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Categoria: Catolicismo

2 de Maio, 2009 Carlos Esperança

Indústria dos milagres

A indústria dos milagres

Seria injusto não reconhecer no actual pontífice a eficácia com que ridiculariza a Igreja e envergonha os fiéis mais urbanos e civilizados. Bastavam as incongruências da bíblia, a história arrepiante da evangelização, a cumplicidade com o esclavagismo, a prática da Inquisição e o apoio às ditaduras, com exclusão das comunistas, para tornar suspeita a bondade da Igreja e a credibilidade do Papa.

No entanto, Bento XVI foi mais longe do que era hábito nos tempos modernos. Fez de João Paulo II, um Papa supersticioso que acreditava em Deus, um caixeiro-viajante da fé e criador de beatos e santos. Foi o artífice da ascensão do Opus Dei e o protector de monsenhor Escrivá. Este sobreviveu ao apoio dado a Franco, ao silêncio sobre centenas de milhares de mortes e aos escândalos financeiros e bastou-lhe morrer para chegar a santo. Na pressa da canonização adjudicaram-lhe três milagres quando lhe bastavam dois.

Não se esperava que B16 conservasse a indústria milagreira para criar beatos e santos como nos aviários se criam frangos, que fabricasse milagres como, antes da crise, se fabricavam recordações nas Caldas da Rainha. B16 habituou-se aos embustes como os toxicodependentes à droga e não consegue fazer o desmame. Na linha de montagem os bem-aventurados aguardam milagres para se submeterem ao exame de santidade.

As pias aldrabices extasiam os crédulos, cada vez mais raros, e estarrecem os crentes que não desistem de intervalos para pensarem. Longa vida a B16. Mais dois ou três papas assim e a religião católica deixa de ser fonte de inspiração da fé e passa a motivo de vergonha para quem a pratica.

Há uma dúvida que persiste. Com que direito canoniza os defuntos sem a sua expressa autorização? À falta de vivos que compareçam à chamada, a Igreja católica convoca os mortos que nunca se recusam.

30 de Abril, 2009 Carlos Esperança

Beata Alexandrina de Balasar

Se a infalibilidade papal não fosse um dogma, e a de João Paulo II uma evidência, não se acreditaria que a bem-aventurada Alexandrina de Balasar tivesse vivido os últimos treze anos e sete meses de vida em jejum total e anúria. Apenas tomava a comunhão, como confirmou publicamente o referido Papa, que viveu com odor a santidade.

Pode até pensar-se que a morte pudesse ter ocorrido por falta de consagração da última hóstia, descuido que a terá privado do único alimento que a mantinha.

Apesar do tão longo e notável prodígio – viver do ar e da hóstia –, a Igreja católica, por caducarem os milagres em vida, exigiu-lhe currículo de defunta para elevação a beata. A taumaturga realizou o milagre, na área da neurologia, para uma emigrante portuguesa residente em França.
Dizem os biógrafos que a bem-aventurada Alexandrina, além dos excelentes êxtases das sextas-feiras, era acometida de ataques violentos pelo que foi diversas vezes exorcizada. Quem conhece a força do demónio e a raiva que nutre pela virtude, não lhe estranha o ódio a quem pediu ao papa que consagrasse o mundo contra o comunismo. Perante as orações da própria e os exorcismos do pároco, o Maligno rendeu-se e acabou por deixar em paz a devota e a URSS a cujo descalabro Alexandrina assistiu do Paraíso.

O 5.º aniversário da beatificação desta virtuosa mulher, ocorrido a 25 de Abril, passou despercebido no país, entretido em festarolas pela queda da curta ditadura de 48 anos, como se a eternidade se medisse em lustros ou a santidade precisasse de democracia.

Felizmente, enquanto cresce a devoção à beata, não faltam pedidos para a sua canonização. Não tardará o segundo milagre. Deus pode dormir mas os padres, não.

29 de Abril, 2009 Carlos Esperança

Paradoxos

Papa conforta sinistrados e exige “exame de consciência”

O mau tempo – chuva, fortes rajadas de vento, frio – e os rumores de novos sismos não impediram que Bento XVI realizasse a sua visita paternal e histórica às zonas destruídas pelo terramoto do passado dia 6.

P – Paternal? Mas o homem tem filhos?

O sino de uma igreja que ruiu foi abençoado pelo Papa.

P – O sino estaria amaldiçoado ou teria expirado o prazo de validade da última bênção?

28 de Abril, 2009 Carlos Esperança

Os padres também se enganam

RIO – Proibidos pela Igreja Católica de filmarem no Vaticano, os produtores de “Anjos e demónios”, o capítulo anterior do polémico “O código Da Vinci” tinham um problema pela frente: como reproduzir, o mais fielmente possível, os cenários…?

Disfarçados de turistas, fotógrafos e cinegrafistas passaram semanas “visitando” o Vaticano e registando detalhes de tudo o que podiam. A partir dessas imagens, foram construídas réplicas detalhadas de pontos como a Capela Sistina e a Praça de São Pedro, locais-chave para a história.

Nota: E assim se contorna a censura.

27 de Abril, 2009 Carlos Esperança

Havia dúvidas?

O cardeal Saraiva Martins defendeu ontem (26 de Abril) a veracidade do milagre que sustenta o processo de canonização de S. Nuno Álvares Pereira. “É possível provar o milagre e foi provado”, disse à Agência Lusa o cardeal, que já presidiu à Congregação da Causa dos Santos, organismo do Vaticano que avalia este tipo de processos, nos quais é obrigatório um milagre que comprove, para a Igreja, a intercessão divina dessa figura numa cura.

