Zita Seabra saiu do PCP quando a URSS se desmoronava, por altura da Perestroika, e interrompeu a longa caminhada que a levou da clandestinidade, durante a menoridade, até à Comissão Política do Comité Central do PCP, em 1983. Podia ter entrado num convento mas preferiu à clausura pia a hipoteca ao PCP onde a herança estalinista se mantinha viva.
Ao acusar o PCP de fazer espionagem não surpreende ninguém com uma prática que era comum às grandes potências durante a guerra fria. Só surpreende a sua cumplicidade de 22 anos até pouco antes da sua expulsão, em 1988. Já a espionagem através do ar condicionado parece uma metáfora de quem recusa o ar livre.
Zita Seabra saiu do PCP e renegou o estalinismo mas nem um nem outro saíram dentro de si. O cilício que a mortificava na clandestinidade é o instrumento de tortura com que se faz acompanhar a caminho do Opus Dei.
No PCP recebeu todos os sacramentos marxistas-leninistas-estalinistas até chegar à comissão política do mais alto areópago do mais ortodoxo dos partidos comunistas da Europa ocidental. Deu-lhe a vingança para reiniciar nova carreira no PSD e na Igreja católica. Ao batismo cavaquista seguiu-se a pia batismal de uma igreja católica e, logo a seguir, a eucaristia, a penitência, o casamento religioso e o crisma. Anda agora em jejuns e penitências para imitar o santo Escrivà, cúmplice do genocida Francisco Franco e silencioso perante as execuções sumárias de centenas de milhares de espanhóis.
Se tivesse optado pelo islamismo já não seria viva porque a jihad não deixa que morram de velhice e nada agradaria mais ao Profeta do que vê-la imolar-se rodeada de bombas na reunião do Comité Central do PCP. Começou com Marx e acabou a ler o Caminho. Que percurso sinuoso e invulgar a trouxe dos amanhãs que cantam em direção ao coro de anjos e querubins que a aguardam em lugar incerto na mansão celestial!
Termino com uma citação profética de José Saramago:
“Chegaram-me ecos do desastre que terá sido a participação de Zita Seabra no programa de Manuela Moura Guedes. Entristece-me verificar como afinal valia tão pouco, intelectual e eticamente falando, alguém a quem os acasos e as necessidades políticas colocaram em funções e confiaram missões de responsabilidade dentro e fora do Partido. Que Zita Seabra se tenha desempenhado delas, nesse tempo com coragem e dignidade, não pode servir para disfarçar nem desculpar o seu comportamento actual. Zita Seabra é hoje o exemplo perfeito e acabado do videirinho, palavra suja que significa, segundo os dicionários e opinião de gente honrada, “aquele que para chegar aos fins não olha aos meios nem hesita em humilhar-se e cometer baixezas”. Oiço, leio e chego a uma conclusão: esta mulher vai acabar mal.”
In Cadernos de Lanzarote: Diário – II pg. 14 e 15 de José Saramago.
O maniqueísmo não é um exclusivo das religiões e marca profundamente a política onde as ideologias raramente se preocupam com os factos, bastando-lhes os reflexos clubistas e os ressentimentos pessoais.
Agostinho de Hipona, elevado à santidade graças à conversão ao cristianismo, deixou marcas no pensamento
do que se costuma designar por ocidente, apesar de ter alterado os traços mais caraterísticos do seu pensamento inicial.
O braseiro político que percorre o planeta cria comentadores a quem o maniqueísmo serve de muleta. Se os
EUA estão de um lado, esse é o lado mau ainda que do outro se encontrem os facínoras mais cruéis ou os mais anacrónicos suicidas. Valha a verdade que a política externa dos Estados Unidos não prima pela clarividência nem pela defesa dos direitos humanos mas, ainda que imperfeita, serve uma das raras democracias que funcionam e um povo que, pouco dado a pensar, é capaz dos mais generosos atos de heroísmo e das mais cruéis manifestações de violência gratuita.
