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Categoria: Superstição

3 de Novembro, 2024 Onofre Varela

Halloween, o dia das Bruxas

As pessoas da minha idade que celebram o dia 1 de Novembro, atribuem à data duas recordações, sendo uma histórica e outra religiosa: a primeira, é o dia do terramoto que destruiu Lisboa no ano de 1755, e a outra é o “dia de todos os santos”, no qual a tradição manda lembrar os mortos da família numa romagem de saudade ao cemitério onde estão sepultados, dando uma ajuda ao negócio das flores que nesse dia triplicam ou quadruplicam o preço, de acordo com a regra económico-capitalista “da oferta e da procura”.

A estes dois eventos soma-se mais um que não era atendido na cultura portuguesa do meu meio social no tempo da minha meninice e primeira juventude, tendo sido importado de países ocidentais anglófonos. Refiro-me ao “Halloween”.

Celebrado na noite de 31 de Outubro para 1 de Novembro, o Halloween é uma festa americana das crianças que escolhem guarda-roupa de fantasia fantasmagórica para, assim trajadas, baterem à porta de vizinhos, amigos e familiares, pedindo guloseimas (gostosuras) e fazendo travessuras se não forem atendidas.

A origem desta tradição, que pede uma decoração das casas usando abóboras-lanterna, o acender de fogueiras e o contar histórias de assombração, pode ser encontrada em rituais celtas ligados ao fim do Verão e às colheitas agrícolas, e remonta ao século XVIII nos territórios pagãos da Irlanda e da Escócia, cujos rituais foram exportados para o território norte-americano pelos colonos imigrantes que se fixaram na terra dos “peles-vermelhas” (que são os históricos, legítimos e verdadeiros donos daquelas paragens geográficas).

Imagem gerada por IA da Stockcake

Mas a história do Halloween tem uma origem mais alongada no tempo se lhe juntarmos as tradições semelhantes dos povos celtas que habitaram a Gália (França) entre os anos 600 aC e 800 dC. A par do folclore, misto de religioso e pagão, há uma história bem mais dramática ligada à data do “Dia das Bruxas”. Isto dito assim até parece comédia ligeira e faz sorrir… mas vivido no seu tempo constituiu intenso drama sentido pelas mulheres perseguidas por superstição, estupidez e vingança torpe.

Numa sociedade dirigida por homens, tradicionalmente as mulheres nunca foram consideradas na exacta medida da igualdade que naturalmente têm perante os homens. Remetidas para uma escala menor, as mulheres ainda hoje (na nossa sociedade ocidental considerada tão “avançada”), auferem vencimento inferior aos homens que executam a mesma tarefa. (“Desigualdade salarial entre homens e mulheres voltou a aumentar”. Notícia de 9 de Julho de 2024, no jornal Público).

Tempos houve em que qualquer mulher que fugisse do padrão comportamental estabelecido pelos machos da sociedade, passava a ser considerada “bruxa” e, como tal, era perseguida, insultada, presa, torturada e morta violentamente, incluindo ser queimada viva.

Para que uma mulher fosse considerada bruxa bastava que ela mostrasse ser mais inteligente do que os homens que lhe eram próximos. Mulheres que exerciam actividades sociais de relevo, como prestar ajuda a parturientes e preparar medicamentos tradicionais, como hoje se encontram nas ervanárias, podiam ser designadas como bruxas por terem conhecimentos importantes para a época… e no extremo seriam perseguidas pelo complexo de inferioridade dos homens que, na convicção de mostrarem a sua “grandeza enquanto machos”, só sublinhavam a sua extrema pequenez perante as mulheres.

A sociedade machista não tinha estereotipado tais características para as mulheres… por isso, qualquer uma que saísse do padrão subserviente e temente ao homem, estava sujeita à perseguição porque, acreditavam eles, ela “teria feito um pacto com o diabo”. A partir daí podia ser humilhada, torturada e morta.

Na verdade o que acontecia tinha uma razão mais evidente e igualmente triste: a sociedade machista via nessas mulheres uma “ameaça à dominação masculina”, cujo sentimento de prepotência remonta à tradição judaico-cristã de o homem dominar a mulher, não permitindo que ela tenha vida própria para além daquilo que ele estipula “ser legal” para ela, tal como ainda hoje se observa na tradição religiosa de países islâmicos extremistas… e também em algumas famílias portuguesas… já agora!

(Por preguiça de aprender novas regras, o autor não obedece ao último Acordo Ortográfico. Basta-lhe o Português que lhe foi ensinado na Escola Primária por professores altamente qualificados)

15 de Agosto, 2024 João Nascimento

Da Premissa Filosófica de um Mundo sem Deuses

A Religião Envenena a Ética e a Moralidade

Criado no DALL-E

Sinto sempre um moderado incómodo quando alguém, um crente, um temente a Deus, me pergunta como é possível eu ter algum conceito de moralidade e ética sendo ateu. Pior ainda, insultam-me quando ficam incrédulos por eu não me levantar todos os dias com a magnífica ideia de deambular pelas ruas de Lisboa, a pisar grávidas, a matar idosos e a violar tudo o que me aparece pela frente.

Sem grande surpresa, parecem ficar mais tranquilos quando lhes digo que não, que não ando pelas ruas, seminu e a conduzir um jipe com cabeças humanas como bandeiras, a matar pessoas aleatoriamente numa busca eterna por mais gasolina. No fim, e se fizerem um esforço real para me conhecer, são sempre confrontados com a crua ironia das perguntas que me fizeram. E, provavelmente, perguntar-se-ão de onde veio essa ideia.

Esta genial proposição é uma falácia antiga que persiste. Um mito disseminado por mentes incautas ao longo dos milénios. Uma história que insiste em afirmar que o ser humano só não faz exatamente o que lhe apetece, quando lhe apetece — como torturar, matar, mentir, cobiçar, invejar ou semear o caos — porque um ou mais criadores, ou criadoras, decidiram dotar os seus brinquedos de carne preferidos com certos mecanismos de moralidade espiritual.

Agora, tu, se achas que a moralidade não pode existir sem fé num ou mais deuses, não estás apenas profundamente enganado; estás também a aproximar-te, e sorrateiramente, da ignorância.

Os crentes argumentam fervorosamente que, sem Deus, esse suposto modelo de bondade, justiça eterna e compaixão, não pode haver moralidade. Contudo, ignoram uma verdade simples e, arrisco a dizer, inegável: os seres humanos possuem um sentido inato de empatia e de humanidade partilhada. Imagino-o como uma bússola interna que nos guia, sem necessidade de divindades rancorosas a interferir de maneira suspeita nas nossas consciências.

Olhemos para os infiéis, os agnósticos, os ateus. Eles não precisam de mandamentos divinos gravados em pedra na Idade do Bronze para agir com bondade; fazem-no por genuíno altruísmo, não achas? Mesmo quando há uma agenda mais egoísta por detrás de um acto de compaixão, isso apenas reforça a ideia de que este é um mecanismo que evoluiu com a nossa espécie. Há vantagens em ser bom.

