éticos ao longo da carreira…) e o segundo porque é um bacoco que diz asneiras a mais até para qualquer cristão ultra-conservador (literalmente destruiu a sua reputação dando entrevistas que fazem Torquemada parecer um rapazito simpático).

Para continuar a litania das desgraças existem acusações de nepotismo dirigidas à nova presidente, que curiosamente contratou a sua filha e o seu genro para trabalharem lá com direito a generosos salários… eu pensaria que a gratificação de servir o Senhor seria suficiente, mas aparentemente não é…

Isto por sua vez só veio ser agravado quando Tracy E. Ammons (o genro que era professor e que recebeu a promoção milionária) pediu um divórcio e resolveu pôr a boca no trombone. Ammons acusou claramente a organização de ter má fé nas suas relações comerciais, afirmando que era prática comum esperar até serem processados até saldar as dívidas.

A actual administração da Christian Coalition continua com muita fé [lol – é caso para rir] em que a organização se irá manter de pé mesmo depois de ter sido desmascarada como um poço de interesses sórdidos misturados q.b. com casos de demência religiosa (que bordam o patológico). Não faço previsões quanto ao futuro destes senhores mas acredito que até se safem de tudo isto já que enquanto existirem pessoas que acreditem neles cegamente, que se recusem a enfrentar os factos e se limitem a seguir em vez de pensar por si próprios (em resumo: que continuem a rever-se numa mentalidade de manada) haverá sempre um futuro dourado para demagogos, hipócritas e fanáticos de todas as espécies.

11 de Abril, 2006 Ricardo Alves

Civilizacionistas pseudo-laicos contra clericais

A emissão de ontem do programa popularmente conhecido como «Prós e Prós» foi menos desequilibrada do que eu esperava. Fátima Bonifácio e António Barreto (duas escolhas surpreendentes para representar a perspectiva laica…) estiveram razoavelmente bem, embora Bonifácio seja mais conservadora do que a generalidade dos laicistas quanto ao casamento entre homossexuais, e Barreto tenha evitado deliberadamente discutir a interrupção voluntária de gravidez. Quanto ao público, é francamente escandaloso que tenha sido escolhida «uma chusma de “Morangos com Açúcar”, a tresandar a colégio com nome de santo» para servir de claque ao Talibã das Neves, e que não tenham sido convidados ateus e agnósticos para o público, ao contrário do que acontecera em ocasiões anteriores.

Nestas condições, o cardeal Saraiva conseguiu difundir a mentira habitual segundo a qual o tratado constitucional europeu «ofendeu» de alguma forma os católicos por o Preâmbulo não conter uma referência ao cristianismo, sem que nenhum dos «laicos» lhe recordasse que a ICAR, ao garantir um direito de consulta institucional através do artigo I-52º, conseguiu uma vitória tal que em França os bispos até apelaram ao «sim» no referendo, e que em Portugal Policarpo se preparava para fazer o mesmo.

Saraiva foi também espalhando números fantasiosos sobre os muçulmanos residentes na Europa (os 35 milhões que referiu são um exagero enorme, mesmo contando com os habitantes de Istambul) e apelando implicitamente a uma «Cruzada» contra o Islão, a única religião que segundo os participantes do programa de ontem tem «fundamentalistas». Aliás, Bonifácio convergiu com Saraiva na preocupação quanto à destruição da «identidade cultural» europeia, o que é paradoxal quando se considera que Fátima Bonifácio foi impecável na defesa da liberdade individual como fundamento da nossa polis (e assim encostou César das Neves à parede de forma exemplar), liberdade individual essa que, cara senhora, acarreta o direito de abandonar a «identidade cultural» e de não ser oprimido por esta. Implica o direito de ter filhos quando se quer ou mesmo de não os ter, mas também pode resultar numa Europa que não seja branca nem cristã, o que não compreendo que a incomode se defende efectivamente a herança iluminista.

