João César das Neves (JCN) voltou às homilias de segunda, no DN, para fustigar os leitores com «a nona bem-aventurança».
Quiçá envergonhado com as notícia sobre a sua Igreja, em vez de fazer a leitura crítica, deu-se à exegese da sua história e à negação do seu passado mais negro. JCN imagina calúnias onde os historiadores vêem nódoas, descobre mentiras onde existe perversão e adivinha ataques curiosos onde há factos indesmentíveis.
Confundindo o cristianismo com o Vaticano, diz o bem-aventurado que os discípulos de Cristo são perseguidos há 2000 anos, não imaginado que os judeus, os muçulmanos, os índios, os hereges, os livres-pensadores, os albigenses e os próprios protestantes tenham uma visão oposta.
JCN afirma que «A Igreja [deve referir-se à católica] é a única instituição a que se assacam responsabilidades pelo acontecido há 100, 500 ou 1500 anos», esquecendo que os impérios e as religiões politeístas não resistiram aos crimes que praticaram mas os monoteísmos ainda resistem.
JCN não se conforma com a pungência da verdade: «Os cristãos actuais são criticados pela Inquisição do século XVII, missionação ultramarina desde o século XV, cruzadas dos séculos XI-XIII, até pela política do século V (no recente filme Ágora, de Alejandro Amenábar, 2009)». Deviam ser mentiras mas os factos esmagam os desejos pios.
No seu usual delírio místico, insurge-se porque a Igreja Católica, Apostólica, Romana (ICAR) é atacada (na sua opinião, paradoxalmente) por ser «contra o sexo e a favor da procriação», um facto que nada tem de paradoxal e é uma obsessão doutrinária.
Depois agride os iluministas, sem os quais, a vida da Igreja seria um sonho, mas a dos livres-pensadores um pesadelo, por a considerarem « a principal inimiga da ciência: supersticiosa, obscurantista, persecutória do estudo e investigação rigorosos», jurando que a evidência histórica demonstra o contrário.
Denuncia ainda os jacobinos por terem acusado a Igreja pelas «terríveis perseguições religiosas, étnicas e sociais, destruição cultural de múltiplos povos, amiga de fogueiras e câmaras de tortura, chacinas, saques e genocídios», como se fosse uma mentira que «a caridade, mediação, pacifismo» que atribui à sua Igreja pudessem desmentir.
Depois de passar pelos marxistas chegou onde agora lhe dói: «Vivemos hoje talvez o caso mais aberrante: a Igreja é condenada por… pedofilia».
JCN não percebe que ninguém, a não ser as Igrejas, a começar pela sua, em relação aos judeus, converte os crimes individuais em ferrete colectivo.
O que JCN não percebe é que não estão em causa crimes de alguns padres (até podiam ser quase todos) no legítimo ataque à ICAR. Nem se acusam cristãos, como finge crer. O que o devia envergonhar e revoltar é a cumplicidade de numerosos bispos e dos três últimos papas a protegerem os pedófilos sem cuidarem do mal que faziam às crianças, preferindo ocultar os crimes a salvar crianças dos predadores.
A pungência da prosa do megafone do episcopado, JCN, converte-se em ridículo para quem sabe o que está a acontecer: «O ataque à Igreja é uma constante histórica. A História muda. A Igreja permanece. Porque ela é Cristo. Dela é a nona bem-aventurança: “Bem-aventurados sereis quando vos insultarem e perseguirem” (Mt 5, 11).
Amém.
Quem sempre se insurgiu contra aquela oração das sextas-feiras que visava os judeus, todos os judeus, ao longo dos séculos, de todos os séculos, por terem matado o Cristo; quem repudiou aquele secular anti-semitismo, a demência racista, o ódio à concorrência, não pode transformar agora os crimes individuais em culpa de uma instituição.
Os crimes são individuais e só nessa óptica devem ser julgados. A Igreja católica, por mais delitos que tenha cometido ao longo da História, não pode ser julgada pelo actual comportamento dos seus empregados.
A ICAR paga agora séculos de poder absoluto, o despotismo do seu clero e as obsessões papais. Não está provado que o clero católico seja mais devasso do que o protestante ou do que o islâmico, sendo o último mais implacável na violência com que impõe o Corão e no policiamento que faz dos desgraçados que mastigam uma sanduíche de presunto ou que saboreiam um copo de vinho.
O que perde a ICAR é o desplante com que oculta os crimes e protege os criminosos, a ignorância de que é crime o encobrimento que fez nas últimas décadas para evitar que o seu clero perdesse a autoridade que despoticamente exerceu nas zonas mais atrasadas do Planeta.
