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Categoria: Política

27 de Janeiro, 2011 Carlos Esperança

Tunísia – Caminho da democracia ou cemitério da laicidade ?

As manifestações que conduziram ao fim da ditadura de Ben Ali, na Tunísia, lançaram o Magrebe em convulsões cujo desfecho é imprevisível. Derrubada a cleptocracia familiar de um déspota, com regozijo genuíno das populações, fica-se entre a esperança de uma democracia e o temor da teocracia.

Argélia, Marrocos, Mauritânia e Líbia não estão imunes nem indiferentes ao destino da Tunísia, o mais secularizado dos países do Magrebe, apesar da dificuldade de os países de influência islâmica fazerem o percurso para a democracia. Esta experiência já afecta o Egipto, onde a polícia do Cairo dispersou nesta última terça-feira uma manifestação contra o regime de Hosni Mubarak, usando gases lacrimogéneos e jactos de água. No Líbano reina a tensão com a designação do primeiro-ministro apoiado pelo Hezbollah, Nagib Mikati, com manifestações hostis em Tripoli e Beirute de apoiantes do actual, Saad Hariri. E a religião é o problema.

No Iémen e Jordânia não tardarão as ondas de choque sem que a Arábia Saudita envie generosos donativos para apoiar os extremistas islâmicos onde quer que se encontrem.

Na Tunísia, a vitória popular deveu-se a jovens universitários, sem emprego nem futuro, mas desinteressados das mesquitas e madraças onde se sublima o desespero com o ódio aos infiéis e se fabricam talibãs. Talvez por isso sejam de bom augúrio as manifestações de simpatia com que as populações dos países vizinhos se solidarizaram nas ruas.

Numa época em que renascem fundamentalismos, em que as religiões mais numerosas reagem com grande intolerância e inusitado proselitismo à globalização, desde o islão e o cristianismo ao xintoísmo e confucionismo, a experiência da Tunísia é um laboratório político cujo desfecho interessa ao Magrebe, à Europa, ao Médio Oriente e ao mundo.

As religiões são um perigoso detonador do ódio de que os ditadores se apropriam para acender a fogueira dos nacionalismos.

16 de Janeiro, 2011 Carlos Esperança

Espanha – Em defesa da coeducação

O Governo introduz a medida na futura Lei de Igualdade de Tratamento – Há 67 centros que separam os sexos e recebem subvenções da sua comunidade

O Governo quer limitar o financiamento da educação separada por sexos, as escolas só para meninos ou só para meninas, na sua maior parte religiosas, e fê-lo através do anteprojecto da Lei da Igualdade de Tratamento e não Discriminação que apresentou em 7 de Janeiro no Conselho de Ministros, cujo texto definitivo foi conhecido ontem. A norma proíbe de forma explícita que as escolas que separam recebam dinheiro público, e possam, portanto, converter-se em colégios concertados – sustentados por fundos públicos – ou  recebedores de dinheiro através de convénios pontuais.

Os colégios masculinos ou femininos podem manter-se mas não serão pagos pela Administração se este aspecto da lei for aprovado pelo Parlamento. Em Espanha há 67 centros que separam por sexo, segundo dados do Ministério da Educação.

Fonte: El País

12 de Janeiro, 2011 Carlos Esperança

O Papa, a blasfémia e a laicidade

Bento XVI condenou as perseguições e crimes sectários cometidos contra os cristãos no Egipto e no Iraque e «a lei contra a blasfémia» do Paquistão. Quem aceita tal desvario? Só a demência sectária de uma crença pode levar à chacina de quem reza outras orações ou tem sobre a carne de porco e o álcool uma visão diferente.

O ódio religioso, destilado pelos livros ditos sagrados, é uma sobrevivência das tribos que inventaram deus como explicação por defeito para tudo o que ignoravam, para dar coesão social, combater os medos e sonhar uma vida para além da morte.