César das Neves atreveu-se a dizer que os conflitos religiosos em Portugal foram curtos, sem que ninguém lhe tivesse recordado que cristãos e muçulmanos estiveram em guerra no nosso território de 711 a 1249; que em 1496 os judeus foram convertidos à força e em 1506 massacrados no pogrom de Lisboa; que a Inquisição se estabeleceu em 1536 e durou até 1821; que em 1846 ainda se perseguiram protestantes na Madeira; e que as minorias religiosas só começaram a sair da clandestinidade em 1911, com a República.

Rendo no entanto a minha homenagem a César das Neves, que tentou explicar que a verdadeira clivagem se nota nas questões de família, e é entre laicistas e clericais (sendo estes muçulmanos ou católicos), ao contrário do que pensam Bonifácio e Barreto, que me pareceram excessivamente obcecados com a sua «guerra civilizacional». E quero destacar a intervenção de um jovem católico que se mostrou pronto para ser terrorista (e consequentemente matar milhares de pessoas) se o proibissem de usar um penduricalho que trazia ao peito. Esse jovem mostrou a quem quiser ver qual é raiz de acontecimentos como o 11 de Setembro: a imunidade ética que a religião confere aos crentes.
10 de Abril, 2006 Carlos Esperança

Igreja não quer festival de dança na Madeira

O senhor Teodoro de Faria, bispo do Funchal e luminar da fé, tornou-se mais pio e sorumbático quando o seu antigo secretário particular, padre Frederico, foi condenado por assassínio e envolvido em crimes de pedofilia.

Deixou de gostar de festas sem missa, eucaristia e orações. A música profana alterara as hormonas e conduz ao pecado.

Assim, um evento musical, programado para a próxima sexta-feira, mereceu do prelado severa advertência na homilia da Eucaristia de Domingo de Ramos: «Falta de respeito aos símbolos ofende aqueles que têm fé» – disse o casto bispo que odeia as tentações da carne.

Depois da indignação do prelado contra a realização do «Madeira Paradise Dance Tour 2006», os padres e leigos do costume subscreveram um documento contra a realização do evento, publicado pelo Diário de Notícias do Funchal – lê-se no J. N..

O Correio da Manhã refere-se à polémica: «farra coincide com Sexta-feira Santa».

Como todos os dias são santos, deviam ser proscritas as festas profanas. A Madeira está ameaçada por sustenidos e bemóis. A Igreja católica anda atormentada por fusas, breves e colcheias. Os decibéis podem atrasar a ressurreição do Deus que, todos os anos, faz de morto durante três dias.

Não se sabe ainda como vai terminar o confronto numa terra tão piedosa, onde as freiras libertaram a casa do padre Frederico do material pornográfico, enquanto este era ouvido na judiciária.

Isto é uma luta entre o Bem e o Mal. Na Madeira o Bem é o que o bispo quiser.

10 de Abril, 2006 Ricardo Alves

Eu concordo com o arcebispo

Lawrence Saldanha, arcebispo católico de Lahore, lidera a campanha pela abolição do delito de blasfémia no Paquistão. O arcebispo, que preside também à Conferência Episcopal católica do Paquistão, defende a revogação dos preceitos B e C do artigo 295º do Código Penal paquistanês, que criminalizam a crítica do Corão e de Maomé, respectivamente.

Em 2005, registaram-se 54 condenações por delito de blasfémia no Paquistão, uma acusação que, de tão vulgarizada mas simultaneamente tão eficaz, é frequentemente usada para ajustes de contas pessoais que podem nada ter que ver com religião.

O arcebispo católico afirma que a existência legal do delito de blasfémia é uma causa directa de violência inter-religiosa e um pretexto para a perseguição de minorias religiosas. Eu concordo com ele, e lamento que o português José Policarpo não aprenda com exemplos destes que apenas a liberdade de expressão garante a liberdade religiosa de todos, no Paquistão ou em Portugal, quer os católicos sejam minoritários ou quer sejam maioritários.
9 de Abril, 2006 Carlos Esperança

A ressurreição de Jesus

Três dias após a crucificação, com as mãos doridas dos pregos e a cabeça picada de espinhos, Jesus, farto de ser cadáver, escapou-se do Santo Sepulcro.

