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A. Horta Pinto (advogado)
“CASO DOS CTT” – UM PONTO CONTESTÁVEL DA DECISÃO
Foi ontem conhecida a decisão do Tribunal de Coimbra sobre o chamado “caso dos CTT”.
Um dos arguidos – pelo menos – foi condenado em pena de prisão cuja execução ficou suspensa, ficando essa suspensão subordinada ao cumprimento do dever de entregar a duas instituições de solidariedade social uma contribuição monetária de determinado valor. Tal subordinação é inquestionavelmente permitida pelo disposto nos artigos 50 e 51 do Código Penal.
O que já é contestável é a escolha feita pelo Tribunal das instituições beneficiárias dessa contribuição monetária: a “Casa de Formação Cristã da Rainha Santa Isabel” e a “Obra do Frei Gil”. Não se duvida de que ambas se dedicam também a obras caritativas. Mas a verdade é que a primeira, como o seu nome indica, tem como principal objetivo “a formação cristã” (leia-se “católica”). Quanto à segunda, informa o “Google” que um dos seus fins é “proteger a família, zelando pelo culto dos padroeiros da Ordem Dominicana”.
Não se compreende que, sendo Portugal um Estado laico, um órgão de soberania obrigue um cidadão a subsidiar a “formação cristã” e o “culto dos padroeiros da Ordem Dominicana”.
O escritor Christopher Hitchens tem algumas dúvidas sobre a santidade da madre. Primeiramente ele a acusa de ter usado o dinheiro das doações para abrir conventos em 150 países, ao invés de inaugurar um hospital-escola, que era o objetivo inicial das doações. Para ele as Missionárias da Caridade são um culto que promove o sofrimento para o próprio benefício financeiro.
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A boneca de Fátima foi levada para o Instituto Politécnico de Tomar com sintomas de mau estar devido à sua idade avançada. Será observada e efectuará diversas análises especializadas, traçar-se-á o diagnóstico do seu estado debilitado, receberá tratamento e operações de limpeza e rejuvenescimento. A boneca terá tratamento VIP (Very Important Puppet), o que as bonecas pobres dificilmente conseguirão por falta de dinheiro.
A boneca de Fátima, mais conhecida por “Nossa Senhora de Fátima”, foi esculpida em madeira há mais de 90 anos para representar as aparições imaginadas de Fátima e alimentar a ilusão religiosa nos crentes. Trata-se apenas de uma boneca, mas é comum os crentes confundirem-na com uma personagem real de acção milagreira. Por isso, perseguem a boneca e andam à volta dela pedindo-lhe milagres e mais milagres. Ao mesmo tempo, a Igreja Católica, sempre sorrindo, vai conseguindo sempre mais e mais receitas miraculosas.
Nos estados laicos, sem risco de recidivas teocráticas, é inadmissível e paradoxal usar qualquer proibição para assegurar a liberdade individual. Vão longe os tempos em que as mulheres católicas eram obrigadas a usar véu, na igreja, porque o apóstolo Paulo de Tarso considerou o cabelo e a voz das mulheres coisas obscenas, convicção que teve outro efeito secundário – a castração de jovens para evitar mulheres nos coros sacros.
Surpreende que quem defende o direito ao uso do véu islâmico não reflita nos motivos da sua proibição por Mustafa Kemal, o Atatürk, fundador da Turquia moderna, e na oposição, aparentemente paradoxal, dos sectores laicos e progressistas.
Em primeiro lugar a exibição pública do adereço é um confronto aberto com a laicidade estimulado pelos sectores clericais cujo proselitismo tem na agenda, logo que Alá o queira, a imposição da sharia. Alá não se pronunciou mas o apelo das mesquitas fez-se ouvir e levou à emenda constitucional que permitirá às alunas o uso do véu islâmico dentro das universidades.
Não é preciso ser profeta para prever a pressão oriunda da função pública a exigir igual «regalia», sem ter em conta que o véu é um símbolo de opressão da mulher, visto com entusiasmo por homens conservadores e por uma sociedade cuja reislamização não tem parado.
O problema não reside na permissão, surge quando o direito se converter em imposição, os islamitas moderados se tornarem fundamentalistas e o véu for substituído pela burka.
(escrevi este texto em 10 de fevereiro de 2010)
A Turquia, o Islão e a laicidade
A Turquia era a última esperança de um país laico com religião muçulmana maioritária. Era o exemplo que os otimistas apresentavam para justificar a compatibilidade de uma religião com a democracia e do proselitismo religioso com a pluralidade de pensamento que é apanágio dos regimes democráticos.
Todos esqueceram que as democracias são recentes na história da Humanidade e que o cristianismo só foi tolerante graças à repressão política sobre o clero; que só no início da década de sessenta, do século passado, a Igreja católica reconheceu o direito à liberdade religiosa, durante o concílio Vaticano II.
A Guerra dos Trinta Anos acabou em 1648 e, só depois 3 a 11 milhões de mortos e da paz de Vestefália, houve liberdade religiosa pela primeira vez.
A Turquia tem hoje um primeiro-ministro democraticamente eleito, com a ajuda de Alá e a misericórdia de Maomé mas o desrespeito à Constituição é total.
Os conflitos em Istambul, Ancara e Esmirna, os mais violentos, são uma luta de vida ou de morte onde se confrontam as liberdades e a submissão ao Islão. A violência policial é a amostra do que são capazes os mullahs. As restrições sobre o vestuário, a comida e os afetos são o princípio do fim da laicidade.
