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20 de Abril, 2006 Ricardo Alves

B16: balanço de um ano na luta católica contra a modernidade

Qual é o balanço de um ano de reinado de Bento 16, Papa dos católicos e monarca absoluto da última ditadura da Europa ocidental?

Para este ateu que acompanha, com justificada atenção, as actividades da maior organização totalitária e obscurantista do mundo, o primeiro ano de B16 evidenciou sobretudo um fechamento da ICAR em posições nitidamente mais clericais e mais obscurantistas do que as do seu antecessor. Se JP2 era um inimigo da liberdade mas apenas um conservador (com uma boa gestão da sua imagem mediática), B16 pretende ser um ideólogo reacionário (mas com uma imagem pública tão caricata que já foi «baptizado» com alcunhas como «Pastor Alemão» ou «Sapatinhos Vermelhos»…).

Politicamente, Ratzinger conseguiu acalmar os católicos de esquerda ao receber Hans Küng, embora simultaneamente desse passos muito mais significativos na direcção que lhe interessa, abrindo a porta aos católicos fascistas da Fraternidade Sacerdotal São Pio X (a franja lunática, lefebvrista, do catolicismo, que é fanaticamente anti-semita, teocrática sem disfarces e abertamente defensora da Inquisição). Curiosamente, Ratzinger fora obrigado a promover a exclusão destes integristas (depreende-se agora que contra a sua própria vontade) quando era líder da Congregação para a Doutrina da Fé.

No geral, B-16 tem-se mostrado um continuador do combate de JP2 contra as liberdades. Beneficia de uma comunicação social condicionada pelo religiosamente correcto católico, de modo particularmente flagrante em Portugal, onde o repúdio claramente expresso de Ratzinger e de Policarpo pela liberdade de expressão não foi apontado por quase ninguém. E no entanto, esse foi um dos momentos em que ficou evidente que, ao contrário de uma ideia falsa que Ratzinger tenta fazer passar, os valores da ICAR de B16 estão mais próximos daqueles do Islão fundamentalista do que dos valores laicos que fundam as democracias europeias…

Na frente do combate contra a ciência, Ratzinger deu uma ajuda preciosa aos cristãos literalistas dos EUA ao aceitar o «Desenho Inteligente». Deve notar-se que, com Wojtyla, a ICAR tinha uma posição (prudente) que consistia ou em aceitar a teoria da selecção para todos os animais à excepção do animal humano, ou em até aceitar a teoria da evolução para a nossa espécie, mas «suplementada» com uma «inoculação da alma» em estágio evolutivo e momento histórico incertos. B16 começou por ser pressionado por um seu amigo (o Cardeal Schonborn) para que promovesse o obscurantismo criacionista. Após ceder a essa pressão, conseguiu ocultar mediaticamente a sua defesa do criacionismo ao permitir a um académico próximo do Vaticano um artigo do Osservatore Romano. Mas quem manda no Vaticano é o Papa, não um académico qualquer…

Em Janeiro, Ratzinger publicou a sua primeira encíclica, essencialmente uma crítica aos «católicos progressistas» que praticam a caridade motivados ideologicamente, mas que contém também uma condenação anacrónica do marxismo e umas banalidades sobre o «amor» (um sentimento que a ICAR começou a destacar apenas no século 20, numa das suas poucas adaptações inteligentes à modernidade).

Há um ano atrás, especulei sobre se alguns católicos sairiam da ICAR. Os exemplos parecem ser poucos, mas Ratzinger pode multiplicá-los. B16 fará com certeza alguns ateus, mas o mais importante é que gera um natural (e saudável) anticlericalismo. Eu, que sou ateu e anticlerical, nada tenho contra a fé quando genuinamente espiritual e portanto civicamente discreta. Mas combato o clericalismo pela ameaça que representa para as nossas liberdades e para o progresso da ciência. Ratzinger é a imagem quase perfeita do avesso da modernidade.

Adenda: o comunicado de imprensa do Vaticano sobre a crise dos cartunes (onde se diz que a publicação das caricaturas e a violência que se lhe seguiu são «igualmente deploráveis») e o discurso de Ratzinger perante os deputados do Partido Popular Europeu (onde B16 dá orientação de voto sobre questões legislativas em discussão na Europa) são dois documentos para ler e guardar.

