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Categoria: Religiões

25 de Maio, 2007 Ricardo Alves

John Charles Sword ajoelhar-se-á em Fátima?

Na última edição do Expresso, o militante clerical João Carlos Espada saiu em defesa do catolicismo em geral e da variedade fatimista em particular. Diga-se que eu costumava apontar este ideólogo da direita mais extrema como um dos maiores inimigos do pensamento crítico e da herança iluminista e científica em Portugal, a par do inefável João César das Neves e do obscurantista Boaventura Sousa Santos. Infelizmente para quem o aprecia, John Charles Sword tem-se limitado nos últimos anos a perorar sobre a obrigatoriedade da gravata e a produzir exortações ao «cavalheirismo» e ao consumo de chá, temas a propósito dos quais consegue sempre citar quatro ou cinco filósofos ingleses ou políticos neoconservadores num único parágrafo. Em suma, embora a sua influência não cesse de aumentar, a sua combatividade tem declinado.

O que diz Espada desta vez? Que a recente «manifestação» de Fátima foi «não política» e que o fim das ditaduras no sul da Europa e na América Latina foi parte dos «contributos (…) da religião cristã para a liberdade». Começando por aqui: o papel da ICAR nessas transições para a democracia não foi de as apressar; foi de as atrasar. O apoio da nomenclatura católica ao fascismo português foi indefectível, com uma ou duas excepções (honrosas) devidamente denunciadas à PIDE pelos superiores hierárquicos. O 28 de Maio iniciara-se em Braga, capital católica de Portugal, no momento em que aí tinha lugar um «Congresso Mariano», o qual foi visitado pelos golpistas reaccionários para recolherem conselhos e um apoio que foi adequadamente recompensado a seu tempo. O papel evidente da ICAR no nacional-catolicismo franquista, ou a bênção de Pinochet por Wojtyla, são outros exemplos que dispensam mais comentários. Querer passar um certificado de antifascismo à ICAR é uma ironia de mau gosto de que só John Charles Sword se lembraria.

Quanto a Fátima: só alguém desorientado pelo pior relativismo epistemológico pode considerar plausível a ideia de que o sol pode dançar o fandango quando visto das proximidades de Leiria e manter-se aparentemente imóvel para todo o restante hemisfério. Persistir em «respeitar» essa ideia é renunciar a desmascarar uma mentira óbvia que tem sido mantida para financiar a ICAR (não as «obras sociais» para as quais pede dinheiro ao Estado, mas as suas faraónicas catedrais) e combater o espírito científico. Espada não pode pretender dar lições de «cavalheirismo» e de «carácter», e simultaneamente transigir com quem mente e promove uma fraude com evidentes objectivos políticos e comerciais. Muito menos me parece que seja digno de cidadãos livres e emancipados andarem a rastejar de joelhos à volta de uma árvore qualquer, mas admito que o britânico conceito de dignidade de John Charles Sword inclua a prescrição dessas práticas públicas. Se for esse o caso, João Carlos Espada é livre de dar o exemplo e rastejar no joelhódromo…

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]
15 de Maio, 2007 Helder Sanches

Madeleine McCann em Fátima


Como pai e como alguém que adora crianças, lamento profundamente os acontecimentos à volta do desaparecimento da pequena Madeleine McCann. Como lamento o desaparecimento de todas as crianças portuguesas que, todas juntas, nunca fizeram gastar tanta tinta e tanta concentração de meios para a resolução dos seus casos. Sinceramente, ainda bem para a pequena Madeleine que esses meios estejam disponíveis para ela. Esperemos que este seja um novo padrão a que a nossa policia nos venha a habituar. O ideal seria que tais meios nunca voltassem a ser necessários; mas isso só aconteceria se o mundo, de repente, passasse a ser perfeito.

O que eu não suporto mesmo é a ignorância mascarada de fé saloia. Então, não é que em Fátima, nas celebrações dos 90 anos do embuste-mor nacional, proliferavam as imagens da pequena Maddie com preces para que a pequena fosse encontrada sã e salva!?!

