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Categoria: Tecnologia

24 de Junho, 2024 Onofre Varela

A ovelha Dolly e o mito da Eva

No dia 1 Abril de 1997 publiquei no Jornal de Notícias (JN) um texto interrogativo e bem humorado sobre a clonagem da Ovelha Dolly. (Não era uma “mentira de Abril”… a data da publicação foi um acaso!).

Recordando: a ovelha Dolly ficou mundialmente conhecida em Fevereiro de 1997 quando se divulgou a sua existência conseguida por experiência científica bem sucedida, de clonar o primeiro mamífero a partir de células da glândula mamária de uma ovelha adulta. Os seus autores foram os biólogos Keith Campbell e Ian Wilmut, do Instituto Roslin, na Escócia.

Aproveitando o facto científico que demonstrava a possibilidade de se conceber um mamífero dispensando o espermatozóide do pai (os homens que se cuidem… as mulheres não precisam de nós para coisa nenhuma… nem para conceber filhos!), escrevi no JN uma crónica onde dizia que, muito provavelmente, o primeiro clonador teria sido Deus ao fazer Eva a partir de uma costela de Adão. Entendi que a palavra “costela” podia ser um modo de dizer “célula”.

Ticiano: Adão e Eva no Jardim do Éden
Adão e Eva no Jardim do Éden, pintura a óleo de Ticiano, c. 1550; no Prado, Madrid.

O meu entendimento era lícito naquela linha de a Bíblia ser um poço a transbordar de possíveis entendimentos. Na Bíblia há textos cujas interpretações servem para alimentar todos os gostos e paladares que enformam as variadíssimas religiões e seitas bíblicas… mas também servem os seus críticos que a lêem divorciados de qualquer formato de fé deifica.

Quando o texto foi publicado… lá tornou a cair o Carmo e a Trindade!…

Naquela altura discutia-se na Assembleia da República a Lei da Liberdade Religiosa e o JN dedicava uma página diária ao assunto, entrevistando personalidades ligadas aos vários cultos da panóplia das igrejas estabelecidas em Portugal. O meu texto saiu ao lado do depoimento de um bispo da “Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica”; logo, todos os interessados em religião o leram.

O director do JN recebeu recados mal dispostos por permitir “a publicação de tamanha enormidade”! (Para melhor informação digo que o texto não lhe passou pelas mãos antes de ser publicado. Entreguei-o ao sub-director, que o aceitou e enviou directamente para a secretaria da Redacção… a partir daí estava implícita a autorização de o publicar).

Aquele lacaio da seita vaticana Opus Dei, que visitava directores de jornais a horas tardias, estava atento e não desarmava… tinha de estuporar o juízo ao director por deixar passar textos que a Igreja não aprova. A mentira bíblica (ou poema) da criação era intocável e não podia ser aflorada fora do entendimento religioso. A Igreja permite-se imaginar ser dona dos textos arqueológicos que fazem a Bíblia, não aceitando – condenando, até – interpretações diversas das suas.

Para além da possível clonagem de que teria resultado a Eva, permiti-me comentar alguns versículos bíblicos, de entre os quais refiro estes: “Quem violar uma virgem obriga-se a desposá-la”, “Os estrangeiros, as viúvas e os órfãos devem ser respeitados” (Êxodo: 22, 16-20). Isto são conselhos de um deus, ou de um sociólogo?;

“Todos os que toquem as roupas daqueles que têm ferimentos que libertem fluxos, devem lavar-se”. “Homem e mulher, depois de copular, devem lavar-se. Lavar-se-á também a roupa suja com sémen”, “A mulher menstruada guardará sete dias sem relações sexuais” (Levítico: 15, 2-19). Isto são conselhos de um deus ou de um técnico de saúde?;

“Não oprimirás o teu próximo nem o roubarás. Do mesmo modo não reterás o pagamento devido ao teu empregado” (Levítico: 19-13). Isto é conselho de um deus ou de um legislador? Quantos empregadores nós conhecemos que papam missas e não pagam devidamente, nem no dia certo, aos seus empregados?!

Neste caso de “censura à posteriori”, a minha opinião foi publicada e lida, permitindo a cada leitor fazer a sua própria interpretação do meu texto… e os desmiolados censores que apenas provam a nulidade das suas existências, não puderam retirar as prosas do jornal, onde permanecerão para a posteridade no arquivo das bibliotecas.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

14 de Outubro, 2011 Raul Pereira

O bug de Steve Jobs…

…chamava-se Budismo temperado com pitadas de balelas new-age. Na opinião de Ramzi Amri, cirurgião oncológico da Harvard Medical School, que tem estudado formas do cancro que afectou o ex-patrão da Apple, a recusa em receber tratamentos pela medicina cientificamente comprovada poderá ter sido a causa da sua morte prematura, como explica o cientista no Quora.