20 de Abril, 2006 Ricardo Alves

95 anos de Separação da Igreja do Estado

O Governo Provisório da República faz saber que em nome da República se decretou, para valer como lei, o seguinte:

Capítulo I

Da liberdade de consciência e de cultos

Artigo 1º

A República reconhece e garante a plena liberdade de consciência a todos os cidadãos portugueses e ainda aos estrangeiros que habitarem o território português.

Artigo 2º

A partir da publicação do presente decreto, com força de lei, a religião católica apostólica romana deixa de ser a religião do Estado e todas as igrejas ou confissões religiosas são igualmente autorizadas, como legítimas agremiações particulares, desde que não ofendam a moral pública nem os princípios do direito político português.

Artigo 3º

Dentro do território da República ninguém pode ser perseguido por motivos de religião, nem perguntado por autoridade alguma acerca da religião que professa.

Artigo 4º

A República não reconhece, não sustenta, nem subsidia culto algum; e por isso, a partir do dia 1 de Julho próximo futuro, serão suprimidas nos orçamentos do estado, dos corpos administrativos locais e de quaisquer estabelecimentos públicos todas as despesas relativas ao exercício dos cultos.

(…)

(Assinalam-se hoje 95 anos sobre a Lei da Separação da Igreja do Estado; agradeço ao Cozido à Portuguesa ter-mo recordado.)
19 de Abril, 2006 lrodrigues

O Pogrom de Lisboa

Foi exactamente há 500 anos.

O dia 19 de Abril de 1506 amanheceu pacífico e soalheiro.
Na igreja de São Domingos, em Lisboa, a missa dessa manhã decorria provavelmente com a calma modorra do costume.
Mas, de súbito, a placidez da missa foi interrompida por um estranho fenómeno que se oferecia perante os olhos de todos os fiéis: a imagem do Cristo pregado na cruz que se encontrava sobre o altar estava iluminada por uma estranha e misteriosa luz.
A superstição e a exacerbada crença dos fiéis imediatamente os fez acreditar estar na presença de um milagre: a imagem do Cristo parecia até que irradiava luz própria.
Todos se ajoelharam em fervorosas preces, em êxtase perante aquele milagre que se lhes oferecia, ali mesmo, à frente dos seus olhos.
Mas há sempre um desmancha-prazeres em histórias como estas: um dos fiéis mais afoitos logo se apressou a explicar aos seus colegas de missa que a luz nada tinha de misteriosa, pois provinha simplesmente do reflexo de uma candeia de azeite que estava ali próxima.
E pronto! Caiu o Carmo e a Trindade!
A primeira coisa que alguém descobriu foi que o chico-esperto era um cristão novo, um judeu convertido à pressa mas, pelos vistos, demasiado depressa.
Foi o suficiente para logo dali o arrastarem pelos cabelos para o adro da igreja, onde foi imediatamente chacinado pela multidão dos fervorosos tementes a Deus, e o seu corpo queimado no local.
O êxtase místico da multidão logo se propagou a toda a cidade.
Lisboa parecia ter ela própria enlouquecido.
Respeitáveis representantes do clero católico saíram dos seus pacatos refúgios de oração e percorriam as ruas de um lado para o outro empunhando crucifixos e gritando: «Heresia! Heresia!».
A multidão depressa foi engrossando e, ajudada até por marinheiros holandeses e dinamarqueses que se encontravam no porto, iniciou uma gigantesca rusga por toda a cidade.
Para evitar o caos e a anarquia, sempre más conselheiras, os padres e frades dominicanos tomaram a piedosa responsabilidade de organizar convenientemente o tumulto: judeu ou cristão-novo que era identificado ou apanhado, era imediatamente preso e levado para o Rossio e ali era queimado em gigantescas fogueiras que os escravos municiavam ininterruptamente de lenha.
Os judeus e os cristãos novos, homens e mulheres, que se refugiavam em casa eram arrancados à força dos seus esconderijos. Até as crianças de berço eram fendidas de alto a baixo ou esborrachadas de encontro às paredes.
Como mesmo nestas coisas da fé é sempre bom juntar o útil ao agradável, o misticismo assassino daqueles fervorosos e bons católicos não os impediu de pilhar as casas por onde passavam e de ajustar velhas contas com inimigos que muitas vezes nada tinham a ver com o judaísmo.
Mesmo os que se refugiavam nas igrejas e se agarravam desesperadamente às imagens dos santos eram levados e arrastados à força para o Rossio e queimados vivos.
A chacina durou dois dias e só terminou por puro cansaço da populaça.
Relatos da época falam no sangue que escorria pelas ruas abaixo no Bairro Alto ou na Mouraria.
Calculam os historiadores que nesta matança em nome dos mais sagrados princípios e da pureza do catolicismo morreram mais de 4.000 pessoas.
Tudo, claro, em nome dessa coisa extraordinária que algumas pessoas têm e que tanto se orgulham de ter, que se chama «Fé».
Tudo feito por bons católicos.
Tudo em nome de Deus.
Como não podia deixar de ser, adiro entusiasticamente ao extraordinário desafio lançado pelo Nuno Guerreiro:
Também eu irei hoje ao Rossio acender uma vela simbólica em memória destas vítimas do fanatismo religioso católico.