As boas acções não necessitam de recompensas divinas nem de promessas de uma vida após a morte repleta de prazeres celestiais; são valiosas por si mesmas. A moralidade e a ética não são reflexos das doutrinas religiosas, como alguns crentes podem tentar fazer-te acreditar. Estão profundamente enraizadas no nosso ADN, produtos de instintos sociais e intelectuais que evoluíram ao longo do tempo.

Assim como as árvores antigas têm raízes profundas, o Homo sapiens prosperou através da cooperação e do altruísmo — virtudes que existiam muito antes de a religião organizada surgir. Atribuir, portanto, a moralidade humana a uma fonte divina é, claramente, uma ideia não só perigosa, mas também incrivelmente estúpida.

Consideremos o conceito de Inferno, introduzido apenas no mais afável Novo Testamento. Este é um exemplo evidente de como a religião pode distorcer a moralidade de formas cada vez mais bizarras. A ideia de uma condenação eterna no pior lugar do cosmos por se desviar de uma crença, ainda que irrelevante para o mundo secular, não é apenas moralmente contraditória; é uma flagrante violação da razão e da justiça.

A ética humanista considera este conceito não só ridiculamente ultrapassado, mas também completamente absurdo. Indigno de ser levado a sério. Porém, os crentes continuam a agarrar-se a esta macabra fantasia medieval, ainda hoje defendida acerrimamente por grande parte do clero. 

Até alguns descrentes aceitam esta genial ideia, e acreditam que os seus filhos precisam de temer um demónio com cascos, chifres e um tridente para se comportarem adequadamente. A estes digo: pensem melhor.

Pondo de lado as verdadeiras teocracias que ainda existem no mundo, a maioria das religiões de hoje apresenta-se de forma mansa, amável e alegre, oferecendo, com floreados metafóricos, consolo e elevação espiritual. Mas não devemos esquecer o comportamento bárbaro que exibiram quando detinham verdadeiro poder, impondo as suas vis crenças das quais ninguém podia escapar — ainda há poucas décadas atrás, aliás.

A Bíblia, por exemplo — e apenas para evitar referir todos os manuais oficiais das diversas religiões que têm assolado a humanidade desde sempre, e continuam a fazê-lo — reflete práticas sociais e morais de tempos antigos, quando se sabia muito pouco sobre o mundo, quanto mais sobre o cosmos. Justificava acções como a escravatura e a limpeza étnica, que hoje são naturalmente consideradas profundamente imorais e criminosas.

À medida que o nosso entendimento do cosmos e de nós próprios evolui, também evolui o nosso sentido de moralidade e ética. Nunca foi tão claro que os ensinamentos religiosos procuram impedir este progresso, impondo dogmas rígidos, arcaicos e trancados pela inefável e austera palavra de Deus.

A fé, como nos ensina a história da humanidade, conduz à mesquinhez, ao egoísmo e à ignorância, promovendo a obediência cega em vez de uma verdadeira responsabilidade moral e intelectual.

A verdadeira moralidade não se encontra em textos sagrados, mas na nossa capacidade inata de empatizar com o nosso semelhante. Consiste, fundamentalmente, em respeitar e dignificar todos os seres vivos, guiados pelo nosso Daemon interno, como diria Sócrates

Esta é a ética de um mundo sem deuses, que abraça o humanismo secular e que se dedica ao máximo bem-estar de todos os seres vivos, através da ciência, da razão e da nossa própria humanidade.

12 de Agosto, 2024 João Nascimento

Da Religião e do Sequestro da Alma Humana

Gosto de pensar que fui aluno de Carl Sagan, embora isso seja algo que muitos outros como eu poderão também facilmente afirmar. Cresci a ler os seus livros, a ver os seus documentários — Cosmos, por exemplo —, e apaixonei-me, tal como tantos outros, pela beleza da ciência por causa dele.

Arrisco a dizer que Carl Sagan foi quem me mostrou pela primeira vez o que era o numinoso, o que significa, o que representa e quão importante é. Senti-o pela primeira vez com ele.

No seu livro Pale Blue Dot, o Carl Sagan oferece ao mundo uma reflexão profunda, inspirada por uma fotografia que ele mesmo propôs que fosse tirada pela sonda Voyager 1, em 1990.

À medida que a sonda se distanciava para além das gélidas fronteiras do nosso sistema solar, a câmara foi então ajustada para capturar uma imagem da Terra. O resultado foi uma fotografia que nos revelou não mais do que um minúsculo ponto azul claro na escuridão cósmica. Acredito que este gesto aparentemente simples tornou-se uma sinopse visivelmente crua da nossa fragilidade, e da nossa poética insignificância no panorama universal.

Olha novamente para aquele ponto. É aqui. É o nosso lar. Somos nós. Nele, todos aqueles que amas, todos os que conheces, todos aqueles de quem já ouviste falar, todos os seres humanos que alguma vez existiram, viveram as suas vidas. O agregado do nosso júbilo e sofrimento, milhares de religiões confiantes, ideologias e doutrinas económicas, todos os caçadores e recolectores, todos os heróis e cobardes, todos os criadores e destruidores de civilizações, todos os reis e camponeses, todos os jovens casais apaixonados, todas as mães e pais, crianças esperançosas, inventores e exploradores, todos os professores de moral, todos os políticos corruptos, todas as “superestrelas”, todos os “líderes supremos”, todos os santos e pecadores na história da nossa espécie viveram ali — num grão de pó suspenso num raio de sol.

A Terra é um palco muito pequeno numa vasta arena cósmica. Pensa nos rios de sangue derramados por todos aqueles generais e imperadores para que, em glória e triunfo, pudessem tornar-se os senhores momentâneos de uma fracção de um ponto. Pensa nas crueldades sem fim cometidas pelos habitantes de um canto deste píxel sobre os habitantes de algum outro canto, quão frequentes são os seus mal-entendidos, quão ávidos estão em matar-se uns aos outros, quão fervorosos são os seus ódios.

— Carl Sagan, Pale Blue Dot

Quando fui confrontado com esta incongruência entre o nosso solipsismo inato, e a ínfima impressão que deixamos no cosmos pela primeira vez, cresci.

Lembro-me do momento preciso, pois senti que esta discordância era um alerta valioso sobre a futilidade dos nossos conflitos terrenos, sobretudo quando ponderados à luz da escala incomensurável do universo. A revelação foi um momento de exaltação intelectual, um Eureka pessoal que potenciou e inspirou positivamente uma já irreversível e eterna viagem por mais conhecimento. 

Acredito não ser o único primata a ter sentido o mistério do transcendental, a ter experimentado algo maior que eu, mais importante e fantástico. Tenho a certeza disto.

