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Categoria: Política

10 de Janeiro, 2013 Carlos Esperança

A tradição, a laicidade e a traição

A Igreja católica goza de privilégios incompatíveis com a laicidade a que o Estado está obrigado. Há situações bem piores, e trágicas, onde as teocracias se mantêm instaladas, mas isso não exonera o Estado português da obrigação de defender a igualdade entre os cidadãos e de se declarar incompetente em questões de fé.

A ausência de sentido de Estado e de respeito pela Constituição permitiu ao atual PR ter sido presidente da Comissão de Honra da canonização de Nun’Álvares Pereira, a cuja intercessão se deve a cura do olho esquerdo de uma cozinheira que o queimou com óleo fervente de fritar peixe. Não descubro como o economista de Boliqueime soube que foi D. Nuno e não Afonso Costa, por exemplo, o autor do milagre.

É um abuso de qualquer religião a interferência na esfera pública, tal como a ingerência do Estado no mundo das religiões.

A neutralidade do Estado é condição sine qua non para evitar conflitos religiosos. A própria Espanha, onde a Igreja conta com um Governo amigo do peito e da hóstia, já se encontra em litígio por causa das leis da família. O cardeal Rouco deseja o regresso ao franquismo e Rajoy pretende manter um módico de sentido de Estado.

Sabemos o que custou à Europa a liberdade religiosa. Só após a Guerra dos 30 Anos, graças à paz de Vestefália, foi possível viver sem acreditar ou crer de forma diferente do Papa. A Igreja católica só aceitou a liberdade religiosa durante o concílio Vaticano II, reconhecimento que Bento XVI tem mitigado com azedume e ranger de dentes.

Não se percebe que em época de contenção salarial o Estado português continue a pagar o ensino religioso em escolas oficiais, a professores livremente nomeados e exonerados pelo bispo da diocese, ou a subsidiar escolas religiosas onde a coeducação é proibida e as leis da família, votadas livremente pelos portugueses, combatidas pelo proselitismo beato de quem respeita a vontade divina sem prescindir da remuneração profana.

Invocar a tradição é apelar à traição. Só a laicidade garante a liberdade religiosa.

«O Estado também não pode ser ateu, deísta, livre-pensador; e não pode ser, pelo mesmo motivo porque não tem o direito de ser católico, protestante, budista. O Estado tem de ser céptico, ou melhor dizendo indiferentista» Sampaio Bruno, in «A Questão religiosa» (1907).

7 de Janeiro, 2013 Carlos Esperança

A deriva beata da América do Norte

Por

Rui Devenish

Muita gente, inclusive no EUA, desconhece o texto da 1ª emenda da Constituição dos Estados Unidos da América e que é uma parte da declaração de direitos do País. Esta emenda está a gerar grande controvérsia nos EUA tendo sido nos últimos tempos aprovadas várias leis em Condados e até Estados proibindo o ensino da religião nas escolas e imposição da religião nas mais diversas situações.

Eis o texto em português:

“O congresso não deve fazer leis a respeito de se estabelecer uma religião, ou proibir o seu livre exercício; ou diminuir a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou sobre o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações por ofensas”.

2 de Janeiro, 2013 Carlos Esperança

Influência cristã

A Hungria lidera a vanguarda do retorno ao nazismo, com o populismo e a demagogia a cevarem a extrema-direita. A Polónia e a Roménia seguem-lhe os passos. O Holocausto foi esquecido e os povos não têm memória.

1 de Janeiro, 2013 Carlos Esperança

Ano Novo (2013) – Na morte do capitão de Abril Marques Júnior

Sob os escombros do ano que ora findou jazem os votos que formulámos no início. Onde se encontram a almejada paz, o amor jurado, a fraternidade anunciada? Pelo contrário, irromperam das trevas da intolerância fundamentalismos torpes, ódios obscenos e ajustes de contas.

Por todo o mundo lambem-se feridas de catástrofes naturais e conflitos provocados. A explosão demográfica, a pobreza e a guerra deram as mãos à intolerância e à vingança. O racismo e a xenofobia atingiram proporções dementes que terminam na orgia de sangue em que os homens se atolam. Foram frágeis os desejos e efémeras as expectativas.

Ano Novo, vida nova. Estes são os votos que repetimos no dealbar de cada ano. E suplica-se que o Ano Novo seja o paradigma dos nossos sonhos e não a consequência dos nossos atos ou o fruto de circunstâncias que nos escapam.

Após as doze badaladas e outras tantas passas, o champanhe e os abraços, por entre beijos húmidos e corpos que se fundem numa sofreguidão de amor, com o brilho das luzes e o som da música, recomeça um novo ano com votos repetidos de ser diferente e ser melhor.

Os anos nascem ruidosamente e vivem-se em silêncio. Começam com ilusões e acabam em pesadelo.