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

19 de Abril, 2006 Ricardo Alves

O pogrom de Lisboa segundo Damião de Góis

«…Nos dois derradeiros capítulos desta primeira parte, tratarei de um tumulto e levantamento que, a dezanove de Abril de 1506, Domingo de Pascoela, houve, em Lisboa, contra os Cristãos-novos.

No mosteiro de São Domingos existe uma capela, chamada de Jesus, e nela há um Crucifixo, em que foi então visto um sinal, a que deram foros de milagre, embora os que se encontravam na igreja julgassem o contrário. Destes, um Cristão-novo (julgou ver, somente), uma candeia acesa ao lado da imagem de Jesus. Ouvindo isto, alguns homens de baixa condição arrastaram-no pelos cabelos, para fora da igreja, e mataram-no e queimaram logo o corpo no Rossio.

Ao alvoroço acudiu muito povo a quem um frade dirigiu uma pregação incitando contra os Cristãos-novos, após o que saíram dois frades do mosteiro com um crucifixo nas mãos e gritando: “Heresia! Heresia!” Isto impressionou grande multidão de gente estrangeira, marinheiros de naus vindos da Holanda, Zelândia, Alemanha e outras paragens. Juntos mais de quinhentos, começaram a matar os Cristãos-novos que encontravam pelas ruas, e os corpos, mortos ou meio-vivos, queimavam-nos em fogueiras que acendiam na ribeira (do Tejo) e no Rossio. Na tarefa ajudavam-nos escravos e moços portugueses que, com grande diligência, acarretavam lenha e outros materiais para acender o fogo. E, nesse Domingo de Pascoela, mataram mais de quinhentas pessoas.

A esta turba de maus homens e de frades que, sem temor de Deus, andavam pelas ruas concitando o povo a tamanha crueldade, juntaram-se mais de mil homens (de Lisboa) da qualidade (social) dos (marinheiros estrangeiros), os quais, na Segunda-feira, continuaram esta maldade com maior crueza. E, por já nas ruas não acharem Cristãos-novos, foram assaltar as casas onde viviam e arrastavam-nos para as ruas, com os filhos, mulheres e filhas, e lançavam-nos de mistura, vivos e mortos, nas fogueiras, sem piedade. E era tamanha a crueldade que até executavam os meninos e (as próprias) crianças de berço, fendendo-os em pedaços ou esborrachando-os de arremesso contra as paredes. E não esqueciam de lhes saquear as casas e de roubar todo o ouro, prata e enxovais que achavam. E chegou-se a tal dissolução que (até) das (próprias) igrejas arrancavam homens, mulheres, moços e moças inocentes, despegando-os dos Sacrários, e das imagens de Nosso Senhor, de Nossa Senhora e de outros santos, a que o medo da morte os havia abraçado, e dali os arrancavam, matando-os e queimando-os fanaticamente sem temor de Deus.

Nesta (Segunda-feira), pereceram mais de mil almas, sem que, na cidade, alguém ousasse resistir, pois havia nela pouca gente visto que por causa da peste, estavam fora os mais honrados. E se os alcaides e outras justiças queriam acudir a tamanho mal, achavam tanta resistência que eram forçados a recolher-se para lhes não acontecer o mesmo que aos Cristãos-novos.

Havia, entre os portugueses encarniçados neste tão feio e inumano negócio, alguns que, pelo ódio e malquerença a Cristãos, para se vingarem deles, davam a entender aos estrangeiros que eram Cristãos-novos, e nas ruas ou em suas (próprias) casas os iam assaltar e os maltratavam, sem que se pudesse pôr cobro a semelhante desventura.

