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Categoria: Religiões

13 de Setembro, 2015 Carlos Esperança

A visita pascal – Crónica

O Senhor Jesus Ressuscitado viajava, no Domingo de Páscoa, pelas casas da aldeia a recolher o ósculo e a esmola dos devotos. Onde não chegava antes do anoitecer ia no dia seguinte, com desgosto dos paroquianos que o aguardavam. A bênção valia o mesmo, é certo, mas perdia-se o tempo da espera e era diferente. Por isso, para não contrariar os mesmos, todos os anos mudava o itinerário.

Transportava-o o sacristão, que o entregava ao vigário em cada paragem, e era acompanhado por devotos que aliviavam a alma e recolhiam esmolas suplementares para os santos que exornavam a igreja local. Um garoto levava a caldeirinha de água benta que passava ao sacristão enquanto o padre se ocupava da cruz e recolhia-a depois deste despachar a tarefa e de se ocupar do hissope, num movimento de rotação, a aspergir com vigor, em cada lar, um círculo protetor das investidas do demo, bênção que não deixaria de acautelar também o vivo que morava na corte, por baixo.

Era um tempo em que não havia vírus nem pneumonias atípicas, as pessoas viviam porque Deus queria e finavam-se quando o Senhor era servido, sem intromissão do médico a estorvar a divina vontade de as chamar.

Em todas as casas as vitualhas aguardavam a visita ao lado de uma garrafa de jeropiga rodeada de cálices. Entrava primeiro o padre, seguido do sacristão e do garoto que conduzia a caldeirinha. Aguardavam nas escadas os outros para depois os revezarem. Genufletiam-se os da casa, por ordem cronológica, para beijar o pé do Jesus até chegar ao chefe de família que era o último a ajoelhar e o primeiro a soerguer-se. Borrifada de água benta a habitação, recolhida a esmola destinada ao Ressuscitado, a mais substancial, o padre bebia um trago de jeropiga e mordiscava um naco de pão-de-ló, por consideração, enquanto o sacristão aviava o cálice, de um sorvo, e se desforrava nos bolos. Às vezes demoravam-se mais um pouco para que o senhor padre rezasse uns responsos a rogo, geralmente por alma de quem tinha deixado com que pagar o latim.

Havia no séquito que aguardava nas escadas um homem por cada santo que ornava os altares da igreja, disponível para arrecadar a oferenda. Assim, enquanto o padre e o sacristão desciam, subiam eles para recolher, se a houvesse, a esmola que a cada santo cabia, consoante as posses e a devoção dos anfitriões. Creio que os turnos de acesso se estabeleciam em função do espaço e não da liturgia.

Mais de metade da paróquia percorrida, com o padre e o sacristão aguentando o múnus a pão-de-ló e regada a fé a jeropiga, a vingar-se o último, a conter-se o primeiro, a acelerarem todos para as casas que faltavam, o sacristão avaliou mal a distância que o separava das escadas na última casa onde entraram, abalroou o garoto que transportava a caldeirinha que logo a soltou, verteu a água e arremessou o hissope contra a parede. Foi grande o reboliço enquanto o sacristão e a cruz varreram enrolados as escadas sem que alguém do séquito lhes deitasse a mão, impávidos, como se evitassem estorvar se acaso fosse promessa a queda.

O padre, vermelho de raiva e da jeropiga, aguentou-se nas pernas e conteve a língua, ao cimo das escadas, enquanto, sem largar a cruz, se despenhou por entre as alas de acompanhantes o sacristão. Este recuperou rapidamente o alinho e endireitou a cruz, sem ninguém se aleijar, Deus seja louvado, e o padre despachou logo um paroquiano com uma jarra de vidro a caminho da igreja a sortir-se de água benta, com o aviso de se apressar, estava a fazer-se tarde, faltava ainda muito povo para aviar. Se recriminações houve ficaram reservadas para a discrição da sacristia.

No dia seguinte as conversas da aldeia começavam todas por Deus me perdoe, seguidas de persignações apressadas e de risos amplos, terminando em ansiedade pelo pecado cometido ou pelo temor da desobriga, mas ninguém resistiu a contar o sucedido e a comentá-lo, sendo mais forte a tentação do que a piedade.

In Pedras Soltas – Ed. 2006 (Esgotado)

12 de Setembro, 2015 Carlos Esperança

A FRASE

«E, por favor – perdoe-se-me o atrevimento –, não venham com o exemplo idealizado da Sagrada Família de Nazaré, com um pai putativo, uma mãe virgem e um filho único».