Há mesmo momentos especiais nas nossas vidas em que o cosmos parece alinhar-se de forma quase mágica, e muitas vezes a nosso favor. Um breve instante em que a realidade deixa de ser o que parece e revela algo que ultrapassa o mundano e o habitual. Faz-nos sentir grandiosos, especiais, únicos, poderosos, extasiados, ansiosos, como tendo sido o melhor dia da nossa vida. O melhor evento, o quadro mais trágico, a canção mais lírica, o poema mais emocional, o livro mais bem escrito, etc.

Muitos, ao longo de milénios, têm interpretado estes vislumbres do transcendental como carícias divinas. Empurrões espirituais que levam muitos a percorrer caminhos ditos sagrados — seja pelo sacerdócio, pela conversão ao Islão, ao Hinduísmo, ao Judaísmo, ou por qualquer outra senda delineada pelo desonesto carimbo da religião.

E é precisamente aqui que a religião comete talvez a sua maior afronta: a audaciosa presunção de que apenas através dela, com os seus rituais, dogmas e insanidade em geral, é possível ao ser-humano experimentar o numinoso e sentir-se parte de algo maior e mais magnífico.

O transcendental, o numinoso, é aquela sensação que nos liga ao sublime, um grito trovadoresco que nos expõe a algo incrivelmente profundo. Desafia por vezes a lógica e leva-nos a confrontar uma realidade vasta em nuances e, por vezes, indescritível. E, ao contrário do que as religiões têm pregado há milénios, não são necessários mediadores, sacerdotes ou símbolos e rituais religiosos para o experienciar.

Este radar que temos para o detetar e sentir é intrínseco, uma parte essencial de todos nós, independentemente da fé — ou da ausência dela. Ao longo do tempo, a religião apoderou-se desta experiência profundamente humana da pior maneira possível. Ao sequestrar a nossa sensação de esplendor, a religião não só a conspurca continuamente e desde sempre, como também nos faz crer, de forma insidiosa, que apenas através das suas más ideias e práticas arcaicas poderíamos ter acesso a esta dimensão essencial da nossa existência.

Mas será que Michelangelo, o famoso pintor, ao criar as suas obras-primas sob a tutela financeira do Vaticano, estava realmente a expressar inspiração oriunda de fé fervorosa? Ou terá sido simplesmente a sua genialidade, a sua ligação natural ao numinoso, que brilhou apesar das imposições religiosas? Sabemos sequer se este artista era realmente devoto? Ou estaria ele apenas a tentar ganhar a vida?

A mente religiosa afirma ser impossível criar arte majestosa, música inspiradora ou escrever algo verdadeiramente belo e puro sem uma ligação íntima, e de forma altamente suspeita, com um ou mais deuses. Discordo.

Reivindicar algo tão humano como seu é nada menos que uma mentira, uma narrativa construída por homens prepotentes, cínicos, virgens e moralistas, para manter o seu domínio sobre as nossas vidas — aqui, no mundo real e mortal, onde conseguem verdadeiramente exercer o seu poder sobre as mentes mais incautas e controlá-las. Talvez seja esta a razão pela qual está tão profundamente enraizada na nossa psique colectiva, e tão difícil de erradicar ou domesticar.

Um ateu, um agnóstico, qualquer descrente, qualquer pessoa com cérebro e neurónios relativamente activos, tem tanta capacidade de sentir a beleza numinosa como qualquer devoto. A verdade é que esta manifesta-se de inúmeras formas que nada têm a ver com a institucionalização do sagrado.

Está presente na ciência que revela os mistérios do universo, na arte que expressa a profundidade e dificuldade da experiência humana, e nos actos de coragem e altruísmo que nos mostram o melhor da essência do ser humano.

A arte, a ciência, a exploração do desconhecido — todas estas são formas legítimas e poderosas de experienciar o numinoso, muitas vezes de forma mais pura e direta do que qualquer conjunto de regras ou dogma religioso permitiria. E, por conseguinte, com maior e melhor utilidade a curto e longo prazo.

Quando a religião — qualquer uma delas — afirma possuir o monopólio do transcendente, está apenas a tentar, de uma maneira extremamente venenosa, controlar a nossa relação com o mistério e a beleza do universo.

Acredito que chegou a hora de a resgatarmos, assim como a poesia da existência, das garras da religião, e de a reclamarmos como nossa, como parte da nossa herança humana universal.

O numinoso é livre.

13 de Março, 2024 Onofre Varela

Graças a Deus

As frases “Graças a Deus” e “se Deus quiser” são usadas no sentido de agradecimento e no desejo de que tudo corra bem sob a benesse da divindade. São frases tão enraizadas nas mentes e tão corriqueiras que quem as profere fá-lo de um modo automático sem ter a noção do que está a dizer. 

Os extremistas islâmicos também as usam no sentido de que tudo lhes corra bem, incluindo a eliminação de vidas nos seus atentados criminosos!… Deus é pau para toda a obra… é como a nódoa… que no bom pano cai! 

Para os crentes, Deus representa tudo quanto de bom se possa imaginar, mais a fé e a esperança de que tudo corra conforme o desejo da divindade (imaginamos que o seu desejo coincide com o nosso!). O crente tem, perante a ideia de Deus (mesmo sem saber o que é nem como é Deus) uma atitude de “respeito”, temendo-o e adorando-o concomitantemente.

Quando fazemos boa viagem agradecemos a Deus por termos chegado bem… mas se tivermos um acidente, não dizemos “graças a Deus espatifamos o carro contra uma árvore, e o tio Zé morreu com o volante enfiado no peito”. O que não se percebe!… Porque se Deus é o responsável pelo bom desfecho, também devia ser responsabilizado quando a viagem correu mal, já que se retirou do seu posto de vigia quando fazia mais falta!… 

A palavra Deus acaba por ser um código para referir o objecto sagrado da nossa adoração. Se em vez da palavra “Deus”, adoptassemos qualquer outro termo… por exemplo, “Birobé”, em vez de darmos “graças a Deus”, dávamos “graças a Birobé”!… 

Foto de Olivia Snow na Unsplash

Birobé seria o autor de todas as coisas. Passava a ser o criador e o dono do nosso destino. Birobé seria a explicação para tudo quanto desconhecemos, e o guardião da fonte de todos os nossos desejos. 

Birobé é, a partir de agora, o dono da nossa alma. E só por vontade de Birobé acordamos todas as manhãs para enfrentarmos o dia que temos para viver; e vivêmo-lo graças a Birobé. Birobé é a explicação para tudo quanto desconhecemos e queremos ver explicado. Mesmo que aquilo que não conhecemos seja sobejamente conhecido por todos, menos por nós, é Birobé que preenche o enorme buraco do nosso desconhecimento. E continuando a desconhecermos a verdadeira essência da coisa, cremos conhecê-la porque “sabemos” que a coisa… é Birobé! 

Quando procuramos uma explicação, não consultamos uma enciclopédia; recorremos a Birobé porque ele tudo sabe, é Grande e o seu Poder é indesmentível. Com Birobé, tudo; sem Birobé, nada. Birobé é aquele que designamos com letra maiúscula, que cremos ser Omnipotente, Omnisciente e Omnipresente, que tudo vê, sabe e domina. Birobé é O princípio, O meio e O fim. É Ele que nos ilumina o caminho e a Ele devemos incondicional adoração.

