Loading

Categoria: Política

5 de Março, 2009 Carlos Esperança

Santo Pereira e Paulo Portas

Mergulhador de água benta

Mergulhador de água benta

Paulo Portas lamentou que o Governo não se tivesse congratulado com a canonização de Nuno Álvares Pereira. A comunicação social referiu a queixa mas foi indiferente à patriótica proclamação do antigo ministro da Defesa e do Mar e insensível à omissão do Governo.

Que Governo é este que não acompanha o ex-ministro que, graças à Senhora de Fátima, conseguiu que a poluição do navio Prestige poupasse as costas do Minho enquanto fustigava as da Galiza? Que jornalismo é este que já esqueceu o único ministro que se deslocou a Coimbra para assistir à missa pela Irmã Lúcia quando esta se finou?

Um país que não exulta com o milagre da cura do olho esquerdo da D. Guilhermina de Jesus, queimado com óleo de fritar peixe, não é digno de um santo com a dimensão de D. Nuno. Uma comunicação social que não exalta o heróico taumaturgo que, depois de exterminar castelhanos nas batalhas dos Atoleiros, Aljubarrota e Valverde, se recolheu a um convento e, após 577 anos de defunção, se estreou no ramo dos milagres, não vale o país que somos.

Paulo Portas, antigo Condestável de Durão Barroso e de Santana Lopes, não esqueceu o  antecessor, no heroísmo e na piedade. E tê-lo-á recordado nas paradas militares quando, entre mancebos fardados, deslocava o fato às riscas com o ministro dentro.

Mas que ingratidão é esta que já esqueceu a coragem de Paulo Portas perante a invasão do barco do aborto quando, com risco da própria vida, fez deslocar para a Figueira da Foz um vaso de guerra para defender a Pátria da invasão iminente… de pílulas do dia seguinte?

Um país que esquece os pios lamentos de Paulo Portas não é digno da D. Guilhermina, não merece a intercessão celeste de D. Nuno nas sequelas do óleo fervente do peixe que fritava, nem a glória do taumaturgo que foi em vida carrasco de castelhanos e, depois de morto, colírio para queimadelas de óleo de fritar.

13 de Fevereiro, 2009 Carlos Esperança

Salazar – o biltre revisitado

Ditador católico

Ditador católico

Os leitores hão-de compreender que um sexagenário não pudesse, por razões de saúde, aguentar a Vida Privada de Salazar, apresentada pela SIC. Não mo permitiu a tensão e o pudor mas, do que vi, tratava-se de homem de paixões à espera do tálamo e do coito e, do que sei, o tálamo foi o País e do coito sem mulher todos fomos vítimas.

O macho ibérico com cio foi a caricatura do biltre misógino.

Ainda vi o ar dengoso do antigo seminarista a salivar desejos. Resisti à viagem fatal aos recônditos femininos, às transfusões de saliva e à pressa de percorrer os corpos.

Salazar foi certamente o Presidente do Conselho enviado pela Providência – segundo a Irmã Lúcia disse ao Cardeal Cerejeira –, sem se perceber o que terão feito os portugueses para merecerem tamanho castigo. Não, não era ele que controlava a PIDE, apenas era partidário de uns safanões dados a tempo, por prevenção e pedagogia.

Enquanto em Timor, Angola e Cabo Verde torturavam os adversários é de crer que o mariola estivesse a ferver de desejos em S. Bento; quando na rua dos Lusíadas foi assassinado o escultor Dias Coelho o ditador estaria a tomar banho depois da cópula; se o Rosa Casaco tinha ido à caça do general Humberto Delgado, como se de um coelho se tratasse, ele fazia o que os coelhos também sabem, no lupanar de S. Bento.

Enquanto a guerra colonial consumia jovens e devolvia estropiados o ditador tinha as botas à entrada do quarto e fazia amor. Não faria amor, que é um acto a exigir sentimento e humanidade, ninguém dá o que não tem, apenas podia servir-se e aliviar.

A guerra em que andei não existiu, são coisas de velho, rancores inexplicáveis, uma falsa memória de quem inventou palavras, Tarrafal, S. Nicolau, Aljube, Caxias e Peniche. Não houve queimadelas de cigarros, estátua, torturas, pancada, tudo criações de comunistas e afins, degredo, fome, prisões e tribunais plenários. Não. Enquanto os inimigos da Pátria, a soldo de Moscovo perpetravam crimes infames, vis e cavilosos, o ditador saltitou de fenda em fenda até sucumbir numa fenda enorme – uma banheira – a metáfora oportuna para o cio que o corroeu.

