Loading

Categoria: Política

25 de Abril, 2009 Carlos Esperança

Viva o 25 de Abril

Há quem, antes, não tivesse precisado de partido, quem não sentisse a falta da liberdade, quem se desse bem a viver de joelhos e a andar de rastos.

Houve cúmplices da ditadura, bufos e torturadores, quem sentisse medo, quem estivesse desesperado, quem visse morrer na guerra os filhos e nas prisões os irmãos e se calasse. Houve quem resistisse e gritasse. E quem foi calado a tiro ou nas prisões.

Uns pagaram com a liberdade e a vida a revolta que sentiram, outros governaram a vida com a vergonha que calaram.

Houve quem visse apodrecer o regime e quisesse a glória de exibir o cadáver e a glória da libertação. Viram-se frustrados por um punhado de capitães sem medo, por uma plêiade de heróis que arriscaram tudo para que todos pudéssemos agarrar o futuro.

Passada a euforia da vitória, ninguém lhes perdoou. Os heróis da mais bela revolução da História e agentes da maior transformação que Portugal viveu são hoje proscritos e humilhados por quem lhes deve o poder.

Uns esqueceram os cravos que lhes abriram a gamela onde refocilam, outros reabilitam os crápulas que nos oprimiram, outros, ainda, sem memória nem dignidade, afrontam o dia 25 de Abril com afloramentos fascistas e lúgubres evocações do tirano deposto.

Perante os ingratos e medíocres deixo aqui a TODOS os capitães de Abril o meu eterno obrigado.

Não quero saber o que fizeram depois, basta-me o que nesse dia fizeram.

Obrigado Otelo, Salgueiro Maia, Fabião, Melo Antunes e tantos outros. Obrigado a todos os que estão vivos. Por cada ofensa que vos fazem é mais um pedaço de náusea que provocam.

19 de Abril, 2009 Ricardo Alves

Fim da educação religiosa na Macedónia

Entre os países ex-comunistas do leste da Europa, há aqueles onde a religião voltou em força (caso da Polónia), e aqueles que estão prestes a abandoná-la totalmente (caso da República checa).

Soube-se agora que o Tribunal Constitucional da Macedónia decidiu anular um artigo da Lei da Educação que permitia o ensino da religião nas escolas públicas. A religião será ensinada onde deve sê-lo: em casa e nos templos religiosos.

Sem dúvida um sinal positivo: há pelo menos uma república ex-jugoslava que parece ter tirado conclusões do divisionismo religioso que ensanguentou a região nos anos 90. Permitir a segregação religiosa na escola pública é sempre um erro.

9 de Abril, 2009 Carlos Esperança

O peregrino D. Aníbal I e a laicidade traída

coche_joao_v1No próximo dia 26, parte para Roma um luzidio séquito chefiado por Sua Sereníssima Majestade D. Aníbal I, acolitado pelo presidente das cortes, D. Jaime Gama, o ministro dos Negócios Exteriores da Propagação da Fé, D. Luís Amado, o Condestável D. Valença Pinto, o cardeal do reino D. José Policarpo, o Superior da CEP e portador do hissope, D. Jorge Ortiga, o Superior da Ordem do Carmo em Portugal, padre Agostinho Marques de Castro, e o estribeiro-mor, Sr. Duarte Pio, especialista em solípedes que se ajoelham – autor, aliás, de um opúsculo de referência sobre a devoção dos cavalos de D. Nuno –, de quem se reclama familiar. De D. Nuno, claro.

O cortejo é composto por devotos que exaltam D. Nuno e exultaram quando ele, na paz da longa defunção, acudiu ao olho esquerdo de D. Guilhermina, atingido por salpicos ferventes de óleo de fritar peixe. Era o prodígio que faltava para a canonização de quem foi mais destro a matar castelhanos do que a pôr pensos. Após o milagre, por prudência e pela idade, D. Guilhermina trocou os fritos pelos cozidos.

A embaixada é inferior à que D. João V enviou a Clemente XI mas D. Aníbal I não é esbanjador nem procura de Bento XVI o título de «Senhor Fidelíssimo», ainda que o mereça no que se refere à fé e à constância matrimonial.