Era um miserável T-0, destinado ao culto e ao óbolo dos crentes, onde carpia saudades de Maria de Magdala, cujos afagos lhe alteravam as hormonas e os fluidos.

Jesus pensou então, em seu pensamento, que um cadáver é indigno de um Deus e que o apodrecimento afastava os devotos, o respeito e a fé. Sacudiu os bichos que se alambazavam com o banquete, deu um piparote nos espinhos que lhe perfuravam o coiro cabeludo, sacudiu os cabelos que haviam crescido nos dois* dias que fora defunto e convenceu-se de que era Deus.

Fizera-lhe bem à coluna e à circulação aquele tempo de decúbito dorsal, reparador das perturbações ortostáticas sofridas no Gólgota para vender a fé e o martírio às gerações vindouras.

Baixara-lhe a albumina, embora ele não soubesse, e a boa disposição do homem sobrepôs-se ao mau humor de Deus. Não se lembrava do que acontecera entre a sexta-feira em que correu o boato sobre a sua morte e esse domingo que havia de ter enorme relevância no negócio da restauração e na evolução da doçaria.

Vagueou pela cidade de Jerusalém, apareceu à Maria, talvez a Judas para o avisar de que ia ser o bode expiatório da maior burla histórica, que estava em curso. Apiedou-se do hospedeiro que fiou a última ceia mas como um morto não costuma ter dinheiro, nem pensou sequer em pagá-la, quando era de novo vivo há escassas horas.

Hesitou entre a exibição do milagre, ramo em que se tinha tornado famoso, e o desaparição definitiva.

Para bem da lenda, fugiu. Domiciliaram-no os créus no Paraíso, onde permanece, com o rabo cheio de escaras, o que é natural para quem está sentado dois milénios, à direita do pai, seja o pai quem for, tal a confusão criada entre uma pomba, um carpinteiro e o padre eterno.

Mal sabe o defunto, que levou o cadáver para fora do planeta, que ainda hoje se comemora a sua alegada ressurreição.

E nem sonha como floresceu o negócio a que deu origem.

* Desconheço a razão pela qual a ICAR considera 3 dias o tempo que medeia entre sexta-feira e domingo. A verdade não é o forte das religiões nas coisas importantes. Por que havia de ser em questões de pormenor?

9 de Abril, 2006 lrodrigues

A Intolerância Cor-de-rosa

Fui na semana passada convidado pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas para participar num debate subordinado ao tema do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Um convite que, como é óbvio, não deixou de me honrar pessoalmente.

Foi um debate interessantíssimo, moderado por um professor cuja competência foi ainda mais realçada por ser de opinião manifestamente contrária à minha.
As perguntas dos alunos, no final, revelaram um interesse, um conhecimento e uma abertura intelectual no meio Universitário que não deixou de me surpreender, até pela juventude dos intervenientes.

Poderia a discussão ter sido, porventura, mais interessante e esclarecedora, não fora uma outra interveniente, igualmente convidada pela Universidade, ter declinado o convite por se recusar terminantemente a participar num debate… em que eu estivesse.

Trata-se de uma deputada, eleita pelo Partido Socialista, de nome Maria do Rosário Carneiro.

Claro que não sei nem faço a mínima ideia (e também, a bem dizer, não quero saber), porque motivo a senhora deputada não quis participar num debate em que eu estivesse presente.
Não terá sido, decerto, por qualquer tipo de temor intelectual.
Nem, com toda a certeza, por qualquer forma de discriminação.
Nem muito menos por pertencer à Opus Dei e estar a cumprir ordens do Papa Bento XVI, que ordena aos católicos que cortem qualquer comunicação com as pessoas que se tenham afastado da doutrina católica.

Mas não deixa de ser curioso que esta ilustre deputada (para além de ser professora na Universidade Católica e também da própria faculdade onde decorreu o debate), foi presidente da «Rede Europeia de Comissões Parlamentares para a Igualdade de Oportunidades» e pertence agora à «Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias» da Assembleia da República.

Pela firmeza das suas convicções, estou absolutamente persuadido da competência, da imparcialidade, do extremo rigor e da eficácia com que esta deputada exerce os cargos para que foi eleita…

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)