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Categoria: Religiões

14 de Outubro, 2024 Onofre Varela

Sobre a Espiritualidade

Quando se fala em Espiritualidade é comum ouvirmos referi-la sob o ponto de vista religioso, aliando-a a uma fé, de acordo com a definição de dicionário que aponta, como sinónimo, a palavra “misticismo” (Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 8ª Edição, 1998). No mesmo dicionário, misticismo é “atitude caracterizada pela crença na possibilidade de comunicação directa com o divino ou a divindade”.

Se seguirmos estas definições encontramo-nos no terreno da crença religiosa que é sementeira de ideias transcendentes relacionadas com as figuras deificas inexistentes no mundo físico que nos fez e acolhe, indo para lá de tudo quanto é natural, na procura de uma outra origem que transgride a Natureza, vogando no espaço imaginativo da crença.

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Círculo de Leitores, 2003) navega nas mesmas águas definindo a espiritualidade como “característica ou qualidade do que tem ou revela intensa actividade religiosa ou mística”… quer dizer que seguindo por esta via, pretensamente explicativa, não aprendemos nada que seja real e concreto, e nos distancie do termo enquanto “filosofia de fé”.

Foto de Marc-Olivier Jodoin na Unsplash

O mesmo Houaiss, para a palavra “espírito” aponta, no mínimo, dezoito definições… até o bom vinho o possui! Também lá está a palavra “alma” como sinónimo de “espírito”… mas o termo “alma” tem a sorte de ser bafejado por quatro dezenas de definições, começando pelo “princípio da vida no homem ou nos animais”, passando por pensamento, afectividade, sensibilidade e “conjunto das actividades vitais”. Quer dizer: vida.

Alma é vida. É movimento. A “anima” que possui o significado de “fôlego vital”, respiração ou “sopro da vida”, de onde provém, etimologicamente, a palavra “animal” (ser que tem alma, animação) diferenciando-o dos vegetais, os quais, embora tenham vida, não se auto-locomovem (por não terem animação autónoma) como fazem os animais.

Agora podemos ir mais além nos conceitos que as palavras podem representar, e definirmos “espírito” como “modo de ser”. Há quem, pelas suas palavras, aspecto ou presença, transmita “paz de espírito”; e há quem possua um “espírito irrequieto ou belicoso”. Uma pessoa bondosa e pacífica é definida como sendo “uma paz de alma”.

A espiritualidade é, portanto, característica de seres animados e detentores de um cérebro capaz de um entendimento universalista de si, dos outros e do meio em que se movimentam, para se poderem manifestar sensitivamente: portanto, só o Ser Humano a possui.

Embora quase sempre ligada à esfera do “religioso deifico e transcendental”, a espiritualidade existe em todos nós, quer sejamos crentes, descrentes, assim-assim, nem por isso… ou ateus.

André Comte-Sponville, filósofo francês (1952) fala de “uma espiritualidade sem Deus”, no sentido de termos, todos nós, uma abertura (de espírito, de entendimento) para o ilimitado, no conhecimento de sermos seres relativos e abertos para o “absoluto”.

Nesse sentido, a espiritualidade do ateu caminha ao lado da espiritualidade do religioso, mas dispensando a figura do deus que alimenta a espiritualidade do companheiro da caminhada que ambos encetamos pela estrada da vida.

O alimento do ateu (para além do pantagruélico, que é sempre bem-vindo numa mesa rodeada de familiares e amigos) também passa pela sua espiritualidade, pelo seu lado sensível perante a beleza de uma pintura, de uma estátua, de uma paisagem, de um pôr do Sol, ou de um poema (assisti a um cântico gregoriano na catedral de Santiago de Compostela… e adorei! Nunca experimentei maior prazer auditivo).

A espiritualidade é estudada cientificamente pela “Neuroteologia” (também designada por “Bioteologia”), “Neurociência da Religião” e “Neurociência espiritual”, que investigam crenças, experiências e práticas religiosas ou espirituais. Há uma pesquisa na tentativa de se explicar a base neurológica de experiências religiosas, incluindo a dimensão da espiritualidade e as alterações dos estados de consciência.

O sentido religioso não passa de uma actividade do nosso cérebro. Qualquer ligação que queiramos fazer das coisas e de nós, a um deus, não passa de uma manifestação dos nossos sentimentos mais básicos que nos fazem crer num deus real (para além da guarida que os religiosos dão ao conceito dentro das suas cabeças)… mas que, naturalmente, não desagua em bom mar… até porque o leito onde deveria correr o rio da fé onde navegaria Deus… sempre esteve seco!…

(Por preguiça de aprender novas regras, o autor não obedece ao último Acordo Ortográfico. Basta-lhe o Português que lhe foi ensinado na Escola Primária por professores altamente qualificados)

11 de Outubro, 2024 Carlos Silva

A Richard Dawkins

Imagem: Internet


“Imagine-se, com John Lennon, um mundo sem religião. Imagine-se que não há bombistas suicidas, 11 de setembro, atentados de Londres, cruzadas, caça às bruxas, conspiração da pólvora, divisão da Índia, guerras israelo-palestinianas, massacres de sérvios/croatas/muçulmanos, perseguição de judeus enquanto «assassinos de Cristo», «problemas» na Irlanda do Norte, «assassínios por motivos de honra», televangelistas de fato lustroso e cabelo armado a tosquiar o dinheiro de rebanhos ingénuos (“Deus quer que dês até te doer”). Imagine-se que não há talibãs a fazer explodir estátuas antigas, decapitações públicas de blasfemos, flagelação de mulheres por exibirem um centímetro de pele.”

Estas palavras constam na introdução do Livro “A Desilusão de Deus” de Richard Dawkins”[1] que li quase sem parar…

A Desilusão de Deus

Há momentos que mudam a História… e possivelmente a “Desilusão de Deus” de Richard Dawkins é um deles!

