Naquele tempo a Lúcia – segundo afirmou – não sabia ler nem escrever, nem, ao menos, contar os anos, meses ou dias, mas já reconhecia «o anjo que aparecia em forma de um jovem transparente, mais brilhante que um cristal atravessado pelos raios do Sol», que lhe surgiu pela primeira vez na Loca do Cabeço.
O Francisco e a Jacinta, que insondáveis desígnios, adiantaram no caminho da santidade não eram tão perspicazes nas visões nem tão apurados de ouvido.
Era pela Lúcia que sabiam que «Nosso Senhor» andava muito zangado e que a Senhora de Fátima, incomodada com os estados de alma do divino filho, aproveitava para dizer aos pastorinhos que pusessem toda a gente a rezar o terço e para pedirem ao Papa que consagrasse o Mundo ao seu (dela, Senhora de Fátima) coração imaculado.
Em vez de rebuçados caramelizados, embrulhados em papel, a Senhora surgia para lhes dar recados. A princípio, quando as pessoas descriam de tanta aparição, era a República que preocupava a celeste visita mas, com o tempo, depois de 1926, era já a conversão da Rússia que perturbava a Senhora de branco. E a arma para tal desígnio era ainda o terço, como poderoso demífugo capaz de afugentar o comunismo.
Certo, certo, foi o facto de a senhora de Fátima, pseudónimo com que se apresentou na Cova da Iria, ter surgido 7 vezes, a última das quais em rigoroso exclusivo para a Lúcia.
Foi a partir da coincidência e da confirmação do Sr. Presidente da República, alertado pela Sr.ª D. Maria, que eu acreditei no milagre de Fátima na aprovação da 7.ª avaliação do programa de ajustamento português.
Se com 7 aparições a Virgem converteu a Cova da Iria, de manhosos terrenos rústicos, de fraca valia para o setor primário, no promissor setor terciário, no sentido do jargão económico e no místico, dedilhar do terço com os mistérios do rosário, é de crer que a 7.ª aparição da troika fosse o milagre que faltava para tornar a vida dos portugueses num inferno. A Senhora de Fátima estava ao serviço do Céu mas a Troika, não.
A realidade é sempre pior do que a notícia. Cavaco Silva prestou-se a ser presidente da Comissão de Honra da canonização de Santo Pereira, a forma de desacreditar um herói nacional, Nun’Álvares Pereira, com o milagre pífio da cura do olho esquerdo da D. Guilhermina de Jesus, queimado com salpicos de óleo fervente de fritar peixe.
Um presidente que se presta a rubricar a cura milagrosa do olho esquerdo da cozinheira de Ourém, para fazerem santo um guerreiro com seis séculos de defunção, é alguém que prefere a oração ao colírio e que confia mais em Fátima do que na virtude dos enviados da troika, embora, neste caso, haja razões para desconfiar de todos.
Ao comprometer a Senhora de Fátima na aprovação da sétima avaliação do programa de ajustamento português, Cavaco revela que perdeu a confiança no Governo e vira-se para a Cova da Iria. Tal como Portas, notabilizado por mobilizar a marinha de Guerra contra um barco armado com pílulas abortivas, que ameaçava interrupções da gravidez da Gala a Buarcos, e que atribuiu à Senhora de Fátima a orientação dos ventos e marés que depositaram nas costas da Galiza resíduos tóxicos do naufrágio do petroleiro Prestige, o PR insiste na proteção divina, desígnio de que a exonera do estado a que chegámos.
Sabendo-se que o seu humor está ao nível do das vaquinhas dos Açores, os portugueses veem no PR, não o economista eleito PR, por milagre, mas o devoto capaz de anunciar aos portugueses: “Penso que foi uma inspiração da nossa Senhora de Fátima”.
Vi e ouvi o inspirado crente, com a colher da sopa suspensa entre o prato e a boca. Se a notícia fosse apenas do jornal certamente que teria duvidado. Não sei como não meti o cotovelo no prato.
Hoje, em Fátima, consumiu-se mais cera do que mel produziram as abelhas.
Fátima tem a maior área coberta da religião, em Portugal. Foi um centro de propaganda da ditadura depois de ter sido um instrumento de luta contra a República. A guerra fria deu-lhe uma enorme importância e converteu o local num centro de recolha de esmolas onde o dinheiro e o ouro abundaram. Hoje, a crise da fé e da economia tornam o sítio menos rentável, apesar das campanhas papais de marketing.
Também é verdade que os pastorinhos nunca conseguiram fazer um milagre de jeito. São mais os peregrinos que morrem na estrada do que os estropiados que se curam. Os joelhos dos devotos sangram nas maratonas beatas à volta da capelinha das «aparições» e as orações aliviam os crentes mas não produzem efeitos.