Devo alertar primeiro que este não é um artigo contra Jobs, mas uma breve reflexão sobre o que parecem ter sido as suas opções de tratamento. Aqui não é o lugar para discutir a importância de Jobs neste início de século, nem se os Mac são melhores do que os PC, ou se o Android é superior ao iOS; até porque, embora adore computadores, considero que ainda estamos na infância da informática e continuo a achar que são todos um grande monte de esterco adorável, sem excepção: nem uma mísera cópia-de-segurança do nosso cérebro podemos fazer ainda, por exemplo! Como bosta magnífica que são, não tomo partido por nenhum, o debate é infrutífero. E longe de mim cometer o erro de atacar imediatamente quem adora os produtos Apple ao ponto de ficar dias numa fila, pois estas questões são exactamente como a religião: cada um segue o culto que quer (ou não segue nenhum) e ninguém tem nada a ver com isso… Sim, pronto, foi uma tentativa de piada. Nunca desistir do sentido de humor. Adiante.

A questão aqui é tentar perceber como é que um homem com a formação de Jobs preferiu confiar nas «medicinas» alternativas em detrimento da Medicina. E é muito difícil encontrar uma resposta quando falamos de um homem que profere um discurso como este [vídeo com legendas em Português] e não nos concentrarmos na sua espiritualidade e na época em que a adquiriu — viagem à Índia incluída. É que, ainda por cima, e de acordo com Ramzi Amri, o cancro que afectou Jobs nem era particularmente mortal, nem tampouco era o demolidor cancro pancreático que os meios-de-comunicação social (sempre rigorosos nestas coisas) divulgaram exaustivamente, mas uma forma de carcinoma que, apesar de ter tido origem no pâncreas, faz parte de um grupo restrito de tumores neuro-endocrinais que têm um prognóstico de tratamento bastante favorável, bastando para isso removê-los. Sim, simplesmente, sem beber urina diluída milhentas vezes em água, ou engolir uma pastilha de Gingko-biloba concentrado com ameixa de Elvas. Leva-nos até a questionar se teria sido o mesmo Jobs que disse, naquele discurso: «Don’t be trapped by dogma — which is living with the results of other people’s thinking». Recordámo-nos de súbito que sim, pois uns minutos antes tinha dito que caminhava 11 quilómetros para ir comer ao templo de Krishna, aos domingos… Ele afirma também, nessa mesma comunicação, que tinha sido submetido a cirurgia e havia retirado o tumor. Pois, mas passados anos a tentar mezinhas e apenas em último recurso, quando já era tarde demais, levando-o, até, a ter que remover o fígado e ao célebre transplante que se seguiu.

Claro que, para ele, que passou pela doce juventude nos anos 70 e, por essa razão, tal como tantos outros homens e mulheres na sua faixa etária no mundo ocidental, não lhe foi fácil pôr de lado as idiotices orientais que os ácidos ajudavam a cimentar nas sinapses. Mas, claramente (e ressalvando o facto de que Ramzi Amri fala sempre do ponto de vista hipotético), isto é o que pode acontecer quando se deixa passar a Ciência para segundo plano e o «veneno» da irracionalidade, como lhe chamou Hitchens, continua a corroer por dentro, mesmo em mentes brilhantes.

Steve Jobs nos anos 70

Steve Jobs nos anos 70

 

Steve Jobs, infelizmente, não era nenhum cientista. Ele geria, na sua forma peculiar, a criação de objectos tecnológicos e, como grande gestor que era e com a sua visão ousada e conhecimento único do seu cliente-alvo, tornou a Apple numa das empresas mais poderosas do mundo, o que já não foi pouco e é louvável a todos os níveis. Da Ciência, lamentavelmente, ele só mantinha a confiança nos componentes que lhe serviam para fabricar os seus produtos, pois para o que realmente importava, preferiu ignorá-la.

Para quem enaltece o Budismo e as paranóias new-age quando em comparação com outros cultos, este caso devia dar que pensar. Conheço até ateus que nutrem simpatia pela religião do obeso e pachorrento filósofo oriental. Amigos, tenho uma novidade para vocês: a religião é religião, é religião, é religião, é religião, e sempre esteve podre tanto a ocidente como a oriente, por toda a face do orbe terrestre.

Há uma frase que Jobs proferiu em Stanford que, apesar de completamente retirada do contexto, resume tudo: «It was awful tasting medicine, but I guess the patient needed it.»