Quando, por acaso, destapei o momento, ao encetar a descoberta fiquei verdadeiramente entusiasmado, preso ao desejo de continuar a descobrir…

Curiosamente tem no “Prefácio” o Prefácio que sonhara aquando da primeira vez que me ocorrera criar um dito “livro” ou algo que com tal se assemelhe… precisamente o mesmo poema de Lennon que gerou o meu “despertar” e transformar em realidade todo este sonho… coincidência!

Fez-me recordar o adolescente que casualmente nascera em religião, a olhava com relativa indiferença e, no fundo, apenas reforçaria a conceção que começava a ter da mais pura realidade: “É possível ser-se ateu sem deixar de ser uma pessoa feliz, com sentido moral e intelectualmente realizado”… e que o poder da razão é mais forte que qualquer crença… (pela verdade!) ainda que a última esteja enraizada em milhares de anos de história…

Fez-me recordar, que a “doutrinação de infância” jamais poderá moldar uma personalidade cuja inteligência inata seja suficientemente forte e instruída.

Fez-me sobretudo reforçar ainda mais o “espírito ateísta” e levá-lo ao livre entendimento sobre a vida e a realidade… assente numa mente aberta e sã.

Fez-me “despertar ainda mais consciências!”


[1] Defensor intransigente da evolução segundo a teoria de Darwin… é um divulgador ágil da ciência e do pensamento científico.


AGORA ATEU (I), 2008-02-09

6 de Outubro, 2024 Onofre Varela

Papa Francisco “tropeça” no seu discurso!…

Considero o Papa Francisco I (F1) um elemento renovador da Igreja Católica (IC) pelas atitudes humanistas que tem tomado, de entre as quais se conta a condenação dos abusos sexuais perpetrados no seio da sua igreja por sacerdotes defensores do amor e que tão mal fazem a jovens, abusando-os sexualmente. Jovens que, mercê da violação, têm uma vida de adultos limitada e consumida pela recordação de uma infância destruída por quem os devia proteger.

Qualquer homem, por muito defensor da Justiça, pode incorrer em erro. A prová-lo está o facto de haver juízes com a sua actividade suspensa pela má prática enquanto juristas. Mas quando esse homem é sacerdote, o erro será mais grave porque é (ou pode ser) motivado por uma educação seminarista que molda “agentes religiosos” (em vez de “homens íntegros”), na auto-consideração de serem exemplos morais.

CNN Chile

Motivado pela sua própria educação seminarista, F1 não pode fugir ao fundamentalismo religioso que o moldou e, mercê disso, pode, em alguns momentos, ofuscar o seu discurso que eu elogio.

Desta vez F1 disse algo que merece a reprovação da Associação Ateísta Portuguesa (AAP) da qual sou vice-presidente.

Após visitar a Bélgica, país onde o aborto continua a ser uma questão política, com mais de 500 pessoas a sofreram abusos sexuais por parte de membros da IC, F1 não usou o seu “critério humanista” que eu aprecio. Em vez disso deitou mão à sua “formação seminarista” e debitou um discurso – que eu também reprovo – chamando assassinos (com todo o peso negativo que a palavra contém) aos médicos que cumprem a lei da Interrupção Voluntária da Gravidez, que a AAP critica numa declaração enviada aos órgãos de comunicação social, com o título: “Associação Ateísta Portuguesa considera perigosas as palavras do Papa relativamente ao aborto”, e que é do seguinte teor:

«A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) considera negligentes e ignóbeis as palavras do Papa Francisco sobre o aborto, proferidas recentemente no regresso de uma visita à Bélgica, uma vez que apelidou os médicos que procedem à interrupção voluntária de gravidez (IVG) de assassinos. Mais concretamente, e citando a Euronews, o Papa disse: “Permitam-me o termo: assassinos. São assassinos. E isto é indiscutível. Estão a matar uma vida humana”. Se a posição da Igreja Católica sobre o aborto não espanta ninguém, por não ser uma novidade, as palavras agora proferidas são de uma enorme gravidade não só porque têm o potencial de colocar os crentes cristãos contra os médicos, como ainda são uma interferência de um chefe religioso nas decisões políticas de um outro país. Sabendo que as palavras geram ações, apelidar os médicos de assassinos pode mesmo levar a que fundamentalistas cristãos da Bélgica se sintam legitimados a atacar os profissionais que realizam esses actos médicos, ou instalações clínicas, como aliás acontece nalguns países. Esta posição de Francisco pode também ter consequências para Portugal, uma vez que, segundo as notícias, são muitos os médicos que se recusam a proceder à prática da IVG alegando objeção de consciência, podendo estar em causa uma motivação religiosa. Lembramos que Francisco tem direito a exprimir a sua opinião, mas não lhe é reconhecida qualquer autoridade para influenciar a política ou a legislação de outros países soberanos. A AAP esclarece que as leis de interrupção voluntária da gravidez protegem a saúde das mulheres, por criarem condições seguras em ambiente médico, e porque contribuem na realidade para uma diminuição do número de situações de aborto. Além disso, a IVG tem lugar durante um período temporal em que o feto ainda não é considerado uma vida humana».

Este discurso recente de F1 tem outras nuances que me parecem negativas: concretamente, oPapa foi questionado por jornalistas sobre as próximas eleições nos EUA, e respondeu que “entre dois males” os americanos deveriam votar no “mal menor” quando forem escolher entre o candidato que quer deportar migrantes (Donald Trump) e aquele que apoia o direito ao aborto (Kamala Harris). Assim, para o Papa, tem mais valor a deportação de migrantes e todas as mentiras políticas de Trump (que, a ser eleito, tornará o mundo num lugar bem mais perigoso para se viver) do que as propostas mais honestas, pacíficas e humanistas, de Kamala!…

Esta atitude papal é baseada na falsa defesa de uma vida que ainda não o é!…A prática da IVG acontece quando o ser humano a ser gerado por aquela gravidez ainda não passa de um projecto. Tal como um projecto arquitectónico não é um edifício, uma pasta de sangue num ovário também não é um ser humano (prova-o o facto de nunca se ter realizado o funeral de um aborto!).