Na Terça-feira, estes danados homens prosseguiram em sua maldade, mas não tanto como nos dias anteriores; já não achavam quem matar, pois todos os Cristãos-novos, escapados desta fúria, foram postos a salvo por pessoas honradas e piedosas, (contudo) sem poderem evitar que perecessem mais de mil e novecentas criaturas.

Na tarde daquele dia, acudiram à cidade o Regedor Aires da Silva e o Governador Dom Álvaro de Castro, com a gente que puderam juntar, mas (tudo) já estava quase acabado. Deram a notícia a el-Rei, na vila de Avis, (o qual) logo enviou o Prior do Crato e Dom Diogo Lopo, Barão de Alvito, com poderes especiais para castigarem os culpados. Muitos deles foram presos e enforcados por justiça, principalmente os portugueses, porque os estrangeiros, com os roubos e despojo, acolheram-se às suas naus e seguiram nelas cada qual o seu destino. (Quanto) aos dois frades, que andaram com o Crucifixo pela cidade, tiraram-lhes as ordens e, por sentença, foram queimados

Damião de Góis, na «Crónica de D.Manuel I», capítulo CII da Parte I.

18 de Abril, 2006 Palmira Silva

Revista ligada à Opus Dei publica caricatura de Maomé

Dante Alighieri para Virgílio (apontando para o profeta cortado ao meio): «Aquele ali não é o Maomé?”
Virgílio. «Sim, e ele está dividido em dois porque causou a divisão da sociedade». «Aquele ali com as calças em baixo é a política italiana em relação ao Islão».

O periódico italiano «Studi Cattolici», muito próximo da Opus Dei, publicou no sábado esta caricatura de Maomé no Inferno. A publicação gerou ondas de protesto nos meios islâmicos.

Cesare Cavalleri, director da revista e membro da Opus Dei, afirmou «ter ficado surpreso» pela repercussão do desenho. «Se, ao contrário das minhas intenções e as do autor, alguém se sentiu ofendido nas suas crenças religiosas, peço perdão do coração».

Considerando que este cartoon era francamente mais… er… directo que aqueloutros na origem da recente guerra dos cartoons fico um pouco surpresa com a ingenuidade do piedoso Opus Dei.

Aguardo com um frémito de impaciência para ver se o nosso cavaleiro da pérola redonda se pronuncia sobre o ocorrido e se considera que foi igualmente obra de «fanáticos» laicos. Ou se mais algum escriba católico, daqueles que exigem «respeito» às crenças religiosas (católicas, claro), consegue com um qualquer golpe de rins assacar este cartoon a «provocações dos fundamentalistas laicos do Oeste» aqueles que cometem a heresia de defender «o humanismo laico, a democracia participativa, a cidadania vigilante, os direitos do homem»…

18 de Abril, 2006 Palmira Silva

Imagine

Imagine there’s no heaven,
It’s easy if you try,
No hell below us,
Above us only sky,
Imagine all the people
living for today…

Imagine there’s no countries,
It isnt hard to do,
Nothing to kill or die for,
No religion too,
Imagine all the people

living life in peace…

As maravilhas da tecnologia digital: G. W. Bush canta o «Imagine» de John Lennon.

18 de Abril, 2006 Palmira Silva

Os IDiotas e o Tiktaalik roseae

Os criacionistas americanos estão com alguns problemas em digerir o Tikataalik rosae, o fóssil descoberto recentemente que constitui mais um elo ilustrativo da evolução de alguns peixes para animais terrestres.

Achei deveras divertida a resposta do templo da IDiotia, o Discovery Institute, que clama que o fóssil não constitui uma ameaça para as suas pretensões neocriacionistas uma vez que não é de facto uma espécie de transição:

«Estes peixes não são espécies intermédias, explicaram os cientistas do Discovery Institute que questionei sobre a descoberta. Não são intermédios no sentido que são meio peixe/meio tetrápode. Pelo contrário, eles têm algumas características de tetrápodes».

