1 de Abril, 2014 Carlos Esperança
Momento zen de segunda_31-03_2014 – DN
João César das Neves (JCN), megafone ortodoxo do clero reacionário e depositário da herança do concílio de Trento, brindou-nos hoje com uma homilia a que deu o título de “O fósforo e a gasolina”.
Execrou a cultura ocidental porque, “após ter tentado (…) revolucionar religião, política e economia”, “decidiu abalar a família”. Trocou a ordem tradicional pela “libertinagem mais total». Ele lá saberá os meios que frequenta e os hábitos da sua madraça, para dizer que “Foi formulado um axioma sensual, decretando o prazer venéreo como supremo e absoluto” [sic]. Freud veria na obsessão sexual o recalcamento que substitui pelo cilício.
Informa que “Os horrores da Revolução Francesa, União Soviética, etc. resultaram do esquecimento da estrutura social natural”. Não explica, basta-lhe a fé. “Também a crise financeira global ou os desastres de automóvel vêm do descuido de velhos princípios de prudência. Nada se compara, porém, com o arrasador mito libertino contemporâneo”, diz JCN. Talvez não seja o substantivo que o apavora, é o adjetivo que o excita. Aceita, decerto, o mito, adora os seus mitos, apenas execra a lascívia.
No fervor da homilia pergunta, citando o livro de cabeceira: “Qual de vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida?” (Mt 6, 27). Ignora os progressos da medicina e da farmacologia e de como está obsoleto o livro citado.
JCN – “Os resultados da nossa experiência libertina são há muito evidentes. Explosão de divórcios e violência familiar, queda catastrófica da natalidade, patologias mentais, sobretudo infantis, pornografia, degradação da mulher, insucesso escolar, marginalidade, droga, exclusão, vício, miséria, suicídio”.
Quem imaginaria na prática do sexo, que JCN chama “experiência libertina”, sequelas tão devastadoras e contraditórias? Nem um pároco de aldeia! JCN parece ignorar que a castidade é a mais demolidora atitude contra a reprodução e jamais alguém provou que a prática sexual seja culpada do insucesso escolar e, muito menos, da queda catastrófica da natalidade, entre as desgraças que aponta ao único prazer que não prejudica a saúde.
JCN finda a homilia, sem a ameaça do Inferno, mas acusando o Estado: “O propósito supremo é proteger desesperadamente o precioso postulado lascivo. Pode dizer-se que nisto o nosso tempo confirma o famoso epitáfio irónico: “Aqui jaz o homem que foi com um fósforo ver se havia gasolina no tanque. E havia.”
JCN ensandeceu mas continua a ser um manancial de humor num país sorumbático.