O reino anda aturdido com a honra da canonização do taumaturgo com provas dadas na especialidade de oftalmologia. É pena continuar morto, mas sendo uma ofensa para a razão é um orgulho para a fé que continue a pelejar, agora no ramo dos milagres.

Falta D. Guilhermina na peregrinação, para contar aos fidalgos como, perante a dor da queimadura, não se lembrou de Gil Vicente com palavras que, não sendo adequadas à salvação da alma, aliviam a dor, e se lembrou de evocar o bem-aventurado Condestável que o clero autóctone ansiava canonizar desde os tempos da Cruzada Nun’ Álvares.

Os ilustres peregrinos não vão a Roma bajular o Papa, vão agradecer a deus a cura do olho esquerdo da D. Guilhermina de Jesus.

Quando a luzidia embaixada regressar à Pátria, com os joelhos doridos das genuflexões, a pituitária irritada do incenso e os corpos enegrecidos pelo fumo das velas, espera-se que o país rasteje de júbilo por mais uma farsa pífia e tantas genuflexões pias.

5 de Abril, 2009 Ricardo Alves

O regresso (oportunista?) do Condestável

Quem conhece a História da 1ª República e do papel que desempenhou no apressar do seu final uma organização chamada «Cruzada Nacional Nuno Álvares Pereira», não pode deixar de ficar incomodado por ver na «Comissão de Honra» da «Canonização» desse cavaleiro medieval o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o ministro dos Negócios Estrangeiros e o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas.

Evidentemente, não se questiona o direito individual a acreditar em intercessões de além-túmulo seja de quem for, mesmo com a finalidade comezinha de curar uma queimadela de óleo de fritar peixe. Simplesmente, quem ocupa altos cargos de um Estado democrático e laico apenas deveria participar neste género de homenagem, se a consciência a isso o obriga, como cidadão privado e discreto, sob risco de estar a comprometer-se numa manobra que poderá ter aproveitamentos políticos e religiosos perigosos e indesejáveis.

Um Estado laico não patrocina crenças nem religiões; não promove igrejas nem cultos. A «canonização» de Nuno Álvares Pereira deveria ser um mero assunto privado entre os crentes católicos e a sua igreja, que decidiu certificá-lo com poderes de curandeiro post mortem, na curiosa data de 26 de Abril. Que algumas das principais figuras do Estado endossem esta campanha clerical, a pouco mais de um ano do centenário da implantação da República, demonstra que não têm memória histórica da exploração nacionalista que o Estado Novo fez desta figura, e que não compreendem que a laicidade não é a mera separação entre Estado e igreja.

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

29 de Março, 2009 Carlos Esperança

O Sr. Duarte Pio e o opúsculo (4)

Os súbditos conhecem-no por Duarte Pio João Miguel Gabriel Rafael de Bragança. Parece uma lista de nomes para os padrinhos escolherem o mais bonito e, afinal, é um rol com que o titular enfeita as penas da descendência miguelista. Por lei é apenas Duarte Pio de Bragança, tendo deixado cair o João e três arcanjos com que se ornavam os príncipes da Casa de Bragança.

O Sr. Duarte Pio é descendente de família pouco recomendável, de que a própria monarquia se libertou, por higiene política, quando D. Miguel I foi derrotado, exilado e banido do País, assim como os seus descendentes, entre os quais o especialista em milagres e autor do opúsculo sobre o santo Nuno Álvares cuja antiguidade começa a contar a partir de 26 de Abril p.f..

Quando o Sr. Duarte Pio nasceu, ainda sob a lei do banimento, foi logo baptizado tendo como padrinho, da cerimónia católica, o Papa Pio XII (naturalmente por procuração) pois o Papa de Hitler, como ficou conhecido,  era mais dedicado aos nazis e às Concordatas do que à família do Sr. Duarte Nuno, seu pai, banida de Portugal.

Duarte Nuno Fernando Maria Miguel Gabriel Rafael Francisco Xavier Raimundo António de Bragança era o nome do pai, um imigrante que veio para Portugal em 1953, depois de três anos antes, por ordem do ditador Salazar e interferência dos monárquicos que colaboraram com o fascismo, a Assembleia Nacional ter revogado a lei do banimento. No regresso foi-lhe cedida uma residência disponibilizada pela Fundação da Casa de Bragança com a autorização do déspota de serviço, monárquico por convicção e ditador por decisão própria.

