A religião que apavorava as noites da infância, com demónios das profundas do Inferno, nas recônditas aldeias da Beira Alta, foi esquecendo o Maligno, talvez por este ter maior medo das escolas do que do sinal da cruz ou ter-se cansado de atormentar as almas.
Se a memória me não falha, todos os párocos tinham então alvará para exorcismos, além das tarefas inerentes ao tríplice múnus do sacramento da Ordem. Agora, só a licença do Ordinário do Lugar, designação canónica do bispo da diocese, habilita para exorcismos, sendo as restantes tarefas do múnus sacerdotal, profético e pastoral comuns a todos.
Hoje, com a escassez de demónios, sem íncubos e súcubos, de vocação libidinosa, cuja existência era atestada por Tomás de Aquino e outros santos doutores, o Papa declarou que o Inferno era uma criação humana.
O Papa pode duvidar, mas a Cúria não, e obrigou-o a recuar no despautério teológico e a dizer que o demónio existe, certificado por exorcistas. Há quatro anos, a Igreja católica reconheceu oficialmente a Associação Internacional de Exorcistas que reúne cerca de 200 especialistas, entre sacerdotes católicos, anglicanos e ortodoxos, de onde se percebe que as divergências entre clérigos, de diversas confissões, não afetam demónios, mais coesos e alheios às diferenças litúrgicas ou teologais.
Sabe-se por sábios exorcistas, que desde o próximo dia 17 até 21 vão lecionar no curso de exorcismo no Vaticano, talvez para ficarem mais próximos do Demo, que “às vezes é preciso tapar a boca porque os demónios cospem muito” e que “ouvindo um grunhido satânico uma vez nunca mais se esquece”, entre outras peculiaridades demoníacas. É um curso para ensinar padres a expulsar demónios, saber levado por quem domina a arte e a ciência demonífuga.
Duarte Sousa Lara, que recusou ser administrador de uma empresa pública, lugar que o pai lhe ofereceu (não cabe aqui falar da licitude), para se dedicar ao serviço de Deus e …do Demónio, com mais de 50 pedidos de ajuda semanais, é a estrela dos exorcistas portugueses, reconhecido pela diocese de Lamego onde – diz ele –, exorciza possessos enviados por psicólogos e psiquiatras amigos, casos que não reagem a medicamentos. A afirmação exasperou o presidente do Colégio de Psiquiatria da OM, que o levou a dizer que “o sobrenatural não existe em medicina” e a comparar os exorcistas aos bruxos.
Sendo o sacerdote Sousa Lara filho do devoto censor de Saramago e não de um íncubo, o que o faria nascer bruxa e não exorcista, função reservada a homens, é de crer que este psiquiatra, Miguel Bragança, seja excomungado por falta de fé. O mesmo pode suceder ao padre Anselmo Borges, que disse: “O Diabo e os exorcismos são uma crendice”. Não se duvida de um exorcista e, muito menos, do Catecismo da Igreja Católica:
“Embora Satanás exerça no mundo a sua ação por ódio contra Deus, e embora a sua ação cause graves prejuízos, essa ação é permitida pela divina Providência. A permissão divina da atividade diabólica é um grande mistério.”
Para um ateu o mistério maior é a permissão divina para que o Demo atormente crentes e, nunca, incréus. É um mistério explicável pela maldade de Deus, castigar os que mais ama. Os homens que criaram Deus inventaram mais justo o Demo.
Duarte Sousa Lara gasta em média 20 minutos a realizar um exorcismo e carece de 1 a 5 ou 6 pessoas, conforme a gravidade, para segurar os possessos, normalmente possessas, para que arrotem, vomitem e se torçam, e, eventualmente, tapar-lhes a boca, porque ‘os demónios cospem muito, mordem e é preciso cuidado’. Tem um longo futuro na função, e coincide com as declarações do mais antigo especialista do ramo, ainda em funções, o padre Humberto Gama, que chegou a fazer exorcismos para a TVI.
Ao padre Humberto Gama, que exercia [exerce ainda (?), em Fátima Mirandela], foi-lhe retirado o alvará pelas autoridades canónicas, e não abandonou o exercício das funções, apesar de problemas judiciais com maridos inconformados com a reentrância usada para extrair demónios que, quando são muito grandes, segundo as suas palavras, têm de sair por algum lado.
