22 de Outubro, 2013 Carlos Esperança
A FRASE
«Vamos correr atrás deste Papa que, desde que chegou, não parou»
(João César das Neves, maratonista que correu sempre atrás de qualquer Papa).
«Vamos correr atrás deste Papa que, desde que chegou, não parou»
(João César das Neves, maratonista que correu sempre atrás de qualquer Papa).
No Ano da Graça de 2005 houve na Guarda um pio escândalo, humano e divertido. Só surpreendeu o silêncio da comunicação social, que, tão ávida a espreitar pelo buraco da fechadura dos políticos, não se atreveu a explorar um escândalo religioso.
Junto ao antigo Hospital Distrital e, até há poucos anos, local das Urgências, havia, e há, um lar de idosos. Ali esteva internada D. Márcia, depois de enviuvar, carregada de anos e de haveres, até Deus ser servido de a chamar à sua divina presença, como soe dizer-se.
No início dormia no excelente apartamento que comprara, ali próximo, e passava o dia no lar, onde comia, com pessoas da sua idade. Depois passou a pernoitar e ocupou um ótimo quarto que os rendimentos lhe permitiam pagar.
D. Márcia não teve filhos. Era muito devota, temente a Deus, amiga da missa, confissão e eucaristia. Rezava o terço desde o tempo em que a irmã Lúcia o recomendou contra o comunismo a rogo da Virgem que poisava nas azinheiras.
No lar, além do tratamento esmerado, tinha a solicitude cristã de piedosas freiras que a assistiam nas rezas e nos caprichos – jovens cuja beleza o hábito resguardava, mulheres espantosas a quem a fé não destruiu a natureza.
A solidariedade cristã levou D. Márcia a emprestar-lhes a chave do apartamento para pias reuniões que as esposas do Senhor certamente fariam ‘ad majorem Dei gloriam’.
Uma noite D. Márcia foi a casa e, estupefacta, escutou suspiros cuja origem a idade não lhe permitia recordar. Sentiu alegria no ar, risos, satisfação, quiçá, gemidos de êxtase.
Perante a dúvida, primeiro, e a indignação, depois, não era uma cerimónia litúrgica, o calvário recriado aos pulos ou o mês de Maria, com coreografia, o que D. Márcia viu. Eram as freiras e mancebos desnudos, numa cerimónia coletiva a evocar Adão e Eva no Paraíso. E a folgarem.
D. Márcia achou perdido o mundo e exigiu a chave, o provedor da Misericórdia e a diocese transferiram as freiras para parte incerta, a cidade murmurou, exultaram os ímpios e cochichou-se pelos becos.
O escândalo foi abafado, certamente para evitar perturbações familiares aos homens casados e às freiras um despedimento sem justa causa.
Deslocação da imagem de Nossa Senhora de Fátima ao Vaticano “vigiada” por conservadoras do Politécnico
Antes de seguir viagem até ao Vaticano, onde esteve nos últimos dias 12 e 13 de Outubro, na Jornada Mariana promovida pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, a imagem de Nossa Senhora de Fátima foi observada com minúcia por uma equipa composta pela conservadora restauradora do Instituto Politécnico de Tomar (IPT), Carla Rego, 46 anos, e a sua estagiária Lígia Mateus.
“É uma imagem que é venerada em todo o mundo pelo que, sem dúvida, este é um marco na minha carreira. Arrepiei-me quando, no domingo, vi o Papa Francisco beijar a Imagem. Já estive tanto tempo com ela que o que significa para tanta gente toca-me”, conta Carla Rego a O MIRANTE, que vai publicar uma entrevista com a conservadora na próxima edição.
Diário de uns Ateus – A deriva da Igreja católica para a idolatria é irreversível.
Por
João Pedro Moura
1- Em Tarragona, na Catalunha, no passado domingo, 13 de outubro de 2013, 522 “mártires da perseguição religiosa do século XX” – quase todos padres, freiras e seminaristas mortos durante a guerra civil espanhola – foram proclamados beatos.
Tal recenseamento denota um trabalho enorme, de muitos anos de investigação canónica e histórica, para se apurar tão grande número de pessoas, afectas à mesma conjuntura histórica.
