4 de Outubro, 2008 Carlos Esperança
Sobre milagres
Há milagres que correm bem e milagres que correm mal. Ressuscitar um morto é um milagre ao alcance de poucos, capaz de transformar em Deus um homem qualquer e de devolver a virgindade à mãe do taumaturgo. Já a transformação da água em vinho é um truque mais fácil, com sofisticação aperfeiçoada ao longo dos séculos, e cujo segredo valeu a fortuna a muitos e a prisão de alguns.
Para combater a descrença, à medida que a ciência avança, aumentam os milagres mas baixa a qualidade. Não há candidato a santo que faça crescer a perna a um coxo, transforme em membro uma prótese ou converta em osso um implante de platina.
Aumenta no mercado a suspeita sobre os milagres. Só os nomeados para os Óscares da santidade se atrevem no ramo, quase sempre no exercício ilegal da medicina, crime cuja impunidade está garantida pela condição de morto. Os santos promovidos, com estátuas em mísulas na casa dos fiéis e nas peanhas das igrejas, raramente interrompem o sono eterno para acudirem às queixas dos aflitos. Enjeitam cunhas, indiferentes às orações e à angústia, mantendo a defunção impoluta depois de uma vida com períodos nebulosos.
A Irmã Lúcia que não obrou milagres em vida, por serem vedados pelo direito canónico, mas que tagarelava com a Senhora de Fátima, recebia visitas de Jesus na cela, encontros que se adivinham castos pela idade e defunção do visitante, e que visitou o Inferno antes da abolição canónica, ainda não se iniciou no ramo dos milagres depois de morta.
Era muito dada a visões, em vida, mas não tem sido eficiente a obrar prodígios de que necessita para a canonização, dinamização da fé e lucro dos pios investimentos na nova igreja de Fátima – a maior área coberta destinada à liturgia em países de língua portuguesa.
O Diário Ateísta, que foi vítima de ataques de crackers cuja eficiência foi demolidora, não se opõe a que a Sagrada Congregação para a Causa dos Santos declare a perfídia como milagre da Irmã Lúcia. O Diário Ateísta denuncia a superstição e os embustes mas não quer prejudicar os negócios da Cova da Iria num período de crise económica generalizada.