Acha ridículo dar graças a Birobé?…

Tem toda a razão. É tão ridículo como dar graças a Deus!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

29 de Fevereiro, 2024 Eva Monteiro

Mandar o Papa para o Céu

A publicação no X, acerca dos primeiros minutos da tertúlia, pode ser encontrada aqui.

Tempos houve em que mandar alguém para o inferno era mau. Agora, até mandar para o céu é insulto. Eu diria que é, porque a parte má está em morrer e não no que acontece depois, que é rigorosamente nada. E se isto não fosse claro e universal, não teria lido a notícia que li hoje no Observador – Programa Sacerdotal torna-se viral no YouTube depois de padres desejarem que Papa “possa ir para o céu o quanto antes”.

Não me chocou particularmente que estes padres desejassem a morte do Papa. Muitos não devem gostar dele, sejam católicos ou não. Se para um ateu a Igreja é uma coisa medievalista e retrógrada, para muitos dos seus membros, está a tornar-se um absurdo de modernidade. O contexto é simples: trata-se do episódio de dia 22 de fevereiro de uma terúlia sacerdotal – La Comunión en la mano: doctrina, mentira y desobediencia – La Sacristía de La Vendée: 22-02-2024 – que discute por sua vez um documentário (?) intitulado Comunhão na Mão, o Triunfo da Desobediência. O tema? Comungar na mão ou comungar na boca. Vamos pôr aqui um pin, que já cá voltamos.

Quando morre um Papa, o representante de deus na terra, outro é eleito, num conclave que reune o Colégio dos Cardeais no Vaticano. Não me vou alongar nos procedimentos através dos quais um Papa é eleito, porque já me bastou o tempo que dediquei aos vídeos acima, mas para quem realmente estiver interessado nos detalhes e rituais que compõem este momento da Sé Apostólica, pode ler mais aqui. Certo é que se entende, no mundo católico, que deus participa deste conclave inspirando o voto dos seus participantes. Assim, o cardeal eleito é escolhido por deus através do voto dos seus principais sacerdotes.

Seria de estranhar que sendo deus a escolher, ou a inspirar a escolha do seu representante na terra, do herdeiro do Apóstolo Pedro, a Igreja na sua representação humana, alguém então detestasse, odiasse, desejasse a morte deste ser tão santificado, especialmente no seio da própria organização sagrada que representa. Seria estranho se não soubéssemos que esta organização é inteiramente constituída por homens, sem intervenção divina, e que não representa na terra mais do que 2000 anos de patriarcado, crendice e atentados à inteligência humana. Vistas as coisas por esta perspetiva não me é assim tão estranho que sete padres católicos se juntem durante duas horas para cascar forte e feio no Papa que os rege.

É interessante que começam por rir de forma irónica quando um deles faz votos que o Papa vá depressa para o céu. Mas é mais interessante ainda que ir rapidamente para o céu seja negativo. Não é isso que se pretende? Quanto mais depressa se morre, mais depressa se acede à vida eterna de contemplação de deus. Aquele sorriso, no entanto, não engana. Ele que vá com os porcos, é o que leio ali. Que coisa tão… cristã de se dizer.

E tudo isto porque supostamente o Papa é muito progressista, é de esquerda. Sim, aparentemente o padre Charles Murr considera que se pode estar à esquerda, seja na política, seja na religião. E estes senhores, por essa ordem de ideias, estão mesmo à direita. Qualquer dia começam a celebrar a missa em latim, virados de costas para os crentes. Queixa-se de tudo, que há gente que não se confessa, mas vai comungar, que no funeral de uma pessoa trans, havia ateus e maçons e foram todos comungar. Isto é uma balbúrdia!

Então qual é a queixa central que lhes levou duas horas a discutir apesar de estarem todos à direita religiosa? Comungar com as mãos ou comungar com a boca, conforme aliás, é o tema do documentário supracitado. Esta vossa ateia muito riu com isto! Há fóruns onde fãs acérrimos de obras de ficção discutem teorias com este fervor, mas depois vão todos à livraria mais próxima comprar outros livros e tomar um café amigável. Isso eu entendo. Agora, se o crente leva a hóstia na mão ou se a toma na boca para mostrar reverência ao corpo de cristo, isso já me dá para a perplexidade.

Resumidamente, as pessoas começaram a pensar na porcalhice que é um padre enfiar os dedos nas bocas dos crentes todos. E passou a ser prática comum receber a hóstia na mão e levá-la à boca. Estes padres consideram que isso é desrespeitoso para com o corpo de cristo e acham que o Vaticano agora inventa liturgia. Caberia aqui dizer que tudo o resto que está para trás é igualmente inventado e que a hóstia é só um pedaço do alimento mais sem sabor que se conseguiu criar para o efeito. Foi como assistir a uma partida de Magic The Gathering, mas sem a emoção de saber quem vai ganhar. Só me ocorria que eram dezenas os participantes no chat do YouTube sem noção do quão ridícula é a questão.


Certo é que a piadola lhes correu mal e vieram depois desculpar-se num Tweet (Xweet?). Seriam mais corajosos se assumissem o que disseram. Alguém lhes explique que para alguém ir para o céu, tem que morrer antes. Basta ouvir o restante do conteúdo para entender que consideram que este pontificado é o pior de sempre, e que não gostam do chefe deles. Para um ateu, não seria problema. Faz-mequestionar se estes homens são mesmo crentes ou se são apenas adeptos dos jogos de poder, das fofoquices, do corta na casaca, enfim das cantigas de maldizer. Hei-de confessar-vos (mas não de joelhos), que gosto mais deles assim do que a pregar a palavrinha do senhor. Só não gosto é que ainda haja quem dê importância a isto e nos queira atirar para a Idade Média.

7 de Fevereiro, 2024 Eva Monteiro

Não Blafesmarás

Fiz dois anos de catequese nos anos 90, que culminaram na primeira comunhão. Desde já, não recomendo. Aliás, por princípio, considero uma violação dos direitos da criança, dado que não tem idade para escolher se quer ou não associar-se a uma fé, e está longe da idade da razão, em que poderia ter o discernimento para recusar ideias dogmáticas e medievais. Em todo o caso, mandaram-me para lá, e para lá fui.

Para quem não sabe, não me bastou nascer mulher, tive que nascer canhota. Outrora juntar-se-iam esses dois elementos a uma personalidade pouco obediente ao dogma e ter-se-ia uma bruxa prontinha a assar no espeto. Ironicamente, na minha juventude, dediquei-me ao neopaganismo e a todo o tipo de espiritualidade new age. Não, não adivinhei o número do Euromilhões. Devo também acrescentar que, durante o primeiro ano da escola primária, a criatura de deus que me deu aulas tentou forçar-me a escrever com a mão direita. Desengane-se quem acha que nos anos 90 já tínhamos ultrapassado este tipo de ideias.