Denota também um intuito pertinaz de valorizar certos padres e monges da Igreja espanhola de antanho, que se aliou à insurreição franquista contra a periclitante democracia republicana…
2- Primeiramente, convém assentar que a violência dum dos contendores poderá estar em proporção com a violência do outro…
Isto é, a violência duma libertação poderá suscitar-se dialeticamente consoante a violência duma opressão.
A Igreja Católica espanhola, desde sempre e, pelo menos, até à Guerra Civil, foi uma Igreja profundamente reacionária e fortemente mancomunada com os poderes monárquicos. A aliança entre o trono e o altar, por excelência…
Durante a vigência da Inquisição, mormente a do inquisidor-mor, o frade dominicano Tomás de Torquemada, pensa-se que teriam sido executados, em fogueiras e outros tormentos atrozes, cerca de 300 mil desgraçados, tornando tal inquisição a mais mortífera da cristandade.
3- No século XX, a Igreja espanhola tinha uma enorme quantidade de bens, nomeadamente terras (latifúndios), em regime equiparado ao dos latifundiários civis, e onde viviam camponeses pobres, intensamente explorados.
Era também da Igreja uma grande quantidade de colégios, em suma, de boa parte da educação pública, pela qual a Igreja procurava garantir e manter o domínio tradicionalista sobre as novas gerações, contra a progressiva secularização da sociedade.
Com a crescente politização das massas populares, decorrente da ascensão republicana ao poder, em 1931, e o subsequente decreto sobre a separação entre o Estado e a Igreja, mais a lei agrária de 15 de Setembro de 1932, que expropria os latifundiários, entre os quais a Igreja, os ânimos começam a acirrar-se entre, por um lado, Igreja, monarquistas, fascistas e patronato, em geral, todos corporizados, politicamente, pela Falange e pelas JONS (Juntas de Ofensiva Nacional-Sindicalista), e, por outro lado, o partido socialista, o comunista, os anarquistas e os trotsquistas.
4- A coisa começa a descambar a partir de Fevereiro de 1936, com a vitória eleitoral da Frente Popular (coligação republicana de socialistas, comunistas e uma facção colaboracionista anarquista).
A laicização aumenta e desencadeiam-se ocupações ilegais de grandes propriedades agrícolas, em tumulto imparável e incontrolável pelo governo. No meio da confusão, 170 igrejas foram incendiadas.
Em toda esta movimentação tumultuosa, destacaram-se os anarquistas, que tinham uma enorme força (a Espanha tinha mais anarquistas que o resto do mundo todo junto!) e controlavam a CNT, Central Nacional dos Trabalhadores.
Os anarquistas, com as suas depredações, foram dos maiores responsáveis pela avançada franquista e clericalista, que, com o “pronunciamiento” de 18 de Julho de 1936, marca o início da guerra civil.
5- É claro que, durante uma guerra, há exageros de ambos os lados…
Em Cádis, em 8 de Março de 1936, foram incendiados 5 conventos, devido a tiros que foram disparados do seu interior contra manifestantes…
Mais tarde, em plena guerra civil, os insurretos franquistas estabeleceram-se em 4 conventos de Barcelona, bem situados estrategicamente, em 1936.
Aqui, na Catalunha, região dominada pelos anarquistas, ocorreu a maior atrocidade feita contra a Igreja católica, durante a guerra civil espanhola, quando, no castelo de Montjuic, num convento sobranceiro a Barcelona, foram disparados tiros de canhão contra posições anarquistas.
A reação destes foi brutal.
Com a conquista destes conventos pela tropa anarquista, que dominava Barcelona, e com a descoberta doutros arsenais em várias igrejas e conventos, esses anarquistas incendiaram tudo o que puderam de igrejas e mosteiros, na Catalunha, causando também uma grande mortandade entre os clérigos, traduzida por massacres consecutivos da generalidade do pessoal religioso na região, padres, frades e freiras. Devem ter sido uns milhares…
Por toda a Espanha, havia pequenos arsenais em numerosos edifícios religiosos, e, dalguns desses edifícios, foram disparados tiros contra os soldados republicanos e a multidão, por parte de padres e monges de armas na mão, propiciando um agastamento mortal do povo republicano contra os membros da Igreja.