E, assim, se vão criando condições para a amnésia colectiva.

11 de Fevereiro, 2009 Ricardo Alves

Arredai!

Desde o Concílio Vaticano 2º que a ICAR aceita a laicidade no sentido da autonomia «administrativa» do Estado perante as igrejas (mas só porque insistimos muito, mesmo muito, durante séculos) mas, todavia, continua sem aceitar a laicidade no sentido da autonomia ética da sociedade perante a cultura cristã. Os mais mediáticos dos conflitos contemporâneos entre política e religião, da legalização da IVG aos casamentos entre homossexuais, têm aqui a sua origem.

A laicidade, ao contrário do que argumentam equivocadamente os clericais, não é simples «autonomia administrativa», ou seja, separação entre registo civil e ficheiros canónicos, entre poder democrático e cargos de nomeação do Vaticano, entre receitas públicas e remunerações do clero. É também a distinção entre regras legais para todos, e conceitos morais para os que são religiosos.

A ICAR tem todo o direito de não casar homossexuais. Tem também o direito de os excomungar. Já duvido de que tenha o direito de despedir alguém a quem pague salário – por esse alguém ser homossexual.

A laicidade garante a liberdade de expressão para todos. Até para os que gostariam de a restringir, ou que a ela se opuseram historicamente. A ICAR pode portanto bradar contra os casamentos entre homens, ou entre mulheres, ou entre pessoas estéreis. Está no seu direito. Como nós estamos no nosso ao criticar os argumentos apresentados e a sua fundamentação.  Por exemplo, que «detrimento» resulta para as famílias existentes do reconhecer-se novos tipos (legais) de família? Ou qual será o prejuízo para a «crise» de uma medida legislativa que cria novas famílias? Ou ainda, porque será a «família homossexual» mais «antropologicamente errada» do que o celibato? Finalmente, será que não compreendem que o que se deve mesmo dizer às novas gerações é que «sejam o que quiserem»?

Evidentemente, tudo isto me parece pouco relevante. Apesar de se anunciarem indicações de voto especificando os partidos políticos «catolicamente correctos», já vai sendo tempo de ignorar a ICAR nestes debates. Nos dois referendos sobre a IVG, mostraram a sua inigualável capacidade de envenenar o debate público com panfletos terroristas, imagens sanguinolentas, manipulação de crianças, abuso das plataformas públicas que lhes oferecem (geralmente, para outras finalidades) e, não esquecer, as atoardas sobre as famigeradas «leis naturais». Querem fazê-lo em eleições legislativas? Se sim, convém recordar que há limites legais às intervenções de sacerdotes em campanhas eleitorais. Mas o melhor é mesmo arredarem, porque já não há pachorra.

A terminar, não posso deixar de registar como uma novidade positiva as declarações de dirigentes do PS sobre este assunto. Não vi a mesma clareza aquando dos referendos à IVG. Só falta que Pedro Silva Pereira diga que a ICAR não deve meter o bedelho nesta questão. Mas não deve tardar, penso eu…

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

6 de Fevereiro, 2009 Carlos Esperança

Cala-te, cardeal!

Na sequência de um acidente de automóvel, a italiana Eluana Engalo encontra-se há 17 anos descerebrada, ligada à máquina e alimentada por sondas. Está, desde então, em estado vegetativo.

Em boa verdade esta mulher morreu aos 21 anos nesse trágico acidente. Não admira que o pai tenha pedido aos tribunais autorização para lhe ser desligada a máquina que artificialmente mantém o corpo inerte a respirar.

O tribunal compreendeu o drama inútil do pai, obrigado a velar um cadáver que respira, durante 17 anos, e autorizou que desligassem a máquina. O mínimo que se esperaria de pessoas civilizadas era o silêncio e o respeito pelo drama de quem pediu para lhe deixarem enterrar a filha.

Uma sociedade liberta de sectarismos ideológicos deve decidir quem e como libertar alguém da condenação à vida e deve, sobretudo, respeitar a vontade do próprio ou, neste caso, de quem ama e tem o direito de decidir por quem não o pode fazer.

