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Categoria: Política

10 de Maio, 2010 Ricardo Alves

O Vaticano nunca será laico

Os Estados democráticos modernos existem para defender os direitos dos seus cidadãos, enquanto o  «Estado» do Vaticano existe para defender uma religião. A diferença é enorme.
Existem outros Estados no mundo em que o clero tem poder político. O Irão (uma teocracia xiíta),  ou a Arábia Saudita (uma monarquia absoluta e clerical) serão os casos mais extremos (poderia acrescentar-se a Coreia do Norte, onde o clero é vermelho). Mas no Irão e na Arábia Saudita existem povos que, num dia que desejo próximo (e que no Irão parece cada vez mais próximo), se revoltarão contra os regimes locais. O Vaticano, hoje, não detém poder directo sobre uma população, e portanto está a salvo de insurreições populares. O fascista Mussolini, ao reconhecer a independência do actual Estado do Vaticano, criou um problema que ainda está connosco.
O Vaticano é um «Estado» sem população. Todos os «nacionais» do Estado do Vaticano (no sentido de portadores do respectivo passaporte) têm outra nacionalidade. O que evidencia a artificialidade do estatuto estatal do Vaticano: porque não há povo do Vaticano. Há a administração de uma comunidade religiosa, ou seja, funcionários.
Muitos dirão que, não havendo povo, não há opressão nem dano naquilo que é, em rigor, uma ditadura teocrática sem separação de poderes (ver artigo 1º da Lei Fundamental). Mas não é assim, e a próxima semana será uma ocasião para o confirmar.
É por ser reconhecido como «chefe de Estado» que o líder espiritual dos católicos pode exigir ser recebido pelo Presidente da República Portuguesa. E é por a Santa Sé ser o «governo» de um «Estado» que  pode celebrar Concordatas com o estatuto de «Tratados internacionais», furtando as relações da instituição católica com o Estado ao debate muito mais transparente e aberto das Constituições laicas e das leis democráticas.
A petição Cidadãos pela Laicidade levanta esta questão (entre outras; já assinou?). Porque a Santa Sé, sendo o arcaísmo teocrático que é, nunca será um Estado normal. Nunca assinará a Declaração Universal dos Direitos do Homem (o mais parecido que temos com uma «Carta de Direitos Fundamentais Mundial»), e nunca aceitará a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Será sempre um Estado fora da lei que, felizmente, vai sendo cada vez mais a lei mundial: entregar o destino colectivo da humanidade à discussão livre, aberta e democrática dos cidadãos e cidadãs. Estará sempre do outro lado: do lado das leis dogmáticas porque «divinas».
Só haverá verdadeira laicidade, em particular nos países latinos, quando a ICAR passar a ser uma instituição da sociedade civil.
6 de Maio, 2010 Ricardo Alves

Grupos no Facebook

O Facebook tem-se revelado uma ferramenta útil e poderosa de estabelecimento de ligações interpessoais e de difusão de informação.

A visita do Papa, curiosamente, já levou à formação de vários grupos que protestam contra vários aspectos da visita do Papa. Deixo aqui as referências para quem quiser aderir.

  1. Grupos que protestam contra a tolerância de ponto: «Eu trabalho e não quero tolerância de ponto no dia 13 de Maio», «Somos contra as tolerâncias de ponto a atribuir aquando da visita do Papa».
  2. Grupos que protestam contra o desperdício de dinheiro: «Não quero pagar a visita do Papa a Portugal», «Contra o gasto de milhões de euros na visita do Papa», «Não queremos pagar a visita e dispensamos a presença do Papa em Portugal».
  3. Grupos que tentam organizar eventos durante a visita do Papa: «Contra os crimes da Igreja: panos e bandeiras negras para receber o Papa», «Preservativos “ao” Papa em Portugal».

Quase todos estes grupos têm milhares de membros cada um.