Com todos os males que possam caracterizar F1 enquanto agente da IC, continuo a considerá-lo o melhor Papa que a História recente regista… o que não impede Mário Bergoglio de tropeçar no seu discurso e se estatelar ao comprido… mostrando que o seu lado humanista pode ser distorcido pelas posições tradicionais da Igreja que representa e que estão implantadas bem fundo no seu cérebro como “chip” difícil de retirar.

29 de Setembro, 2024 Onofre Varela

Muçulmanos, Judeus e Cristãos

O conflito do Médio Oriente diz-nos que depois de um grupo muçulmano extremista ter matado e raptado israelitas, o governo de Israel – que é composto por uma extrema-direita religiosa judaica que sempre desrespeitou os palestinos – transformou aquele acto terrorista de uma organização que promove a Jihad (luta armada em nome de Deus) numa guerra sem respeitar regras internacionais que defendem as populações inocentes em ambiente de conflito armado.

A guerra que Israel faz na Palestina destruiu um país e matou (continua a destruir e a matar, com potentes bombas fornecidas pelos EUA) jovens, velhos, mulheres, crianças e doentes hospitalizados, com a intenção de eliminar dirigentes da organização terrorista que combatem, esquecendo que com tal atitude são igualmente terroristas e invasores de países vizinhos. Este comportamento dos judeus demonstra serem odiosos; idênticos a Hitler que perseguiu judeus, ciganos e homossexuais na Segunda Guerra Mundial.

Quando falamos da prática religiosa muçulmana temos a tendência de a encararmos como criminosa pelos actos terroristas que os islamitas radicais protagonizam… e nós, tão “puríssimos cristãos” esquecemos as práticas de tortura e assassínio que a Igreja Católica da Inquisição, chamada Santa, já exerceu contra judeus e críticos da fé católica.

O judaísmo não tem profeta. Nos círculos religiosos bíblicos consta que (há mais de 2500 anos) Abraão foi chamado por Deus para que levasse o seu povo em direcção a Canaã, a terra prometida, que hoje é o território Palestino tomado pelos judeus.

Os outros dois grandes grupos religiosos (cristãos e muçulmanos) são mais idênticos do que se possa imaginar. Na prática, um muçulmano acredita na existência de um deus singular, omnipotente, omnipresente e misericordioso. Obedece ao princípio básico de que Deus não é inteligível em termos humanos, e segue um só profeta: Maomé. Até aqui um muçulmano não se diferencia de um cristão. Este, diz o mesmo que o outro, apenas com a substituição do nome de Maomé pelo de Jesus Cristo que, historicamente, antecedeu Maomé em seis séculos.

No Islamismo, tal como no Judaísmo e no Cristianismo, Deus (Alláh: palavra formada pelo artigo definido Al, e ilah, que significa “a divindade”), também é macho. Deus é referido como Pai, e nunca como Mãe. O que é compreensível pelo facto de a figura do “deus único” ser um conceito criado por homens numa sociedade patriarcal e machista. Em tal contexto, Deus teria de ser macho e redutor da condição feminina como ainda hoje se observa (por exemplo) no Irão e no Afeganistão.

Foto de أخٌ‌في‌الله na Unsplash

Este paralelismo entre as duas crenças continua na convicção de que Ele (Deus, seja Jeová ou Alá) criou o universo, mantém-no e sustenta-o. Relativamente a nós, homens fracos e mortais, Ele (sempre grafado com maiúscula porque a subserviência ao poder é lei), seja o deus dos judeus, dos cristãos ou dos muçulmanos, é amoroso, generoso e benevolente (*). Só nos pede que o amemos e nos comportemos de acordo com os seus mandamentos, que são sempre dirigidos pelo respeito e amor ao próximo.

Porém, há uma importante nota a considerar: Ele deve ser amado antes de nós amarmos os outros… (os outros são próximos… mas não tanto!…) este procedimento indicia vaidade, prepotência e ciúme… o que, para um deus, não me parece lá muito bonito!… (É claro que tudo isto é invenção humana com intenção de amarrar os povos ao poder dos sacerdotes que, ao tempo, tinham também o poder máximo: social, político e económico. E Deus, por inexistente, sai absolvido).

Depois de morrermos, Deus premeia-nos ou castiga-nos (dizem os crentes), conforme as nossas acções em vida tenham sido boas ou más, as quais deverão obedecer às suas leis divinas que foram divulgadas através de Moisés, Jesus ou Maomé, por acção directa ou com a intermediação do Anjo Gabriel, para uns, e do Espírito Santo, para outros. A palavra Islão tem sentido duplo: significa Paz, mas também Submissão. Isto é: paz encontrada na submissão a Deus. 

Até aqui, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, em nada diferem.

Se as religiões fossem fontes de bondade e concórdia, como todas elas se auto-consideram, os seus respectivos aderentes viveriam em paz e harmonia no cumprimento da excelente fraternidade por todos eles apregoada, e as esquadras de polícia, mais os tribunais, encerravam por falta de clientela… mas as suas premissas são tão falsas como falso é o propagandista-vigarista que apregoa a milagrosa banha-de-cobra e a taluda da Lotaria numa cautela sem prémio, ou um governo que promete não aumentar impostos, e a Igreja que vende o céu ao crente depois deste “esticar o pernil”.

A Religião, sendo produto do pensamento e da acção dos homens, não é diferente da Política… cria grupos facciosos e fundamentalistas; e o fundamentalismo é o beco sem saída por onde enveredam os mais belicosos adeptos das seitas (religiosas ou políticas), estragando as relações humanas que podiam (e deviam) ser afectuosas.