Mas, afinal, onde estava o deus desta gente quando a pequenita desapareceu? Porque é que não se viram cartazes a perguntar ao tal deus ou à sua virgem concubina porque deixaram que a pequena e inocente Maddie desaparecesse, assim, sem mais nem menos? Não é suposto esse tal omni-tudo olhar pelas criancinhas e pelos inocentes? Afinal, ou esse ser que gosta de ser bajulado não sabia o que estava a acontecer e não é omnisciente ou sabia e não fez nada. Pergunto eu: não fez porque não quis ou porque não pôde? Se foi porque não pôde, não é omnipotente. Se foi porque não quis, de facto, não me surpreende; é o que se pode esperar de quem condena um filho à morte por pura vaidade e necessidade de afirmação, num autêntico frenesim de egocentrismo!

(Publicação simultânea: Diário Ateísta / Penso, logo, sou ateu)

14 de Maio, 2007 Ricardo Alves

O fracasso brasileiro de Ratzinger

Lendo a imprensa brasileira, a conclusão que se retira é que a incursão de Ratzinger pelo Brasil foi um tremendo fracasso. Politicamente, ouviu um sonoro «não» de um político que raramente se impõe. E teve menos pessoas a idolatrá-lo em público do que em qualquer festival católico de verão que tenha realizado na sisuda Alemanha.

Foi uma surpresa positiva que Lula da Silva, um Presidente ambíguo e pouco dado a rupturas, tenha dito a Ratzinger que o Brasil vai «preservar e consolidar o Estado laico». B-16 pedira, nessa entrevista, uma Concordata que garantisse os privilégios a que a ICAR está habituada noutros países: isenções fiscais e ensino do catolicismo na escola pública a expensas do Estado, por exemplo (com o acinte extra da obrigatoriedade do ensino do catolicismo). Também quereria interferir, aparentemente, na legislação sobre aborto e distribuição de anticoncepcionais. Levou, em tudo, um rotundo «não».

Nas acções de massas, a decepção de Raztinger também foi grande. Teve menos pessoas do que se esperava, e não há jornal que não frise que o catolicismo brasileiro está em regressão demográfica, em perda para as igrejas evangélicas. Uma perda de influência que se estende a toda a América Latina e que Raztinger não parece ser capaz de inverter.

Como se não bastasse, a sua viagem levou a imprensa brasileira a entrevistar os «teólogos da libertação» (como Leonardo Boff) que Ratzinger tanto detesta e que tanto tem perseguido. Enfim, uma semana aziaga para o Papa alemão.

Espero que, pelo menos, o Sapatinhos Vermelhos tenha tido tempo para umas caipirinhas…

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]
11 de Maio, 2007 Ricardo Alves

A ICAR é pobre?

Muitos responsáveis da ICAR gostam de dizer que «a igreja é pobre». Ai sim? Se é pobre, como será possível que tenha 60 milhões de euros (12 milhões de contos em moeda antiga) para pagar uma basílica faraónica como a que está a ser terminada em Fátima?

Vejamos quanto são 60 milhões de euros: 60 milhões de euros seriam suficientes para financiar 15% do que o Estado gasta anualmente em Ciência e Tecnologia; ou para subsidiar 60% do orçamento anual da Fundação Calouste Gulbenkian; ou para pagar dois anos inteiros de orçamento de uma Câmara Municipal como Beja; ou ainda para pagar dez salários anuais a um jogador de bola como Luís Figo.

E depois disto ainda vão dizer que a ICAR não apenas é pobre, como só gasta dinheiro em «assistência social»… Haja paciência.
9 de Maio, 2007 Ricardo Alves

A minha solidariedade

Quero prestar a minha solidariedade aos brasileiros que lêem este blogue, neste momento em que o último ditador da Europa ocidental está quase a chegar, e presumivelmente se prepara para promover o obscurantismo, interferir na política interna brasileira, ocupar 99,9% do tempo noticioso e proteger-se da mais leve das críticas com o argumento de que ele acha que existe outra realidade material.

