4 de Janeiro, 2014 Carlos Esperança
Há quem leve isto a sério
Os crentes estão sempre disponíveis para todos os embustes.
Os crentes estão sempre disponíveis para todos os embustes.
Em 3 de janeiro de 1982, há exatamente 32 anos, quando o odor a santidade era ainda discreto, o papa Karol Wojtyła, falando na Praça de S. Pedro, para mais de 50 mil fiéis, declarou o seu apoio “ao sindicato livre Solidariedade”, um ato corajoso cuja sintonia com a CIA não diminui.
As palavras do Papa continuam a ser justas: «Os trabalhadores têm o direito de instituir sindicatos autónomos cujo papel é defender com justiça os seus direitos».
Para João Paulo II, o Solidariedade “é a expressão de um grande esforço desenvolvido pelos homens de trabalho da Polónia, para assegurar a verdadeira dignidade do trabalhador”.
A defesa do sindicalismo polaco por João Paulo II foi um ato de grande alcance, estando na origem da implosão do imperialismo soviético.
Foi pena que lhe faltasse audácia para defender os sindicatos do Chile enquanto os seus dirigentes eram presos e mortos pelo seu amigo Pinochet. Se tivesse salvo os sindicatos das ditaduras sul-americanas com o mesmo denodo com que o fez na Polónia, hoje seria recordado não apenas pela coragem mas também pela justiça.
Vossa Santidade,
Permita-me a cortesia de um cordial tratamento pelo sublime, mas exigente, axiónimo pelo qual passou a ser intitulado após a recente promoção, designação essa que pressagia a seguinte distinção, a póstuma, que, não duvido, se concretizará por intermédio de uma inexplicável violação das peculiares leis naturais que regem tão somente os processos biológicos dos anhos que se apascentam exclusivamente de fé católica.
Saiba V.S. que, como ateu, tenho assistido com curiosidade ao seu ainda breve papado. Não porque tenha particular interesse no modelo de marketing governativo por que optou pastorear, nem porque esperasse algo de admiravelmente novo, fresco que fosse, dos seus discursos. Estes apenas suscitam inconscientes murmúrios de espanto às persuadidas bocas abertas que o adulam de baixo para cima na praça de S. Pedro. Mas esses passeriformes e insaciáveis filhotes que recusam abandonar o ninho abririam sempre a boca a qualquer ave que os sobrevoasse com sustento, fosse incenso, mirra ou larva do pinheiro.
Dirijo-me a si porque teve a amabilidade de publicamente mandar reservar uma parcela de céu a todos os que, dotados de razão ou inato bom senso, por norma não negoceiam desígnios de férias em locais paradisíacos com agências de viagem duvidosas. Reserva essa, note-se, que um subalterno de V.S. prontamente se encarregou de rescindir, desautorizando-o à revelia, alegando para tal cometimento a falta de idoneidade moral dos interessados. Saiba que não apreciei o gesto, embora outros o tenham enaltecido. E não o prezei pela discriminação e preconceito implícitos para com todos os hereges que, como eu, não se deixam levar pelo consumismo desenfreado que a publicidade enganosa engendrada pela instituição que comanda por norma despoleta. Tive a desconfortável sensação de que o local que me fora outorgado teria demasiadas semelhanças com os lugares de estacionamento reservados a deficientes… Com sinalização a condizer! Entenda por isso o motivo do meu desagrado quando a meliantes, loucos, cegos e surdos lhes vejo atribuídas as bem-aventuranças de um terreno virgem de sinalização mediante o pagamento vitalício de periódica benzedura ou genuflexão, obrigação que a condição de evoluído e entufado bípede me dificulta amiúde.