Há muitos demónios à solta. Um dos maiores especialistas em exorcismos calcula que são anualmente identificados 500 mil casos de possessão demoníaca, enquanto outro revela que há diabos especializados em diabruras diferentes, sabendo-se que a oração e o sinal da cruz são demonífugos profiláticos, mas não suficientes para dispensarem os experientes exorcistas que regem cursos de formação e aperfeiçoamento no Vaticano.
Por
ONOFRE VARELA (Gazeta Ateísta)
O Homem é um animal dotado de inteligência, o que o torna superior aos restantes animais seus companheiros da vida na Terra. Por isso mesmo é, também, um ser religioso por excelência, cuja característica de animal inteligente o levou à criação dos conceitos do belo, do sagrado e dos deuses, e à consequente prática de cultos religiosos. A Igreja pretende ser proprietária do conceito de Deus – sobre o qual se erigiram civilizações – mas, na verdade, do mesmo modo como a Língua que falamos é propriedade nossa, também o conceito de Deus a todos pertence, independentemente de seguirmos, ou não, uma religião, porque o conceito dos deuses é uma invenção da espécie Homo sapiens sapiens. Nessa pretensão de posse, a Igreja Católica já perseguiu e puniu com tortura e morte quem se atreveu a abordar a divindade fora do âmbito da sua fé, e o Islamismo extremista ainda hoje mata em atentados terroristas praticados em nome de Deus com os assassinos a gritarem “Allahu akbar” (Alá é grande). No século XXI voltamos à barbárie, desta vez refinada, que os mais bem intencionados de nós já tinham arrumado nas prateleiras da História mais macabra e longínqua.
Crer em Deus não é o mesmo que saber sobre Deus. O saber precisa de conhecimento, obrigando à constante renovação das ideias, sem o que, o verdadeiro saber não existe. A par disto há a considerar que o saber é lento, frio e racional. A crença, não! A crença é emotiva, ferve em pouca água e, por vezes, provoca danos irreversíveis. Na crença afirma-se sem se saber, com a mente aquecida pela emoção cega. O crente não sabe, de saber certo, aquilo que afirma saber, porque crer não é saber. Por muito que o leitor creia que o comboio parte ao meio-dia, vai perdê-lo se não souber que ele parte às dez horas da manhã! A crença rejeita a dúvida e afirma a certeza na fé.
O saber obriga à constante investigação e abertura ao que é duvidoso, novo e contraditório. Sem esta atitude de curiosidade e humildade, podemos ser crentes… mas nunca seremos sabedores. Em tudo, na vida, por uma questão de honestidade para connosco e com os outros, e até para que cada um sinta segurança no seu próprio raciocínio, é indubitavelmente preferível que se saiba, do que se creia.
Há que dizer que as religiões também são “modos de saber”, no sentido emocional da crença. Isto é: quando “eu sei que Deus existe porque o sinto”, adquiro um “saber” que ninguém destruirá, pois o meu sentimento mais profundo me diz estar a verdade do meu lado. É este “saber” que faz a “razão” dos crentes… embora não seja saber, nem razão, na verdadeira acepção dos termos, porque não pode ser aferido pelo saber das ciências, nem pela razão filosófica enquanto forma de chegar a conclusões reais, porque estas são contrárias àqueles saberes que não passam da imaginação que a fé alimenta. É este “saber religioso” que constrói fundamentalistas. E alguns deles… até são criminosos!
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)
Não há a mais leve suspeita ou o menor indício de que Deus exista, nem qualquer sinal de vida da parte dele. No entanto, o ónus da prova cabe a quem afirma a sua existência e, sobretudo, a quem vive disso.
Cada religião considera falsas todas as outras e o deus de cada uma delas, afirmação em que certamente todas têm razão. Os ateus só consideram falsa uma religião mais e mais um deus, o que, no fundo, faz de todos ateus. E não é no sentido grego, em que ateu era o que acreditava nos deuses de uma cidade diferente, é no sentido comum da negação de Deus [com maiúscula para o deus abraâmico] ou de qualquer outro.
Todos somos hoje ateus em relação a Zeus, Osíris ou ao Boi Ápis, como amanhã outros serão em relação a Vishnu, Shiva e Brahma ou ao Pai, Filho e Espírito Santo da trindade cristã. Os deuses de hoje serão os mitos do futuro. Outros serão criados, por necessidade psicológica, para servirem de explicação, por defeito, a todas as dúvidas, e de lenitivo a todos os medos.