Se puderem, digam-lhe tudo o que ele merece ouvir. Como todos os seres humanos, é pela crítica que pode melhorar.
8 de Maio, 2007 Ricardo Alves

Arcebispo de Pamplona diz que a extrema direita é «digna de consideração e apoio»

Num documento datado de 17 de Março, o arcebispo de Pamplona (Espanha) da ICAR, Fernando Sebastián Aguilar, tece considerações sobre a extrema direita:
  • «Hoje em Espanha há alguns partidos políticos que querem ser fiéis à doutrina social da Igreja na sua totalidade, como por exemplo a Comunhão Tradicionalista Católica, Alternativa Espanhola, Terço Católico de Acção Política, Falange Espanhola das JONS. Todos estes são partidos pouco tidos em consideração. Têm um valor de testemunho que pode justificar um voto. Não têm muitas probabilidades de influir de maneira efectiva na vida política, ainda que pudessem entrar em alianças importantes se conseguissem o apoio suficiente dos cidadãos católicos. Por isso não podem ser considerados como obrigatórios, mas sim como dignos de consideração e de apoio. Os grandes partidos, os que regem a vida social e política, são todos eles não confessionais, alguns radicalmente laicos e claramente laicistas

A Falange Espanhola das JONS é a herdeira da Falange (fascista) de Primo de Rivera; o Terço Católico de Acção Política quer fechar as clínicas de planeamento familiar e proibir as pessoas de «ostentarem a sua orientação sexual»; a Alternativa Espanhola acha que os conservadores do PP não respeitam a «lei natural» moral (seja lá isso o que for); finalmente, o outro grupúsculo clerical e extremista não o consegui encontrar…

O episcopado espanhol é muito mais conservador do que o português. Ainda quer voltar ao franquismo.

7 de Maio, 2007 Ricardo Alves

A cadeira desaparecida e outras coisas mais sérias

Um leitor atento do Diário Ateísta apontou-nos uma pérola no Correio da Manhã de ontem: no hospital D. Estefânia (Lisboa) há quem se queixe do desaparecimento de duas camas, lençóis, cobertores e batas que teriam sido usados por uma rapariga infeliz há mais de oitenta anos. Mais: até desapareceu «a cadeira que Jacinta sinalizou como “o sítio onde Nossa Senhora se sentava quando a ia visitar ao hospital”». Os nossos leitores especulam que a cadeira desaparecida poderá ter ascendido ao «céu», desafiando as leis da gravidade, um processo físico que, com todo o respeito pelas crenças gerais e particulares de quem crê, me parece de realização difícil sem foguetões, mesmo aceitando que o «céu» do catolicismo seja algures na estratosfera. Mas adiante…

Fetichização dos objectos usados ou tocados por pessoas «santas» à parte, não faz qualquer sentido que um hospital público seja transformado numa espécie de museu do culto católico, ou da sub-variedade «catolicismo fatimista» (um sub-culto que parece ter ganho vida própria). Eu não tenho o direito de espalhar pelas paredes dos hospitais cartazes com os dizeres «Deus não existe», «Fátima é aldrabice» ou «Jacinta foi manipulada pelo clero». Não tenho esse direito e não quero tê-lo, embora seja verdade que o «Deus» do catolicismo não existe e que a aldrabice fatimista é uma mentira vergonhosa.

As intenções do capelão católico do hospital são cristalinas: «porque “os santos são do sítio onde morrem e não do sítio onde nascem”, o capelão defende que “Jacinta é a grande Santa de Lisboa”. Por isso, assume que “a Igreja tem a intenção de transformar o hospital num espaço sagrado”. “Um santuário com área museológica”, diz. “Há projecto e inspiração, falta juntar a vontade dos governantes.”». Um hospital público é um espaço de todos, e não pode estar ao serviço do proselitismo religioso, como não pode estar ao serviço da propaganda política. O senhor capelão católico, como todos os capelães católicos dos hospitais públicos, recebe um salário do Estado (facto que tem merecido críticas, mesmo dentro de redutos clericais como a Comissão de Liberdade Religiosa). Para nossa vergonha, usa-o para promover a religião dele e do sub-culto fatimista dentro de um espaço do Estado. Laicidade?

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
27 de Fevereiro, 2007 Ricardo Alves

Frei Gambozino, um padre grosseirão

Num artigo saído no Público no dia 24 de Dezembro de 2006, o cidadão Bento Domingues tratou os laicistas de «estúpidos sem fronteiras», «importante colecção de cretinos», «quadrilha de idiotas», e falou também em «manifesta tolice» e «burrice mais aguda».

