Loading

Categoria: Catolicismo

28 de Agosto, 2012 Carlos Esperança

Data a recordar

Há 102 anos (28 de agosto) os deputados do Movimento Republicano ganharam as eleições nos círculos de Lisboa, Porto, Aveiro e Setúbal.

Foram os arautos da epopeia que, menos de dois meses depois, teve lugar na Rotunda. Foram os heróis civis do 5 de Outubro, a data que os analfabetos desconhecem e os ressentidos querem fazer esquecer.

O clero, comprometido com a monarquia, teve nestes quatro círculos eleitorais a primeira derrota significativa.

19 de Agosto, 2012 Carlos Esperança

A Igreja da Minha Aldeia (Crónica pia)

A igreja era a única construção sólida da aldeia. Os meus pais viriam a erguer uma casa de raiz para poupar os filhos ao frio que entrava pelas frinchas das paredes e aos pedaços de telha-vã que acontecia soltarem-se em noites de vendaval na casa que conseguiram. Eram poucas as janelas e os vidros que se partiam eram supridos por tábuas ou cartolina até chegar um novo, com tamanho aproximado, que acertasse no caixilho.

A escola viria a cair um dia, durante a noite, por milagre do Senhor, que soía colher os louros das desgraças que podiam ser piores. Se o milagre ocorresse durante as aulas era tragédia e caber-me-ia a perda precoce da mãe e do irmão mais novo, acompanhados de meia centena de crianças que ocupavam o espaço para onde desabaram três paredes e o telhado.

A Junta de Freguesia reduzia-se a um carimbo e um livro onde a professora escrevia e assinava a rogo de quem o devia fazer e não sabia. Pode dizer-se que a autarquia funcionou nas escadas das casas do Sr. António Bernardo e do Sr. José Simão, quando necessário; nos intervalos jazia em alguma gaveta, misturada com garfos e colheres de ferro ou de alumínio – já que o talher, com inclusão da faca para cada comensal, era desconhecido e supérfluo nesses anos e nesses sítios –, ou sobre a mesa por entre malgas e outra louça de barro. Julgava eu, então, que a Junta de Freguesia era o sítio onde se guardavam os boletins de voto dos vivos e mortos que no dia das eleições eram metidos na urna pelos eleitores que apareciam ou pelo Sr. António Bernardo quando faltavam, sobretudo os mortos, cujo exercício da vontade cabia ao presidente da mesa, sem pasmo nem reclamações.

A pobreza da aldeia só é imaginável, hoje, percorrendo países do terceiro mundo. Os ventres dilatados de várias crianças eram fruto de carências proteicas; e os olhos, que ameaçavam saltar das órbitas quando viam comida, denunciavam a fome que as consumia. Valeu a Cáritas, em meados do século XX, ter começado a distribuir leite em pó, farinha, queijo e marmelada. Só voltei a ver uma fome assim, então sem apoio de qualquer organização humanitária ou instituição governamental, em finais dos anos sessenta do século passado, em Moçambique.

Mas era da igreja que ia falar, da sua torre de dois sinos que tangiam desde a manhãzinha até às trindades, sempre aptos a anunciar as cerimónias litúrgicas e as orações que faziam correr aflitos os paroquianos, não fosse o atraso fazer perigar o destino da alma ou atrair a recriminação do padre, ou mesmo do sacristão e de algum zelador mais beato, por se julgarem investidos do prolongamento da autoridade eclesiástica e se anteciparem na admoestação.

A igreja era assaz grande para nela caber a população da paróquia e sobrar espaço. Podia proceder-se ao recenseamento durante a missa se lhe acrescentassem o meu pai e o Sr. Morgado, cujas ausências me intrigavam e algumas vezes me afligiram quando o Sr. padre, na homilia, verberava ateus, mações, comunistas e judeus e os condenava às perpétuas penas do Inferno, onde só havia choro, ranger de dentes e azeite fervente onde as almas frigiam eternamente.

Durante a catequese, que era ministrada à noite, aprendia-se a doutrina da única religião verdadeira, a que conduzia à salvação da alma, e decoravam-se as orações ensinadas num autêntico curso de terrorismo religioso que induzia terrores noturnos e intensa xenofobia nas pobres crianças. É difícil perceber como duas catequistas tão doces e analfabetas tinham uma imaginação tão fértil e perversa.

