É preciso não ter sentimentos para desrespeitar o sofrimento e a angústia dos peregrinos que têm como fetiche da sua devoção os dias 13, em especial, o do mês de maio, sem desprezar agosto, para os emigrantes, e outubro.
Aqueles septuagenários que vestem velhas camisas camufladas da época que os marcou, na guerra injusta e inútil, ainda hoje agradecem o regresso, como se as minas pudessem ter-nos matado ou estropiado a todos, como se tivessem de agradecer o regresso em vez de se revoltarem com a partida.
A fé é isto mesmo, não questionar os desígnios do acaso, agradecer a perna que sobrou em vez de reclamar a amputada, rezar pela sorte do olho que resta em vez de protestar pelo que os estilhaços da granada vazaram, enfim, caminhar de joelhos e rastejar num santuário, acreditando no poder miraculoso das azinheiras, onde saltitou a virgem, ou no espaço onde aterrou o anjo.
Há nos rostos sofridos e nos corpos doridos, a sangrar por dentro, uma dose enorme de esperança que não se esgota nos dedos delidos a desfiar o rosário como quem conta os dias de sofrimento que lhes coube. As chagas das longas caminhadas e os pés inchados não impedem os devotos de acrescentar ao sofrimento do quotidiano o da peregrinação.
É inútil explicar como nasceu Fátima, quem tinha interesse na devoção, quem fabricou os milagres que noutros sítios não vingaram. A República era a pedra no sapato do clero e a separação da Igreja e do Estado uma afronta à união centenária entre o trono e o altar. A rainha dos céus e o Cristo-Rei continuaram o paradigma da Igreja, com azia à democracia, que viu na ditadura de direita o doce amparo enquanto os «segredos» se multiplicavam a anunciar a conversão da Rússia à Senhora de Fátima.
A verdade é um mero detalhe nos caminhos da fé. Os peregrinos nutrem a tradição que procura no céu o que falta na terra. Olho-os com respeito, a caminho de Fátima, onde alguns serão atropelados antes de assistirem à procissão das velas.
Câmara de Ourém violou princípios da concorrência e transparência em concurso público
O Tribunal de Contas recusou o visto ao contrato de instalação do sistema de mobilidade da Cova da Iria, Fátima, por considerar que a Câmara de Ourém violou várias normas legais no concurso internacional para a obra.
Situação que impede o município de pagar a execução do projecto que inclui a instalação de instrumentos tecnológicos para a gestão da circulação e estacionamento no valor global de 883.500 euros.
Ler artigo completo em «O Mirante».
Por
A boneca de Fátima foi levada para o Instituto Politécnico de Tomar com sintomas de mau estar devido à sua idade avançada. Será observada e efectuará diversas análises especializadas, traçar-se-á o diagnóstico do seu estado debilitado, receberá tratamento e operações de limpeza e rejuvenescimento. A boneca terá tratamento VIP (Very Important Puppet), o que as bonecas pobres dificilmente conseguirão por falta de dinheiro.
A boneca de Fátima, mais conhecida por “Nossa Senhora de Fátima”, foi esculpida em madeira há mais de 90 anos para representar as aparições imaginadas de Fátima e alimentar a ilusão religiosa nos crentes. Trata-se apenas de uma boneca, mas é comum os crentes confundirem-na com uma personagem real de acção milagreira. Por isso, perseguem a boneca e andam à volta dela pedindo-lhe milagres e mais milagres. Ao mesmo tempo, a Igreja Católica, sempre sorrindo, vai conseguindo sempre mais e mais receitas miraculosas.
Naquele tempo a Lúcia – segundo afirmou – não sabia ler nem escrever, nem, ao menos, contar os anos, meses ou dias, mas já reconhecia «o anjo que aparecia em forma de um jovem transparente, mais brilhante que um cristal atravessado pelos raios do Sol», que lhe surgiu pela primeira vez na Loca do Cabeço.
O Francisco e a Jacinta, que insondáveis desígnios, adiantaram no caminho da santidade não eram tão perspicazes nas visões nem tão apurados de ouvido.
Era pela Lúcia que sabiam que «Nosso Senhor» andava muito zangado e que a Senhora de Fátima, incomodada com os estados de alma do divino filho, aproveitava para dizer aos pastorinhos que pusessem toda a gente a rezar o terço e para pedirem ao Papa que consagrasse o Mundo ao seu (dela, Senhora de Fátima) coração imaculado.