Há em cada um de nós uma força que nos impele para a mudança, que nos dá ânimo para desbravar novos caminhos e assumir novos riscos enquanto o conservadorismo e o medo do desconhecido nos tolhem os passos, nos intimidam e levam a recusar a novidade.

Eu acredito que no coração dos homens mora um genuíno desejo de paz. Os mísseis que cruzam os ares, as bombas que perfuram o solo ou os efeitos colaterais da artilharia que erra o alvo e destrói povoações inteiras não são mais do que um breve pesadelo.

O futuro constrói-se. A felicidade é um estado de alma que devemos procurar e a alegria o caminho a seguir.

É em cada um de nós, no espírito de tolerância, na aceitação da diferença, na solidariedade, que podemos começar a construir o mundo mais justo, fraterno e pacífico para o qual julgávamos bastarem os desejos formulados de olhos fechados na última noite de Dezembro.

Que o delírio do amor e a embriaguez do sonho se mantenham vivos durante o ano que aí vem. E que, por entre nuvens que pairam carregadas de incerteza, resplandeça o sol da esperança.

O ano de 2012 terminou com a morte do capitão de Abril, Marques Júnior. Foi um cravo perdido no jardim da liberdade, a pétala de rosa que murchou, a folha caída da árvore que plantou.

E esta lágrima teimosa a lembrar-me que com ele morre também um pouco de mim e dos sonhos que todos os dias nos roubam. É preciso recomeçar para que Abril seja mês todo o ano e 25 permaneça o dia de todos os sonhos mesmo quando um sonhador nos deixa.

28 de Dezembro, 2012 Carlos Esperança

O Vaticano e a política

O jornal oficial da Santa Sé manifestou hoje publicamente o seu apoio ao primeiro-ministro italiano demissionário Mario Monti, que já admitiu estar pronto para liderar um Governo se for convidado.

O diário “L’Osservatore Romano” publicou hoje um artigo intitulado “A entrada na política do senador Monti”, assinado por Marco Bellizi, em que expressa o seu apoio ao tecnocrata e salienta a necessidade de “recuperar o sentido mais alto e nobre da política”.

Comentário – A última teocracia europeia apoia sempre a direita, desde Hitler e Mussolini a Franco, Videla, Pinochet e Salazar.

12 de Dezembro, 2012 Carlos Esperança

Isabel Jonet prefere “caridade” a “solidariedade”

Se dois machos castos, Salazar e Cerejeira, amigos do peito e da hóstia, pudessem ter procriado, babar-se-iam de gozo se tivessem uma filha como Isabel Jonet.

O primeiro vestia-se de homem e era um tirano de botas e chapéu, o outro usava trajes femininos e cobria-se com a mitra. Ambos viam em Mussolini o defensor da civilização cristã e ocidental. Salazar tinha na secretária a foto do «enviado da Providência», epíteto usado pelo Papa de turno, após os acordos de Latrão que obrigaram o Estado italiano a ensinar, nas escolas, a única religião verdadeira e concederam ao Vaticano – um bairro de 44 hectares – o estatuto de Estado; o segundo, conhecido por cardeal Cerejeira, tinha a escultura do patrão no altar e no patriarcado e Salazar no coração.

Para os dois dirigentes e mentores do Centro Académico da Democracia Cristã (CADC) a guerra colonial era uma cruzada na defesa dos valores cristãos e ocidentais, sem nunca terem definido o meridiano que separava o leste do ocidente. Mais do que a criada que ambos partilharam (no estrito sentido patronal), unia-os a desconfiança no progresso e a crença nas virtudes da pobreza e da fé. Salazar ficou com a criada e o Governo e o outro conseguiu a mitra, o báculo e o anelão. Eram fascistas vindos do seminário, manhosos e cheios de ambição. Salazar era um rural e conquistou o poder para nunca mais o largar. Cerejeira era o príncipe da Igreja, aristocrata e mestre dos silêncios. Calou-se perante o exílio do bispo do Porto e nunca deixou de ser cúmplice da ditadura. Um deteve o poder absoluto na política, o outro conquistou-o na religião e ambos foram algozes vitalícios.

Ambos acreditavam na virtude da ignorância e da pobreza cuja apologia faziam com a refinada coerência dos reacionários. As perseguições por delitos de opinião ou heresias eram legitimadas pela vontade divina e pela maldade dos dois. Um tinha a PIDE ao seu serviço e o outro um exército de bispos, cónegos, padres, monsenhores e catequistas.

Nenhum deles soube o que era a justiça social ou a solidariedade. A primeira cheirava a comunismo e a segunda era suspeita. Os dois afinavam pelo mesmo diapasão: era Deus que definia previamente quem devia ser rico ou pobre, quem devia mandar e quem era obrigado a obedecer. Cabia aos ricos dar esmolas e aos pobres receber os sobejos que cristãmente deviam agradecer ao Senhor. Era a caridade no seu esplendor.