No fundamentalismo, os “outros” são sempre os “inimigos” que só existem para serem derrotados… isto é, abatidos… como se “nós” (o contrário de “outros”) fossemos a fina-flor da Humanidade!… Há lá coisa mais vil, desumana e estúpida?!…

(*) – Embora na Bíblia se registe que Deus provocou a morte a imensa gente, como é exemplo o episódio bíblico das pragas do Egipto (entre outros), onde o tão amoroso deus dos judeus e dos cristãos é apresentado como um “serial Killer”: matou todas as crianças… só para atingir o filho do Faraó! Hoje, os “serial Killer” estão presos. E em alguns estados dos EUA são executados.

23 de Setembro, 2024 Onofre Varela

“A verdade liberta. A mentira prende”

Em 2007 a Editorial Caminho editou o meu livro “O Peter Pan Não Existe – Reflexões de um ateu”, obra que me ocupou cinco anos de escrita e, ao que julgava saber, a edição estaria esgotada… porém, dois amigos, num espaço de tempo curto e em livrarias diferentes, conseguiram o livro! Combinamos um jantar para dar à língua, recordar tempos passados e poder dedicar-lhes os dois exemplares do Peter Pan. Por essa razão peguei no exemplar que me resta em arquivo, abri-o ao calhas e, do que li, decidi fazer esta crónica.

Ao primeiro capítulo dei o título “A verdade tornar-vos-á livres. A mentira tornar-vos-á crentes”, frase que fui buscar ao Evangelho de S. João (8:32), para referir “crença e conhecimento”. A certo passo, digo assim: “Quem pensa que existe um ser supremo criador e dominador das vontades, não pode ser considerado menos, nem mais, inteligente do que aquele que não acredita em tal existência. Crença e conhecimento são matérias diferentes, antagónicas, mas que podem coabitar pacificamente no mesmo cérebro. O pensamento e a sabedoria são duas matérias primas da Filosofia e podem funcionar como terapia do espírito. Ambos «curam» ou aliviam algumas das nossas maleitas. Os nossos maiores males, quando não são de ordem natural, provêm de imposições alheias que resultam em aflições sociais e económicas, ditadas pelo meio onde nos inserimos e que nos faz sofrer. Deste sofrimento não podemos sair unicamente por nossa livre vontade (não é o mesmo que sair do autocarro). Somos vulneráveis e, por isso, também buscadores constantes da satisfação e do consolo que cada um pode encontrar em lugares distintos. O apuro dessa satisfação e desse consolo passa, inevitavelmente, pela qualidade do nosso pensamento e da nossa sabedoria. O apuro dessa qualidade, não se conseguindo no ensino oficial, terá de ser procurado por cada um, vendo, ouvindo, lendo e pensando. Quem assim não procede sujeita-se à educação padronizada que modela a sociedade em que o indivíduo se insere e que é, por mor de outros interesses que não os seus, nivelada pela matriz dos valores sociais estabelecidos – isto é: invariavelmente, por baixo – tornando-nos massificados, transformando cada um de nós num modelo estereotipado como alvo à mercê de quem vive da exploração dos nossos sentimentos programados”.

A melhor escolha na vida é cada um informar-se e ilustrar-se para poder pensar pela sua própria cabeça, não se deixando anestesiar por discursos de quem nos quer convencer, sejam agentes religiosos ou políticos. Tais agentes estão, continuamente, em “modo pré-eleitoral” tentando pescar adeptos para os seus grupos. Ao ouvirmos o palavreado que debitam nos vários púlpitos… temos de os peneirar criteriosamente… para (como se diz no meu meio) não sermos “comidos por lorpas”!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

15 de Setembro, 2024 Onofre Varela

Ciência, Religião,Ética e Moral

Hubert Reeves, especialista em astrofísica e autor do livro “Um Pouco Mais de Azul”, distingue o domínio da Ciência de quaisquer outros domínios de entre os que regem as sociedades que os homens já construíram.

A Ciência explica como as coisas são ou funcionam, e não se imiscui nos valores sociais. O domínio desses valores pertence a outros campos, como a Política e a Economia. Depois, há a Filosofia, a Religião, e mais um ramo filosófico denominado Ética (tendo acoplada a Moral), transversal a todos os outros campos, limitando poderes e moralizando atitudes.

Na Economia e na Política… parece que a Ética é uma espécie de “figura de estilo” que se encontra apenas nos discursos dos profissionais desses dois ramos para “parecer bem”, mas não nas suas acções e atitudes… pelo menos que nos apercebamos dela no dia-a-dia!…

A Filosofia é um tratado de manuais de Ética estudando os valores que regem os relacionamentos entre as pessoas, a harmonia do convívio na significação do bom e do mau, do mal e do bem, e a sua própria definição aponta para “aquilo que pertence ao carácter”.

Sobre a Religião talvez possamos dizer que é “o modo popular” que as populações têm de entender a Filosofia e procurar a harmonia social nos seus conceitos.

Filosofias há muitas… tal como chapéus (como disse o nosso actor Vasco Santana)… e carácteres também os temos por aí às mancheias, aos lotes e aos pontapés. Os carácteres são tão velhos quanto o raciocínio. O “Carácter” conta a nossa História feita de guerras, de crenças e de negócios sem pinga de Ética. Nas guerras encontram-se “carácteres” que são rastilhos patrióticos, causas religiosas e políticas apresentadas por quem as faz como “exemplos de positividade”… mas sempre em prejuízo do mesmo alvo sofredor: o Povo.

Vasco Santana – Arquivo da RTP

O Povo é sempre o personagem que se encontra na cena das acções de guerra e morre crente na divindade apregoada pelos seus líderes religiosos que fazem a guerra, mas também crente nas razões políticas dos líderes que armam exércitos e destroem cidades, matam velhos e, principalmente, crianças que ainda não tiveram tempo de experimentar o paladar da vida.