Se o sr. Domingues tivesse escrito que os africanos são «cretinos», seria racista. Se tivesse designado os judeus por «quadrilha de idiotas», seria anti-semita. Se tivesse chamado «estúpidos» aos brasileiros ou aos chineses, seria xenófobo. Se o Público tivesse editado um artigo aludindo à «burrice» católica, dez bispos gritariam «a ICAR está a ser perseguida». Se o alvo fossem os muçulmanos, haveria uma crise internacional. Se um militante do PS (ou de outro partido) tratasse, nos jornais, os do PSD (ou de outro partido) de «estúpidos», «cretinos» e «idiotas», seria excluído do debate público. No entanto, este género de linguagem ordinária é permitido a um grupo específico de portugueses, os sacerdotes católicos. Haverá justificação para se ser eticamente menos exigente com estes senhores? Eu penso que não.

O artigo referido veio na sequência de uma célebre campanha do jornal Público, durante a qual o militante clerical António Marujo tentou convencer os leitores de que iam laicistas a casa das pessoas impedi-las de fazer presépios ou de sairem para a «missa do galo». A campanha era montada a partir de falsidades e meias-verdades, e duvido que Frei Gambozino Domingues não o soubesse. Foi grosseiro gratuitamente.

Por um misto de paternalismo e comiseração por quem ganha a vida a vender uma banha da cobra chamada «ressurreição», a contar patranhas sobre as leis da natureza e sobre acontecimentos históricos, e a meter-se na vida dos outros, muitas pessoas tendem a ter padrões éticos mais baixos para os sacerdotes católicos. É um erro. Qualquer padre pode compreender que a «ressurreição» é treta, e que não é por querer agradar a divindades abstractas que se deve ajudar as pessoas concretas. Resta acrescentar que certos ingénuos e ingénuas acham Frei Gambozino «tolerante». Eu não percebo se os insultos que profere são toleráveis para essas pessoas. Para mim, não são.

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

13 de Fevereiro, 2007 Carlos Esperança

D. Efigénia ficou doente (crónica)

A minha vizinha Efigénia (pseudónimo que uso para evitar agravar-lhe o mal), amiga da missa e da hóstia, ficou doente.

No período que precedeu o Referendo da IVG papou a missa diária, deixou queimar o arroz e a massa três vezes, vazou-lhe a sopa outras tantas e pegou fogo o fogão quando se distraiu a rezar a salve-rainha. Até o bolo de chocolate que fizera para o filho, que vinha de fim-de-semana, se lhe reduziu a carvão quando debitava o terço no oratório do quarto.

A D. Efigénia já me disse que era uma pena eu não ir à missa, tão boa pessoa, até reza pela minha conversão e não desanima de ver-me subir as escadas da igreja da paróquia, entregue a uns frades depois de começarem a escassear os padres seculares.

A D. Efigénia nunca pensou perder o Referendo, era pela vida, sabia que a Senhora de Fátima andava a desfazer-se em lágrimas de sangue, espécie de menstruação ocular, e que não permitiria que as forças do mal vencessem.

Aliás, ela bem sabe como os portugueses são atreitos ao medo do Inferno, embora este tenha sido abolido, e como sentem a falta das cantorias e do padre no funeral. Sorria feliz com o Cânone 1331 que excomungaria os que votassem SIM no Referendo: «não poderiam casar, baptizar-se nem ter um funeral religioso».

Julgava a boa da D. Efigénia que o medo era suficiente para dar a vitória à Senhora de Fátima, ao seu amado filho, ao pai do Céu e a todos os que se preocupam com pecados.

Quando viu que 2.338.053 desprezaram as suas orações, missas, novenas, terços e outros pios demonífugos começou a cismar que Deus não existe, a senhora de Fátima é uma burla, os anjos não voam, rastejam, e os padres são funcionários de uma empresa cujos produtos não têm certificado de garantia nem prazo de validade.

A D. Efigénia, continua a benzer-se, mas até julga que alguns defensores do Não são proprietários de clínicas clandestinas e que a despenalização do aborto lhes vai acabar com o negócio.

Entre a salvação da alma e a reflexão, a D. Efigénia hesita e aflige-se, adoece e cisma, mas nunca mais rezou um pai-nosso. Diz que tem muitos na conta e não resultaram. Finalmente, convenceu-se de que o aborto não é um sacramento e pode ser feito sem a ajuda do padre.