(Anselmo Borges, padre e professor de Filosofia, hoje, no DN, “Teólogos e recasados”)

12 de Setembro, 2015 Carlos Esperança

Pecado grave

Estado Islâmico: refugiados na Europa cometem pecado grave

Da Agência Lusa Fonte: Agência Brasil

O grupo extremista Estado Islâmico disse hoje (10) que os sírios refugiados na Europa cometem um pecado grave, porque “nessas terras regem as leis do ateísmo e da indecência”.

Na edição de setembro da revista do grupo radical sunita, com o título Dabiq, os jihadistas criticaram os sírios e os líbios que “arriscam as próprias vidas e as próprias almas” e que abandonam voluntariamente a pátria do Islã pela terra dos infiéis.

Os terroristas advertem que as crianças na Europa e nos Estados Unidos estão sob “a constante ameaça do sexo, da sodomia, das drogas e do álcool”.

Continua…

11 de Setembro, 2015 Carlos Esperança

A nossa solidariedade

Por

Frei Bento

Caríssimos irmãos em Cristo, pegai lá a minha bênção em nome do Pai, do Filho e do Novo… do Espírito Santo.
Amém.

Sabeis, porque tendes visto, ouvido e lido, não necessariamente por esta ordem, mas certamente separadamente ou em simultâneo, que Sua Santidade o Papa Francisco apelou às paróquias, mosteiros e conventos, ermidas, capelas, et coetera, que acolhessem tudo o que fosse migrante ou refugiado, que a comunicação social não sabe distinguir. Eu também não, confesso.

Obviamente, o nosso santo Abade Faria, também conhecido por Abade de Priscos, vá lá saber-se porquê, logo entrou em histeria tipo menstrual, a berrar que “o mais rapidamente possível” tudo teria de estar em ordem para acolher os refugiados que Deus se dignasse conceder-nos porque, está escrito, nada acontece, nem uma folha cai de uma árvore se não for essa a vontade de Deus. Ou seja, temos andado numa azáfama fod… terrível, a substituir, embora não totalmente, crucifixos por crescentes, mas ainda não entendi como é que aquele crescente mais parece um minguante, enfim, quem sou eu, que nada percebo de astronomia.

Como se não bastasse, gastou uma pipa de massa para vir um informático, ainda por cima ateu, fazer o daunlod de uma coisa que lhe chamam guglemapes, só para afinar com a direcção de Meca. A seguir, mandou comprar tapetes de Arraiolos, que foram devidamente benzidos pelo cheique David, e mandou colocá-los na estufa onde costumávamos cultivar e coçar tomates tendo, previamente, mandado destruir toda a plantação. Ou seja, não temos tomates para coçar, mas temos um lindo mostruário de tapetes de Arraiolos, todos devidamente alinhados em direcção a Meca. Tudo para que não seque a torneira do Vaticano, que está para nós como a torneira de Bruxelas está para os políticos, formadores, empresários e outros aldrabões.

Entretanto, temos tido umas aulas de comunicação religiosa, onde somos instruídos no sentido de convencer aquela gente de que Deus há só um, que é o da Bíblia, e que o outro mais não é do que um patético macaco de imitação. Mas temos de dizer isto sem os ofender, que aquela gente até corta pescoços.

A medo, que o gajo não é para brincadeiras, ainda perguntei ao nosso santo Abade se tinha em mente um espaço para a tralha ateísta, que isto de refugiados nunca se sabe o que aparece; respondeu-me com maus modos que nos países islâmicos não há ateus, porque são países muito mais evoluídos, religiosamente falando, do mesmo modo que, “et pour cause”, também não há panel… homossexuais.

Cá os aguardamos, com a bênção de Deus e o patrocínio de Maomé.

Saúde e merda, que Deus não pode dar tudo.

6 de Setembro, 2015 Carlos Esperança

Aparições

Por

Leopoldo

Como se sabe, Maria aparece de vez em quando e sempre empoleirada numa árvore, num montão de pedras, no cimo de qualquer coisa. Ou seja, a Senhora deve ter complexos por ser pouco alta.

Depois sempre pede coisas: Ou um templo para ela, ou que lhe rezem o terço, ou que a adorem por outras vias.
“Eu sou a sempre virgem, mãe do Deus vivo”.
Acredito mais depressa que Ela tenha aparecido do que nas bacoradas que dizem que Ela disse!!!
1 de Setembro, 2015 Carlos Esperança

Origens de mitos religiosos

Por

Paulo Franco

Há muito tempo que a civilização moderna repudia o acto do canibalismo.
Então onde foi buscar o cristianismo a ideia repugnante de, num ritual simbólico, comer a carne e beber o sangue de Jesus Cristo?