Também houve bastantes padres, sobretudo, bascos e catalães, dizimados pela tropa franquista, devido a revoltas anticentralistas e veleidades regionalistas.
6- Querer realçar a beatificação de domingo, como sendo aplicada necessariamente a pessoas impolutas, que teriam vivido um martírio sem nexo e como vítimas duma suposta sanha anticlerical, apenas odienta e cruenta, sem motivação válida, é querer ofuscar e ratificar todo o apoio que a Igreja Católica espanhola deu aos insurretos e, antes, aos opositores do regime republicano democrático e laico.
Termino com esta citação do dramaturgo alemão Bertold Brecht:
“Todos chamam caudaloso e violento ao rio que tudo arrasta, mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.”
Para vergonha da Igreja católica, descontados os crimes de eras recuadas, que podem sempre ser atribuídos aos costumes bárbaros da época, mas comprometem a inspiração divina de que se reclama, bastava a cumplicidade e o silêncio perante um dos maiores genocidas da Humanidade – Francisco Franco –, para exigir o pedido de perdão sincero de quem herdou o ferrete da ignomínia.
Todos sabemos que a violência atingiu na Guerra Civil espanhola limites inauditos de crueldade dos dois lados da barricada. Não houve bons e maus, só maus. Não podemos esquecer a violência cruel do anticlericalismo dos anarquistas e liberais e, em menor medida, dos marxistas, cujo ódio à Igreja, implicada com a pior direita, rivalizou com o empenhamento do clero nos crimes mais perversos.
Há, no entanto, duas diferenças capitais entre os que se bateram de um e de outro lado da barricada. Do lado da República, o facto de ter resultado de eleições livres sufragadas pelo povo, e, do lado dos sediciosos, a intenção de derrubar o Governo legal e instalar a ditadura. A segunda diferença, assaz sinistra, resulta do facto de, vencida a guerra, insistirem nas execuções sumárias, perseguições cruéis, assassinatos programados e nas valas comuns, cujos vestígios querem apagar, para onde atiraram as vítimas, fuziladas por divertimento sádico e violência sectária.
As crianças roubadas a mulheres, que assassinavam após o parto, foram distribuídas por casais inférteis de sequazes do fascismo espanhol. Não houve ignomínia, crueldade ou sadismo que os franquistas não cometessem, depois da guerra onde Hitler experimentou o armamento com os aviões da Legião Condor, Mussolini colaborou com submarinos e avões, a Igreja católica concedeu o estatuto de Cruzada aos revoltosos e Salazar apoiou a retaguarda, permitindo o recrutamento dos Viriatos, o abastecimento aos franquistas e impedindo o refúgio das populações leais ao Governo.
Franco teve o apoio entusiasta do Opus Dei, que nunca lhe faltou com bênçãos, missas e ministros para o Governo. Balaguer, além de ter colaborado na guerra, ainda o felicitava entusiasticamente, quase duas décadas depois, em carta de 25 de maio de 1958, carta que a filha do ditador conservou extasiada com a veneração do futuro santo ao déspota.
Depois da dolorosa memória que dilacera Espanha, depois de mais de 400 mil mortos e centenas de milhares de exilados, impede-se a exumação das vítimas do franquismo e exonera-se um juiz corajoso, Baltasar Garzón, que quis identificá-las e reparar a sua humilhação e esquecimento, exumando as valas comuns. Para trás fica o horror galego onde o franquismo instaurou, depois da guerra, o método dos “passeios” , ir às casas das pessoas, buscá-las para as “passear”, isto é, fuzilá-las à noite e deixá-las nas valetas.
Através dos sinistros “passeios”, dos conselhos de guerra contra civis, dos fuzilamentos maciços de prisioneiros e de confrontos armados com a guerrilha, morreram, só na Galiza, 197.000 galegos (fonte “La Guerra Civil en Galicia” edic. La Voz) durante o regime franquista, continuando a grande maioria em valas comuns. Nesse período, cerca de 200 mil galegos exilaram-se noutros países, sorte que não tiveram os que escolheram Portugal e foram entregues, para fuzilamento, pelas polícia de Salazar.