Os IDiotas tentam assim «sossegar» os devotos americanos com mais um disparate, nomeadamente que uma espécie intermédia teria necessariamente de apresentar 50% de características de peixe e 50% de tetrápode (não sei muito bem quem avaliaria se faltavam umas décimas …)

Esta explicação é de facto a IDiotia no seu esplendor muito bem desmontada numa série de posts em diversos blogs de ciência americanos.

Mas o disparate total pode ser encontrado no Respostas no Genesis, um site criacionista puro e duro, que discute apenas a notícia desta descoberta no New York Time e não os artigos originais.

Aparentemente o que preocupa os devotos criacionistas, que carpem não terem sido oferecidos o direito ao contraditório, é o facto do público em geral ter sido informado de mais esta confirmação da evolução que negam. E apenas para o público em geral debitam uma série de enormidades sem pés nem cabeça, brilhantemente analisadas por quem de direito, um cientista que trabalha exactamente nestes peixes, os ancestrais de todos os vertebrados terrestres.

Tal como explica este vídeo «educacional», «Teoria [científica], facto ou ficção?», em que um jovem trata do dilema que «aflige» muitos outros jovens americanos: a escolha entre a fé e a ciência, são necessários os conselhos dos «bons pastores» para os manter no «bom caminho» e longe da tentação da racionalidade…

Conselhos que por cá são dados pelo representante-mor do Vaticano local que adverte os católicos portugueses para os perigos da ciência e da análise racional, destacando que «os discípulos de Cristo não podem cair nesta tentação [usar a razão]».

17 de Abril, 2006 jvasco

Causas sociais do Ateísmo

Foram feitos vários estudos, pela parte de diferentes autores, tendo como por objectivo determinar a percentagem de ateus nos diferentes países do mundo. Phil Zuckerman compilou os dados de muitos desses estudos para produzir um trabalho denominado «Atheism: Contemporary Rates and Patterns» («Ateísmo: Taxas e Padrões Contemporâneos»)
Depois de uma extensa exposição de todos os estudos de opinião em que se baseou (cerca de uma centena), Zuckerman elabora uma lista de países por ordem da percentagem de ateus que existem. Zuckerman também deixa claras todas as ressalvas relativas aos vários erros que podem ocorrer nos diferentes estudos de opinião. Na Arábia Saudita a percentagem de ateus está provavelmente sub-estimada, e na China estará sobrestimada, por exemplo. De qualquer forma, Zuckerman tira conclusões do vasto conjunto de dados que apresenta acerca da explicação que pode existir para as elevadas taxas de descrença. Vou traduzir parte dessas conclusões:

«O que é que causa a gritante diferença entre as nações em termos da taxa de descrença? Porque é que quase todas as nações de África, América do Sul e Sudeste Asiático contêm quase nenhum ateísmo, mas em muitas nações europeias os ateístas existem em abundância? Há numerosas explicações (Zuckerman, 2004; Paul, 2002; Stark and Finke, 2000; Bruce, 1999) Uma teoria liderante vem de Norris and Inglehart (2004), que defendem que em sociedades caracterizadas por uma plena distribuição de comida, excelente serviço público de saúde, e habitação globalmente acessível, a religiosidade esvai-se. […]
Através de uma análise das estatísticas globais actuais de religiosidade em relação à distribuição do rendimento, equidade económica, gastos com a segurança social, e medimentos básicos da segurança ao longo da vida (vulnerabilidade quanto à fome, destares naturais, etc…) Inglehart e Norris (2004) defendem convincentemente que apesar de numerosos factores possivelmente relevantes para explicar a distribuição mundial da religiosidade, «os níveis de segurança da sociedade e do indivíduo parecem constituir o factor com mais poder explicativo» (p. 109). Claro que, como em qualquer teoria social abrangente, existem excepções. Os incontornáveis casos do Vietname (81% de descrentes) e da Irlanda (4-5% de descrentes) não correspondem ao que se esperaria através da análise de Inglehart e Norris.»

O autor acaba então por fazer uma distinção entre ateísmo orgânico: aquele que surge naturalmente nas sociedades sem qualquer encorajamento por parte do regime político, e o «ateísmo coercivo» que surgiu pela imposição política. Encontra então uma enorme correlação entre o ordenamento por ateísmo orgânico e o ordenamento por desenvolvimento humano. Mostra também que os países com maiores taxas de homicídios são todos extremamente religiosos.
Fica por explicar a excepção que a Irlanda constitui. Mas para mim, essa excepção é muito natural. A Irlanda é um país rico há pouco tempo, e a sociedade ainda não se adaptou a essa riqueza. Dentro de uns anos, parece-me, até a própria Irlanda confirmará esta tese.