É importante este contexto porque há um episódio que não me canso de contar porque ilustra exatamente o que a Igreja Católica e a religião no geral representam para mim. Lembro-me de pouco dos ensinamentos de Cristo, a não ser que a maioria me pareceram ou fantasiosos ou de simples senso comum. Estes últimos mais raros. Lembro-me de um livro fino com uma capa branca ilustrada com um Jesus muito eurocêntrico, rodeado de crianças. Lembro-me que gostava tanto da catequista que arranjava qualquer desculpa para não comparecer. E lembro-me em específico, de aprender a fazer o sinal da cruz. Há que ajoelhar ao entrar na Igreja, tocar com a mão direita na testa -“Em nome do pai” – tocar com a mão no peito – “do filho” – no ombro esquerdo – “e do espírito” – e no ombro direito – “santo” – juntando as mãos – “amém”. Razão para fazer isto à entrada da Igreja? Disseram-me que era porque estava a entrar na casa de deus. Eu aprendi para que as beatas não ficassem a olhar para mim.

Ora, como mencionei, sou canhota, verdadeiramente infernal na mão com que escrevo e conduzo todo o tipo de funções terrenas. E esta é uma característica que uma criança não controla – é a sua mão dominante. Assim sendo, eis que, às vésperas da primeira comunhão, uma pequena Eva se levanta a mando da catequista e faz orgulhosamente o sinal da cruz. Sentia que era um momento decisivo, estava perante outras crianças e perante uma autoridade, que me solicitava que mostrasse o que tinha aprendido. Devo dizer que teria sido um sinal da cruz irrepreensível, não tivesse sido feito com a mão esquerda. Aqui d’el rei que a criatura estava a chamar o diabo. O senhor padre que não visse uma coisa dessas, dizia ela. Deus castiga! E ela também, se bem que não me recordo do castigo recebido. Sei que eventualmente o excelso senhor padre foi lá passar vistoria e eu já sabia que se não fizesse o sinal da cruz com a mão direita, estava em grandes sarilhos, quiçá entregue aos demónios e à blasfémia, qual verdadeira Eva caída de uma macieira.

Fui pesquisar os Dez Mandamentos, porque apesar de os ter aprendido à força, fiz todos os possíveis por mantê-los fora da mente na minha vida adulta. Encontrei um resumo no site da Opus Dei, que os resume.

Eu sou o Senhor teu Deus:

  1. Amar a Deus sobre todas as coisas.
  2. Não invocar o santo nome de Deus em vão
  3. Santificar os Domingos e Festas de Guarda
  4. Honrar pai e mãe
  5. Não matar
  6. Não cometer adultério
  7. Não roubar
  8. Não levantar falsos testemunhos
  9. Guardar castidade nos pensamentos e nos desejos
  10. Não cobiçar as coisas alheias
Versão catequética dos 10 Mandamentos

Não acreditei muito nesta versão porque sabia que um dos mandamentos é não cobiçar a mulher do próximo. Desse lembrava-me porque é dos que mais se presta ao humor. Por isso, fui a uma das muitas versões da bíblia que os cristãos juram a pés juntos ser a original mensagem de deus, a mais correta e fiel e encontrei esta versão menos… catequética.

  1. Não terás outros deuses além de mim.
  2. Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto, porque eu, o Senhor, o teu Deus, sou Deus zelo­so, que castigo os filhos pelos pecados de seus pais até a terceira e quarta geração daqueles que me desprezam, mas trato com bondade até mil gerações aos que me amam e obedecem aos meus man­damentos.
  3. Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus, pois o Senhor não deixará impune quem tomar o seu nome em vão.
  4. Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo. Trabalharás seis dias e neles farás todos os teus trabalhos, mas o sétimo dia é o sábado dedicado ao Senhor, o teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teus filhos ou filhas, nem teus servos ou servas, nem teus animais, nem os estrangeiros que morarem em tuas cidades. Pois em seis dias o Senhor fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles existe, mas no sétimo dia descansou. Portanto, o Senhor abençoou o sétimo dia e o santificou.
  5. Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas vida longa na terra que o Senhor, o teu Deus, te dá.
  6. Não matarás.
  7. Não adulterarás.
  8. Não furtarás.
  9. Não darás falso testemunho contra o teu próximo.
  10. Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem seus servos ou servas, nem seu boi ou jumento, nem coisa alguma que lhe pertença.
10 Mandamentos segundo a bibliaon.com

Cada um destes mandamentos merece um texto que lhe seja exclusivamente dedicado e hoje não será o dia. Mas queria focar-me no segundo mandamento. E prometo que, tendo dado todas as voltas às rotundas cristãs, tenho um ponto a fazer.

A Queda e Expulsão do Jardim do Éden,1509-10, MICHELANGELO Buonarroti
Capela Sistina, Vaticano

Hei-de dizer que, de todos os mandamentos da cristandade, não invocar o nome de deus em vão é o mais importante. Sim, sim, mesmo acima de não matar e não roubar e até acima de não ter outros deuses. Mais valia ter-lhe chamado “Não blafesmarás”. Suponho que não é muito fácil de pronunciar. É que vivemos hoje numa sociedade em que ser ateu não é problema, desde que não se fale nisso. Ser ateu não é problema, desde que se respeite as crenças supersticiosas dos outros. E que se quer dizer com respeitar? Não criticar.

Ora, eu considero que tenho sim, um dever de aceitar o direito das pessoas a terem crenças. Não as posso querer impedir de as terem ou de regerem as suas vidas de acordo com preceitos religiosos. Mas as crenças não são senão ideias. E como ideias, podem ser criticadas. Devem ser criticadas. Um cristão pode dizer-me que se não me converter vou sofrer a eternidade no inferno com o a tortura de satanás como companhia. Reparem na ameaça. Ou fazes isto, ou acontece-te aquilo. Mas eu, como ateia canhota caída da macieira, não posso dizer “as tuas crenças são um bocado parvas”.

Ao longo da minha longa caminhada de desconstrução e de libertação do pensamento mágico, fui entendendo que a blasfémia é um ato de catarse, de purga, até de exorcismo diria eu. Por quê dizer em voz alta, isto é falso, isto não existe? Por que é que os satanistas ritualizam a blasfémia? Porque a forma de remover o medo da criança que acredita que o bicho papão está escondido no armário é abrir a porta e dizer “anda cá que não tenho medo de ti”. E quando nada acontece, a criança entende que o bicho papão não existe.

Temos medo. Já abrimos o armário e o bicho papão não nos papou. Mas quando o colega de escola vem dormir lá a casa e se cobre até aos olhos com medo que venha por aí o homem do saco, nós não nos permitimos rir. Não dançamos libertos no meio do quarto, com os pés expostos ao que o outro imagina que está debaixo da cama. Não lhe dizemos que cresça. Não dizemos a verdade. Não lhe tiramos os braços de debaixo das cobertas para mostrar que ninguém está ali para lhe agarrar as mãos. Que acreditar no bicho papão é estúpido.