Hoje é a Síria o vespeiro mais perigoso onde se jogam as peças do xadrez internacional. A ideologia e os sentimentos humanitários estão ausentes do alinhamento com o Governo ou com os rebeldes. A Rússia e o Irão defendem o presidente Bachar el Asad enquanto os Estados Unidos e a Arábia Saudita apoiam o
Exército Livre da Síria (ELS). Hoje, em Alepo, a segunda cidade síria, não há lugar a um módico de humanidade, a um resquício de complacência. No teatro de guerra civil o ódio xiita e o sunita aumentam a violência sectária enquanto a população procura fugir e os generais do regime hesitam entre o combate e a deserção segundo a perceção da correlação de forças.
Em Damasco, por ora, depois de cruentos combates, o regime controla o poder. De um lado e do outro são todos tão maus que apenas apetece retirar-lhes o povo que é imolado pela demência da fé e os interesses das grandes potências.O primeiro-ministro desapareceu, os rebeldes agridem e torturam os adversários entre os quais 48 milicianos do Irão que ali foram em busca das 72 virgens e de rios de mel doce e aguardam que a morte os liberte da tortura, de que Alá se alheia, ou que sirvam de moeda de troca. Nos dois lados da barricada a religião é um detonador do ódio. A sharia já funciona no seio do ELS para mostrar que Alá é grande e Maomé o seu único profeta.
Seja qual for o desfecho da tragédia não há futuro que compense o sangue derramado.
Um vídeo que recomendo sem reservas.
Centra-se na realidade do Reino Unido, mas grande parte do que é dito diz respeito ao princípio da Laicidade em geral.
Hoje, 18 de Julho, completam-se 76 anos sobre o golpe de Estado que ensanguentou a Espanha e que, de algum modo, iniciou a carnificina que o nazi/fascismo prolongaria até 8 de Maio de 1945.
Na sarjeta da história jazem José Sanjurjo, Emilio Mola y Francisco Franco, os generais que derrubaram o Governo constitucional da Segunda República, de que era presidente Manuel Azaña e primeiro-ministro Santiago Casares Quiroga.
Já no dia anterior tinha havido tentativas de sublevação mas foi no final do dia 18 que se iniciou a guerra civil que havia de deixaria um rasto de sangue, com centenas de milhares de assassínios e incontáveis feridos, entre espanhóis.
O requinte dos fuzilamentos nos campos de touros e o garrote, como instrumento de tortura e morte, foram a imagem de marca da ditadura de Franco que Hitler, Salazar e Moussolini apoiaram.
É a memória sinistra de Franco que, estátua a estátua, foi derrubada em Espanha por Zapatero. É tarde para julgar os cúmplices mas é tempo de divulgar a verdade sobre o mais baixo e inculto dos três generais, que acabou por tomar o poder, com a cumplicidade e o entusiasmo da Igreja católica.
A Espanha de hoje é um país democrático, livre e culto, que sob as cinzas da infâmia soube erguer a tolerância e o diálogo. Sobre os escombros de uma sublevação fascista, apoiada pela Espanha conservadora, rural e beata, com monsenhor Escrivà a integrar as tropas sobre Madrid, há um país novo que se impõe pela sofisticação urbana e cultura democrática, apesar da situação financeira e da tragédia do desemprego a que a crise internacional não é alheia.
Esta Espanha moderna que renasceu das cinzas dos horrores e se transformou num Estado de direito, progressista e civilizado, merece a paz e a felicidade.
Com o título em epígrafe, Rob Riemen, filósofo e ensaísta, deu à estampa um pequeno e profundo ensaio cuja leitura recomendo vivamente.
Depois de definir e caraterizar a peste que minou o século passado, Rob Riemen explica como pode dissimular-se em países diversos e como, com outro nome e sob nova capa, está de regresso à Europa. Da sua brilhante explicação podemos colher ensinamentos para o combater.
O fascismo, tal como acontece com várias epidemias, tem um tempo de latência antes de regressar com redobrada virulência. Esta tragédia, à semelhança de muitas outras, que aconteceram por incúria da cidadania e por um exacerbado individualismo, ganha visibilidade pelo prestígio do autor do ensaio citado, pela clareza da análise e força dos argumentos. De resto, há muito que assusta os mais atentos e silencia os invertebrados.