Sei que manifestou intenção de visitar esta pobre República com o intuito de venerar a sorumbática estatueta dessa senhora que uma irrefletida visita noturna a angelical legionário romano converteu, muito a posteriori, em miraculosa artista do Cirque du Soleil, por obra e graça do espirito espanto. Coroada Rainha de Portugal na cova em que iria obrar vasta multinacional de culto, tal é a magnificência com que atua na copa das árvores que secundariza todas as aspirantes a atrizes a quem o infalível espírito crítico de V.S. continua a impedir o protagonismo na representação das homilias. Por mim atribuiria o Óscar de 2013 a Malala Yousafzai, essa sim uma real, enérgica, credível e corajosa representante de todas as mulheres que sabem não estar mortas. Mas gostos são gostos. Saiba ainda V.S. que da monarquia apenas nos resta sonâmbula hereditariedade, Dom Duplo Pio, tão Pio de linhagem como de devoção, mas cuja dicção se desarticula irremediavelmente perante a sobriedade das pouco castas glândulas mamárias da República, implantadas a 05 de outubro de 1910, que lhe surripiaram a mama e o reinado.
Saiba V.S. que será muito bem recebido, como é apanágio deste catolaico povo. É que somente as reses mais estonteadas carecem de pastor do berço ao féretro e nós, infelizmente, ainda o aguardamos, desnorteados, por entre um nevoeiro que nem vai nem sai de cima.
Atenciosamente, disponha sempre deste simples ateu que não o venera.
Homenagem a Humberto Delgado
A viúva de Humberto Delgado, Maria Iva Delgado, faleceu ontem, com 105 anos.
A Junta de Freguesia de santo António dos Olivais, em Coimbra, tem este painel na parede. A igreja de Santo António, no outro largo, devia ter uma parede reservada aos vultos da República. O bispo não deixa.
Deus criou o Mundo e não consta que, depois disso, tenha feito algo mais. Não fez obra asseada nem mostrou regular bem da cabeça, mas não faltam voluntários a enaltecer a obra nem candidatos a testamenteiros da vontade divina.
Quem se julga feito à imagem e semelhança de Deus tem direito a essas e outras tolices. Mas não tem o direito de impor a vontade à força, de converter incréus pela violência, de purificar os pecadores pelo fogo, com lapidações e outras formas de pedagogia ativa de que as religiões gostam.
O clero é uma classe parasitária que vive da venda de uma mercadoria cuja existência não pode provar, que exerce poder e influência graças a truques de utilidade duvidosa, que promete o Paraíso a preços insuportáveis com o alibi de que tem o monopólio da verdade e o alvará da única agência de transportes. O que me surpreende é a clientela que mantém, a fidelidade dos fregueses e a sua dedicação.
Em 2005, o Grande Oriente Lusitano – Maçonaria Portuguesa entregou na Torre do Tombo um dossiê de 121 folhas, em papel almaço dactilografado, com agentes daquela organização fascista que recolhia informações sobre os democratas. Ora, na cáfila de delatores e gente de mau porte, havia duas páginas de párocos. Acontecia, aliás, o mesmo na PIDE onde piedosos bufos de sotaina denunciavam democratas antes ou depois da confissão.
Como cidadão lamento que os esbirros não tenham sido julgados e os crimes da PIDE e da Legião Portuguesa tenham ficado impunes mas, como ateu, – e é isso que interessa aqui –, fico perplexo com a boa fé dos crentes que se genufletem aos pés de primatas tão abjetos. Sempre me nauseou a bajulação de quem é capaz de beijar a mão de um padre, a fragilidade de quem é capaz de confessar atos cuja indignidade uma reta consciência devia impedir de cometer.
Claro que não são todos. Pudera! Mas alguém duvida da poderosa arma que constitui a confissão e das numerosas vezes que foi, é e será usada para benefício da santa máfia que se dedica aos negócios de Deus e à conquista metódica e persistente do poder?
Comemorou-se em 2005, em França, o centenário da separação do Estado e da Igreja. Esta, sem a laicidade comportar-se-ia em Portugal de forma diferente do que em Timor? Em Espanha a ICAR respeita a legalidade democrática?
Já repararam como regridem em Espanha as leis sobre a família depois de o Opus Dei ter infiltrado o atual Governo do PP?
João César das Neves (JCN), saprófita do episcopado, funâmbulo do Vaticano e devoto contumaz de todos os pontífices, andou desorientado com o atual, sem saber se o devia adular na homilia de segunda, no DN.
Saído de longa confissão, com joelhos doridos e síndrome de privação da hóstia, teve de cumprir a expiação adrede decidida pelo confessor – dizer bem de Francisco –, dar o seu testemunho de regozijo pela escolha do Espírito Santo, o da Trindade, e mostrar o júbilo público, para evangelizar réprobos, sem aliviar o cilício.