Ah Eva, sua canhota do demo, comedora de maçãs. Mas tu também recorres à metáfora para dizeres o que realmente queres dizer. Que atrevimento!

É que a lei protege a religião. E apesar de ter a liberdade de não acreditar, e até de criticar a religião, seja ela qual for, não me posso dirigir a uma pessoa a dizer-lhe que as suas crenças são absurdas e que o seu deus é uma besta cruel, criatura abominável que, se fosse real, eu me recusaria a reconhecer ou adorar, já a pessoa se pode ofender. Se eu for para a frente de uma Igreja durante a missinha de domingo com um cartaz a dizer “párem de endoutrinar crianças”, estou a perturbar o ato de culto. E ambos são puníveis por lei. Contudo, se a um domingo de manhã uma parelha de Testemunhas de Jeová decidir vir proletarizar para a minha porta, acordando-me do meu merecido e mui antecipado sono matinal, já os meus direitos não estão a ser violados. Se durante a páscoa não posso escapar ao odioso dling dlong da sineta que acompanha a entourage das amêndoas e do peditório, já os meus direitos não estão a ser violados. Se durante as festas religiosas instalam colunas de som por todo o lado e decidem que toda a gente há-de ouvir a missinha, seguida da pior música que por cá se faz, já os meus direitos não estão a ser violados.

Só peço igualdade. Se não posso ofender o religioso, o religioso não pode proletarizar. Não me pode forçar a ouvir a missa, os sinos das igrejas, as celebrações religiosas que são dele e só dele. Não me pode impingir os santinhos e as rezas. Não me pode vir cá dizer “vai com deus”, “deus te guarde”, “deus a tenha”. O religioso não devia, também, misturar crença com a res publica. O religioso que mantenha resguardadas as suas crenças e deixe de usar símbolos religiosos no exercício de funções públicas, que não recrute para a igreja, templo, clube superticioso. O religioso que páre de impingir a sua crenca arcaica a uma criança que não se pode defender.

Ah Eva, canhota invertidora de sinais da cruz, mas os paizinhos é que sabem como educar um filho!

Sim? Experimentem tirar uma criança da escola sem mais nem menos que vêem logo a CPCJ a bater à porta com mais força que uma parelha de Testemunhas de Jeová. Se podemos exigir aos pais que permitam aos filhos um certo nível de educação, que dura um mínimo de 12 anos, não devemos impedir que durante esses anos de formação uma criança seja endoutrinada? Se temos provas concretas que o mundo não foi criado por deus há 6 mil anos, não devemos ter a expectativa que a criança não seja enganada?

Acima de tudo, dá-se um respeito desproporcional à fé. Não blasfemarás. Tudo o resto? Desde que varrido para debaixo de um tapete, faz-se. Podes matar, desde que te arrependas e peças perdão ao senhor padre. Podes trair, desde que te arrependas e peças perdão ao senhor padre. Podes [inserir acto horrendo], desde que te arrependas e peças perdão ao senhor padre. Falar contra a fé, alertar para as armadilhas mentais, para a subjugação da mente, a endoutrinação pelo medo, o condicionamento à criatividade e sentido inquisitivo das crianças, isso é que não. Isso, meus amigos, não se diz, é perseguição. E coitadinhos daqueles que, pertencendo inegavelmente ao status quo, são perseguidos pelos mauzões ateus. Deles será o reino dos céus.

Bom proveito.

6 de Fevereiro, 2024 Eva Monteiro

Os milagres Segundo a Ciência

Luigi Garlaschelli (Itália)*

Fenómenos paranormais, mistérios e milagres

Os fenómenos paranormais violam as leis da natureza, mas como cientistas curiosos gostamos de investigar se os factos paranormais realmente existem e se existem provas convincentes dos mesmos. (A resposta, até agora, é “NÃO”).
Um famoso “mágico” e escapista americano, James Randi, ofereceu, durante cerca de 30 anos, um milhão de dólares para quem conseguisse repetir o paranormal sob controlo. Ninguém conseguiu conquistar essa verba.
Os fenómenos paranormais aparecem com menos frequência, quanto mais são  investigados. Eis aqui, como exemplo, alguns mistérios (nem todos paranormais) com os quais me ocupei:
– Aprendi os segredos dos faquires (e eu próprio me tornei faquir): posso deitar-me numa cama com “unhas eriçadas”, expelir fogo, comer vidro, parar os batimentos cardíacos, etc.
– Cacei luzes perdidas num cemitério.
– Tratei da espada cravada na pedra! (E até consegui sacá-la)
– Examinei vedores, pessoas que afirmam poder encontrar uma fonte de água subterrânea com um pau, mas não foram capazes de detetar água a correr num cano.
– Testei, por meio de uma experiência, se a homeopatia seria eficaz em galinhas (e não é).
– Inquiri sobre as estradas mágicas onde os veículos sobem na descida (mas isso é apenas uma ilusão de ótica).

Mas os milagres também são fenómenos paranormais, embora ocorram na esfera religiosa. Esclareço que nós, cientistas, não estamos interessados na vertente da crença, mas no exame dos fenómenos. Em Itália, temos muitos milagres e explorei alguns deles.

Caravaggio «pictor praestantissimus», 2014

Sangue milagroso


O mistério mais famoso que investiguei é o chamado milagre do sangue de São Januário (San Gennaro). Esse “milagre” acontece três vezes por ano, na catedral de Nápoles, quando o sangue numa ampola se liquefaz, misteriosamente. É normal que o sangue coagule, mas não é normal acontecer que ele se liquefaça de novo e depois volte a coagular, novamente e novamente. Reproduzimos (ou imitamos) esse milagre por um método químico. Criámos um gel, ou seja, uma gelatina, feita de cloreto férrico e carbonato de cálcio. Este gel “tixotrópico” pode ser facilmente liquefeito com batidas suaves e depois, em repouso, solidifica novamente. Durante a cerimónia típica de liquefacção do sangue, o acto pelo qual o abade verifica se a liquefacção ocorreu faz com que o relicário portátil seja virado várias vezes, proporcionando assim a agitação necessária.
Outro sangue milagroso é o de São Lourenço (San Lorenzo), na cidade de Amaseno (a sul de Roma), que se liquefaz todos os anos, no dia 10 de agosto. Tive oportunidade de o observar bem: trata-se de uma substância normalmente sólida, mas que derrete quando a temperatura passa dos 30 graus, como acontece no verão. Na minha reprodução usei óleo de coco e corante vermelho.
A composição química da relíquia napolitana só poderá ser identificada pela análise do conteudo da ampola, porém tal análise é proibida pela Igreja. No entanto, bastaria apenas testar se o conteúdo se liquefaz batendo ou aumentando a temperatura.

