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Categoria: Religiões

23 de Abril, 2018 Carlos Esperança

Religiões e ditaduras

Conheci bem a conivência da Igreja católica com as ditaduras ibéricas. Ainda recordo os apelos feitos nas missas para que Deus protegesse os «nossos» governantes, lhes desse longa vida e iluminasse a inteligência, sendo certo que Deus foi sensível aos primeiros e surdo ao último. De Salazar ouvi a vários padres que a Providência o tinha designado para governar Portugal. Creio que nasceram aí as minhas dúvidas relativamente a Deus e a suspeita aos seus padres.

O cardeal Cerejeira avisou Salazar do desígnio providencial, de que teria conhecimento pelas confidências da senhora de Fátima à Irmã Lúcia. E escreveu-o com o despudor com que João Paulo II confirmou ao mundo que a beata Alexandrina de Balazar passou mais de uma década sem comer, nem beber, em anúria, a alimentar-se apenas de hóstias consagradas.

Em Espanha o caudilho era idolatrado pelo clero e numerosas missas de ação de graças foram celebradas em sua honra, agradecendo ao Senhor a encomenda. Mons. Escrivá de Balaguer, já na altura bastante íntimo do divino, incensava o generalíssimo e combatia os seus adversários. Foi um apóstolo denodado do franquismo na região de Burgos, primeiro, e um pouco por toda a parte, depois. Como compensação levou para o túmulo o truque para fazer milagres e rapidamente chegar a santo.

Pio IX excomungava os que defendiam a separação entre a Igreja e o Estado. Pio XI declarou numa missa grandiosa em honra do «Duce», que ascendeu ao poder com o apoio ativo da ICAR: «Moussolini é um homem que a Providência Divina nos enviou». Na sequência do atentado falhado de que foi alvo pelo jovem Anteo Zamboni, militante da Liga ateísta, com 15 anos de idade, este foi preso no local e linchado por fascistas. O Vaticano fez difundir nas igrejas e escolas uma imagem piedosa mostrando a morte do jovem Zamboni, «joguete do Diabo, inimigo da fé, punido pela mão de Deus».

A simpatia de Deus pelos ditadores comprometeu-lhe o prestígio e distanciou a clientela quando as democracias se popularizaram. Excetuando o comunismo em que Estaline (um ex-seminarista que quase chegou a padre) se entregou a uma demência sanguinária, as ditaduras tiveram quase sempre o apoio militante e entusiástico do clero, da Europa à América latina, com grande destaque para a ICAR. Pinochet foi sempre devoto da missa e desenvolveu pela eucaristia uma síndroma de habituação e dependência. Nos países árabes, onde o livro sagrado é de cumprimento obrigatório, sabe-se como a liberdade ofende Alá, irrita o seu profeta e obriga o clero a proceder em conformidade.

Penso, no entanto, que é menos a fé do que a volúpia do poder que atira o clero para relações promíscuas com o Estado. A sedução por regimes autoritários é o corolário lógico da verdade única, do ser supremo, do respeito pela hierarquia, da obediência cega. A submissão e a obediência são apresentadas como virtudes e estimuladas pelos guardiões da fé.

Quando o poder vem de Deus instala-se o poder discricionário e institucionaliza-se a violência. Quando o sufrágio universal e secreto se conquista, Deus emigra e os homens tornam-se livres.

18 de Abril, 2018 Carlos Esperança

Sintra e a sua mesquita

Sei da minha irrelevância na formação da opinião pública, mas o silêncio é o perigo que ameaça a ausência de opinião, o narcótico que anestesia as consciências, a cumplicidade que permite as iniquidades.

Não tenho o monopólio da verdade. Aceito, em teoria, que seja melhor a opinião oposta, mas se não expuser a minha arrisco-me a que vença a única que é expressa. Entendo que é um dever cívico pronunciar-me sobre o que acontece no mundo e, sobretudo, no meu País.

Depois de Lisboa é em Sintra que vai ser construída uma nova mesquita, cuja Câmara cedeu o terreno onde irá ser erigido um Centro Comunitário com Mesquita, com 7141 metros quadrados.

Não é o direito à construção de um templo que está em causa, é o roubo do património público a favor de uma crença particular, é a apropriação de um bem coletivo por uma associação pia.

Num país cuja Constituição estabelece de forma irrevogável a separação das Igrejas e do Estado não se percebe que instituições religiosas gozem de isenções fiscais, recebam terrenos, dinheiro, heranças e se permita que a escola pública sirva para evangelização com professores pagos pelo erário público.