Foi dessa escola que veio, num parto tardio, a atual presidente do Banco Alimentar que alimenta o ego, e as aspirações políticas, com a caridadezinha. Não admira que diga ser “mais adepta da caridade do que da solidariedade“. Foram 48 anos de pedagogia fascista e o 25 de Abril foi só há 38.

Que seria de gente assim, sem a fome, para alimentar o prestígio, o poder e o paraíso?

11 de Dezembro, 2012 Carlos Esperança

O Eixo do Bem, as armas químicas e o prémio Nobel da Paz

Todos recordamos o obsceno conceito da guerra preventiva, criado para combater o «Eixo do Mal» e a outra infeliz expressão de Bush a anunciar a «cruzada» contra o terrorismo.

Temos na memória a cimeira da guerra, reunida nos Açores, onde se decidiu, ao arrepio da ONU e da legalidade internacional, invadir e ocupar o Iraque, com base em mentiras grosseiras e interesses mesquinhos.

Mais do que um erro, a invasão do Iraque foi um crime. Mais do que a prepotência dos poderosos foi uma manifestação trágica da imponderada decisão de Bush, Blair e Aznar, acolitados por Durão Barroso, em bicos dos pés, para se tornar cúmplice.

Mas os terroristas existem e, independentemente do julgamento severo que a história há de fazer dos responsáveis pela tragédia do Iraque, não assiste aos facínoras que em Nova York, Madrid ou Londres atacaram inocentes e lançaram o horror entre cidadãos indefesos, o direito à liberdade.

Os dementes de Deus são capazes de todos os crimes a troco do Paraíso. A liberdade que as sociedades democráticas conquistaram com a separação da Igreja e do Estado não pode ser comprometida pela tolerância de que gozam os pregadores do ódio, os instigadores da violência, os fanáticos de um credo qualquer.

Nas capitais europeias, no seio do comunitarismo islâmico, há agitadores que pretendem transformar o mundo numa multidão de fanáticos virados para Meca, que impedem a igualdade entre os sexos, que odeiam a democracia e execram a liberdade.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem tem de ser respeitada e assimilada por todos. Esta é uma tarefa indeclinável das democracias que legitima e impõe o uso da força.

Mas nada, absolutamente nada, recomendaria que as mãos de Durão Barroso pudessem erguer um Prémio Nobel da Paz.

10 de Dezembro, 2012 Carlos Esperança

A Imaculada Conceição, o 8 de dezembro e a monarquia

Cristiane Alves

Tal como, em 2012, o Brasil escolheu para rainha do Carnaval Cristiane Alves, mulata de formas impecáveis e ritmo alucinante, também D. João IV escolheu para padroeira do reino de Portugal a Imaculada Conceição, decisão comunicada às cortes de Lisboa, no ano de 1646, mantendo ainda funções, com direito a feriado no dia 8 de dezembro.

A coroa da primeira é efémera, dura apenas um ano. A da segunda é vitalícia mas não tem o mesmo brilho, não desperta igual paixão, não exibe tamanho glamour. Em ambas há de ter pesado a beleza, sendo duvidosa a importância da característica “imaculada”.

No Brasil os méritos foram escrutinados por um júri de apreciadores que não incorreram em contestação. Em Portugal deveu-se à decisão arbitrária do absolutismo monárquico e poucos sabem a origem da exótica decisão régia. D. João IV não foi o primeiro monarca a confiar a proteção do reino à «Virgem Nossa Senhora da Conceição», proteção que a padroeira descurou, pelo menos, em 1580. Apesar da incúria, o primeiro rei da funesta dinastia de Bragança, atribuiu-lhe o tributo anual de 50 cruzados de ouro, obrigação que deixou aos seus sucessores que, aliás, se extinguiram antes da varíola.

Ainda hoje, por cobardia do Estado português, persiste o feriado de 8 de dezembro, em homenagem à Imaculada Conceição, apesar de ter perdido o salário e de serem omissas as funções.

Quando D. João IV colocou o reino sob a sua proteção não previu a inutilidade nem que se tornaria ridículo que os estudantes na Universidade de Coimbra, antes de tomarem algum grau, fossem obrigados a jurar defender a Imaculada Conceição, Mãe de Deus, como se alguma ameaça pairasse sobre ela.

Os feriados identitários, como o 1.º de dezembro e o 5 de outubro foram extintos por um bando de cobardes para quem a Pátria não conta, mas resiste o feriado de 8 de dezembro dedicado à Virgem que tem mais heterónimos do que Fernando Pessoa.

A provisão de 25 de Março de 1646, que mandou tomar por padroeira do reino “Nossa” Senhora da Conceição, mantém-se em regime laico e republicano com a manutenção de um dos feriados com que Salazar comprou a cumplicidade da Igreja. Só os 50 cruzados de ouro foram substituídos por privilégios fiscais e outos.