4 de Maio, 2010 Ricardo Alves

Petição «Cidadãos pela Laicidade»

Senhor Presidente da República Portuguesa,
Nós, cidadãs e cidadãos da República Portuguesa, motivados pelos valores da liberdade, da igualdade, da justiça e da laicidade, manifestamos, através da presente carta, o nosso veemente protesto contra as condições – oficialmente anunciadas – de que se revestirá a viagem a Portugal de Joseph Ratzinger, Papa da Igreja Católica.
Embora reconhecendo que o Estado português mantém relações diplomáticas com o Vaticano e que a religião católica é a mais expressiva entre a população nacional, não podemos deixar de sublinhar que ao receber Joseph Ratzinger com honras de chefe de Estado ao mesmo tempo que como dirigente religioso, o Presidente da República Portuguesa fomenta a confusão entre a legítima existência de uma comunidade religiosa organizada, e o discutível reconhecimento oficial a essa confissão religiosa de prerrogativas estatais, confusão que é por princípio contrária à laicidade.
Importa ter presente que o Vaticano é um regime teocrático arcaico que visa a defesa, propaganda e extensão dos privilégios temporais de uma religião, e que não reúne, de resto, os requisitos habituais de população própria e território para ser reconhecido como um Estado, e que a Santa Sé, governo da Igreja Católica e do «Estado» do Vaticano, não ratificou a Declaração Universal dos Direitos do Homem – não podendo portanto ser um membro de pleno direito da ONU – e não aceita nem a jurisdição do Tribunal Penal Internacional nem do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, antes utilizando o seu estatuto de Observador Permanente na ONU para alinhar, frequentemente, ao lado de ditaduras e regimes fundamentalistas.
Desejamos deixar claro que, se em Portugal há católicos dos quais uma fracção, mais ou menos importante, se regozijará com a visita de Joseph Ratzinger, há também católicos e não católicos para quem o carácter oficial da visita papal, o seu financiamento público e a tolerância de ponto concedida pelo Governo, são agressões perpetradas contra os princípios de laicidade do poder político que a própria Constituição da República Portuguesa institui.
Esta infracção da laicidade a que estão constitucionalmente vinculadas as autoridades republicanas torna-se ainda mais gritante e deletéria quando consideramos que se celebra este ano o Centenário da Implantação da República, de cujo legado faz parte o princípio de clara separação entre Estado e Igreja, contra o qual atentará qualquer confusão entre homenagens a um chefe de Estado e participação oficial dos titulares de órgãos de soberania em cerimoniais religiosos.
Declaramos também o nosso repúdio pelas posições veiculadas pelo Papa em matéria de liberdade de consciência, igualdade entre homens e mulheres, autodeterminação sexual de adultos, e outras matérias políticas.
Porque nos contamos entre esses cidadãos que entendem que a laicidade da política é condição fundamental das liberdades e direitos democráticos em cuja defesa e extensão estão apostados, aqui deixamos o nosso protesto e declaramos a Vossa Excelência o nosso propósito de o mantermos e alargarmos através de todos os meios de expressão e acção ao nosso alcance enquanto cidadãos activos da República Portuguesa.
30 de Abril, 2010 Ricardo Alves

A Bélgica proíbe os véus integrais

O parlamento belga votou ontem favoravelmente a proibição dos véus integrais. Passa a ser crime uma pessoa apresentar-se em locais públicos com «a cara coberta ou dissimulada total ou parcialmente, de tal forma que não seja identificável». A pena por infracção será uma multa ou mesmo a prisão de um a sete dias.
Evidentemente, a lei é motivada pela escalada do islamismo radical – do qual os véus são a bandeira e o instrumento. A lei pretende ser um sinal de que não é aceitável o papel reservado para as mulheres nas interpretações mais fundamentalistas do Islão. De que a igualdade de direitos entre homens e mulheres não é restrita às mulheres brancas ocidentais. E de que o respeito pela liberdade individual não significa tolerar o aprisionamento de mulheres em prisões ambulantes.Escrevi abundantemente sobre este assunto, por exemplo aqui, ali e acolá. Há testemunhos de mulheres muçulmanas e ex-muçulmanas que defendem a proibição. E das que são espancadas por o retirar. Devem ser ouvidas.

Mas o melhor é mesmo dar a palavra a uma proponente da lei. A Associação República e Laicidade publicou, também ontem, a tradução de um artigo de uma deputada belga de origem muçulmana chamada Fatoumata Sidibé. Leia-se: «Declaro que o véu é o símbolo de um projecto político totalitário».