A Concordata assinada por Durão Barroso é uma afronta à autoridade do Estado e uma cedência que transforma Portugal em protetorado do Vaticano. A presença do clero nas cerimónias públicas converte o Estado e as autarquias em sacristias.

É evidente que o tratamento igual para todas as religiões levaria a que o Islão exigisse o mesmo tratamento da Igreja católica e não foi surpresa saber do regozijo do sheik David Munir, imã da Mesquita Central de Lisboa, na cerimónia de início das obras em Sintra, em vez de saber o que sucedeu ao processo onde foi acusado de maus tratos à mulher.

O catolicismo é hoje tolerante, mas isso deve-se á repressão política sobre o clero e não à virtude intrínseca da religião. Não se pode dizer o mesmo do Islão cuja deriva fascista e carácter totalitário é uma realidade de que as primeiras vítimas são os muçulmanos.

O Estado fica sem meios, e sem terrenos, ao trair a laicidade e não submeter as religiões a um tratamento igual ao de qualquer outra associação. Um dia, amargamente, serão os católicos a compreender a virtude da laicidade que aceitam com reservas.

«L’État chez lui, l’Église chez elle». “O Estado na sua casa e a Igreja em casa dela”. Um dia, as palavras pronunciadas por Vítor Hugo, em 14 de janeiro de 1850, no Parlamento francês, ressoarão tarde nos ouvidos de beatos, tímidos e idiotas que cedem à tentação de entregar o que é de César aos funcionários dos deuses que surgem nas esquinas da História.

16 de Abril, 2018 Carlos Esperança

Demónios e exorcismos

A religião que apavorava as noites da infância, com demónios das profundas do Inferno, nas recônditas aldeias da Beira Alta, foi esquecendo o Maligno, talvez por este ter maior medo das escolas do que do sinal da cruz ou ter-se cansado de atormentar as almas.

Se a memória me não falha, todos os párocos tinham então alvará para exorcismos, além das tarefas inerentes ao tríplice múnus do sacramento da Ordem. Agora, só a licença do Ordinário do Lugar, designação canónica do bispo da diocese, habilita para exorcismos, sendo as restantes tarefas do múnus sacerdotal, profético e pastoral comuns a todos.

Hoje, com a escassez de demónios, sem íncubos e súcubos, de vocação libidinosa, cuja existência era atestada por Tomás de Aquino e outros santos doutores, o Papa declarou que o Inferno era uma criação humana.

O Papa pode duvidar, mas a Cúria não, e obrigou-o a recuar no despautério teológico e a dizer que o demónio existe, certificado por exorcistas. Há quatro anos, a Igreja católica reconheceu oficialmente a Associação Internacional de Exorcistas que reúne cerca de 200 especialistas, entre sacerdotes católicos, anglicanos e ortodoxos, de onde se percebe que as divergências entre clérigos, de diversas confissões, não afetam demónios, mais coesos e alheios às diferenças litúrgicas ou teologais.

Sabe-se por sábios exorcistas, que desde o próximo dia 17 até 21 vão lecionar no curso de exorcismo no Vaticano, talvez para ficarem mais próximos do Demo, que “às vezes é preciso tapar a boca porque os demónios cospem muito” e que “ouvindo um grunhido satânico uma vez nunca mais se esquece”, entre outras peculiaridades demoníacas. É um curso para ensinar padres a expulsar demónios, saber levado por quem domina a arte e a ciência demonífuga.

Duarte Sousa Lara, que recusou ser administrador de uma empresa pública, lugar que o pai lhe ofereceu (não cabe aqui falar da licitude), para se dedicar ao serviço de Deus e …do Demónio, com mais de 50 pedidos de ajuda semanais, é a estrela dos exorcistas portugueses, reconhecido pela diocese de Lamego onde – diz ele –, exorciza possessos enviados por psicólogos e psiquiatras amigos, casos que não reagem a medicamentos. A afirmação exasperou o presidente do Colégio de Psiquiatria da OM, que o levou a dizer que “o sobrenatural não existe em medicina” e a comparar os exorcistas aos bruxos.

Sendo o sacerdote Sousa Lara filho do devoto censor de Saramago e não de um íncubo, o que o faria nascer bruxa e não exorcista, função reservada a homens, é de crer que este psiquiatra, Miguel Bragança, seja excomungado por falta de fé. O mesmo pode suceder ao padre Anselmo Borges, que disse: “O Diabo e os exorcismos são uma crendice”. Não se duvida de um exorcista e, muito menos, do Catecismo da Igreja Católica:

“Embora Satanás exerça no mundo a sua ação por ódio contra Deus, e embora a sua ação cause graves prejuízos, essa ação é permitida pela divina Providência. A permissão divina da atividade diabólica é um grande mistério.”

