4 de Agosto, 2014 Carlos Esperança
LAICIDADE E LIBERDADE RELIGIOSA (1 de 3)
Por
João Pedro Moura
1- A recente concessão de folga ao sábado, a uma procuradora adventista, pelo Tribunal Constitucional, cujo acórdão ignoro, mas que teve de ser baseado no princípio constitucional da liberdade religiosa, tem vastas implicações sociais, digo colisões, com o quadro normal das instituições, tanto em Portugal como noutros países civilizados, com problemas idênticos.
1- Reitero que a liberdade religiosa não poderá colidir, no quadro normal duma sociedade laica, com o exercício das profissões e do serviço distribuído, a não ser mediante um acordo com os implicados.
2- Não há liberdades de primeira e de segunda categoria. Há liberdades!
Um religionário, afeto a um serviço com outros trabalhadores, que requeira isenção de trabalho ao sábado, ou à sexta ou ao domingo, em nome da sua igreja/religião, implicará com a vontade dos outros colegas, que não são dessa ou de nenhuma confissão religiosa, obrigando-os a trabalhar mais ao sábado, ou à sexta ou ao domingo, para suprir a falta desse religionário. Não havendo acordo adrede, entre os trabalhadores do serviço, trata-se dum abuso legal conceder tal folga privilegiada, em detrimento de quem não quer ter que trabalhar mais nesse dia, nomeadamente sábados e domingos.
3- Lá por um conjunto de pessoas não terem religião ou, tendo-o, não reivindicarem folga ao sábado, comparativamente com um crédulo dos sábados, não significa que aqueles tenham que servir este, isto é, não pode nem deve um conjunto maioritário de indivíduos ser compulsivamente mobilizado para satisfazer um indivíduo ou um conjunto bastante minoritário de indivíduos.
4- Esta questão dos privilégios religiosos tem vastas implicações sociais, conforme os crédulos e as suas igrejas e religiões.
a) Assim, imaginemos um muçulmano, aluno ou professor, em terra de tradição cristã, a reivindicar folga à sexta-feira, que é o dia religioso de descanso, para os crédulos islâmicos.
A seguir a lógica do TC, os muçulmanos não poderiam ter aulas ou outro trabalho, à sexta-feira, se eles reivindicarem dia de descanso religioso.
Ora, é impossível fazer horários nas escolas, para os alunos, com folga à sexta-feira, a não ser sobrecarregando, antipedagogicamente, uma turma, redundando numa situação inaceitável, pelo ónus de horas diárias daí decorrente.
Acresce que, como eu já disse, uma maioria de pessoas não deverá submeter-se à vontade minoritária duma pessoa, ou que fosse mais do que uma, em nome da satisfação de preceituário religioso, mas à custa da maioria e do bom funcionamento dum serviço, detraindo a vontade dos colegas.
Seguindo a lógica pertinaz e irrealista do TC, teríamos este a refazer horários escolares…
…Digo a mandar os outros refazê-los, obrigando as turmas com muçulmanos reivindicativos a terem aulas de segunda a… quinta…
Até daria jeito uma semana de trabalho de 4 dias, à custa, sabe-se lá, de quantas horas diárias…
b) Imaginemos, agora, um muçulmano, nessa mesma terra, a reivindicar casamento com 4 mulheres…
Conforme a lógica abstrata e sem tino do TC, esse ou esses muçulmanos deveriam ter a possibilidade de casar com mais do que uma mulher, de acordo com o preceituário nupcial da religião islâmica…
c) Continuemos o exercício imaginativo, que é mais real do que não parece, e temos agora o “nosso” maometano a espancar a sua companheira, pois isso acorda-se com o exarado no Alcorão…
A mulher queixava-se à polícia, que, prendendo e interpelando o prepotente machista, ouviria dizê-lo que tal agressão não está proibida, antes pelo contrário, pelo Alcorão…
Se o caso subisse ao TC, seria interessante ler um acórdão sobre o conflito machismo islâmico agressivo contra penalização da violência doméstica…
…Quem teria razão, segundo o nosso TC?!…
d) E se uma comunidade islâmica reivindicar a aplicação da “sharia”, o código penal islâmico, dentro dum país, para a sua comunidade?!
Dirão que são as regras deles, religiosamente…
Como é que os “TC” desses países procederão? Isso já aconteceu no Canadá e no Reino Unido…
e) Juntemos agora, para reforçar a conceção de que as liberdades religiosas terminam quando interferem com as demais, a “proibição” religiosa de transfusão de sangue, de que se ufanam as “Testemunhas de Jeová”, e que tantos problemas causam nos hospitais…
Imaginemos uma “testemunha” dessas a levar um filho ao hospital e a avisar, solene e religiosamente, os médicos de que não poderão transfundir sangue para o doente, mesmo em perigo de vida…
O que é que diria o nosso TC sobre essa “liberdade religiosa” de se opor à transfusão de sangue?!…
f) Acresçamos mais uma pretensão extravagante e cruel doutro religionário, ao chegar a um médico e pedir que circuncide o seu filho, porque a sua religião assim manda…
…A não ser que o TC determinasse, constitucionalissimamente, que o direito civil português estava acima das “liberdades religiosas” e indeferisse tal pretensão…
… Assim como as outras, logicamente…