Do Vaticano veio um grito de intolerância através do cardeal Losano Barragan: «Parem essa mão assassina» – anatematizando a decisão de desligar a máquina. Quem é pai não pode deixar de gritar:

– Cala-te, cardeal!

1 de Fevereiro, 2009 Carlos Esperança

Se for verdadeira esta notícia sobre o projecto de lei acerca da assistência religiosa nas Forças Armadas, trata-se de um injustificável atentado à separação entre o Estado e as igrejas.

Um Estado laico que seja respeitador da liberdade religiosa, como é o nosso, pode e deve facultar e facilitar aos interessados e às igrejas a assistência religiosa nas instituições públicas (desde os hospitais às forças armadas); mas não lhe cabe assumir missões religiosas, não podendo oficializar aquela assistência, que deve ser exclusiva responsabilidade e encargo das igrejas.

A nomeação oficial dos “capelães”, a sua graduação em oficiais, a sua remuneração pelo Estado, como se fossem servidores públicos –, nada disso é congruente com os requisitos da laicidade.

Vital Moreira in Causa Nossa

28 de Janeiro, 2009 Ricardo Alves

Ideias e pessoas

Quem escreve sobre religião tem que explicar ciclicamente que criticar ideias não é atacar pessoas.

Em princípio, deveria ser bem simples: dizer que «Deus» não existe, que as «aparições» de Fátima são um disparate ou que o Islão é liberticida não deveria ofender ninguém. Quem crê em «Deus» não é automaticamente um tolo, quem acredita nas «aparições» de Fátima não tem que ser um cretino, e ser islâmico não acarreta ser um fascista ou um fanático bombista.

Infelizmente, muitos religiosos sentem-se pessoalmente ofendidos quando as suas ideias são criticadas. E se compreendo que a religião é importante para quem é profundamente crente, tenho dificuldade em entender que queiram resguardar da crítica o que não é mais do que ideias. Eu não me sinto ofendido quando me dizem que a democracia é um desastre, que a laicidade é opressão ou que a ciência é perigosa. Não concordo, e respondo. Porque todos erramos. Quando defendo a democracia, a laicidade ou a ciência, posso errar ou não me explicar bem. E os argumentos só melhoram quando criticados.

Ou será que a religião é tão frágil que não sobrevive à crítica?

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

24 de Dezembro, 2008 Carlos Esperança

Laicidade ameaçada

«O ministro da Administração Interna, na cerimónia de inauguração da carreira de tiro em Ponte de Lima, pediu a bênção para aquela estrutura […] A nova carreira de tiro não teve bênção mas o Vigário Geral da Diocese, evocando a Sagrada Escritura, elevou uma súplica a Deus para que a paz reine entre os homens e que das armas se possam fazer instrumentos de desenvolvimento da humanidade.» [Diário do Minho]

Ver notícia aqui.

18 de Dezembro, 2008 Carlos Esperança

Piedosa moral

A esquizofrenia da moralidade, de sabor medieval, não é exclusiva do Islão. Nos países democráticos parecia solucionado, há muito, o conflito entre a alegada vontade de Deus e o primado das liberdades individuais, com a vitória das últimas. Em Portugal vão longe os tempos em que Camilo foi parar à enxovia por crime de adultério.

A Coreia do Sul, apesar da tradição democrática, resolveu espreitar para as alcovas e, a partir de 1953, criminalizar a traição conjugal, numa lamentável confusão entre o que é o mal, segundo a ética, e o que é crime de acordo com o código penal.

O adultério não é um bem nem uma atitude recomendável mas daí até ser um crime vai a distância que separa a mentalidade do clérigo de província da do legislador urbano.

A mulher é sempre a maior vítima da devassa da vida privada pelos vigilantes da moral. Quem espreita pelo buraco da fechadura acaba por mandar a polícia dos costumes a cheirar o hálito para vigiar o consumo de álcool ou da abominável carne de porco.

Os oito meses de prisão de uma cidadã, com pena suspensa, mostram que o Estado está pronto a vigiá-la e a tornar efectiva a prisão em caso de reincidência, isto é, a polícia vai estar atenta à enxerga onde se deita, com a privacidade devassada pelos tentáculos totalitários do Estado.

Mesmo em democracia, há sempre um Salazar oculto que zela pelos bons costumes.