Se a maioria dos líderes religiosos (que tanto apregoam a divindade e matam gritando que “Alá é grande”), dos políticos e dos generais que, por crença na divindade e no patriotismo serôdio, fazem a guerra, tivessem vergonha e raciocínio Humanista… terminariam as guerras, as invasões, as destruições de equipamentos e cidades… e não haveria mais morte violenta.

De entre homens de Religião destaco Baruch Espinoza (1632-1677), filósofo holandês de origem portuguesa, autor do livro “Ética”, e que foi acusado de ser ateu… mesmo tendo definido Deus como “o ente absolutamente infinito, isto é, a substância que consta de infinitos atributos”… o que talvez queira dizer que Ética e Religião podem conflituar (e conflituam!) entre si!

A Ética tem, no Cristianismo, o seu expoente máximo na célebre frase “Amarás o próximo como a ti mesmo” (Mateus 22:39), que é cópia do Velho Testamento (Levítico 19:18). É uma frase que traduz um conceito universalista, ultrapassando a Moral Católica que defende a vida uterina quando ainda não há ser humano formado e por isso condena o aborto; mas também condena o divórcio, a eutanásia e as relações homossexuais, que a Ética Laica defende como liberdades individuais lícitas.

A Ética religiosa difere de religião para religião. No Islamismo extremado, por exemplo, defende-se a condenação à morte da mulher que se apaixona por um homem que professe outra religião que não seja aquela que é seguida pela família dela!…

É comum misturar-se Ética com Moral. Não são a mesma coisa. Se a Ética estuda valores morais que orientam o comportamento humano, a Moral é constituída pelos costumes, pelas regras e pelos tabus das convenções instituídas por cada sociedade.

Logo, a Ética é mais universalista, enquanto que a Moral (os apelidados “bons-costumes”) é uma herança emocional e colectiva transmitida por cada sociedade aos seus membros… (e muitas vezes não é lá grande coisa!…)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

8 de Setembro, 2024 Onofre Varela

Somos evoluídos em relação a quê?!…

No início da escrita deste texto comecei por escolher para título a frase: “A História diz-nos que Deus é perigoso”. Mudei-o depois… mas na verdade, entendido como poder, o conceito de Deus é tão perigoso quanto qualquer outro poder quando ele é imposto como paradigma da “Verdade Absoluta”, obrigando à sua submissão sem limites nem interrogações, como são exemplo não só os credos religiosos, mas também o Fascismo, o Nazismo e o Comunismo, ou qualquer ideologia de Direita-extremista ou Teocrática.

A confirmar a perigosidade do conceito de Deus, estão os extremistas islâmicos que, em nome de Deus, cometem os mais hediondos crimes, desrespeitam as mulheres e escravizam as crianças. No capítulo das crianças, e na Política, Putin faz o mesmo, escravizando a mente dos menores roubados às famílias ucranianas após a invasão da Ucrânia, submetendo as crianças raptadas a “lavagens cerebrais”; na China de Xi Jinping faz-se igual ao Povo Uigur – nas apelidadas «escolas de reeducação» – para que os “reeducados” pensem conforme o que o ditador quer que se pense, destruindo a identidade cultural do povo Uigur.

Por seu lado, o “poder dos deuses” sempre foi ditadura persecutória, explorado pelos líderes das comunidades que o usavam (e usam) para oprimir o Povo, conseguindo a sua subserviência ao poder temporal, amedrontado com o castigo divino. Os credos religiosos subjugam-nos desde a Antiguidade mais remota, passando pela Idade Média (quando a Igreja era a “dona” das governações e coroava reis a seu contento) até aos nossos dias e à nossa porta.

É neste sentido que deve ser entendida a frase: “A História diz-nos que Deus é perigoso”. Fora deste contexto de subjugação a um deus (ou a qualquer outro poder ditatorial), numa sociedade sadia dispensadora da droga do divino e liberta de ditaduras políticas opressoras que impõem o pensamento único, uma corrente de ar é bastante mais perigosa para um corpo desprotegido… e Deus vale zero (os ditadores valem menos que zero).

Embora hoje o poder da religião continue a ser praticado ao serviço dos vários interesses que comandam a sociedade em que nos inserimos, estamos numa posição diferente daquela em que viveram os povos de outros tempos sob a ditadura dos sacerdotes… mas não estamos melhores!… Hoje não são apenas as religiões que dirigem a vontade dos povos; os partidos políticos e os grupos económico-financeiros também fazem parte da lista dos exploradores da boa-fé das populações.

Somos comandados pelos poderes (a maioria das vezes constituídos pelas piores pessoas) que dominam a sociedade e nem nos damos conta de que são muitos. Na verdade, quando um anónimo cidadão temente a Deus ajoelha no templo em frente ao altar do santinho da sua devoção, ou ouve o guru da seita que lhe promete felicidade eterna, julga fazê-lo perante a divindade. Foi isso que lhe disseram em menino e é nisso que ele acredita. Mas na verdade ajoelha-se perante um Poder: o poder da Igreja e das modernas seitas que amarram as mentes crentes à ideia opressora de Deus usada pelos exploradores da fé.

A seguir vêm todos os outros poderes, e não é raro a própria entidade patronal (a quem o temente a Deus vende a força do seu trabalho) pertencer à casta dos que colhem da seara divina (é, até, muito frequente) porque a ideia de Deus traz acoplada a submissão à autoridade, seja ela divina ou humana. O patrão tem poder sobre os seus assalariados podendo negar-lhes o pão quando muito bem entender… e na verdade já o nega quando paga salários miseráveis aos seus assalariados e compra habitações de luxo, iates e automóveis topo de gama para si próprio, com o lucro que arrecada do trabalho miseravelmente pago.

