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Categoria: Catolicismo

22 de Fevereiro, 2009 Carlos Esperança

Santo Pereira – A humilhação do herói

Santo Pereira

Santo Pereira

O prestígio do condestável não se alterou com o milagre que lhe foi adjudicado. Deus podia mais facilmente ter evitado os salpicos de óleo que atingiram o olho esquerdo da D. Guilhermina de Jesus, enquanto fritava o peixe, e a consequente «úlcera da córnea, uma coisa gravíssima», do que ter de a curar, para fazer a vontade ao Beato e permitir a sua elevação a santo.

Um vulto histórico, da dimensão de Nuno Álvares, não se engrandece com a cura de uma queimadela ocular quando há tantos amputados a quem o crescimento de uma perna facilitava a vida e era mais estimulante para o prestígio da fé.

Não pondo em dúvida a capacidade do herói de Aljubarrota para ser usado como colírio, fica a surpresa por se ter lembrado dele a D. Guilhermina e, em vez de usar a expressão habitual dos soldadores, quando um pingo de solda lhes atinge um olho, ter recorrido à intercessão do taumaturgo, sem antecedentes no ramo, para lhe salvar a visão.

Há nesta maratona pia uma sucessão de felizes coincidências. Começou pelo facto de a D. Guilhermina ter optado por fritar peixe em vez de assá-lo na brasa; depois, perante a dor que se adivinha, em vez de recorrer a uma expressão que não cura, mas aliviava, ter pedido a intercessão de quem precisava do milagre para ser promovido a santo; depois, ter disso conhecimento a Igreja católica e estar na presidência da Prefeitura da Causa dos Santos o experiente pesquisador de milagres e criador de santos, o cardeal Saraiva Martins; finalmente haver no Vaticano médicos para certificarem a cura do olho e, em Lisboa, devotos ansiosos pelo novo santo.

Só quem é capaz de distinguir a água benta da outra está em condições de rubricar um milagre que, não sendo por aí além, foi o melhor que se arranjou. O patriarca Policarpo preferia que fosse dispensado das provas públicas do milagre mas resignou-se com a exigência do Papa; o presidente da República já fez saber da sua satisfação, certamente falando em nome dos familiares, e a Pátria, angustiada com a crise, ficou indiferente.

Os espanhóis que, durante muitos anos, não toleraram a santidade do carrasco que os humilhou nos Atoleiros, em Aljubarrota e em Valverde, têm agora tantos santos que não ligam à elevação de D. Nuno aos altares.

Durante os dois últimos pontificados emergiu um tsunami de santidade que varreu os cemitérios da catolicidade e dos cadáveres fez taumaturgos.

21 de Fevereiro, 2009 Ricardo Alves

Vem aí a «desestruturação»!

Os bispos portugueses da ICAR publicaram o seu mui aguardado documento teórico sobre o casamento entre homossexuais.

Essencialmente, dizem-nos que o casamento «desestrutura» a sociedade. Ou seja, pessoas do mesmo sexo poderem casar-se, assumirem jurídicamente deveres mútuos, comprometerem-se a sustentarem-se um ao outro, a partilharem propriedades e dificuldades, seria «desestruturante». Curiosamente, sempre pensei o contrário: que a assunção de deveres e responsabilidades seria estruturante, sinal de maturidade e integridade. Os bispos discordam.

Porquê? Aparentemente, porque acham que a «base antropológica da família» seria a «complementaridade dos sexos». Bom, enganaram-se no adjectivo e num substantivo: suponho que queriam dizer que a base biológica da reprodução é a procriação sexuada. Ou seja, só há reprodução com um espermatozóide (macho) e um óvulo (fêmea). Mas os bispos não gostam de ciêncas da natureza. E por isso divagam e atribuem à antropologia o que é da biologia. Porque, antropologicamente, já houve de tudo. Desde haréns com um macho dominante, até filhos criados comunitariamente pela mãe, irmãs e avós, passando pela mulher propriedade do homem, até ao actual casal igualitário. Querem proibir mais uma variação, na era da procriação assistida e das famílias recompostas? Ridículo.

Note-se também que não explicam como é que a existência de mais um tipo de família iria «desestruturar» os outros tipos de família. Se os vizinhos gueis do 2º esquerdo se casarem, os heterossexuais do terceiro andar vão divorciar-se? Não se entende a relação.

Finalmente, os senhores bispos acham que fazer uma lei é «alterar» a «antropologia». Que exagero. As pessoas fazem o que querem. Cada vez se reconhece mais que é assim que deve ser. São as alterações no modo como as pessoas vivem que levam a alterações legais. Pretender que as leis impeçam as alterações sociais é segurar uma inundação com as mãos. E é isso que os bispos parecem querer fazer. E se deixassem as pessoas escolher?

20 de Fevereiro, 2009 Carlos Esperança

Quo vadis, Bento 16?