Para um ateu o mistério maior é a permissão divina para que o Demo atormente crentes e, nunca, incréus. É um mistério explicável pela maldade de Deus, castigar os que mais ama. Os homens que criaram Deus inventaram mais justo o Demo.

Duarte Sousa Lara gasta em média 20 minutos a realizar um exorcismo e carece de 1 a 5 ou 6 pessoas, conforme a gravidade, para segurar os possessos, normalmente possessas, para que arrotem, vomitem e se torçam, e, eventualmente, tapar-lhes a boca, porque ‘os demónios cospem muito, mordem e é preciso cuidado’. Tem um longo futuro na função, e coincide com as declarações do mais antigo especialista do ramo, ainda em funções, o padre Humberto Gama, que chegou a fazer exorcismos para a TVI.

Ao padre Humberto Gama, que exercia [exerce ainda (?), em Fátima Mirandela], foi-lhe retirado o alvará pelas autoridades canónicas, e não abandonou o exercício das funções, apesar de problemas judiciais com maridos inconformados com a reentrância usada para extrair demónios que, quando são muito grandes, segundo as suas palavras, têm de sair por algum lado.

Há muitos demónios à solta. Um dos maiores especialistas em exorcismos calcula que são anualmente identificados 500 mil casos de possessão demoníaca, enquanto outro revela que há diabos especializados em diabruras diferentes, sabendo-se que a oração e o sinal da cruz são demonífugos profiláticos, mas não suficientes para dispensarem os experientes exorcistas que regem cursos de formação e aperfeiçoamento no Vaticano. 

7 de Abril, 2018 Carlos Esperança

Igreja católica – E pur si muove

Só no início da década de sessenta do séc. XX, durante o Concílio Vaticano II, com João XXIII, a Igreja católica admitiu pela primeira vez o direito à liberdade religiosa. Desde então, pode ter perdido em coesão o que ganhou em humanidade.

A polissemia do catolicismo é um dos aspetos mais fascinantes da crença que se esforça por ser tolerante e procura a modernidade, numa saudável tentativa de conciliar a fé, que respeita apenas aos crentes, com a cidadania e os direitos humanos, que são de todos.

É certamente nesta diversidade que vai desde o trogloditismo da República das Filipinas ou de Salvador, até ao arejamento do atual pontificado, contra a Cúria, sem cura, que o catolicismo se torna a mais tolerante das crenças e uma aliada da paz.

A diocese de Viseu é um bom exemplo. Depois do 25 de Abril, foi a mais firme reserva do salazarismo, destacando-se de 1988 a 2004 o bispo António Ramos Monteiro, sólido primata paramentado, que rugia contra os políticos e demonizava a democracia.

Desde 2006, é titular o bispo Ilídio Pinto Leandro, democrata e humanista. Em janeiro de 2007, declarou que votaria SIM se o que estivesse em causa no referendo de 11 de fevereiro fosse a despenalização da mulher que pratica o aborto; em março de 2009 defendeu o divórcio nos casamentos em que um dos cônjuges é vítima de violência doméstica, num debate sobre o tema, realizado em Viseu. Foi também um defensor do preservativo para casais em que um cônjuge tivesse sida.

Ontem, 6 de abril, li no DN: «Bispo autoriza padre que assumiu paternidade a continuar a exercer». É o mesmo bispo, em relação ao pároco de Santa Cruz da Trapa, que foi pai há três semanas e que os paroquianos aceitam com a normalidade de que são feitos os afetos e a procriação.

Entre o honesto e corajoso bispo de Viseu, Ilídio Pinto Leandro, e o bispo de Lisboa, vai a distância que percorre o catolicismo romano e o torna numa religião capaz do melhor e do pior, mas seria ingénuo não estar atento a vozes que anunciam a liberdade e, por preconceito ateu, ostracizar quem pode promover uma sociedade tolerante e inclusiva.

6 de Abril, 2018 Carlos Esperança

Espanha – A amnésia do passado e a incerteza do futuro

A Espanha entrou no comboio da democracia à boleia do 25 de Abril português, quando Franco era já um cadáver adiado e o país uma sádica ditadura, sem futuro, que apenas o clero e as Forças Armadas mantinham.

Adolfo Suárez conseguiu, contra os mais empedernidos franquistas, fazer uma transição democrática consensual, graças à aprovação da atual Constituição, monárquica, liberal e pluripartidária, apesar da as sondagens à população darem preferência à República.