As leis, nesta era da globalização, estão feitas à medida dos poderes da Banca e da Economia, numa Europa desenhada para a submissão do Trabalho ao Capital, e da Política à Economia e à Alta Finança, protegendo a exploração do trabalho com direitos reduzidos para alimento de um sistema económico-neocapitalista asselvajado tendo a extrema-direita à espreita para promover o retrocesso da nossa caminhada pelo respeito ao próximo e pela concórdia social (se o Comunismo era o sonho da “parte sadia” da sociedade nas décadas de 1950, 60 e 70, em contra-ponto ao Capitalismo… deixou de o ser desde que partidos comunistas apoiam ditadores como Putin, Maduro e Kim Jong-un).

Neste sistema social em que vivemos e que sempre nos oprime (embora se diga democrático), há uma verdade histórica a considerar: “o Povo é tanto mais explorado quanto mais religioso for”. E há mais esta: “a sociedade tem tanto mais ricos, quanto mais pobres e incultas forem as pessoas que a constituem”. E isto não é mais do que um gritante sinal de primitivismo!

Quando nos imaginamos uns seres inteligentes e evoluídos, devemos interrogar-nos: somos evoluídos, em relação a quê?…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

30 de Agosto, 2024 João Nascimento

Da Humilde Hipocrisia das Ovelhas de Deus

Criado com o DALL-E

Religião e humildade são duas palavras que só coexistem em relativa harmonia na mente dos mais ingénuos, dito da forma mais suave possível. Na realidade, tratam-se de forças antagónicas, conceitos incompatíveis e irreconciliáveis, ideias opostas numa batalha fútil e violenta por um meio-termo metafísico que nunca poderá realmente existir.

E isso não pode, nem vai acontecer, porque, quando confrontados com a espantosa imensidão do universo — com cerca de 14 mil milhões de anos, repleto de biliões de galáxias que reduzem a humanidade e o nosso solitário planeta a meros grãos de poeira insignificantes — os crentes insistem que tudo isto foi concebido com eles, e apenas eles, em mente. Uma proposição bastante peculiar, atrevo-me a acrescentar.

Para aqueles que não ousam questionar, que não conseguem perceber a ácida ironia desta embaraçosa contradição, ouvir uma pessoa religiosa afirmar-se como o ser mais humilde do universo pode parecer razoável, até lógico. Afinal, não é isso que sempre lhes foi dito e levado a acreditar?

As pessoas religiosas são vistas como devotas e puras, austeras tanto por fora como por dentro e, claro, intrinsecamente boas. Sim, boas por defeito, o que é um conceito bastante curioso, perpetuado ao longo de milénios por velhos castos e cínicos. No entanto, basta um pouco de reflexão para perceber que os crentes, muitas vezes, consideram-se tão humildes que acabam por não ser humildes de todo.

Pergunto-te agora, a ti, ao leitor — crente ou não —, se alguma vez alguém te disse sentir repulsa pela religião organizada precisamente por esta razão: pela evidente falta de humildade nos textos fundadores de todas as grandes religiões da actualidade e pela arrogância descarada de tantos dos seus seguidores — sejam eles famosos ou não — que não fazem qualquer esforço para parecer minimamente humildes. Certamente consegues lembrar-te de uma situação assim, em algum momento da tua vida.

Talvez tu sejas um deles, um daqueles religiosos que abomina a religião organizada, mas sente-se preso, ancorado à pegajosa ideia de que é necessário algo sobrenaturalmente maior do que nós para se ter sequer uma razão para querer existir, quanto mais gostar de viver. A vida humana é demasiado frágil, e não é fácil, eu sei — todos sabemos, de uma maneira ou de outra. Posso garantir, ainda assim, com alguma certeza estatística, que não estás sozinho neste dilema cósmico.

Considera agora, a título de grandes exemplos de auto-abnegação em nome do divino, os nacionalistas cristãos americanos: a sua humildade, como seria de esperar, não existe, é nula, e mesmo assim afirmam, em voz alta e ameaçadora, ser o epítome dela. Quantos milhões de americanos partilham desta ideologia? E quantos outros cristãos, espalhados pelo mundo, partilham desta magnífica concepção de humildade?

Acredito que a minha alma encontra prazer na ideia de uma ironia cósmica. Deleita-se especialmente com as manobras metafóricas circenses executadas pelas milhares, senão milhões, de religiões inventadas pela humanidade ao longo dos séculos — e que continuam a surgir diariamente — para justificar a sua ligeira insanidade.

Quando eu era criança, rodeado por tantas ideias aterradoras e absurdas, vendidas como verdades absolutas, a hipocrisia evidente de todos aqueles adultos incomodava-me profundamente. Desde o padre, de aspecto cadavérico, que afirmava ter uma linha directa com Deus e que, supostamente, falava com Ele em público em nosso nome, até às pessoas que se reuniam para o ouvir, sem achar nada de estranho na audácia de tal afirmação.

E depois havia os acólitos, os oradores e os leitores, cuidadosamente escolhidos ou que se ofereciam para ler nas missas, quase sempre os mesmos, que repetiam as escrituras diretamente do púlpito e, como os outros, transpiravam humildade em abundância.

É importante salientar também o papel que o cinema — e outras formas de arte e entretenimento, incluindo a literatura — têm desempenhado na promoção da ideia aparentemente atraente de que temer a Deus torna alguém automaticamente humilde. Nos filmes, por exemplo, a personagem religiosa é sempre o herói, o perseguido, o verdadeiro crente, o mártir. E, claro, todos parecem saber que submeter-se intelectual, mental e, atrevo-me a dizer, espiritualmente a um ditador celestial resulta, naturalmente, em pessoas genuinamente boas.

Pessoas dignas, virtuosas e, claro, supremamente e quase inevitavelmente humildes.