No exórdio da homilia que lhe serve de refrigério – “O furacão Bergoglio” –, afirma que “Todos gostam do Papa Francisco”, que, com ele, aconteceu “uma lufada de ar fresco, não só na Igreja mas em todo o mundo”, distraído de que há mais Igrejas e mais mundo, além do romano, e que no Iémen ou na Arábia Saudita nem uma brisa soprou.
JCN está para a penitência como o Governo para a troika, quer ir sempre além. Por isso, criou este mimo de retórica para a antologia da parenética: “A novidade foi inesperada, apesar de acontecer repetidamente nos pontificados anteriores». Não referiu antipapas, não evocou os Bórgias, mas até Pio IX citou, o papa mais reacionário do século XIX, o criador dos dogmas da Imaculada e da Infalibilidade.
JCN disse ainda que “Bento XVI se revelou caloroso, mediático, comovente” e que com Francisco a lufada de ar fresco se tornou um furacão. “Neste caso, é mesmo justificada a paixão e o encanto (como nos casos anteriores)” [sic]. As piruetas a que é obrigado para cumprir a expiação! E vai avisando que “O consenso à sua volta [do Papa] sofre de um cisma fundamental, ainda oculto”.
Vê-se que teme discordâncias com o ultraliberalismo da madraça da Palma de Cima, em Lisboa, onde leciona. Teme “que o fascínio inicial se venha a transformar em críticas, zangas e perseguições dos que apoiaram o novo Papa sem ser realmente suas ovelhas”.
E, sábio, adverte que “o maior equívoco está em achar a Igreja obsoleta…”. “A Igreja sempre precisa de reforma, por estar abaixo do ideal transcendente. Mas essa reforma é feita com os olhos no Céu, não nas conveniências do momento. A sua missão é converter o mundo, não ser aceite por ele”.
JCN cumpriu a penitência mas vê-se que se assusta com os ventos e teme a pneumonia.
La ley del aborto promovida por Alberto Ruiz-Gallardón empezó ayer a sumar voces críticas dentro de su propio partido. Varios altos cargos del Partido Popular expresaron a lo largo del día su discordancia con una ley que permitirá el aborto solo en dos supuestos (violación y daño físico o psíquico para la madre) y añade nuevas exigencias, en una regresión del derecho de la mujer a decidir una interrupción del embarazo que había quedado consolidado en la ley socialista de 2010.
La delegada del Gobierno en Madrid y figura emergente dentro del PP, Cristina Cifuentes, se declaró partidaria de la ley de plazos (la que está en vigor), aunque anunció que acata la voluntad de su partido. Borja Sémper, portavoz en el Parlamento vasco, expresó sus discrepancias con algunos aspectos y pidió a su formación que permita a los diputados votar “en conciencia”. “Los partidos no deben ser sectas”, aseguró. El alcalde de Valladolid, el ginecólogo Francisco Javier León de la Riva, criticó la exclusión de ciertas malformaciones de los supuestos. Y el Gobierno de Castilla y León defendió que se “matice y mejore” la reforma legal. (El País)
Agora que o PP espanhol, por influência nefasta do Opus Dei, fez retroceder a lei sobre a IVG, aqui fica o poema de Natália Correia, feito na A.R., enquanto o deputado Morgado combatia a descriminalização:
«O ato sexual é para ter filhos» – disse na Assembleia da República, no dia 3 de Abril de 1982, o então deputado do CDS João Morgado no debate sobre a legalização do aborto.
A resposta de Natália Correia, em poema – publicado depois pelo Diário de Lisboa em 5 de Abril desse ano – fez rir todas as bancadas parlamentares, sem exceção, tendo os trabalhos parlamentares sido interrompidos por isso:
Já que o coito – diz Morgado –
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou – parca ração! –
uma vez. E se a função
faz o órgão – diz o ditado –
consumada essa exceção,
ficou capado o Morgado.
( Natália Correia – 3 de Abril de 1982 )
Apostila – Natália Correia, ao saber que o deputado Morgado era pai de 2 filhos, pediu-lhe desculpa, dizendo que desconhecia que tivesse feito truca-truca duas vezes.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.