É surpreendente que as guerras religiosas que se agravam em África, entre muçulmanos e cristãos evangélicos mereçam tão pouca atenção da comunicação social europeia, que as limpezas étnicas e religiosas que ocorrem em várias partes do globo mereçam menos atenção do que qualquer acidente aéreo.

O Papa tem razão quando lamenta os ataques aos cristãos e pede o fim da “lei contra a blasfémia”, violência gratuita a primeira e anacronismo medieval a segunda. Blasfémia é qualquer discordância em relação à crença oficial ou inexistência de crença. No fundo, qualquer pessoa é ateia com os deuses dos outros. Mesmo em política, onde as ditaduras imitam as religiões, não se perdoam convicções heterodoxas.

O próprio Bento XVI ignora o «crime» quando se mantém nos códigos penais de países ditos católicos, como se as convicções particulares servissem para adjectivar países, mas a jurisprudência dos países democráticos privilegia o direito à liberdade de expressão face ao «crime» de blasfémia, ao contrário do que se passa nas teocracias.

Há muito que a laicidade se tornou a vacina capaz de conter o proselitismo e evitar lutas religiosas. O direito à crença, descrença ou anti-crença não se discute e a garantia reside na neutralidade do Estado. Só o Estado laico pode evitar a alienação de quem, para além  do direito à sua crença, quer impedir aos outros uma crença diferente ou a ausência dela.

Curiosamente, o Papa que reivindica a laicidade onde os cristãos estão em minoria, é o mesmo que se opõe à educação laica na América Latina. É, aliás, normal que os bispos católicos defendam o Estado laico quando são minoritários e uma Concordata quando se julgam maioritários, com o argumento de que não se deve aplicar a igualdade ao que é diferente.

Não podemos esquecer que a liberdade religiosa só foi reconhecida pela Igreja católica no Concílio Vaticano II, há cerca de 50 anos, e não parece que o actual pontífice recorde com entusiasmo o sínodo em que participou.

Por sua vez, o mais implacável dos monoteísmos – o Islão –, recusa qualquer crença que não seja o plágio grosseiro do cristianismo, sem o tempero da cultura grega e do direito romano.

Só a laicidade pode evitar o regresso das guerras religiosas, a submissão às sotainas e o retrocesso civilizacional.

10 de Janeiro, 2011 Carlos Esperança

Papa contra a lei da blasfémia

(…)

Entre as normas que lesam o direito das pessoas à liberdade religiosa, o Papa deixou uma menção particular à “lei contra a blasfémia no Paquistão”.

“De novo encorajo as autoridades deste país a realizarem os esforços necessários para a ab-rogar, tanto mais que é evidente que a mesma serve de pretexto para provocar injustiças e violências contra as minorias religiosas”, lamentou, condenando o “trágico assassinato do Governador do Punjab”, Salman Taseer, a 4 de Janeiro.

Comentário: Saudamos a posição do Papa na condenação da «lei da blasfémia» cuja intolerância e carácter medieval são uma vergonha para os países que a usam.  Bem-vindo ao combate pela laicidade.  

9 de Janeiro, 2011 Ricardo Alves

Dilma Rousseff, uma laicista

Na sua primeira semana no Palácio do Planalto, Dilma Rousseff mandou retirar do gabinete presidencial o crucifixo e a Bíblia. Parece um sinal claro de que a Presidente de um dos maiores países do mundo não tomará a religião em consideração nas suas decisões. O papel do governo numa democracia laica deve limitar-se a assegurar a liberdade de seguir uma religião ou nenhuma, de professar uma religião ou de a criticar. A religião não deve entrar no governo da nação.

Parabéns aos brasileiros que elegeram esta mulher. (Notícia via Bule Voador.)