Contempla agora o cristão, que se vê, de maneira relativamente suspeita, como uma ovelha ansiosa por ser guiada por um pastor. Com uma mão, ergue orgulhosamente a bandeira branca da modéstia e declara a sua profunda insignificância perante os ilimitados e mágicos poderes do seu criador. No entanto, com a outra mão, a transpirar de antecipação, gesticula vigorosamente e afirma, com inabalável convicção e em tons ameaçadores, que faz parte do seleto grupo capaz de interpretar os planos de um ser que, por definição, deveria estar além de qualquer entendimento humano.

Não será a humildade religiosa o exemplo perfeito de como palavras e ideias erradas podem distorcer completamente o verdadeiro significado de um termo? Quanta vaidade deve ser disfarçada — muitas vezes de forma pouco convincente, como qualquer observador atento notaria — para alguém afirmar ser o escolhido de um plano divino? E quanta dignidade pessoal precisa de ser sacrificada para se viver num estado perpétuo de auto-recriminação, constantemente obcecado pelos próprios pecados?

A contradição torna-se ainda mais flagrante e amarga quando consideramos a encantadora doutrina do Inferno — introduzida pelo manso e incrivelmente humilde Jesus do Novo Testamento.

Como pode alguém reconciliar a ideia de um deus de amor infinito que, subtilmente, também cria um lugar de tormento eterno e concede apenas a uns poucos eleitos o poder de decidir quem merece ir lá passar o resto da eternidade? É difícil imaginar a arrogância necessária para acreditar num conceito tão nefasto como este. Espero, com algum otimismo, não ser o único a pensar que dizer a uma criança — ou a qualquer outra pessoa, na verdade — que está destinada ao Inferno não é apenas uma violenta afronta à ética mais elementar, mas também uma contradição flagrante da humildade que tanto afirmam possuir.

Satisfeitos com a fragilidade da sua quebradiça virtude, os fiéis insistem em aborrecer-nos a todos e dispensam salvação com entusiasmo. Contudo, e sem surpresas, escorregam na imunda poça de narcisismo que deixam pelo caminho, completamente alheios às evidentes contradições naquilo que pregam. Esta mentalidade está tão impregnada de auto-importância que faz o antropocentrismo tradicional parecer humilde, em comparação.

Insisto que a modéstia religiosa não passa de uma pantomima de integridade, uma expressão de superioridade disfarçada, incapaz de olhar para o seu reflexo sem se deslumbrar com a sua própria imagem moral distorcida.

A mentalidade religiosa regozija-se no brilho vacilante da sua própria virtude em decadência, e a luta constante no interior do crente, entre a auto-glorificação e a auto-negação, revela uma das mais perturbadoras contradições da condição humana. Não se deixem enganar, nem os deixem escapar impunes.

23 de Agosto, 2024 Onofre Varela

O Mundo ao Contrário

Dois jornais nacionais noticiaram, em dias seguidos, dois casos que sendo de naturezas diferentes e distanciados geograficamente, lhes encontro razões políticas semelhantes… maleficamente semelhantes… pelo desrespeito que os seus responsáveis nutrem pelos cidadãos dos seus países.

O primeiro caso foi noticiado pelo Diário de Notícias no dia 20 de Agosto último, e dá a saber que no espaço de um ano os Talibãs que tomaram o poder no Afeganistão desde que Biden retirou as suas tropas daquele país em Agosto de 2021, já destruíram mais de 20 mil instrumentos musicais e milhares de filmes considerados “imorais” pelo Ministério para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício (a meu ver, uma instituição imoral) o qual é responsável pela prisão e assassínio de pacíficos cidadãos, à semelhança do que faz o vizinho Irão que possui um corpo de polícia com a mesma designação e que matou a jovem de 22 anos Masha Amini, em 16 de Setembro de 2022, alegadamente por ter o lenço da cabeça mal colocado permitindo ver-se um tufo de cabelo.

A música e os filmes vulgares que passam nas nossas rádios e nos nossos cinemas – e que todos nós consideramos elementos culturais ou de diversão – são considerados, pela lei dos fundamentalistas islâmicos Afegãos, como instrumentos de imoralidade e contra a lei islâmica (a qual configura a sua cultura).

Na mesma operação (alegadamente dos bons costumes) “decapitaram-se” manequins de montra, foram despedidos 25 mil trabalhadores do sector de comunicação, e foram inspeccionados milhares de locais comerciais, como restaurantes, hotéis e salões onde se realizavam bodas de casamento, para que as autoridades assegurassem que não se ouvia música em tais espaços. A música proibida pelos talibãs não é só a gravada… também inclui música ao vivo e tradicional, executada com instrumentos típicos como timbales e guitarras semelhantes a alaúdes, o que é um atentado cultural aos costumes de um povo.

Excerto do Diário de Notícias, disponível aqui.

A liberdade também é anulada nas mulheres, impedindo-as de frequentarem o ensino superior, de terem acesso ao trabalho e a circularem na via pública sem companhia masculina familiar.

Isto passa-se num regime teocrático desrespeitador dos direitos humanos universais, transformando cada cidadão num autómato que só pode funcionar como o ditador religioso decreta, na convicção de estar a cumprir as ordens de um deus!

Do outro lado do mundo vêm notícias igualmente negativas, divulgadas pelo jornal Público no dia seguinte (21 de Agosto). No Ocidente, que se diz socialmente desenvolvido e tão respeitador dos direitos fundamentais, chegam-nos da Venezuela os ecos de um acto eleitoral opaco que deu a vitória ao ditador de serviço há uma dúzia de anos, mas cuja vitória é contestada pela oposição que mostra vídeos feitos em todas as mesas eleitorais onde se diz em voz alta o resultado da votação que dá vitória esmagadora à oposição.