Não sei como os laboratórios farmacêuticos não usam a ave-maria como placebo nos ensaios duplo-cegos com que testam os medicamentos.
O paganismo é hoje um detonador da fé que se cultiva na Cova da Iria. Ninguém quer saber de deus, apenas a Virgem é a mascote que recebe oferendas e obriga a sacrifícios a quem se pagam promessas.
Ainda se veem velhos combatentes com a farda da guerra colonial a agradecer o retorno à Pátria. Se foi a virgem Maria que os protegeu deve haver 13 mil defuntos a sofrer em silêncio a desatenção da dita senhora que aparece em locais improváveis para alimentar a superstição e manter o negócio da fé.
Com a fome que grassa e a miséria que se instala não admira que, o desespero se torne propício às maratonas místicas que desaguam na Cova da Iria. Triste sina dos povos que veem a Terra a abandoná-los e se viram para o Céu.
Médicos, freiras e pais traficavam bebés comprados em Marrocos
A Guarda Civil acusou 19 pessoas desta rede internacional
Todas as crianças eram de famílias pobres para dar dinheiro ou promessa de um futuro melhor.
As redes de compra e venda de bebés que operaram em Espanha até 1990 não foram só fornecidas com os recém-nascidos no país, mas também importados do exterior.
A Guarda Civil já descobriu a existência de uma rede que captou crianças em Marrocos e, com base em Melilla, para casais espanhóis ansiosos para serem pais. Muitas dessas crianças foram entregues a famílias de Valencia, uma região que, já antes, aparecera como destinatária de muitos recém-nascidos roubados.
Supremo de El Salvador vai decidir se Beatriz pode abortar
Há quase dois meses, uma junta médica em El Salvador recomendou a interrupção da gravidez como única forma de salvar a vida a Beatriz C., 22 anos, portadora de lupus e com insuficiência renal.
A vida de Beatriz C., 22 anos, em adiantado estado de gestação e mãe de uma criança de um ano de idade, continua em risco. Proibida de abortar no seu país, sob pena de ser castigada com até 50 anos de prisão, a jovem salvadorenha, portadora de lúpus e sofrendo de insuficiência renal, apresentou há quase um mês um recurso ao Supremo Tribunal (CSJ) para que a equipa médica do Hospital de Maternidade seja autorizada a interromper a sua gravidez.
Em 2001 foram 41.137 e em 2011 18.487 habitantes, segundo o Censo da População e Habitação elaborado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Quase todos aqueles que vivem nessas instituições são mulheres (82,4%) e idosos (39,9% em 2011 tinham entre 65 e 84 anos).
A legalização não se destina a aprovar a IVG, pretende apenas descriminalizar o ato. A legislação permissiva não incentiva ou promove o recurso à IVG, apenas modifica a lei, a fim de evitar que mulheres sejam empurradas para a clandestinidade do vão de escada, com risco da própria vida e de perseguições policiais.
Ninguém encara levianamente um problema cujas repercussões físicas, e psicológicas são especialmente gravosas para quem vive o desespero de uma gravidez indesejada ou impossível.
São quase sempre mulheres pobres que se sujeitam ao vexame de exames ginecológicos impostos, que veem a sua vida íntima devassada, que suportam a desonra do julgamento e conhecem as agruras do cárcere. As ricas resolvem o problema e os pruridos éticos no intervalo das compras em cidades cosmopolitas.
O que está em causa não é a posição ética sobre a interrupção voluntária da gravidez, é saber quem renuncia, ou não, à perseguição das mulheres, quem quer vê-las na cadeia, quem pretende juntar ao trauma da IVG a punição da enxovia.
Em Portugal também a IVG era proibida na ditadura. Já em democracia, ainda o PSD e o CDS, em maioria, votaram contra, em casos de risco de vida para a mãe, malformação do feto e violação. Salvaram a honra do PSD Jaime Ramos, Helena Roseta e Natália Correia, de quem me recordo, e poucos mais. O CDS foi igual a si mesmo. Implacável.
O divórcio era proibido há trinta anos, Camilo esteve preso por adultério e, no entanto, as sociedades modernas souberam distinguir o crime do pecado, o direito canónico do Código Penal e separar as convicções pessoais do ordenamento jurídico.
Defender o direito à IVG é defender a saúde da mulher. Para que o aborto clandestino deixe de ser a chaga atual em países dominados pelo clericalismo. Para que se resolva um problema que aflige milhares de mulheres. Para que as pobres não sejam ainda mais infelizes. Para que nenhuma mulher seja presa pela incúria dos que se abstêm.
Para não sentirmos vergonha ao sabermos que uma jovem mulher salvadorenha está em risco de vida ou sob ameaça de 50 anos de prisão.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.