Para os que pensavam que a ICAR era compatível com a modernidade e a civilização, aí está Bento 16 a desmenti-los com a brutalidade das suas decisões.

Não se pense que é a crença em deus que o anima, pormenor sem importância, é o poder que o cega. Como gostaria de ter católicos capazes de se imolarem!

Com que enlevo verá este papa medieval a demência fascista do Islão com o seu cortejo de mártires, obsessão totalitária e a organização da sociedade toda baseada no livro que o arcanjo Gabriel ditou a Maomé, a voar baixinho entre Medina e Meca!?

Com que pasmo há-de observar os judeus das trancinhas a tentarem derrubar à cabeçada o Muro das Lamentações, a sobrar-lhes na fé o que lhes mingua no banho, a sonhar com o regresso à Palestina e a pensar que são o povo eleito!?

O Papa, este papa, sonha com o espírito das Cruzadas e o regresso do Santo Ofício para impor a disciplina da fé e o fausto do papado.

A reabilitação do bispo fascista inglês, Williamson, não é um erro de quem não conhece o biltre, foi a decisão do correligionário que o estima.

A Igreja católica divide-se, com vergonha do papa e pavor do seu extremismo, mas não faltam outros para tomar o seu lugar e novas seitas à espera de ocupar o espaço vago no mercado da fé. Bento 16 sabe o que faz e quer o confronto com a modernidade, certo de que os extremismos deslumbram.

Os milagres não são, como alguns pensam, o folclore da religião, são o alimento da fé e o instrumento ao serviço do obscurantismo.

A elevação a bispo do eclesiástico que atribuiu o furacão Katrina e a destruição de Nova Orleães ao castigo de deus, pelos pecados da cidade, é a prova que faltava para a certeza da agenda obscurantista do Vaticano.

Bento 16 sabe o que fez. E sabe os riscos que corre. Sabe, inclusive, como o seu deus é célere a chamar à divina presença os que lhe prejudicam os interesses terrenos. Deve ter ponderado a pressa com que João Paulo I foi chamado.

No Vaticano não são permitidas autópsias.

18 de Fevereiro, 2009 Carlos Esperança

Saraiva Martins e os «anormais». Opinião de um leitor

Por

José Moreira

Ontem à noite 2009/02/17, o cardeal Saraiva Martins declarou, na Figueira da Foz, que a homossexualidade não é normal. Não discuto esse assunto com sua excelência reverendíssima. Estou certo de que sabe, acerca disso, infinitamente mais do que eu. Tem obrigação disso, aliás. De acordo com notícias que têm vindo a lume, estará mais próximo do que eu de casos que envolvem homossexualidade e pedofilia. Mas noto um ligeiro avanço das posições da Igreja: já não disse que ser homossexual é uma opção… Apenas foi dizendo que é uma “anormalidade”. Será…
Mas o cardeal vai mais longe ao dizer que Deus criou homem e mulher e que, portanto, assim é que as coisas serão normais. Lindo. E como todos sabemos que tudo o que a a Bíblia diz está cientificamente comprovado, não há que duvidar. Aliás, de vez em quando encontram-se pessoas com aspecto de terracota, prova inequívoca da sua origem: o barro. Só que o senhor cardeal não criou Adão e Eva defeituosos, com cancro, etc. E todos sabemos de crianças que nascem defeituosas, com tumores cerebrais e com outras doenças. Serão, também, “anormais”? Deveremos discriminá-las?

O cardeal estava particularmente inspirado, ontem. Pois até «defendeu como situação “ideal” uma colaboração sincera entre a Igreja e o Estado “na formulação de certas leis”, como a do casamento entre pessoas do mesmo sexo.» “na ‘mouche’! Eu acho que esse tipo de saudosismo dum passado ainda muito recente só lhe fica bem. Ai, os bons tempos em que Salazar não legislava sem ouvir o seu particular amigo Cerejeira… Mas olhe, senhor cardeal, esses tempos já lá vão. Talvez um dia voltem, sei lá… Provavelmente essa “colaboração sincera” signifique que os diversos estados também tenham uma palavra a dizer nas decisões da Igreja. Sim, porque a Igreja também faz as suas leis, não é verdade? e os estados são chamados a colaborar? Ou a colaboração entre a Igreja e o Estado é só quando interessa à igreja?

Já agora, eu pergunto: será que a (provável) lei que aceita o casamento homossexual vai obrigar a Igreja a celebrar esses casamentos? Certamente que não! Então, a Igreja tem toda a liberdade para NÃO celebrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Se o Estado quiser fazê-lo, o que tem a Igreja a ver com isso?

Já agora, uma outra pergunta: será que os/as homossexuais são todos ateus? Olhe que não, senhor cardeal, olhe que não. Há muitos que são católicos.

Isso, senhor cardeal, ser homossexual católico, é que não é normal.