As curas de Lurdes


Falemos agora das curas milagrosas de Lurdes (Lourdes, em francês), que deveriam ser as mais fiáveis, pois foram examinadas por três comissões, duas médicas e uma eclesiástica. Desde 1848, foram reconhecidos 70 milagres oficiais. Mas devemos ter em conta os seguintes factos: 
– Nos primeiros 50 anos (1848 -1909) ocorreram 38 curas. Entre 1910 e 1959: 25. De 1960 a 2009: 4. Assim, o número de milagres diminuiu constantemente.
– Nos primeiros 50 anos não existiam radiografias nem análises laboratoriais reais, portanto os diagnósticos das doenças eram muito incertos.
– As percentagens de curas “inexplicáveis” em Lurdes são iguais às que ocorrem nos hospitais, mas estas são menos visíveis.
– As curas nunca são – como seria necessário para um milagre – imediatas, perfeitas e completamente sem tratamento.
– Muitas vezes os documentos não são suficientes e os exames médicos ou diagnósticos são questionáveis (mesmo recentemente, como no caso da italiana Delizia Cirolli).
– Na maioria dos casos, tratava-se de doenças funcionais e não orgânicas (auto-sugestão e placebo).
– Muitas vezes, se confia demais nas testemunhas.
– Geralmente leva muito tempo até que o milagre seja reconhecido.
– É muito difícil – ou mesmo impossível – para quem quer fazer investigação obter fichas clínicas completas.
– O ex-diretor da Comissão Médica de Lurdes, Patrick Theillier, afirmou: “Uma pessoa doente só pode recuperar de uma doença que seja suscetível de desaparecer. O milagre não violenta a Natureza. Nunca aconteceu que uma criança com síndrome de Down fosse curada em Lurdes. Concluindo, o que se designa de milagre pode, em termos médicos, ser chamado de desaparecimento espontâneo dos sintomas.”

O Sudário de Turim


O Sudário de Turim é um pano de linho mundialmente famoso, atualmente guardado na catedral de Turim, e que os católicos tradicionalmente consideram o pano no qual o cadáver de Jesus Cristo foi amortalhado. A autenticidade da relíquia é contestada. Segundo alguns, foi realmente a mortalha de Jesus. De acordo com outros, é uma falsificação medieval. A Igreja (teoricamente) mantém uma posição neutra a este respeito e deixa os cientistas livres para decidir.
O Sudário é um lençol de linho com dimensões de 1,41 x 1,13 metros. Traz, nos dois lados, uma imagem escura de um homem torturado. (Vestígios de queimaduras também marcavam a imagem). Há vários indícios de que o sudário não é autêntico:
– As verdadeiras mortalhas palestinianas do século I DC eram totalmente diferentes. Naquela época os cadáveres eram amarrados e usavam-se vários panos. Além disso, os panos eram feitos de materiais diversos e confecionados com uma forma de tecelagem diferente.
– Para fabricar o Sudário de Turim foi utilizado um tipo de tecido que não existia até à Idade Média.
– O Sudário só apareceu no ano de 1355, numa pequena capela em França. Imediatamente após esse aparecimento, foi exibido para atrair os peregrinos e apresentado como verdadeiro. Por causa disso, dois bispos proibiram a sua exposição. (Existem documentos e mesmo bulas do papa da época, relacionados com essa proibição). Assim, mesmo a Igreja durante vários séculos não o considerou autêntico.
– Em 1988, três dos laboratórios mais experientes do mundo dataram-no com carbono-14. Resultado: é do século XIV!
– Um corpo humano real não deixa traços como os do Sudário: o traço é deformado e não matizado, mas é limpo.

O Sudário foi estudado, em 1978, e as características da imagem humana foram especificadas. Assim:
– A imagem é clara, matizada e não distorcida
– A imagem não se deve ao pigmento (ou seja, a grânulos sólidos), mas sim às fibras amareladas devido à decomposição da celulose (térmica ou química). O amarelecimento existe apenas na parte superficial dos fios de linho. No entanto, foram encontrados microvestígios de ocre (= terra argilosa, geralmente pulverulenta, de amarelada a avermelhada, usada como pigmento para tintas)
– A imagem mostra “negatividade”: descoberta graças à primeira fotografia, em 1898, na altura da revelação das placas fotográficas, parecia uma imagem real, porque as partes proeminentes do rosto se tornam brilhantes e as menos proeminentes, escuras.
– A imagem não fluoresce.
– Os vestígios de sangue não são matizados como a imagem corporal, mas são nítidos.

Todas essas características são consideradas inexplicáveis e, como tal, não criáveis por um artista. “O sudário é um objeto “impossível”, portanto um milagre”. Será possível? Eis as minhas hipóteses para o testar:
– A imagem original deveria ser mais visível, no início. Um artista não criaria uma imagem muito fraca.
– O Sudário foi criado esticando um pano sobre um corpo e esfregando-o com ocre seco. – Para a face foi utilizado um baixo-relevo para evitar deformações.
– Marcas de sangue e chicote foram pintadas posteriormente.
– Com o passar dos anos, o pigmento degradou-se.
– As impurezas contidas no pigmento provocaram o amarelecimento superficial das fibras.
– Este processo deve produzir automaticamente um pseudonegativo, uma imagem superficial, rasa e fraca, sem distorção e sem pigmento.
– Explicam-se os microvestígios de ocre remanescente, a falta de deformação e as características das manchas de sangue.

Os meus testes práticos foram, portanto, os seguintes:
– Esfregar, sobre um corpo real, o ocre, contendo vestígios de ácido (para simular impurezas de pigmento).
– Usar um baixo-relevo para o rosto.
– Adicionar marcas de chicote e sangue com um pincel.
– Meter no forno, a 125 graus e durante 2 horas, para simular antiguidade, com a minha “Máquina de fazer Sudários”!
– Lavar o pano para retirar o pigmento.
– Adicionar queimados, vestígios de sangue, etc.

O resultado apresenta uma imagem matizada, vestígios de sangue não matizados, pseudo-negatividade, imagem superficial devido ao amarelecimento das partes superficiais dos fios, etc. Portanto, não é verdade que o Sudário tenha propriedades que não podem ser reproduzidas!

Mais maravilhas


Na religião católica há casos de hóstias que sangram, como o milagre de Bolsena (1263). No entanto, muitos casos semelhantes também ocorreram em pão, bolos, etc. geralmente no verão. Por exemplo:
– Sangramento de hóstias em Paris (verão de 1290); Bruxelas (junho de 1369 e julho de 1379); Wilsnack, Alemanha (agosto de 1383); Sternberg, Alemanha (julho de 1492); Berlim (verão de 1510);
– Sangue num bolo, Stennwitz, Alemanha (julho de 1693);
– Sangue no pão, Chalons, França (setembro de 1792);
– Sangue na polenta (comida de milho), Legnaro, Itália (agosto de 1819).
Somente em 1819 se entendeu que se tratava de um microrganismo (Serratia marcescens) que cresce em alimentos ricos em amido, se o clima for quente e húmido, e que produz um pigmento vermelho. Assim nasceu a microbiologia. O milagre é facilmente reproduzido se se colocar algumas gotas da cultura Serratia numa fatia de pão.