17 de Abril, 2006 Palmira Silva

Agência de auxílio de emergência baseada na fé

Casas de New Orleans afectadas pelo furacão Katrina como esta foram consideradas em condições para serem ocupadas.

A Federal Emergency Management Agency (FEMA) notificou cerca de 8900 chefes de famílias de New Orleans, refugiados em Houston, que representam mais de 20 000 evacuados, que não serão elegíveis para assistência financeira.

A Hurricane Housing Task Force de Houston examinou algumas das casas declaradas habitáveis pela FEMA e declarou 70% destas impróprias para habitação.

A decisão da FEMA de recusa de auxílio financeiro a quem de facto necessita é ainda mais incompreensível e reprovável quando se sabe que esta agência estatal utilizou milhões de dólares dos contribuintes em subsíduos (supostamente reembolsos) a igrejas e organizações baseadas na fé envolvidas na operação Katrina.

Considerando que os americanos são extremamente generosos nos seus donativos, especialmente em casos de calamidades, que a Cruz Vermelha declarou ter recebido mais de 2 biliões (americanos) de dólares de donativos para auxílio às vítimas dos furacões Katrina, Rita e Wilma e que a lista que a FEMA divulgou para os americanos dirigirem donativos era praticamente constituida por organizações religiosas (e que incluía em lugar proeminente a organização dirigida por Pat Robertson), é caso para perguntar se de facto as organizações religiosas precisavam de dinheiro federal para atender às vítimas do Katrina. E se não seria melhor esse dinheiro federal ser directamente canalizado para as vítimas?

Parece que a administração Bush, que recentemente estabeleceu um Centro para Iniciativas Baseadas na Fé no Departamento de Segurança Nacional, está decididamente apostada na instalação de uma teocracia nos Estados Unidos!

16 de Abril, 2006 Palmira Silva

A paranóia dos teocratas


Concordo completamente com Bill Mahler: os fundamentalistas que ululam em prime time acusações de perseguição aos cristãos são demagogos, farsantes sequiosos de poder que seguem a receita que ao longo da História mostrou ser mais eficiente na angariação de clientes e na justificação de poder absoluto para os que clamam falarem em nome de deus. A vitimização e concomitante encenação de perseguições inexistentes é ainda indispensável para manter um fluxo confortável de doações monetárias.

Os crentes são muito fáceis de manipular com estas perseguições inventadas e com a perversão ideológica da religião tirada do seu horizonte místico e pessoal (onde não tenho qualquer objecção que se coloque) e transformada de maneira funcional num horizonte político. Manipulações feitas por teocratas absolutistas e fanáticos, obsecados em reger os comportamentos dos indivíduos afim de promoverem uma ordem cristã reduzida a um código penal que penalize como crime os «pecados» cristãos.

A «causa» cristã mais glorificada nos Estados Unidos (e não só, J.C. das Neves carpe reiteradamente nos momentos zen de segunda o seu martírio por esta causa) é o direito à intolerância. Uma estudante do Georgia Institute of Technology em Atlanta, Ruth Malhotra, pôs em tribunal uma acção contra a universidade que a impede de ser intolerante, isto é, de seguir fielmente os preceitos da sua fé cristã que segundo a devota estudante a compele a falar contra a homossexualidade.

Malhotra pretende com a sua acção judicial que a Universidade revogue a sua política de tolerância e junta-se a uma campanha crescente que pretende forçar as escolas públicas e locais de trabalho privados a eliminarem políticas que protegem os homossexuais de perseguição e discriminação.

O reverendo. Rick Scarborough afirma o movimento em que a acção de Malhotra se insere como a luta cívica do século XXI: «Os cristãos têm de tomar uma posição forte pelo direito de serem cristãos [isto é, intolerantes]».

Assim, a Christian Legal Society, uma associação de juizes e advogados, formou um grupo nacional para revogar nos tribunais federais as políticas de tolerância actuais.

Lá como cá a tolerância e o respeito pelos outros (que não envolve, como é óbvio para todos menos os fanáticos religiosos, o respeito pelas ideias dos outros) estão cada vez mais sob ataque cerrado dos fundamentalistas de todas as cores.