Em vez de rebuçados caramelizados, embrulhados em papel, a Senhora surgia para lhes dar recados. A princípio, quando as pessoas descriam de tanta aparição, era a República que preocupava a celeste visita mas, com o tempo, depois de 1926, era já a conversão da Rússia que perturbava a Senhora de branco. E a arma para tal desígnio era ainda o terço, como poderoso demífugo capaz de afugentar o comunismo.
Certo, certo, foi o facto de a senhora de Fátima, pseudónimo com que se apresentou na Cova da Iria, ter surgido 7 vezes, a última das quais em rigoroso exclusivo para a Lúcia.
Foi a partir da coincidência e da confirmação do Sr. Presidente da República, alertado pela Sr.ª D. Maria, que eu acreditei no milagre de Fátima na aprovação da 7.ª avaliação do programa de ajustamento português.
Se com 7 aparições a Virgem converteu a Cova da Iria, de manhosos terrenos rústicos, de fraca valia para o setor primário, no promissor setor terciário, no sentido do jargão económico e no místico, dedilhar do terço com os mistérios do rosário, é de crer que a 7.ª aparição da troika fosse o milagre que faltava para tornar a vida dos portugueses num inferno. A Senhora de Fátima estava ao serviço do Céu mas a Troika, não.
A realidade é sempre pior do que a notícia. Cavaco Silva prestou-se a ser presidente da Comissão de Honra da canonização de Santo Pereira, a forma de desacreditar um herói nacional, Nun’Álvares Pereira, com o milagre pífio da cura do olho esquerdo da D. Guilhermina de Jesus, queimado com salpicos de óleo fervente de fritar peixe.
Um presidente que se presta a rubricar a cura milagrosa do olho esquerdo da cozinheira de Ourém, para fazerem santo um guerreiro com seis séculos de defunção, é alguém que prefere a oração ao colírio e que confia mais em Fátima do que na virtude dos enviados da troika, embora, neste caso, haja razões para desconfiar de todos.
Ao comprometer a Senhora de Fátima na aprovação da sétima avaliação do programa de ajustamento português, Cavaco revela que perdeu a confiança no Governo e vira-se para a Cova da Iria. Tal como Portas, notabilizado por mobilizar a marinha de Guerra contra um barco armado com pílulas abortivas, que ameaçava interrupções da gravidez da Gala a Buarcos, e que atribuiu à Senhora de Fátima a orientação dos ventos e marés que depositaram nas costas da Galiza resíduos tóxicos do naufrágio do petroleiro Prestige, o PR insiste na proteção divina, desígnio de que a exonera do estado a que chegámos.
Sabendo-se que o seu humor está ao nível do das vaquinhas dos Açores, os portugueses veem no PR, não o economista eleito PR, por milagre, mas o devoto capaz de anunciar aos portugueses: “Penso que foi uma inspiração da nossa Senhora de Fátima”.
Vi e ouvi o inspirado crente, com a colher da sopa suspensa entre o prato e a boca. Se a notícia fosse apenas do jornal certamente que teria duvidado. Não sei como não meti o cotovelo no prato.
Hoje, em Fátima, consumiu-se mais cera do que mel produziram as abelhas.
Fátima tem a maior área coberta da religião, em Portugal. Foi um centro de propaganda da ditadura depois de ter sido um instrumento de luta contra a República. A guerra fria deu-lhe uma enorme importância e converteu o local num centro de recolha de esmolas onde o dinheiro e o ouro abundaram. Hoje, a crise da fé e da economia tornam o sítio menos rentável, apesar das campanhas papais de marketing.
Também é verdade que os pastorinhos nunca conseguiram fazer um milagre de jeito. São mais os peregrinos que morrem na estrada do que os estropiados que se curam. Os joelhos dos devotos sangram nas maratonas beatas à volta da capelinha das «aparições» e as orações aliviam os crentes mas não produzem efeitos.
Não sei como os laboratórios farmacêuticos não usam a ave-maria como placebo nos ensaios duplo-cegos com que testam os medicamentos.
O paganismo é hoje um detonador da fé que se cultiva na Cova da Iria. Ninguém quer saber de deus, apenas a Virgem é a mascote que recebe oferendas e obriga a sacrifícios a quem se pagam promessas.
Ainda se veem velhos combatentes com a farda da guerra colonial a agradecer o retorno à Pátria. Se foi a virgem Maria que os protegeu deve haver 13 mil defuntos a sofrer em silêncio a desatenção da dita senhora que aparece em locais improváveis para alimentar a superstição e manter o negócio da fé.
Com a fome que grassa e a miséria que se instala não admira que, o desespero se torne propício às maratonas místicas que desaguam na Cova da Iria. Triste sina dos povos que veem a Terra a abandoná-los e se viram para o Céu.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.