28 de Outubro, 2018 Carlos Esperança
O cardeal do Rio de Janeiro e a Igreja católica
Ontem, percorri o mural de um padre católico ‘amigo’, que partilhou o meu texto «Brasil – Subsídios para a História da Pulhice Eclesiástica», antecedido de críticas vigorosas ao cardeal Orani Tempesta e omisso quanto ao que escrevi. E no Funchal!
Numerosos leitores seus, com uma única exceção, de apoio a Bolsonaro, execraram a conduta do cardeal e a da Igreja a que mostravam pertencer, sem a mais leve censura ao conteúdo ou à forma do que escrevi.
É de elementar justiça identificar o carácter polissémico do catolicismo e o percurso que grande parte dos seus crentes e clérigos fizeram. Não provam a existência de Deus, mas tornam a sua Igreja um culto melhor frequentado do que o de várias Igrejas evangélicas, sem merecer a torpeza de ser associada à implacável intolerância a que o islamismo está a conduzir os seus crentes.
Tiro, pois, o meu chapéu ao papa católico e a numerosos padres que procuram conciliar a crença com o respeito pelos direitos humanos e a militância por uma sociedade mais justa e tolerante, alheios à companhia de ateus e outros livres-pensadores onde, aliás, se encontram também homens e mulheres pouco recomendáveis.
Não pode, no entanto, a civilidade e humanismo de alguns sectores que acertam o passo com a modernidade e o humanismo, desculpar os primatas paramentados que o Concílio de Trento continua a formatar, especialmente os purpurados que João Paulo II legou.
É frequente um bispo perder a cabeça pelo barrete cardinalício, mas é imoral abdicar do cérebro pelo poder clerical e a cumplicidade com ditadores. Orani Tempesta, cardeal do Rio de Janeiro, voltou a recordar-me o epíteto de Camilo a Frei Gaspar da Encarnação, «uma santa besta», com fortes suspeitas de que este primata purpurado não seja santo.
Na Igreja católica, onde cada gesto assume marcado valor simbólico, a assinatura de um compromisso com o torturador fascista não é apenas a cumplicidade entre dois fascistas, é a nódoa na Igreja, presa aos seus preconceitos e vulnerável aos ataques de que é alvo.
O cristianismo, protestante e católico, tal como as gerações que hoje votam, esqueceram o nazi/fascismo, popular na década de trinta do século passado, mas só a Igreja pode ser responsabilizada pela amnésia da sua própria cumplicidade. E pela reincidência.