A Igreja era varrida uma vez por semana e lavada de longe em longe por mulheres que mudavam as toalhas do altar e a farpela aos santos, esfregavam as pedras onde os devotos se ajoelhavam e limpavam as paredes com um pano húmido na ponta de um enorme varapau. A pia de água benta era lavada com a vulgar água da fonte de mergulho e sabão, depois de acesas discussões teológicas para tentar concluir se a água benta que nela restava podia deitar-se fora sem cometimento de pecado ou se o uso do sabão não seria sacrilégio perante a bênção dessa água, que até a alma lavava. Valia a decisão da senhora Deolinda, que, sem conversas, alheia a preocupações metafísicas, encharcava um pano seco e o torcia na rua a escorrer água negra do lodo depositado e que a bendição não lograra tornar alvo, até enxugar a pia e proceder, depois, à lavagem com água e sabão azul.

As festas canónicas eram no Verão. Talvez o frio não desse saúde aos santos que saíam em passeio a ver a aldeia e a arejar ao som de cânticos, sem música, que a banda ia de graça mas era preciso alimentar os músicos e matar-lhes a sede. Vinha um pregador de fora, pago a peso de ouro, para exaltar a santidade do bem-aventurado que servia de pretexto à festa e, só isso, era um sério encargo para os paroquianos e preocupação para os mordomos.

Assisti a sermões empulgantes. Não, não eram empolgantes, como o leitor já pensará, imaginando-me um prevaricador ortográfico que deixou escorrer a nódoa para o pano da crónica. Os sermões, a missa, o terço e as novenas eram deveras empulgantes por causa do calor e dos animais com que as pessoas conviviam – fora da igreja, claro.
A fé e as orações eram retribuídas com pulgas cujas picadas espalhavam o prurido, alheias ao ar empolgado dos devotos perante as palavras rebarbativas do pregador, possuídos do mesmo êxtase místico com que ouviam o latim da missa, que sempre os maravilhava.

Talvez, quem sabe, esse deslumbramento tenha guiado Bento XVI no regresso ao latim.

 

 

17 de Agosto, 2012 Carlos Esperança

O 10 de junho, o ridículo e a Senhora de Fátima

Não vou falar da Senhora de Fátima, a única personagem que tem mais heterónimos do que Fernando Pessoa. Vou referir-me aos exóticos edis da Câmara de Ourém, aos seus anseios autárquicos e à frivolidade das reuniões camarárias.

Segundo o jornal «O Mirante», a edilidade de Ourém, “quer comemorações do Dia de Portugal em Fátima”. O delírio místico, próprio da região, partiu de um edil do PSD que pretende as referidas comemorações, em 2013, na Cova da Iria, um terreno de pastorícia que as cambalhotas do Sol e as visões da Irmã Lúcia transformaram num lucrativo local do setor terciário, quer no sentido da ciência económica quer na prática litúrgica, graças à promoção do terço.

A justificação baseou-se na importância «que o santuário de Fátima tem para Portugal e para o mundo», justificação que colheu a unanimidade do executivo municipal (PS/PSD/CDS) e levou à decisão de manifestar tão pia vontade ao Presidente da República.

Com tal argumento certamente se justificariam muitos outros eventos, nomeadamente de natureza desportiva, dadas as dimensões do santuário e as infraestruturas hoteleiras.

 

O 10 de junho, há muito que perdeu o sentido republicano, com que o feriado foi criado, para se converter na lúgubre evocação da cerimónia com que o salazarismo glorificava a guerra colonial. O atual PR acedeu a ser presidente da comissão de honra da canonização de Nun’Álvares depois daquele milagre que o guerreiro medieval obrou no olho esquerdo de D. Guilhermina de Jesus, curando-a da queimadura provocada pelos salpicos do óleo fervente de fritar peixe, mas a República, apesar da ofensa da canonização ao herói de Aljubarrota e das genuflexões do PR, continua laica.

Será que os trogloditas que formam o executivo camarário de Ourém, habituados a andar de joelhos e a rastejar, sabem o que significa a laicidade do Estado?

Hoje pede-se que as comemorações do Estado se realizem num santuário mariano, quiçá à luz das velas, com o PR a ser recebido pelo batalhão de servitas de Fátima e com uma charanga de cónegos a tocar o Avé. No futuro assistiremos à procissão do «Adeus» a sair da Assembleia da República.

14 de Agosto, 2012 Carlos Esperança

Jesus, esse familiar irresponsável

Por

Kavkaz

É com naturalidade que verificamos a alegria dos pais quando os filhos nascem. E também achamos natural a ajuda constante que eles dão aos filhos desde pequenos até à idade adulta. Os filhos são a continuação da família e é com naturalidade que os veremos a apoiar os pais na velhice, naquele período em que os pais já não podem fazer mais nem pelos filhos, nem por si próprios. Este é o desejo normal.