Com nomes deste tamanho não é difícil escrever um opúsculo, referência que custou ao Ponte Europa ter-se transformado em Paço Real, à míngua de instalações para o regime que expirou, para a família que se extinguiu e para o candidato a rei que existe pela fé de umas dezenas de bem intencionados candidatos a súbditos.

Com nomes destes, bastava referir duas gerações de primos e tios para, em vez do opúsculo, ter o Sr. Duarte matéria para um tratado, ainda que lhe faltasse o método e o objecto para o transformar em ciência.

Segundo o Diário de Notícias, de Sábado, o Sr. Duarte, mulher e filhos são, conforme o sexo, cavaleiros ou damas da «Soberana Ordem Militar de S. João de Jerusalém, de Rodes e Malta».

Se os portugueses ensandecessem ainda voltariam a ter, pela graça de Deus e desgraça nossa, um Rei de Portugal e dos Algarves d’Aquém e d’Além Mar em África, Senhor da Guiné e do Comércio, da Conquista e da Navegação da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, Senhor Fidelíssimo, etc..

Felizmente, estes títulos e a varíola foram erradicados e da sereníssima Casa de Bragança resta uma fundação. No passado foi uma instituição de geometria variável que começou a encolher com D. João II, que escusava de ter degolado o seu 3.º duque, e que tem sofrido, ao longo da História, as vicissitudes políticas de quem detém o poder.

Nota: Termino hoje a série de posts sobre o Sr. Duarte Pio, só voltando ao pesquisador de milagres quando, e se, o autor reincidir nos opúsculos e nas mensagens.

29 de Março, 2009 Carlos Esperança

O Sr. Duarte Pio e o opúsculo (3)

Na sequência do congresso monárquico que teve lugar numa caixa de comentários do Ponte Europa, ficámos a saber que:

–  Há em Portugal mais de dez monárquicos;
–  Nem todos nutrem pela gramática e pela civilidade o respeito que esbanjam com o pretendente ao imaginário trono português;
– O texto «O Sr. Duarte Pio e o opúsculo» mereceu o mais vivo repúdio de todos os monárquicos e os mais pios reparos quanto ao autor;
– Os devotos do Sr. Duarte Pio são também crentes fiéis e gostariam de ver o réprobo nas fogueiras do santo Ofício;
– Finalmente acham que há direitos de nascimento que devem obrigar os cidadãos a ser vassalos e que a Associação Portuguesa de Escritores (APE), depois da publicação do opúsculo, deve convidar o Sr. Duarte para sócio.

O Sr. Duarte, por alcunha Duque de Bragança, seguramente Bourbon mas dificilmente Bragança, usa enviar mensagens e dizer inanidades porque ninguém lhe disse, nenhum dos vassalos o informou da extinção da família real portuguesa. Aliás, os monárquicos que sobraram comprometeram-se, quase todos, com um correligionário fascista de Santa Comba Dão depois de terem tentado atrelar-se ao Sidónio.

Desconhece que um rei pouco recomendável de quem se julga descendente, apesar da forte incerteza, um tal D. Miguel, caceteiro e absolutista, abdicou em Evoramonte de qualquer veleidade ao trono português, quando ainda existia.

Ignora que a República aboliu os títulos nobiliárquicos, do mesmo modo que a vacina erradicou a varíola, e que a sífilis e a esterilidade puseram fim à família de Bragança e que deve a nacionalidade ao fim da lei do banimento.

Claro que tem muita graça o ornamento que usa a preceder o nome que o bom senso e o espírito democrático deviam prevenir do ridículo.

Não admira que o Sr. Duarte Pio se considere rei de Portugal. Houve quem julgasse ser Napoleão. Estranha-se quem o leva a sério e ignora que Portugal é uma República onde os monárquicos são uma reserva ecológica que os republicanos protegem em nome da biodiversidade.

Não há privilégios de sangue que devam manter-se ainda que o sangue, ao contrário do referido caso, não precise de provas de ADN.