A morte, a angústia que desperta, o fim biológico de todos os seres vivos, é o maior dos medos. Deus é o mito bebido no berço, a esperança de outra vida para além da morte, a boia dos náufragos que se habituaram a acreditar desde crianças e se conformaram com a pueril explicação da catequese e se intimidaram com a dúvida. Os constrangimentos sociais ou/e a repressão violenta ao livre-pensamento tem perpetuado mitos milenares.
A crença, em si, não é um perigo nem ameaça, perigoso é o proselitismo, essa demência de quem não se contenta em ter um deus para si e exige que os outros também o adotem e o adorem. A vontade evangelizadora transforma as religiões em detonadoras do ódio e a competição entre elas em rastilho da violência.
A fé, vivida por cada um, é inócua; transformada em veículo coletivo de conquista ou aglutinação de povos, torna-se um instrumento de violência. É por isso que os Estados devem ser neutros, em matéria religiosa, para poderem garantir a liberdade de todos.
A União das Famílias Laicas (que publicou estes desenhos), o Grande Oriente Francês (GOF) e a Associação Internacional do Livre Pensamento (AILP), de cujo Conselho Internacional tenho a honra de ser membro, repudiaram a participação do PR francês na reunião da Conferência Episcopal Francesa e a sua insólita declaração de querer, ao arrepio da Constituição, estabelecer ligações com as Igrejas.
Quando se trai a laicidade, abre-se a porta à sacristia e quebra-se a neutralidade do Estado.
(Victor Hugo, 14 de janeiro der 1850, no Parlamento)
Macron é, depois de 1905 o primeiro traidor à separação da Igreja e do Estado.
Pode julgar que salva a alma (seja isso o que for), mas compromete a laicidade que é um paradigma da democracia e de que a lei francesa é o mais eloquente exemplo.
Vale a pena ver como se trai a República.
Na Escola
– Artur, do que tens mais medo?
– Do Mala-men.
– Quem é o Mala-men?
– Não sei, mas quando a minha mãe reza acaba sempre com “Não nos deixais cair em tentação e livrai-nos do Mala-men.”
In Caderno das Piadas Secas)
Só no início da década de sessenta do séc. XX, durante o Concílio Vaticano II, com João XXIII, a Igreja católica admitiu pela primeira vez o direito à liberdade religiosa. Desde então, pode ter perdido em coesão o que ganhou em humanidade.
A polissemia do catolicismo é um dos aspetos mais fascinantes da crença que se esforça por ser tolerante e procura a modernidade, numa saudável tentativa de conciliar a fé, que respeita apenas aos crentes, com a cidadania e os direitos humanos, que são de todos.
É certamente nesta diversidade que vai desde o trogloditismo da República das Filipinas ou de Salvador, até ao arejamento do atual pontificado, contra a Cúria, sem cura, que o catolicismo se torna a mais tolerante das crenças e uma aliada da paz.
A diocese de Viseu é um bom exemplo. Depois do 25 de Abril, foi a mais firme reserva do salazarismo, destacando-se de 1988 a 2004 o bispo António Ramos Monteiro, sólido primata paramentado, que rugia contra os políticos e demonizava a democracia.
Desde 2006, é titular o bispo Ilídio Pinto Leandro, democrata e humanista. Em janeiro de 2007, declarou que votaria SIM se o que estivesse em causa no referendo de 11 de fevereiro fosse a despenalização da mulher que pratica o aborto; em março de 2009 defendeu o divórcio nos casamentos em que um dos cônjuges é vítima de violência doméstica, num debate sobre o tema, realizado em Viseu. Foi também um defensor do preservativo para casais em que um cônjuge tivesse sida.
Ontem, 6 de abril, li no DN: «Bispo autoriza padre que assumiu paternidade a continuar a exercer». É o mesmo bispo, em relação ao pároco de Santa Cruz da Trapa, que foi pai há três semanas e que os paroquianos aceitam com a normalidade de que são feitos os afetos e a procriação.
Entre o honesto e corajoso bispo de Viseu, Ilídio Pinto Leandro, e o bispo de Lisboa, vai a distância que percorre o catolicismo romano e o torna numa religião capaz do melhor e do pior, mas seria ingénuo não estar atento a vozes que anunciam a liberdade e, por preconceito ateu, ostracizar quem pode promover uma sociedade tolerante e inclusiva.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.