O ensaio lê-se em menos de uma hora e far-nos-á pensar durante anos. Respigo dele um único período: «Assim, o fascismo na América será religioso e contra os Negros, ao passo que na Europa Ocidental será laico e contra o islão, na Europa do Leste, católico ou ortodoxo e anti-semita» [sic].
Antes de aparecer o líder carismático e populista que há de explorar o ressentimento, já existente, antes de aparecer a nova forma de fascismo que jaz no inconsciente vingativo dos irritados, cabe-nos esconjurar a tragédia que se avizinha.
O que me surpreendeu no ensaio, assaz brilhante, não é ocioso repeti-lo, foi a ausência de alusões a outros pontos do planeta, desde a África, onde formas difusas de fascismo se alimentam da tradição tribal, à Rússia, à China e aos países da América do Sul.
Refletindo sobre a leitura do ensaio, não é necessária a erudição do autor para afirmar e qualificar formas de fascismo nos países árabes, no Irão e na Turquia cuja marcha para a sharia é disfarçada sob a designação politicamente correta de “islamismo moderado”.
Neste momento, à medida que a denominada primavera árabe caminha para o inferno islâmico, atrevo-me a caracterizar os regimes árabes e o Irão, apesar de me colocar, na definição do autor, como «fascista da Europa Ocidental», «laico e contra o islão»:
Árabes e iranianos vivem já sob o fascismo islâmico que é antissemita e anticristão, por esta ordem.
O Presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização, cardeal Rino Fisichella, falou no “direito de Deus”, o contrapoder antidemocrático que gostaria de sobrepor ao sufrágio universal. No mesmo dia, o Papa aproveitou as felicitações hipócritas ao novo presidente francês para lhe solicitar «respeito pelas «tradições espirituais», uma afronta a um país sem mácula no respeito pela liberdade religiosa.
«A República [Francesa] assegura a liberdade de consciência » e «garante o livre exercício dos cultos» (Art.º 1) mas «não reconhece, não remunera nem subvenciona nenhum culto» (art.º 2 ) da lei de11 de Dezembro de 1905, texto que Pio X condenou e que os dois últimos pontífices se esforçaram por remover.
A França não esqueceu, na hora do voto, as piruetas de Sarkozy para atrair votos dos crentes, sobretudo dos católicos, tradicionalmente conservadores e certamente teve em conta os recados do Vaticano e do episcopado contra François Hollande.
Na última terça-feira, o novo presidente francês manifestou a sua intenção de reafirmar “em todas as circunstâncias” os “princípios intocáveis da laicidade” do país, comprometendo-se também na luta “contra o racismo, o antissemitismo e todas as discriminações”. Não fez mais do que reiterar o respeito pela lei e pelos compromissos assumidos durante a campanha.
A laicidade tem poupado a França às humilhações que os dignitários religiosos gostam de impor a quem tem legitimidade democrática e, desde 1905, tem sido um instrumento útil para defender a cidadania do comunitarismo e a liberdade da exótica vontade divina que, jamais, seja qual for a religião que a interprete, se conforma com as leis humanas.
A laicidade é a forma justa de tratar todas as convicções de igual forma e de combater a subversão que o proselitismo procura. Mais do que um direito, é uma necessidade para os Estados conterem o proselitismo de religiões concorrentes.
O Estado é incompetente para se pronunciar sobre assuntos da fé e não deve encarregar-se de promover a difusão de qualquer credo particular.
A França, no que diz respeito à laicidade, é um modelo que devia servir de exemplo aos outros países. Os franceses, vítimas do genocídio provocado pela cruzada contra os albigenses, têm na laicidade a arma que impede o Vaticano de impor a sua iconografia nas escolas, tribunais, repartições e outros edifícios públicos e, sobretudo, a coerência para se defenderem do fascismo islâmico fomentado nas madraças e mesquitas.
A laicidade é filha dileta da República. Viva a República.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.