13 de Março, 2009 Carlos Esperança

Beato Carlos Encarnação e a toponímia

Já bastava a Coimbra que o pio edil Carlos Encarnação, desnorteado pela fé, tivesse crismado a Ponte Europa com o nome de uma rainha milagreira e santa, sobrinha-neta de outra, também Isabel e santa, húngara e pioneira no mesmo milagre.

A dificuldade da administração autárquica virou-o para a gestão toponímica. Rua a rua, beco a beco, onde pensa que arranca um voto, atira um nome novo à placa toponímica. É uma forma de conquistar votos à custa das paredes das casas e das ruas de Coimbra.

Nem a Irmã Lúcia poupou à fúria com que crisma piamente as artérias da cidade. Não deu, sequer, tempo à freira para se afirmar no ramo dos milagres, para a deixar prestar provas de beata e santa, arriscando-se a tornar obsoleta a placa onde a bem-aventurada ostenta, provisoriamente, apenas a profissão, o nome e, entre parêntesis, o hobby: «Rua Irmã Lúcia (Vidente de Fátima)».

Talvez para fazer o desmame da água benta e uma curta trégua ao incenso, resolveu agora o bem-aventurado Carlos Encarnação optar por um nome profano e dar folga à onda de santidade a que tem o nome associado. É o caso da Rua Maria José Maurício, ontem prometida aos microfones do Rádio Clube português.

Para os leitores do Ponte Europa aqui fica a biografia da homenageada: Era estudante de engenharia, tinha 20 anos e foi assassinada, por motivos passionais, num acto de demência, pelo antigo namorado.

Segundo Carlos Encarnação «A atribuição do nome da rua é, no fundo, uma forma de repercutir a reprovação destes actos».

Se os nomes das ruas servem para reprovar actos, só por modéstia se compreende que o Dr. Carlos Encarnação não tenha entrado ainda no património toponímico da cidade de Coimbra.

8 de Março, 2009 Carlos Esperança

O Parlamento e a canonização de D. Nuno

A Assembleia da República já foi o coração da democracia. Na  última sexta-feira foi a sucursal da Conferência Episcopal. Deixou de ser Parlamento e passou a ser um charco de água benta onde a maioria dos deputados rubricou de joelhos o milagre que o Papa adjudicou a Nuno Álvares Pereira.

O PCP absteve-se e só o Bloco de Esquerda votou contra e teve a decência de censurar o CDS por querer pôr – e pôs – o Parlamento «de uma república laica a reconhecer a cura milagrosa das lesões do olho esquerdo da D. Guilhermina de Jesus, sofridas pelos salpicos do óleo de fritar o peixe, para o qual invocou a intercepção do beato Álvares Pereira».

Portugal não é um País, é um pântano onde medra a fé e a superstição, um protectorado do Vaticano onde faltam cidadãos e sobram crédulos, um sítio beato onde se treme com medo dos báculos, se ajoelha quando aparecem mitras e se afocinha à vista do anelão com ametista que ornamenta os dedos dos senhores bispos.

Que o CDS, nostálgico do salazarismo e da cumplicidade com a Igreja, proponha um voto de congratulação pela canonização de D. Nuno, compreende-se. Paulo Portas gosta de rastejar nas igrejas para mostrar aos eleitores que crê nas cambalhotas que o Sol deu na Cova da Iria, nas visões da Lúcia e no anjo que aterrou no anjódromo de Fátima.

Do Presidente da República, da sua débil cultura e do passado como primeiro-ministro, em que sancionou a censura d’O Evangelho segundo Jesus Cristo, de Saramago, feito pelo sub-ajudante de ministro, Sousa Lara, podia esperar-se o indecoroso regozijo, em nome de Portugal, mas do PSD é um ultraje à decência. Estariam os senhores deputados convencidos de que o olho da D. Guilhermina foi curado por um acto de corrupção divina feito pelo defunto D. Nuno?

Mas o mais indigno dos partidos foi o PS. Um partido republicano, laico e socialista que rasgou a sua tradição e se tornou cúmplice de uma burla pueril, perdeu a referência ética que o faz respeitável e ajoelhou-se com a D. Matilde Sousa Franco e a D. Maria do Rosário Carneiro, ornamentos pios, para colaborar numa farsa e fazer coro com os que garantem que D. Nuno passou de Condestável a curandeiro.