Por ora a polícia ainda não cheira o hálito dos transeuntes para averiguar se consumiram álcool mas já adverte os namorados que desafiam a pudicícia de Maomé ao caminharem de mãos dadas. O beijo entre um homem e uma mulher, na via pública, começa a ser tão inaceitável como o presunto. A televisão do Estado ignora os milhares de feridos que os polícias fizeram, os 1700 detidos, os dois mortos e o bloqueio à Internet.
Importante é que cada vez mais turcos façam cinco orações diárias e jamais se atrevam a urinar virados para Meca, a cidade santa que recebe anualmente 13 milhões de crentes.
O Governo de Recep Tayyip Erdogan hesita, mas sabe que se perder esta batalha pode perder as delícias do Paraíso e o direito de impô-las aos que as desprezam. O mal não é de quem acredita no Paraíso, é de quem o quer impor aos outros. Na Turquia joga-se a nossa forma de viver e a liberdade de que gozamos. O rastilho do fanatismo está aceso.
El Salvador esqueceu a conquista pelos espanhóis e os doze anos sangrentos da guerra civil, dentro da Federação Centro-Americana, até à independência em 1839. Foram mais de 100.000 as vítimas que o pequeno país sacrificou à independência.
Ficou-lhe, todavia, um paradigma que deve à evangelização espanhola – um catolicismo jurássico –, que exorna o nome do país e se exacerba no da capital, São Salvador.
El Salvador anda na comunicação social de todo o mundo por causa de uma condenação à morte de uma mulher de 22 anos que os médicos se esforçam por salvar.
A jovem, portadora de lúpus, grávida de um feto anencéfalo, incompatível com a vida, não sobreviverá sem a interrupção da gravidez mas em S. Salvador a justiça proíbe que a gravidez seja interrompida por motivos terapêuticos. O Tribunal Constitucional já decidiu que «os direitos da mãe não podem prevalecer sobre os do indivíduo que vai nascer e vice-versa» e um dos juízes conselheiros, Rodolfo Gonzalez, até declarou a sua dúvida sobre a inexorabilidade da morte da jovem no caso de a gravidez prosseguir, não obstante saber que um feto, sem cérebro, não sobreviverá certamente.
Não sei o que mais indigna, se a insensibilidade cruel dos juízes ou a demência do seu preconceito religioso.
Os médicos, na sua humanidade decidiram retirar-lhe o feto inviável por cesariana pois a lei que proíbe o aborto não se pode opor à cesariana. Valerá à jovem, que já é mãe de um bebé com 1 ano, a humanidade de «médicos de alto nível» que, de acordo com a vontade da grávida, procederão à cesariana que lhe salvará a vida pondo termo ao risco e á angústia da jovem de 22 anos a quem, por prudência, se evita divulgar o nome.
Não há mitra que se erga em defesa da vida da jovem, báculo que aponte o caminho da benevolência ou sotaina que se agite perante a decisão do Tribunal. Nem em Roma há o mais leve remorso perante a vida que o preconceito sacrifica e a angústia de uma jovem que aguardaria a morte se a deontologia médica não se sobrepusesse ao anacronismo da lei e à piedosa indiferença dos juízes.
O suspeito de atacar um soldado em Paris é, à semelhança do que ocorreu em Londres, outro convertido ao islamismo que o ministro do Interior francês designou «defensor de um islamismo tradicionalista e radical», como se houvesse um islamismo diferente.
Esquecem as almas piedosas, habituadas a crer em afirmações para as quais não exigem provas, que o respeito pelas outras religiões ou pelas ideias dos não crentes não tem o mais leve acolhimento nos textos sagrados de qualquer monoteísmo, donde se conclui que o alegado apelo ao ecumenismo não passa de um golpe de marketing para disfarçar a vocação totalitária do proselitismo.
Se a Igreja não tivesse sido politicamente reprimida no Ocidente, não teria sido possível o livre-pensamento. A liberdade religiosa só foi aceite pela Igreja católica no Concílio Vaticano II, sem evitar o posterior azedume de Bento XVI e o mais absoluto repúdio da Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX) cujo antissemitismo demente levou à cisão com o Vaticano, que a excomungou, para voltar a ser desexcomungada por Bento XVI.
Os crentes moderados são fundamentalistas sedados ou detentores de uma fé que os leva a acreditar em dias alternados ou a desconfiar em intermitência.
O combate às crenças religiosas (não a perseguição aos crentes) é uma necessidade para evitar a detonação do ódio e dos crimes daí resultantes, porque há uma ligação evidente entre as crenças e a ação.
Como é que um islamismo moderno e não radical, se o houvesse, entenderia estas duas passagens do alcorão?
– «Ó Profeta! Combate os descrentes e os hipócritas! Sê implacável com eles. E a sua morada é o Inferno – e que péssimo destino. (9:73)
– «Ó fiéis, combatei os vossos vizinhos incrédulos para que sintam severidade em vós; e sabei que Deus está com os tementes. (9:133)
A tolerância generalizada no mundo islâmico para com os comportamentos terroristas dimana do próprio Islão que, para além do Corão, conta com a literatura dos hadiths que o excede. Basta um único exemplo para se apreciar o carácter pacífico do Islão:
«A jihad é o teu dever sob qualquer governante, seja ele ímpio ou devoto».
Muitos crentes católicos, que nunca leram o Levítico ou o Deuteronómio, ou que apenas os ignoram, ficam ressentidos com a persistência na denúncia dos crimes religiosos mas a obstinação em frases sem sentido, como «islamismo tradicionalista radical», é suicida.
São expressões politicamente corretas, mas falsas, que fomentam a condescendência com os crimes religiosos, como se a fanatização de crianças em nome da fé diferisse da preparação para integrar uma associação de malfeitores laicos.
A cumplicidade dos Governos laicos com as religiões dominantes retira argumentos à luta contra a dominação do poder e das consciências pelas religiões mais implacáveis.
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