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

3 de Janeiro, 2011 Ricardo Alves

«Secularism and Secularization in Portugal»

A minha conferência «Secularism and Secularization in Portugal» fica disponível no site da Associação República e Laicidade (e também no meu arquivo pessoal). Aborda, sucessivamente, algumas precisões sobre os conceitos de laicidade (secularism) e secularização (secularization), uma breve sociodemografia da secularização da sociedade portuguesa, a História da primeira República e do seu contrário (o Estado Novo), e finalmente os desenvolvimentos mais recentes (pós-1974).
Foi escrita para um público não lusófono, e portanto existe só em língua inglesa (pode ser que ainda venha a existir em html, todavia).
29 de Dezembro, 2010 Carlos Esperança

Diploma de apoio ao ensino privado

Cavaco Silva, depois da ameaça pública de veto, a que se chamou diálogo entre o PR e o Governo, promulgou o regime de apoio ao ensino privado.

A decisão sobre o regime referido é da competência do Governo mas a intromissão do PR, num diploma que exorbita a sua competência, e a publicidade que quis dar ao seu direito de veto, revela bem a pressão da ICAR e a sua influência eleitoral.

Quando o PR afirma esperar que prevaleça o bom senso fica a saber-se que quer aludir à sua forma de interpretar o interesse nacional, de acordo com os interesses dos donos dos estabelecimentos de ensino privado, à custa do erário público.

As escolas privadas são instituições lucrativas destinadas a quem as quer e pode pagar. Não podem ser um sorvedouro de dinheiros públicos, o instrumento de transferência de recursos do Estado para mãos privadas nem o subsídio a projectos confessionais.

A ruidosa ingerência presidencial piorou o diploma que vai regular a relação do Estado com os estabelecimentos do ensino particular e cooperativo.

Havendo na área escolas públicas, cuja cobertura nacional é obrigação do Estado, a que propósito se financiam estabelecimentos particulares cujos professores estão isentos dos concursos públicos e a aceitação dos alunos depende dos proprietários?

O ensino público, laico, gratuito, universal e de qualidade, deve ser separado do ensino privado. É a tarefa que incumbe ao Estado para assegurar igualdade de oportunidades, sem discriminação de nascimento, poder económico ou orientação confessional.

O presente diploma foi modificado para pior e traz consigo a ameaça da manutenção do ensino nas escolas religiosas à custa do erário público.

28 de Dezembro, 2010 Carlos Esperança

Os horrores da Guerra civil de Espanha

Entre 1936 e 1939 a ferocidade atingiu proporções incríveis na guerra civil espanhola. A demência e o ódio misturaram-se numa orgia de sangue e crueldade.

Não houve santos em qualquer dos lados da barricada, apesar da onda de canonizações que os dois últimos pontificados promoveram, numa insensata decisão que acirrou ódios antigos e trouxe à memória a cumplicidade assassina da Igreja católica, que nem os seus padres poupou, quando se tratava de assassinar adversários.

Foi horrenda a guerra civil, mais do que soía acontecer na Europa, mais bárbara do que muitas da antiguidade, mais condenável porque os vencedores persistiram na tortura e nos assassinatos muitos anos depois do fim da guerra.

Hitler, Mussolini e Salazar foram cúmplices dos crimes de Franco. Hitler mandou os seus aviões experimentar o novo armamento em Guernica e Salazar permitiu o envio de mantimentos, o envolvimento dos Viriatos, a cumplicidade do Rádio Clube Português e, depois da guerra, a entrega pela GNR dos fugitivos, destinados ao fuzilamento.

A Junta da Andaluzia apresentou esta terça-feira o mapa oficial das valas comuns, onde jazem  cadáveres atirados pelo ódio fanático da vingança. Há outras valas por achar e mais cadáveres sem enterro condigno, mas é já uma denúncia relevante do que fez um Estado pária, do que foi capaz um general demente e das ajudas pias que se conluiaram.

Sevilha, com 130, é a província com mais valas detectadas, à frente de Huelva (120), Cádiz (100), Granada (86), Málaga (76), Córdova (69), Jaén (24) e Almeria (9). Da maior fossa andaluza, a de S. Rafael, em Málaga, escavada este ano, foram exumados restos de 2840 pessoas, um acto de justiça póstuma que contou com a colaboração preciosa das associações de memória histórica e das universidades.