Qual a génese deste ritual? Qual a diferença entre este ritual e a prática de certas tribos primitivas que comiam o cérebro e o coração dos seus adversários mortos na guerra convencidos que assim absorviam o espírito, a coragem e a vitalidade que lhes admiravam?

Se existe algo em comum entre as religiões, as já extintas e as ainda existentes, é uma aparente compulsão irresistível para a prática de rituais de sacrifícios. Urge perguntar: O que terá acontecido para as religiões terem desenvolvido esta ideia tão excêntrica?

Será que os sacrifícios foram de facto exigências de um Deus de mente perturbada? Ou será que estes rituais foram herdados de povos ancestrais com crenças pagãs?
A resposta a esta última pergunta não é difícil de adivinhar.

As histórias bíblicas do Antigo Testamento têm indubitavelmente imensas parecenças com as lendas antigas das religiões pagãs muito anteriores ao cristianismo. É afirmado pelos historiadores bíblicos que os autores originais dos primeiros escritos que posteriormente foram escolhidos (e portanto canonizados) para serem parte integrante do Antigo Testamento, explanaram, integraram e/ou plagiaram nesses textos muitas das crenças e tradições pagãs que reinavam no imaginário colectivo nos séculos que precederam o aparecimento do Cristianismo.

Analisemos a seguinte hipótese: Durante dezenas de milhares de anos, os hominídeos tiveram de lidar com uma existência difícil: mortalidade infantil muito elevada; esperança média de vida a rondar os 25 anos; mais tribalismo sangrento na luta por
território e por fémeas; ansiedade e frustração face a um mundo de acontecimentos que não compreendiam e que os oprimia. A morte e o sofrimento era uma dura realidade enfrentada diariamente pelos primeiros Homens. Com o advento do pensamento religioso, desenvolveu-se a ideia de entidades sobrenaturais que estariam por detrás de todos os acontecimentos. Com o passar dos séculos, os primeiros resquícios de religião evoluíram para uma consciencialização colectiva de que a morte e o sofrimento ocorriam devido à vontade dos Deuses. Se o sofrimento e a morte era vontade dos Deuses, porque não oferecer a morte aos Deuses?
Poderia tal oferta favorecer os humanos e apaziguar a fúria divina?
Enevoada pelo pensamento supersticioso, a imaginação humana respondeu que sim. E assim nasceu um tipo de comportamento humano tão bizarro como cruel que fez (e ainda faz) correr rios de sangue animal e humano.

Nada disto é possível provar, claro está. São meras conjecturas especulativas impossíveis de comprovar pelos critérios científicos. Mas nada nos diz tanto sobre a nossa antiquíssima ancestralidade como a religião e nenhuma outra particularidade da cultura actual nos faz mergulhar tão fundo na nossa história como a sua origem.

A ideia de que um sacrifício humano ou animal pode agradar a uma entidade divina (ideia muito presente em muitas religiões, particularmente no cristianismo) pode bem ter ocorrido de forma idêntica à hipótese aqui analisada.

O Animismo (visão do mundo em que as entidades não-humanas têm uma essência espiritual), ao contrário do que alguns antropólogos afirmam, desenvolveu-se ainda num período muito anterior ao Neolítico em tribos pré-religiosas.
Desde caçadores primitivos acreditarem que a ingestão da carne implicava a absorção do espírito e da vitalidade do animal, até à concepção de textos gravados na pedra ou em papiro onde deuses exigem serem ofertados com sacrifícios de animais, certamente passaram vários milénios, mas a correlação entre ambos os conceitos parece-me evidente.

Madre Teresa de Calcutá afirmou que “o sofrimento dos pobres é agradável ao Senhor”. Esta (horrível) crença religiosa, transversal a toda a Cristandade, a par dos hábitos de autoflagelação, dos percursos feitos de joelhos à volta do santuário de Fátima ou de Lurdes, e todas as outras práticas ligadas ao castigo corporal, está, a meu ver, ligado ao longínquo pensamento primitivo de que era necessário apaziguar a fúria dos Deuses ofertando-lhes morte e sangue em abundância.

31 de Agosto, 2015 Carlos Esperança

O medo é a origem da fé

Mustafa e Shena (e Christopher Hitchens)

1. A primeira vez que ouvi falar de Mustafa fiquei logo a saber que era ateu. Um xiita ateu de Bagdad, escreveu-me o nosso amigo em comum. “Xiita ateu” parece uma contradição mas é uma boa síntese. Num Iraque em que xiitas e sunitas vivem uma guerra latente, xiita é o contexto de onde Mustafá vem e ateu o que ele escolheu ser. À semelhança de qualquer ateu baptizado em criança que pode dizer, se lhe perguntarem a religião, ter sido criado como católico.

Diário de uns Ateus – Clique no título para ler o artigo do Público.