O medo assimilado na perversa ditadura franquista e o risco de novo golpe fascista, que, aliás, viria a ser tentado, levou os partidos e o próprio povo a consentirem a monarquia. O regime ambicionado pelo genocida Franco, que educou no fascismo o futuro rei, Juan Carlos, acabou por se impor, mas a amnistia dos crimes franquistas é a ferida aberta que permanece, e abre caminho ao retrocesso democrático em curso.

Enquanto o problema catalão prossegue sem solução e o nacional-catolicismo regressa a Espanha, surgem movimentos que pesquisam, descobrem e assinalam numerosas valas comuns para onde os franquistas atiraram os adversários assassinados. O país divide-se entre os nostálgicos do passado e os que esperam um módico de justiça para as décadas de tortura, execuções, fuzilamentos sumários e despotismo.

Só a Junta da Andaluzia encontrou 88 novas valas de vítimas do franquismo. O Mapa das Valas Comuns não para de atualizar-se. Sevilha, Huelva e Cádis têm respetivamente 136, 124 e 118 valas localizadas. Depois, vêm Granada com 108, Málaga (99), Córdoba (79), Jaén (27) e Almería (11). Na Andaluzia estimam-se desaparecidas 48.349 pessoas, durante a ditadura, muitas dispersas por outras províncias: 367 (Almería), 1.555 (Cádis), 5.139 (Córdoba), 11.563 (Granada), 10.382 (Huelva), 2.039 (Jaén), 7.241 (Málaga) e 10.063 (Sevilha). *

A violência adormecida durante quatro décadas acorda com inusitada violência e desejo de justiça num país dilacerado pela corrupção, desorientação do Governo, descrédito da monarquia e avidez da Igreja católica, ansiosa por recuperar e ampliar privilégios, numa luta despudorada contra a separação da Igreja e do Estado.

Mais do que o anacronismo das instituições e a desadequação da Constituição às novas realidades, é a sobrevivência e a impunidade do velho franquismo que ameaça a paz e a convivência entre os espanhóis.

Entretanto, a Igreja católica continua a dominar o País e a parasitar o Estado.

4 de Abril, 2018 Carlos Esperança

Espanha

O nacionalcatolicismo está de volta

Nem o remorso da cumplicidade com o fascismo, nem o silêncio perante os assassinatos de Franco, nem a vergonha de uma conduta que colocou o catolicismo no banco dos réus da História, impedem o regresso da conivência entre a Igreja e o Estado.

A Espanha dos Reis Católicos continua viva. Apenas a evangelização terminou.

A vergonha regressa. Sem vergonha!

1 de Abril, 2018 Carlos Esperança

Hoje é cá Páscoa

A Páscoa é quando a religião quiser. Os judeus celebram a saída do Egipto e os cristãos comemoram a ressurreição de Cristo. Com o tempo, perde-se a memória do plágio e do motivo da festa.

Hoje é dia Páscoa, dia em que JC ressuscitou dos mortos, com quem esteve a estagiar. Depois andou por aí, como alguns políticos, visitou quem quis e foi visto pelos que acreditaram ou, melhor, pelos que acreditam que houve quem o visse.

Ontem, ainda o ícone da lenda cristã fazia de morto e já os pantagruélicos festins tinham lugar para gáudio da indústria da restauração. Hoje, com a ressurreição consumada, está tudo fechado. Quero um sítio para tomar café e não encontro quem mo sirva.

Despregado do sinal mais onde se finou, JC estagiou num túmulo, como era costume, e, para animação do negócio pio a que deu origem, subiu ao Céu e sentou-se à mão direita de deus-pai, indivíduo de mau feitio cuja biografia vem, em toda a sua crueza, num livro pouco recomendável, da Idade do Bronze, e de origem duvidosa – o Antigo Testamento.

Para mim, que há muito deixei de crer em pias fantasias e elucubrações religiosas, é-me indiferente que JC se dedicasse à carpintaria, para continuar o negócio da família, ou se afeiçoasse à pregação e aos milagres, naquele tempo o mais promissor segmento do sector terciário de uma economia rudimentar.

O que me dói, independentemente dos laivos politeístas da ICAR, com um deus-pai, o deus-filho, a mãe do filho, a pomba e muitos filhos da mãe criados santos, o que me dói – dizia –, é não ter um sítio para tomar café.

Se a Páscoa da Ressurreição servisse para fazer o número de um morto que se cansa da posição, dá uns passeios e emigra para o Céu, e não fechassem os Cafés, eu não estaria aqui a maldizer a beata greve da restauração.

Faz-me mais falta um bom café do que uma ressurreição bem-feita.