18 de Fevereiro, 2009 Carlos Esperança

ICAR – Regresso ao passado

Não foi só a missa que regressou ao latim e os bispos fascistas ao seio da Igreja católica. É a agenda conservadora e obscurantista que está de volta pela mão de Bento 16 e sob o patrocínio do Opus Dei.

Os anúncios, em quadros de avisos e sites de igrejas, foram recebidos com entusiasmo por alguns e cautela por outros. Mas certo, certo, é que voltam em força, ao mercado, as velhas indulgências que escandalizaram Lutero.

Também regressa a arma medieval – a confissão –  que permitia à Igreja policiar as almas e controlar a sociedade embora nunca tenha sido abandonada. Os crentes é que se afastaram.

Bento 16 não desiste de uma certa forma de proselitismo. O apelo à confissão, feito no último Domingo, é disso a prova:  Os pecados que cometemos “distanciam-nos de Deus, e se não são confessados humildemente confiando na misericórdia divina, chegam até mesmo a produzir a morte da alma”. Cá está a ameaça do Inferno, o medo como veículo da fé, a confissão como detergente do pecado. (Ver os dois últimos posts).

A insistência nos milagres é mais uma manifestação do obscurantismo a que os dois últimos pontificados regressaram. Nuno Álvares Pereira vai ser canonizado com o ridículo da cura do olho esquerdo da D. Guilhermina, olho queimado com óleo de fritar peixe. «Urbano II fez uma excepção para quem há mais de 200 anos era prestado culto e reconhecido, pelo povo, a santidade», excepção que D. José Policarpo, bispo e cardeal-patriarca de Lisboa, tinha já confirmado aplicar-se-lhe, quando o processo foi reaberto a 13 de Julho de 2004, afastando o ridículo e a galhofa. Mas este Papa não tolerou a canonização administrativa.

Faz mais o papa pela descrença do que todas as associações ateístas.

18 de Fevereiro, 2009 Carlos Esperança

Indulgências de novo à venda

Os anúncios, em quadros de avisos e sites de igrejas, foram recebidos com entusiasmo por alguns e cautela por outros. Mas, em termos gerais, uma imensa geração de católicos romanos os ignorou por não fazer idéia do que significava o título “bispo anuncia indulgências plenárias”.

Nos últimos meses, dioceses de todo o mundo vêm oferecendo aos católicos um benefício espiritual que havia saído de moda décadas atrás – indulgências, uma forma de amnistia para as punições que os aguardariam no Além.

Isso serve como lembrete sobre o poder da Igreja para mitigar as consequências do pecado.

Comentário: É o regresso ao obscurantismo.

17 de Fevereiro, 2009 Carlos Esperança

Momento zen de segunda

Enquanto o teólogo Hans Küng afirma que o Papa comete um erro após o outro, os judeus temem que regresse ao anti-semitismo do Novo Testamento, a senhora Merkel se sobressalta e a comunicação social de todo o mundo anatematiza o velho prefeito da Sagrada Congregação da Fé, ex-Santo Ofício, aparece finalmente um irredutível devoto.

João César das Neves (JCN), na sua habitual homilia no DN, vem em socorro de Rätzinger que sofreu com a excomunhão de monsenhor Lefebvre e dos seus sequazes e que, ao tempo, a quis evitar.

JCN tem direito a defender o Papa, sendo certo que o defenderia se ele actuasse ao contrário do que tem feito, porque se move pela devoção, procura a salvação da alma em vez da análise e confunde a fé com a verdade. Para o devoto era-lhe indiferente que, para reintegrar bispos racistas e xenófobos, o Papa tivesse regressado à missa em latim ou a impusesse em aramaico.

Não é o bispo fascista Richard Williamson que está em causa – como afirma –, é o chefe da Igreja católica que o reintegrou não podendo desconhecer as suas reiteradas manifestações negacionistas e anti-semitas. Não cessaram os motivos da excomunhão nem se alterou a conduta extremista dos membros da  Fraternidade Sacerdotal São Pio X.

Segundo JCN «A Igreja (…)  procura reconciliar-se com todos os que ao longo dos séculos foram abandonando a comunhão católica», mas esquece os progressistas que a própria Igreja silenciou ou a quem interditou o múnus bem como o facto de ser o cristianismo uma cisão do judaísmo.

S. João Crisóstomo considerava bordéis as sinagogas e o imperador Constantino odioso o povo judeu. Não foram os nazis os primeiros a instituírem o gueto e a obrigarem os judeus ao uso de um distintivo amarelo. Coube ao Papa Paulo IV, no séc. XVI, essa infâmia.

Bento 16 precisava bem de demarcar-se do anti-semitismo, pela origem do seu nascimento, a circunstância da sua adolescência e a tradição da sua fé.

E não o fez.

Por muito que custe a JCN.