A Bíblia relata-se uma história anormal. Descreve-nos uma pessoa com problemas e conflitos com a sociedade em que vive. Trata-se de Jesus com pai biológico que nunca viu. A mãe dele vivia casada com o padrasto de Jesus. Foi o padrasto, carpinteiro de profissão, e a mãe quem pagaram as contas do sustento e educação de Jesus. O apregoado pai, “Deus”, não contribuía para o sustento do filho que fez, de forma inexplicada e sem aviso, à mulher do carpinteiro. Jesus cresceu revoltado, talvez por desconhecer o pai biológico e que nunca se dignou mostrar-lhe a cara. E Jesus queria tanto conhecer o pai, como é natural numa criança. Ele faria tudo para o conhecer, até morrer mais cedo. Esta criança viveu sempre revoltada e aos 33 anos era um adulto desestruturado.

Jesus vivia uma vida sem emprego conhecido e estável, uma vida boémia com amigos e mulheres do seu tempo. Assim, aos 33 anos ainda não tinha conseguido constituir a própria família, ter filhos e educá-los, ver crescê-los, participar e ser responsável pela sua própria família. Jesus não conseguiu nunca ser um exemplo de chefe de família. Era ainda o mesmo menino obcecado por conhecer o papá escondido algures e que lhe mandava recados em pensamento. Traspassava-lhe a ideia de proteger e salvar tudo e todos de algo terrível que poderia acontecer, desde que fossem judeus. Esta ideia fixa levou-o até às últimas consequências… Convenceu-se de que a sua morte seria a vontade do pai biológico, “Deus”, portador de um ego muito elevado e que apreciava os sacrifícios humanos. E apesar de não ser ético nem moral um pai desejar a morte dos próprios filhos, ele assumiu tal ideia como verosímil e caminhou voluntária e conscientemente para a própria condenação à morte às mãos de um poder local já cansado dos conflitos que ele provocava deliberadamente. Poderia ter evitado a própria morte, emancipando-se das ideias macabras do pai ausente, mas aceitou ficar na história e ser um mito, um “mártir”. Morreu crucificado por vontade de “Deus”, o pai biológico distante.

A sua morte foi chorada pela família, pelos companheiros de aventuras, pelas mulheres que o amavam. Choravam porque sabiam que já não poderiam contar mais com ele toda a vida. Se assim não fosse, não chorariam.

Em pior situação ficaram os verdadeiros pais de Jesus, os que o tinham acarinhado, alimentado, educado, que depositaram tantas energias, esforços, gastos, desejos e esperanças para fazer dele um homem. Debalde! A velhice chegaria e Jesus não estaria para os apoiar nos momentos mais difíceis dos pais velhotes. Ai, aquela cabeça no céu irresponsável…

8 de Agosto, 2012 Carlos Esperança

A Igreja católica francesa entra no combate político

Nem o facto de ser uma promessa eleitoral do novo presidente, amplamente sufragado pelo eleitorado, demove a Igreja católica do combate contra a legalização do casamento entre indivíduos do mesmo sexo e o direito à adoção de crianças.

Da agenda da Igreja faz igualmente parte a luta contra o debate sobre a eutanásia, já anunciado pelo presidente François Hollande, mas sem qualquer intenção afirmada pelo Governo.

Num país onde a laicidade é uma realidade indiscutível desde 1905, o que tem evitado à França guerras religiosas, vêm agora os bispos entrar no campo da política e das leis da família com o proselitismo de que estavam arredados há mais de um século. A ameaça de uma missa nacional foi a primeira atitude do presidente da Conferência Episcopal, o cardeal André Vingt-Trois, que a marcou para 15 de agosto próximo, dia da Assunção da Virgem ao céu, evento de que se desconhece o meio de transporte, a data, o itinerário e os locais de partida e de chegada.

Espera-se que a guerra declarada não ultrapasse as orações e as homilias e que a liturgia não inclua fogueiras nem a crueldade com que a Igreja católica combateu os albigenses. A França, graças à laicidade, conseguiu terminar com os banhos de sangue provocados pelas guerras religiosas.

Manifestar a sua posição perante os paroquianos amigos da hóstia e da missa é o direito que a França assegura a todos os cidadãos mas incitar o povo contra o cumprimento de promessas eleitorais, num Estado que «não reconhece, não remunera nem subvenciona nenhum culto», é um provocação que remete para a intolerância islâmica que intoxica os crentes nas madraças e mesquitas que a França tem sabido conter.

A França não exige à exótica monarquia vaticana que se reja por regras democráticas mas não consentirá à única teocracia europeia que interfira na política da República.