A pressa do actual Papa em canonizar os seus dois últimos antecessores não é alheia ao comprometimento dos pontífices na ocultação dos crimes do clero. O milagre de João Paulo II obrado na freira polaca, que sofria de Parkinson, não resistiu à recidiva e pôs a nu o prodígio de fazer, depois de morto, o que não conseguiu em vida para si próprio.
A demência parece ter tomado conta do Vaticano. Os 44 hectares de sotainas parecem povoados por uma tribo da idade da pedra onde o grande feiticeiro usa camauro e os acólitos se distinguem pela cor das meias e o exotismo dos trajes femininos.
O ex-chefe da repartição de milagres, embrutecido por jejuns e orações, diz que a roupa suja se lava em família, ignorando a gravidade do crime de ocultação e o abandono, ao instinto predador de psicopatas pios, de crianças que deviam merecer consideração.
Ratzinger fez uma cartilha secreta para “ocultar crimes sexuais” o que só pôde fazer com a bênção de João XXIII e manter com a conivência de João Paulo II.
Quem fez, em latim, este documento cuja tradução não existe em português, não estará à espera da canonização, mas é injusto que morra sem prestar contas à justiça dos homens. A outra é uma ficção para ganhar a vida.
Nota: Para esclarecimento dos bispos portugueses é importante lembrar o Artigo 367º (Favorecimento pessoal) do referido Código Penal:
«Quem, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir actividade probatória ou preventiva de autoridade competente, com intenção ou com consciência de evitar que outra pessoa, que praticou um crime, seja submetida a pena ou medida de segurança, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.»
João César das Neves (JCN) é um sacristão de serviço, Cireneu sempre disponível para carregar a cruz da sua Igreja.
Incapaz de parar o furacão levantado pelo bater de asas da borboleta mediática, JCN minimiza a dimensão do escândalo, ignora a perversidade dos actos de pedofilia e cala a cumplicidade dos Papas que preferiram o silêncio e a ameaça a quem denunciasse os crimes à denúncia que impedisse a dimensão da libertinagem.
JCN está desolado porque sabe que um povo que duvida da virtude dos padres descrê da omnipotência do seu deus; porque sente que os pecados pios afastam o rebanho do redil da sua Igreja; porque sente que as hormonas do clero criaram um mar de lama que suja as sotainas, mancha as mitras e a tiara.
O bem-aventurado esquece os pecados dos bispos e papas sem se dar conta que o mais grave não são os actos que os tribunais julgam mas o sofrimento das crianças e o crime de ocultação que os prelados cometeram e que, segundo a BBC, atinge os três últimos papas.
Desnorteado, acusa a comunicação social:
1 – «Parecendo combater a pedofilia, visa-se a promoção do aborto, eutanásia, divórcio, promiscuidade», obsessões que traz à colação em cada homilia;
2 – «A prática é tradicional. Assim se criou há séculos o mito da Igreja sanguinária nas cruzadas e Inquisição», como se tivessem sido inventadas para a denegrir;
3 – «Os processos [da Inquisição] foram rigorosos e transparentes, as condenações uma ínfima minoria dos casos julgados e pouquíssimas face às execuções civis…», como se a literatura sobre o assunto fizesse parte da conspiração judaica e do ódio jacobino»;
4 – Esqueceu-se de falar da evangelização e dos pogroms mas a um santo não se pode exigir tanto;
5 – A penúltima frase é lapidar: «Como Nero, os jornais hoje querem convencer-nos que os padres comem criancinhas».
Só de um bem-aventurado, com odor a santidade, podia ter saído o verbo «comer» para exonerar a responsabilidade dos funcionários do seu deus.
Amém.
O Policarpo saiu-se com esta: «Continuamos a precisar do Vosso amor redentor, por causa dos nossos pecados. Perdoai os pecados da Vossa Igreja».
Para que raio serve um pedido de perdão? Não serve para nada. Policarpo está numa posição ainda mais recuada do que Ratzinger. Poderia apelar à colaboração com os tribunais. Poderia investigar o que houver para ser investigado. Poderia denunciar à polícia o que descobrisse. Não. Em vez disso, pede «perdão».
O catolicismo é isto.
O pregador da Casa Pontifícia, o franciscano Raniero Cantalamessa, a única pessoa autorizada a pregar em nome do Papa, comparou hoje as críticas ao comportamento da Igreja católica relativamente aos escândalos de pedofilia envolvendo padres, à «violência colectiva» sofrida pelos Judeus. Na homilia que se seguiu à leitura da Paixão de Cristo na basílica de São Pedro, Cantalamessa referiu que as acusações de encobrimento dirigidas à Igreja «lembram-me os aspectos mais vergonhosos do anti-semitismo».
As reacções de grupos judeus e de vítimas de abuso sexual a semelhante tolice umbiguista oscilaram entre a incredulidade e a fúria.
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