Comentário: O Diário Ateísta regozija-se com o facto de o Centro de Saúde  de Ourém e o Hospital de Leiria terem sido considerados idóneos para a confirmação de milagres pelo cardeal Saraiva Martins. Aliás, o Hospital de Leiria já tem tradições no ramo. Foram médicos do mesmo hospital que confirmaram o milagre da D. Emília uma joint venture de dois pastorinhos, Francisco e Jacinta, no ramo da ortopedia, intercessão que lhes valeu a promoção a beatos.

27 de Abril, 2009 Carlos Esperança

D. Nuno e D. Guilhermina

Ontem D. Nuno foi posto a render ao serviço do obscurantismo e da superstição. Não se referiram as leis da época, as lealdades a que os cavaleiros medievais se obrigavam, as circunstâncias políticas das batalhas nem, por lapso, foi referido que do lado de Castela também se ajoelhavam os cavaleiros, como era hábito.

Se houvesse exigência de rigor em alguma afirmação, alguém devia ter explicado como se tornou D. Nuno o homem mais rico do reino e como exigiu a fortuna. Mas isso são coisas alheias à santidade e à cura do olho da D. Guilhermina.

Só do lado de D.Nuno se genuflectiram os cavalos, é certo, a fazer fé num opúsculo do Sr. Duarte Pio, especialista em cavalos devotos e tolices avulsas, não se percebendo o esquecimento dos cavalos com o precedente de S. Guinefort, o cão injustamente morto pelo dono e feito santo. Os historiadores ignoraram o espectáculo e deixaram ajoelhar consolados os escuteiros, bispos e beatos que foram agradecer a cura do olho esquerdo de D. Guilhermina, órgão que devia ser protegido com grades, não vá um especulador de relíquias arrancar-lho em vida.

O Patriarca Policarpo acusou o Estado de conviver mal com a Igreja, sem compreender a separação e a laicidade a que o estado é obrigado. O Sr. Duarte Pio, com vocação para a asneira, considerou que a canonização «tem mais importância para Portugal do que os «prémios Nobel».

Cavaco Silva, presidente dos portugueses católicos, mais ilustrado em santidade do que em letras, apesar de catedrático em literatura pela Universidade de Goa, afirmou que “será motivo de orgulho e de alegria para todos os que amam o nosso país e a sua história”, certificando de uma só vez o milagre de D. Nuno no olho da D. Guilhermina e os patriotas.

Eu, que me envergonho de muitos factos da nossa história, sobretudo das perseguições aos judeus, torturas da inquisição, esclavagismo, evangelizações, guerra colonial e ditaduras, amo a pátria sem precisar do certificado deste presidente que confunde a sua fé pessoal na cura do olho esquerdo de D. Guilhermina, queimado com salpicos de óleo fervente de fritar peixe, por intercessão de D. Nuno, com as funções que desempenha, que o impedem de certificar milagres e de abdicar da ética republicana a que as funções o obrigam.

26 de Abril, 2009 Carlos Esperança

Nuno Álvares condenado à santidade

Portugal, tão esquecido pelo Vaticano no negócio dos santos, vê Nuno Álvares Pereira perder o prestígio de que gozava e, por causa da santidade, passa a ser gozado. Foi um herói que resistiu à apropriação de Sidónio e de Salazar mas, com quinhentos anos de cadáver, não resistiu aos interesses da Igreja e à satisfação dos beatos.

Valeu a vergonha para que o Presidente da República e o presidente da Assembleia da República não fossem mostrados de joelhos em Roma. Para enxovalho já bastou terem dado o nome para a comissão de honra da canonização de Nuno Álvares a cujo espectro se atribui a cura do olho esquerdo de D. Guilhermina de Jesus, queimado com salpicos ferventes de óleo de fritar peixe.

É grave que o Estado tenha sido enredada na cura miraculosa do olho esquerdo de uma devota; é ridículo que os seus mais altos representantes confundam as legítimas crenças individuais com os factos; arruína a reputação de Portugal que, em nome do Estado,  se rubrique como verdade um grosseiro embuste de sabor medieval. É abusivo peregrinar, a expensas do tesouro público, para rezar ave-marias durante a canonização e trazer, depois, santinhos para os amigos.

Se D. Guilhermina tivesse rezado quatro novenas, em vez de duas, e passado a noite aos ósculos na imagem do Condestável, teria curado o olho esquerdo e feito a profilaxia das cataratas. O País não carece de médicos, basta que, na altura certa, reze a um beato que esteja em lista de espera para ser canonizado. Portugal, para sair da crise, só precisa de fé, de rezar o terço e da protecção divina.

Respeito os crentes que, à sua custa, foram a Roma esfolar os joelhos e agradecer a deus a cura do olho esquerdo da D. Guilhermina, mas condeno o ministro, deputados e outros
dignitários que reclamam a representação do Estado em cerimónias que comprometem a a laicidade. Portugal ainda não se emancipou da cumplicidade que, durante a ditadura, a Igreja e o Estado estabeleceram entre si. Os altos representantes deviam usar um cordão sanitário que os abrigasse da vergonha e da falta de ética.

Nuno Álvares foi o herói que a Igreja transformou em colírio rasca para a cura de um olho esquerdo, queimado com óleo de fritar peixe. Com a espada nas mãos não se teria deixado capturar mas, assim, desfeito em cinzas, sucumbiu com duas novenas e deixou-se atravessar por um ósculo de uma beata numa imagem sua.