18 de Novembro, 2021 João Monteiro
O abuso sexual de menores e a Igreja Católica
O abuso sexual de menores é um problema prevalente na sociedade e que merece o maior repúdio por parte dos cidadãos, porque afeta crianças (deixando sequelas físicas e psicológicas) e porque é perpetrado por pessoas próximas e da confiança daquelas (familiares, vizinhos e padres, por exemplo). Antes de avançar, clarifiquemos os termos: o abuso sexual de menores é o ato que se deve condenar e que está tipificado como crime; a pedofilia é considerada uma parafilia e não é crime (porque nem todos os pedófilos cometem abuso sexual de menores).
Abusos sexuais em vários países europeus
A Igreja, enquanto instituição, há muito que se debate com este problema, embora só recentemente, e relutantemente, tenha assumido a existência de casos de abusos no seu seio – apesar deste passo, a instituição continua a esconder, a negar e a desvalorizar as denúncias que amiúde vêm a público.
Na Irlanda, “desde 2002, vários relatórios e investigações evidenciaram mais de 15 mil casos de abuso sexual cometidos entre as décadas de 1960 e 90, (…) mas as desculpas do Papa Francisco só chegaram em 2018”, refere uma notícia da Euronews. A Igreja Católica na Alemanha solicitou um relatório independente que concluiu que “314 menores sofreram violência sexual por parte de 202 membros do clero e leigos entre 1975 e 2018 na diocese alemã de Colónia”, refere o Diário de Notícias.
Numa revisão recente ao seu Código de Direito Canónico, a Igreja Católica passou a enquadrar o crime de abuso sexual de menores no capítulo dos “delitos contra a vida, a dignidade e a liberdade do homem”.
O caso recente da França
Com isto, chegamos às notícias da atualidade. Na sequência do escândalo dos abusos sexuais praticados pelo Padre Bernard Preynat, em Lyon, que levou à demissão do arcebispo dessa cidade, o cardeal Philippe Barbarin, foi criada a Comissão independente sobre o Abuso Sexual na Igreja Francesa, presidida por Jean-Marc Sauvé, para analisar o que se passou nesse país. Ao longo de dois anos e meio de trabalho, a referida comissão analisou arquivos (igreja católica, polícia, justiça e imprensa) e testemunhos de pessoas, tendo finalizado o trabalho com um relatório com cerca de 2500 páginas, em que dá uma visão quantificativa do fenómeno e apresenta 45 soluções. As conclusões do relatório são demolidoras: nos últimos 70 anos, isto é, de 1950 até ao presente, terão existido 115.000 padres ou religiosos em França, dos quais cerca de 3000 terão sido abusadores de crianças – uma estimativa por baixo. No mesmo período de tempo, mais de 330 mil crianças terão sido abusadas.
E em Portugal?
Em Portugal as autoridades eclesiásticas têm fechado os olhos, afirmando não ter dados estatísticos ou dando a entender que, a haver casos em Portugal, eles seriam residuais, como noticiou o jornal Público em Maio deste ano. Em outubro, no seguimento da apresentação do relatório francês, o jornal Público voltou a contactar alguns padres e a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), entidade que afiançou que se estaria a preparar a organização de uma comissão para analisar os casos em território nacional e elaborar também um mapa estatístico da distribuição de casos. Ao jornal Expresso, a CEP disse também estar a planear organizar ações de formação e a elaboração de um manual de boas práticas.
A história das denúncias de abusos sexuais por membros da Igreja nas últimas décadas mostra que os mesmos só foram levados a sério após denúncias pelos meios de comunicação social e por pressão da sociedade. Perante a passividade do clero português em dar passos resolutos, noticiou o jornal Público que “católicos pedem investigação aos abusos sexuais pelo clero português nos últimos 50 anos”.
Por incrível que pareça, e certamente pela primeira vez, vejo-me a concordar com o padre conservador Gonçalo Portocarrero de Almada (imagine-se!!) quando ele afirma que “é absolutamente necessário que se conheça toda a verdade e que a Igreja seja exemplar no exercício da justiça e da caridade para com as crianças, que são as principais vítimas deste terrível flagelo (…) Também sempre disse que os abusadores e encobridores, sejam clérigos ou leigos, bem como os que foram cúmplices destes crimes, por conivência ou omissão, devem sofrer todas as consequências legais e morais desses seus actos”. Que a CEP siga estas palavras.
Conclusão
A Igreja pode e deve organizar as comissões que bem entender dentro do âmbito do seu funcionamento institucional. Porém, para haver uma comissão verdadeiramente independente, a mesma não deve ter membros do clero que possam condicionar ou influenciar o resultado das averiguações. Além disso, estamos a falar de uma situação grave, e até de índole criminal, que é o abuso sexual de menores, pelo que a investigação a estes potenciais crimes deve envolver as autoridades oficiais, nomeadamente a investigação por parte da polícia judiciária e do ministério público.
Fontes:
“Depois do silêncio”. Como a Irlanda se reergue dos casos de pedofilia – Euronews 2-12-2020
Mais de 300 crianças abusadas sexualmente por membros do clero na Alemanha. “A maior crise que a Igreja já viveu” – Diário de Notícias 18-3-2021
Abusos sexuais na Igreja portuguesa: um ano depois, 4 queixas e apenas uma investigação aberta – Público 29-5-2021
Papa determina que pedofilia é crime “contra a dignidade” – Euronews 1-6-2021
Cerca de três mil pedófilos na Igreja Católica francesa desde 1950 – Diário de Notícias 3-10-2021
330 mil crianças foram vítimas de pedofilia na Igreja Católica francesa – Euronews 5-10-2021
Plus de 300 000 victimes en 70 ans: les chiffres chocs de la pédophilie dans l’Eglise – L’Express 5-10-2021
Igreja Católica portuguesa admite investigação de casos de pedofilia desde que não seja limitada ao clero – Público 9-10-2021
Pedofilia na Igreja: bispos avançam com grupo coordenador nacional das comissões diocesanas de proteção de menores – Expresso 12-10-2021
Católicos pedem investigação aos abusos sexuais cometidos pelo clero português nos últimos 50 anos – Público 8-11-2021
Pedofilia na Igreja em Portugal: só a verdade nos faz livres – Observador 16-10-2021