O povo saiu à rua e o ditador mandou a polícia pôr fim à contestação, o que resultou em 27 manifestantes mortos… mas cujas mortes o ditador assaca aos próprios manifestantes e à oposição, e não à violência da polícia do regime que comanda. O responsável máximo pelo Ministério Público da Venezuela quer mandar prender o líder da oposição, atribuindo-lhe a culpa pela morte dos cidadãos contestatários assassinados!

para o Partido Comunista Português (PCP) a razão está com o ditador, cujos resultados eleitorais se apressou a felicitar, antes mesmo de serem confirmados pelas autoridades venezuelanas, e o Supremo Tribunal da Venezuela já proibiu a divulgação das actas eleitorais… pelo que a confirmação não existe e permite-nos ajuizar que é escondida por não ser favorável ao ditador. O curioso desta atitude do PCP é ela ser contra a ideia do próprio partido comunista venezuelano!

(Devo dizer, como declaração de interesse, que militei no PCP desde o fim da década de 1970 até ao dia em que os seus deputados viraram costas a Zelenski no Parlamento, cuja atitude entendi como apoio implícito ao invasor Putin e condenação do povo ucraniano invadido… o que repudio)

Estes actos mostram-me um mundo ao contrário. 

O mal ocupa o lugar do bem e, espantosamente, tem apoiantes!… 

A ditadura religiosa de uns e a ditadura política de outros, são semelhantes na forma, e os resultados são igualmente maus para as respectivas populações que são as eternas vítimas sempre desrespeitadas, insultadas, perseguidas e manietadas. 

O mundo não pode fazer nada em favor dessas populações? 

Parece que não!… 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

19 de Agosto, 2024 Onofre Varela

“O Homem Criou Deus”

“O Homem Criou Deus” é o título do livro de que sou autor e foi editado pela Edium Editores em Dezembro de 2011. A obra, que estava esgotada, teve agora uma segunda edição revista e aumentada (muito aumentada!) pela Seda Publicações (herdeira da Edium), em Junho de 2024.

Adão era canhoto”, ilustração do autor para a capa do livro. Grafite e lápis de cor.

São 411 páginas (contra as 239 da primeira edição) onde discorro sobre o tema Religião de acordo com a minha ideia de não crente e como cidadão interessado no fenómeno religioso, assumindo-me crítico, não da fé (que é perfeitamente lícita) mas sim da exploração que dela se faz através de credos religiosos estabelecidos na sociedade, mas também da Política e da Economia, os outros dois poderes sociais que, somados à fé religiosa, constituem “a troica” que nos submete a situações indesejadas, mas que aceitamos docilmente pela “anestesia da fé” (seja em Deus ou nos gurus de seitas e partidos políticos). São situações de “escravatura mental” a que nos submetemos sem disso darmos conta.

Do sumário do livro destaco alguns temas:

A criação do conceito de Deus (criado por sentirmos necessidade dele, pois o Homem só cria o que necessita); Bíblia e História; a poesia contida no Génesis; os feitos de Moisés que a História não regista; fundamentalistas religiosos que atacam o Humor e assassinam Caricaturistas; o Mito e a Razão; o Sudário de Turim; a Arte e o Sagrado; Mulher, a eterna vítima das sociedades patriarcais bíblicas e corânicas; a desumanidade e selvajaria da Pena de Morte; as fantasias da Trindade e do Dogma; Jesus Cristo e o seu tempo, os Evangelhos e o seu valor social, hoje.

Deixo-vos três parágrafos do livro, como aperitivo:

«…Nas democracias é norma afirmar-se o respeito pelo outro e o reconhecimento dos direitos de todos, incluindo as minorias. Mas também é comum vermos esses direitos constantemente atropelados, com incidência no modo como se tratam etnias e as mulheres. Até no mercado de trabalho, nesta nossa sociedade tão ciosamente democrata e temente a Deus, as mulheres desempenham funções iguais às dos homens, com a mesma capacidade e perfeição, mas auferem menor ordenado pelo facto de serem mulheres! Em Janeiro de 2018 circulava nos media a ideia política de se igualar os vencimentos de homens e mulheres, alertando-se a opinião pública para o facto de os homens ganharem mais 17,8%…» (Página 268).

«…Hoje, quando assisto a uma missa, observando com olhos de antropólogo amador o que ali acontece, se diz e se sente, retrocedo para a Idade Média! Constato que a Igreja não ouviu os seus pensadores […] nem nada de mais actual transmitiu à sua clientela consumidora de missas, do que aquilo que vem transmitindo desde o tempo em que a ignorância imperava sobre os povos crentes anteriores ao Iluminismo… e os seus clientes continuam a afluir em rancho!… Isto parece-me negativamente impressionante e alimenta a minha preocupação e desconfiança no futuro próximo, por me aperceber da existência de tantos cérebros tão mal alimentados e desaproveitados! A qualidade do interesse intelectual da maioria de nós… também é mito…» (Página 351).

«…Se Jesus Cristo vivesse hoje não faria carreira no Vaticano, nem a sua doutrina seria aprovada após uma inspecção teológica de Ratzinger, nem como cardeal, nem travestido de Papa Bento 16. Jesus foi um político do seu tempo, protestante da religião judaica a qual pretendeu purificar. Hoje seria um feroz crítico do luxo que a Igreja ostenta desde a Alta Idade Média. Talvez por isso a Igreja dê uma grande importância a Maria, porque a sua imagem (ao contrário da do filho) não está comprometida com a Esquerda! Maria não cria problemas ao nível da política; e Jesus, tendo em conta a sua conduta social, até pode ser sindicalista e comunista!…» (Página 376).

Os interessados no livro podem encontrá-lo no Porto, na UNICEPE. Praça de Carlos Alberto, 128 A. Telefone 22 205 66 60 (na esquina da Praça dos Leões). Quem está longe do Porto pode contactar o editor: www.gugol-livreiros.pt