(mais…)

29 de Abril, 2010 Carlos Esperança

Espanha – Um país e dois Varelas

O cardeal Antonio María Rouco Varela, bispo de Madrid, um dos mais reaccionários de Espanha e do mundo, abriu feridas insanáveis com a ajuda de Ratzinger, ao canonizar e beatificar, em doses industriais, defuntos admiradores de Franco.

Foi um acto deliberado contra a democracia e, na pressa, nem todos eram aconselháveis para os altares apesar da generosidade com que Bento XVI eleva fascistas à santidade. Podia ter-se ficado por Escrivà, a quem devia favores e dinheiro, apesar da conivência com a ditadura e o ditador, e poupado a Espanha ao reavivar de memórias dolorosas de quem viveu horrores praticados dos dois lados da guerra civil.

Agora apareceu outro Varela, a quem também não faltam vestes talares e a nostalgia do ditador cruel que, depois de ganhar a guerra, nunca mais perdeu o espírito sanguinário.

O juiz de instrução do Supremo Tribunal, Luciano Varela, levará a julgamento Baltasar Garzón, por ter decidido investigar os desaparecidos da guerra civil e do franquismo, violando a lei de amnistia geral de 1977. Faltava este Varela para evitar que os crimes de um dos mais sanguinários ditadores do século passado fossem conhecidos com rigor.

Rejubilam os franquistas, incluindo a maioria do clero, que assistiram à democratização de Espanha, convictos de que Franco era o enviado da providência divina. O fascismo está vivo nas Forças Armadas, nos Tribunais e nas Universidades que permaneceram intactas, tal como a Igreja católica, e se mantêm redutos sólidos do fascismo espanhol.

Quando o juiz Baltasar Garzón, ciente de que os crimes contra a humanidade não devem prescrever, resolveu exumar os crimes da Guerra Civil, com a mesma coragem com que perseguiu os da ETA, viraram-se agora contra si os carrascos que então rejubilavam.

O julgamento de Baltazar Garzón não é só um libelo contra a democracia e o direito dos descendentes das vítimas à verdade, é a vingança mesquinha contra um juiz que, se for suspenso, perde o direito à protecção policial e fica sujeito às balas dos inimigos.

É talvez isso que os seus algozes querem. Basta que o Varela de toga possa fazer o que o Varela de mitra não consegue. Nem o escândalo internacional, nem a indignação dos descendentes das vítimas, nem a estupefacção de magistrados democratas o demoveu. O ódio é velho e não cansa.

28 de Abril, 2010 Carlos Esperança

Tradução e adaptação a Portugal do manifesto francês

O Papa tem o direito de vir a Portugal. Longe de nós a ideia de nos opormos, porque somos laicos. Mas a recepção oficial, de forma reverencial e com fundos públicos, não é desejável.

Enquanto chefe de Estado, Bento XVI não merece entusiasmo de uma democracia laica e igualitária. À frente de um pequeno Estado teocrático e patriarcal ele usa o seu lugar de observador permanente da ONU para dificultar todos os programas a favor do planeamento familiar, dos direitos das mulheres, da luta contra a Sida, ou das minorias sexuais. Frequentemente ao lado das piores ditaduras da Organização da Conferência Islâmica.

Enquanto líder religioso, Bento XVI é um papa ultraconservador e reaccionário. A sua visão do catolicismo, promovida através dos movimentos como o Opus Dei ou a Legião de Cristo, é dogmática, estreita, anti-feminista, discriminatória, hostil a um ecumenismo efectivo e ao espírito modernista do Vaticano II. Não há qualquer razão para reverência. Mas é assunto dos crentes.

Enquanto cidadãos laicos, a nossa vigilância está noutro lugar. Nós temos de aproveitar esta visita para recusar e voltar a recusar a «laicidade positiva», um termo utilizado por Bento XVI e repetido por todos os beatos ao serviço do papa e do Vaticano.

Fiéis à CRP, que separa o Estado das Igrejas, nós estamos amarrados à laicidade sem adjectivo. Quer dizer a uma laicidade que distingue bem a esfera do domínio público da sociedade civil e da esfera privada. Esta separação mantém prudentemente à distância a política da religião, no interesse de ambas.

Recusamos a evolução desta laicidade para uma religião civil à americana, a subvenção pública dos locais de culto, assim como a brandura da vigilância para com as seitas.