Perante as atrocidades cometidas por um dos regimes mais sangrentos do século XX e um dos maiores criminosos do século passado – Francisco Franco – , como é possível que o Supremo Tribunal de Espanha, em vez de colaborar na descoberta dos crimes, se permita julgar o Juiz Baltasar Garzón por abrir investigação aos crimes do franquismo ?

A ICAR foi o sustentáculo do regime, com apoio constante, activo e até à derradeira missa e comunhão do facínora Francisco Franco.

16 de Dezembro, 2010 Carlos Esperança

A laicidade como condição de sobrevivência

A luta partidária dos países democráticos, com a consequente necessidade de caça ao voto, tem levado os Estados laicos a uma estranha cumplicidade com as religiões, não se limitando a garantir a liberdade de culto – como é seu dever –, mas subordinando-se aos interesses da religião dominante.

A globalização trouxe consigo a possibilidade de expansão de todos os credos à escala mundial, aspiração que os apóstolos acalentavam, sem contarem com concorrência. Na Europa os cristãos ortodoxos procuram manter privilégios ancestrais  e conquistar os países da ex- URSS; o Vaticano pretende opor um dique ao islão e atrair os anglicanos enquanto combate o secularismo e a laicidade; as seitas evangélicas desejam penetrar no mercado enquanto o Islão, ressentido com o seu atraso e o fracasso da civilização árabe, procura islamizar o mundo nem que seja à bomba.

A Suécia acaba de ser vítima do primeiro acto de terrorismo suicida cuja origem aponta para a demência islâmica. Segundo documentos dos EUA, difundidos pela WikiLeaks, a Catalunha é o principal centro do islamismo radical no Mediterrâneo. Na memória dos europeus perduram os actos terroristas de 11 de Março de 2004 na estação ferroviária de Alcalá, em Espanha, os atentados de 7 de Julho de 2005 no metro de Londres, a onda de ameaças por causa dos cartoons de Maomé, na Dinamarca, e as ameaças da Al-qaeda.

Se os crentes das várias religiões se limitassem a salvar a alma que acreditam ter e não tivessem no caderno de encargos a obrigação de salvarem os que não querem ser salvos, tudo seria pacífico. Nenhum céptico, ateu, livre-pensador ou agnóstico se interessa pelo número de orações que crentes os rezam, os jejuns a que se submetem, a abstinência que guardam, os alimentos que proscrevem ou a vida sexual que têm. O problema reside no desvario de quem pretende impor aos outros os seus valores particulares, convencido de cumprir a vontade do deus que lhe impuseram.

A Física, a Química e a Biologia, por exemplo, todos os dias mudam e enriquecem com novas descobertas. As ciências, apesar do azedume das religiões, evoluem a um ritmo que deixa a fé, desorientada, a ruminar livros antigos e velhos preconceitos.

O horror cristão ao secularismo só tem paralelo na aversão do Papa ao preservativo. Os judeus, menos de 20 milhões, ainda reclamam a herança divina da Palestina para as suas tribos. Os islamitas, desesperados, agarram-se ao Corão como náufragos a uma jangada, sem espírito crítico, com horror ao progresso, à liberdade individual e à modernidade.

A reislamização da Turquia é um intuito perigoso contra o espírito laico das suas elites, uma obsessão do actual primeiro-ministro simpatizante do negócio dos tapetes para as orações. A Espanha enfrenta a fúria papal que a quer devolver ao redil do Vaticano e o assédio do islamismo que a pretende transformar num novo califado.

Ai da Europa, ai de nós, da liberdade, da herança do Iluminismo e da modernidade, se os Estados, com a conivência de uma esquerda pouco inteligente e de uma direita beata, abdicar da laicidade e deixar o fanatismo religioso à solta numa sofreguidão prosélita.

Sem laicidade, imposta sem subterfúgios, a Europa das Luzes pode regredir e tornar-se o espaço beato onde o poder democrático ceda o lugar à vontade do deus que ganhar a batalha da fé pela força das armas e pelo terror.