João Paulo II beatificou 233 vítimas religiosas da repressão republicana, ignorando o sofrimento coletivo dos espanhóis e Bento XVI reincidiria com nova beatificação de outras 498 vítimas, a maior beatificação da história da Igreja católica.
A decisão destes dois papas, profundamente reacionários, comprometidos com o Opus Dei, não surpreendeu, apenas indignou os familiares das vítimas republicanas e todos os que ansiavam pelo esbatimento do ódio que dilacerou Espanha.
Com mais de duas mil valas comuns por abrir, surpreende que o Papa atual, de quem se cria que não deitasse mais ácido nas feridas por sarar, eleve cerca de quinhentos beatos ao altar do franquismo, numa manifestação de demência episcopal da Espanha que não perdoa e que não se deixa julgar.
Este Papa, depois da lixivia gasta a limpar as nódoas do Vaticano, maculou as vestes e acabou por recordar as boas relações que manteve com Videla.
13 de Outubro de 2013
OS CÃES PERDERAM A FÉ… SÓ OS DONOS RASTEJAM
Pelos caminhos de Portugal, a pé para os mais crentes, de carro para os mais céticos ou com um caminheiro alugado, para cumprir promessas dos mais abastados, há imensos peregrinos que hoje se dirigem para o anjódromo de Fátima, local onde a República viu organizar a oposição e, mais tarde, durante a guerra fria, a luta contra o comunismo.
Em 1917, o sol interrompeu o sedentarismo sideral enquanto uma virgem irrequieta ia de azinheira em azinheira a conversar com uma pastorinha que a via e ouvia, enquanto outra só a ouvia, e o outro não via nem ouvia. E foi assim que pobres prédios rústicos se converteram num lucrativo comércio da fé e o sector primário virou terciário.
Podia a voz da senhora mais brilhante do que o sol não ter chegado ao céu, mas ouviu-a, na Terra, a diocese de Leiria e a gente simples que rezava, primeiro, contra a maçonaria e a carbonária, e, depois, contra o comunismo. O terço era o demonífugo de eleição e o instrumento para a conversão da Rússia, rezado com afinco nos 31 dias de cada mês de maio, nas aldeias de Portugal.
Hoje, o talismã dos peregrinos está em Roma, a pedido do PDG, para despertar emoções e perpetuar a crença. Foi de avião, acondicionado por um clérigo, dar alma ao negócio que começou com um burrito a tropeçar nos buracos dos caminhos de Nazaré e acabou a voar a jacto para todos os continentes.
Os peregrinos, conformados com a ausência da mascote, sentindo-se defraudados na sua caminhada, não deixaram de se regozijar por ter ido fazer milagres para o Vaticano, o bairro com maior densidade de sotainas e onde os milagres obrados nos mais diversos sítios do Planeta acabam por obter o certificado de garantia.
No universo, cada vez mais inseguro, é a fé o cajado onde se encostam as angústias e se amarram as frágeis esperanças de quem espera num mundo imaginário o que lhes faltou no que lhes coube.
Esta é a imagem que vai visitar o Papa numa promoção de marketing da superstição.
José Saramago, um Nobel para a língua portuguesa
No dia de hoje, há quinze anos, José Saramago, o maior ficcionista português do século XX, foi laureado com o prémio Nobel da Literatura, o Nobel do nosso contentamento.
Para trás ficou o ressentimento de Sousa Lara, censor de um Governo de Cavaco Silva, que lhe vetou “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” para concurso a um prémio literário. Esquecida está já a avaliação da sua obra por uma figura grotesca, de quem o presidente da Câmara do Porto, recentemente eleito, é admirador, que o chamou «senil» e definiu a obra como «uma ganda [sic] merda», confessando nunca ter lido qualquer livro seu – o Sr. Duarte Pio.
Foi superado o rancor do Vaticano à atribuição do Nobel a um comunista, decisão que o papa de turno, anticomunista primário que aguarda agora a canonização, não digeriu.
Esvaem-se as invejas, os ressentimentos e as desilusões de quem usa o fígado em vez da inteligência e, para a posteridade, fica a obra ímpar de um escritor singular que honrou a língua portuguesa e a levou, no esplendor da sua criatividade, a viajar pelo mundo culto.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.