Apelamos, pelo contrário, a uma vigilância face a todos os integrismos. Esta vigilância passa pela revalorização dos laços sociais com um modelo laico, o apoio às associações de bairro lutando por viver em conjunto e à defesa da escola pública. Nós dizemo-lo sem rodeios: na transmissão dos princípios da República, o padre, o pastor, o rabino ou o imã não poderão jamais substituir o professor.

Nós não pensamos que o perigo das comunidades imigrantes seja tornarem-se «desertos espirituais», mas de se tornarem guetos sofrendo do bloqueamento da ascensão social, da subida dos preços imobiliários, do recuo dos serviços públicos e da falta de miscigenação social.

Nós não temos a pretensão de crer, como afirmam os avençados do divino, que «Deus está no pensamento e no coração de cada homem». Mas nós estamos certos de uma coisa, por mais importante que seja, a questão espiritual não nos parece ser apanágio das funções do Estado cujo papel é antes o de se ocupar da questão sicial.

Se o catolicismo faz incontestavelmente parte do património cultural de Portugal, o País não é já a nação consagrada ao Imaculado Coração de Maria, depois de várias décadas de democracia, mas uma República separada das Igrejas como estabelece a CRP. O seu objectivo não é procurar que um grande número de portugueses acreditem mas que vivam melhor, cada vez mais livres e mais iguais. Tal deverá ser a missão que incumbe aos órgãos do Estado. Tal é a nossa esperança.

Adaptação e tradução por CBE

21 de Abril, 2010 Carlos Esperança

O niqab, a burqa e a sociedade laica

A defesa da liberdade e da democracia, tal como as entendemos na Europa, torna difícil contrariar o uso da burqa ou do niqab , enredando-nos no aparente paradoxo de proibir a liberdade.

É possível invocar razões de segurança para impedir a ocultação do rosto mas afigura-se difícil interferir nos costumes sem roçarmos a xenofobia e a arrogância civilizacional.

O Estado tem de usar a mesma bitola para os hábitos de freiras e frades católicos e para os adereços femininos islâmicos que são o símbolo de subordinação ao homem como os primeiros o são da entrega a deus.

Os Estados, que deviam ser cada vez mais laicos, vão cedendo no multiculturalismo que não passa de uma provocação religiosa orquestrada no seio das famílias, instigada por mulás e teleguiada das madraças e mesquitas de todo o mundo.

O controlo psicológico da sensibilidade no seio da família e nos guetos tribais de pendor patriarcal exercem uma intolerável coacção psicológica sobre mulheres a quem o Corão, a família e a tradição negam a modernidade e o acesso à autodeterminação.

Não espanta que as jovens que são pela primeira vez alvo de atenção, que deixam de ser por momentos mero objecto, afirmem sentir-se bem com as peças que são o símbolo da opressão feminina, sem pensarem que o mal não está no uso mas na obrigatoriedade de milhões de mulheres condenadas a fazê-lo, com risco de serem açoitadas e humilhadas.

Tal como não aceitamos discutir hábitos de higiene, vacinas ou obrigatoriedade escolar, não devíamos discutir símbolos que remetem para a humilhação e a discriminação de género. É de uma sociedade inclusiva e de cidadãos que precisamos não de provocações tribais onde a mulher é um objecto e a liberdade uma heresia.

A Europa não pode ser o alfobre de novas aventuras totalitárias de cariz religioso depois de liberta graças à repressão política exercida sobre o clero que a envolvia em guerras cruéis e intermináveis.

Enquanto a fé não for um direito inalienável, mas remetido para a esfera privada, não vão terminar as provocações do fascismo islâmico cujo proselitismo tem de ser parado como aconteceu ao nazismo, ao estalinismo e a outras derivas totalitárias.

14 de Abril, 2010 Carlos Esperança

Tolerância de ponto? Não

Como se a crise se resolvesse com idas à missa, o Governo concedeu tolerância de ponto aos seus funcionários, atitude que alguns autarcas já haviam antecipado.

É surpreendente que a sociedade civil não se revolte com este atropelo à laicidade a que o Estado é obrigado, que não haja partidos que denunciem o abuso, que faltem cidadãos que se sintam envergonhados.

Quando o Estado se põe de joelhos perante o Papa católico, arrisca-se a ficar de rastos.

Não quererá a Comunicação Social ouvir vozes indignadas com esta deriva beata?