Estátuas a chorar (e a beber)


Como pode uma estátua chorar? Às vezes há explicações naturais: a humidade condensa, a cola para os olhos derrete, etc. Por exemplo, numa estátua do Padre Pio, a água condensou-se por dentro e pingou de uma fenda (do cotovelo!). Por vezes ocorre trapaça. Houve um caso na Sicília de uma estátua a transpirar óleo. A polícia escondeu uma câmara e foi observada uma mulherzinha com uma garrafinha a derramar óleo na testa da estátua. Nestes casos, bastaria fechar a estátua num recipiente hermético, com câmaras e boa iluminação, para ver se ela realmente continuava a chorar.
Um caso famoso foi o de Civitavecchia, perto de Roma (1995): uma estatueta de Nossa Senhora parecia chorar lágrimas de sangue. Testemunhas viram-na chorar novamente. Mas cada testemunha relatou coisas diferentes, e as fotografias mostraram que nenhuma gota de sangue apareceu na face da estátua, exceto as primeiras. Além disso, o sangue era masculino e os donos da estátua sempre se recusaram a analisar seu DNA. Deixo as conclusões consigo.
É possível fazer uma estátua chorar sem tocá-la (este é um truque de laboratório, que reproduzi em entrevistas na TV). Numa estátua de gesso, oca, o líquido é guardado em um pequeno reservatório e escorre dos olhos. Os buracos não podem ser vistos porque estão cobertos por uma pequena quantidade de gesso que, por ser poroso, permite que o líquido escorra lentamente após alguns minutos.
Em 1996, muitas estátuas, em templos hindus, aparentemente bebiam leite de uma colher que lhes era levada à boca. O ‘milagre’ durou alguns dias. Em breve se percebeu que o leite não entrava realmente na boca, mas na verdade escorria pelo corpo da estátua.

Ligações:

www.luigigarlaschelli.itwww.cicap.org

https://sindone.weebly.com

https://skepticalinquirer.org/

Luigi Garlaschelli é um químico (agora reformado) e membro de C.I.C.A.P.  (italiano: Comitato Italiano per il Controllo delle Affermazioni sulle Pseudoscienze – português: Comissão italiana para o Controlo  das Afirmações nas Pseudociência).

Texto da revista Ateismo, nº 37, cedido por Luís Ladeira, tradutor.

6 de Julho, 2018 Carlos Esperança

Uma boa hipótese

Jesus Cristo usou óleo de canábis para fazer milagres

Musée de Tessé / Wikimedia

Jesus ressuscita o filho da viúva de Naim, óleo de Pierre Bouillon (1776-1831)

Os milagres atribuídos a Jesus Cristo nos relatos da Bíblia podem ter sido resultado do uso de óleo de canábis, cujas propriedades medicinais são conhecidas. Esta é a tese do controverso jornalista David Bienenstock.

O controverso historiador, escritor e jornalista David Bienenstock, um acérrimo defensor do uso de canábis, afirma que Jesus Cristo terá usado canábis nos “milagres” que lhe são atribuídos na Bíblia.

Os “registos históricos mostram que a canábis estava amplamente disponível na altura”, destaca Bienenstock em declarações ao jornal Daily Star, frisando que, naquele tempo, já se sabia “como a cultivar e como explorar as suas propriedades medicinais”.

“Não há nada diferente no eficiente óleo de canábis usado hoje em dia que não estivesse disponível às pessoas no tempo de Jesus – é simplesmente uma questão de concentrar a canábis em óleo e de a absorver através da pele”, acrescenta ainda o historiador.

A canábis seria também usada nos unguentos utilizados em cerimónias religiosas, e nomeadamente na unção de Jesus Cristo.

“Quando se examina o relato da unção de Jesus em termos de psicoactividade, é descrito em termos de uma experiência profunda que o transforma“, destaca Bienenstock, acreditando que essa transformação de que fala será resultado dos efeitos da canábis.

“O azeite da santa unção” e “o incenso santo” referidos no livro bíblico do Êxodo podem, inclusivamente, ser receitas com canábis, refere o mesmo historiador. E há académicos que suportam a ideia de que algumas das ervas mencionadas poderiam, na verdade, ser nomes usados na época para designar a canábis.

Carl Ruck, professor de mitologia clássica da Universidade de Boston, explica ao Daily Star que “parece haver poucas dúvidas sobre o papel da canábis na Religião Judaica“, onde era utilizada nos unguentos usados nas cerimónias.

“Obviamente que a fácil disponibilidade e a tradição de longa data da canábis, no início do Judaísmo, a terá, inevitavelmente, incluído nas misturas cristãs”, acrescenta Ruck.

Bienenstock defende que Jesus terá usados óleos de canábis para tratar doentes, lembrando que a Bíblia inclui relatos que indiciam respostas semelhantes à que epilépticos tiveram com o uso da droga nos tempos modernos.

“Alguém com a mentalidade religiosa da época, não percebendo a base de sustentação científica, como ou porque funciona, provavelmente, veria aquilo como um milagre“, conclui o historiador.

Também o investigador Chris Bennett, autor do livro “Sexo, Drogas, Violência e a Bíblia”, corrobora a teoria de Bienenstock, frisando que “o uso médico de canábis, durante aquele período, é apoiado por registos arqueológicos”.

Nenhum dos investigadores se pronunciou sobre o papel da canábis nos famosos milagres em que Cristo transforma pão em peixes e anda sobre a água.

ZAP //

D1A – Este artigo é mera cópia/colagem.

4 de Julho, 2018 Vítor Julião

A alma existe?

 
O monoteísmo diz que só o Sapiens tem uma alma imortal. O corpo pode morrer mas a alma segue o seu caminho para a salvação ou perdição, mas os porcos ou outros animais já não têm alma, logo não há lugar para eles nestes teatros circenses.
 
Só que, as descobertas científicas contradizem inequivocamente este mito monoteísta. Elas confirmam com exatidão os monoteístas quando eles dizem que os animais não tem alma, mas contradizem os mesmos crentes quando eles afirmam que o Homem tem alma. Os cientistas submeteram o Homo sapiens a dezenas de milhares de testes bizarros e observaram cada recanto do coração e cada fenda do cérebro, e nada! Absolutamente nada de alma.
 
“Ah, mas se não descobriram a alma, é porque esses tipos de bata branca que se acham muito inteligentes, não procuraram bem!”, balirá um crente certamente.
 
O problema para os crentes é que as ciências da vida duvidam que a alma exista, não apenas por não existir qualquer prova ou evidência da sua existência, mas também porque a ideia de alma vai contradizer os mais elementares princípios da evolução.
 
E é essa contradição, a principal causa de ódio desmedido e estúpido que os crentes monoteístas desvairados, alimentam pela Teoria da evolução.