Loading

Categoria: Política

5 de Outubro, 2014 Carlos Esperança

Viva a República

cinco_de_outubro

A Revolução de 1820, o 5 de Outubro de 1910 e o 25 de Abril são os marcos históricos da liberdade, em Portugal. Foram momentos que nos redimiram da monarquia absoluta e da dinastia de Bragança; são as datas que honram e dão alento para encarar o futuro e fazer acreditar na determinação e patriotismo dos portugueses.

Comemorar a República é prestar homenagem aos cidadãos que não quiseram mais ser vassalos. O 5 de Outubro de 1910 não se limitou a mudar de regime, trouxe um ideário libertador que as forças conservadoras tudo fizeram para boicotar.

Com a monarquia caíram os privilégios da nobreza, o imenso poderio da Igreja católica e os títulos nobiliárquicos. Ao poder hereditário e vitalício sucedeu o escrutínio do voto; aos registos paroquiais do batismo, o Registo Civil obrigatório; ao direito divino, a vontade popular; à indissolubilidade do matrimónio, o direito ao divórcio; à conivência entre o trono e o altar, a separação da Igreja e do Estado.

Há 104 anos, ao meio-dia, na Câmara Municipal de Lisboa, foi proclamada a República, aclamada pelo povo e vivida com júbilo por milhares de cidadãos. É essa data gloriosa que hoje se evoca no Diário de uns Ateus, prestando homenagem aos seus heróis.

Cândido dos Reis, Machado dos Santos, Magalhães Lima, António José de Almeida, Teófilo Braga, Basílio Teles, Eusébio Leão, Cupertino Ribeiro, José Relvas, Afonso Costa, João Chagas e António José de Almeida, além de Miguel Bombarda, foram alguns desses heróis que prepararam e fizeram a Revolução.

Afonso Costa, uma figura maior da nossa história, honrado e ilustríssimo republicano, mereceu sempre o ódio de estimação das forças mais reacionárias e o vilipêndio da ditadura salazarista. Para ele vai a homenagem de quem ama e preza os que serviram honradamente a República.

Há quem hoje vire costas à República que lhe permitiu o poder, quem despreze os heróis a quem deve as honrarias e esqueça a homenagem que deve. Há quem se remeta ao silêncio para calar um viva à República e se esconda com vergonha da ingratidão

Não esperaram honras nem benefícios os heróis do 5 de Outubro. Não se governaram os republicanos. Foram exemplo da ética por que lutaram. Morreram pobres e dignos.

Glória aos heróis do 5 de Outubro.

Viva a República!

25 de Setembro, 2014 Carlos Esperança

O Catur e o funeral do Martins (Crónica)

Em defesa da civilização cristã e ocidental, como dizia Cerejeira da guerra colonial.

Numa placa de bronze da estação do Caminho de Ferro estavam gravadas em relevo, em letras maiúsculas, as seguintes palavras: «Aos 12 dias do mês de Abril de 1964, Sua Ex.ª o Governador Geral de Moçambique, Contra Almirante Manuel Maria Sarmento Rodrigues, deu início aos trabalhos de construção do último troço do Caminho de Ferro para a cidade de Vila Cabral», com letras destacadas para o Governador e a cidade.

Era do Catur, onde chegavam de comboio, que partiam as tropas, em viaturas militares, para o distrito de Niassa, rumo a Malapísia, Massangulo e Leone ou, com passagem por Vila Cabral, para Meponda, Litunde, Cantina Dias, Unango, Chiconono, Maniamba, Metangula, Nova Coimbra, Lunho, Miandica, Cobué, Macaloge, Valadim, Luatize e, no extremo norte, Pauíla e Olivença.

Colunas de viaturas levavam as Companhias cujos militares aguardavam o paludismo, a morte e os aleijões, do corpo e da mente, na guerra inútil e criminosa que uma ditadura quis, até ao golpe de misericórdia, de um punhado de heróis, numa madrugada de abril.

Em finais de 1967 havia mais meia dúzia de quilómetros de carris e a terraplanagem que se dirigia a Nova Guarda, um acampamento a meio caminho de Vila Cabral, a cerca de 40 km de cada lado. O Santos e o Martins eram dois capatazes que vigiavam os negros, os únicos a quem o trabalho duro na via férrea era destinado.

O Santos era solteiro. O Martins vivia com a mulher e a filhita de tenra idade quando ali chegou o Batalhão de Caçadores n.º 1936. Ambos frequentavam livremente a cantina do aquartelamento onde arranjavam parceiros para jogarem à malha na «avenida», o largo caminho de terra batida que as chuvadas convertiam em lamaçal até voltar a ser avenida depois de uma hora de sol.

Numa madrugada de finais de 1968 ou início de 1969, a memória já não recorda a data e quanto desejaria esquecer os factos, o quartel acordou com o estrondo de uma explosão a cerca de três quilómetros. O Torres, despertado pela detonação e vestido à pressa, não se atrasou a partir com uma secção reforçada a verificar a ocorrência, seguindo a picada que ladeava a linha do caminho de ferro. Minutos depois viu o guarda-costas do Martins, ferido sem gravidade, e dele colheu as primeiras informações. Restou seguir o rasto de sangue depois de os soldados terem procedido à macabra recolha de despojos humanos, pedaços de corpo espalhados, incluído o dedo que guardou a aliança.

Algumas centenas de metros depois, quando os carris tomavam a inclinação ascendente, lá estava, imobilizada, a zorra. No lugar do condutor estava sentado o que restava de um corpo, aquilo a que ficou reduzido o Zé Martins. Uma granada de bazuca atingiu-o em cheio na espera que lhe fizeram, obra da Frelimo, execução ou vingança, já não importa.

A granada decepou literalmente o corpo, desde o ombro esquerdo, levando o mamilo direito, num tétrico plano oblíquo que espalhou pedaços em redor. Os restos do Martins foram transportados, com lágrimas e terra, por soldados que os juntaram à parte inferior do corpo, num saco de plástico opaco, antes de acabarem na urna que iria para a Missão de Massangulo, em cujo cemitério foram sepultados.

No dia do funeral o major Beirão pediu-me para comandar a escolta que lhe concederia honras militares, a salva de tiros que, em zona de guerra, equiparava civis caucasianos a soldados. Alegou que eu era visita de casa dele, era verdade, onde jantei várias vezes a seu convite. Não era difícil gritar as ordens em que a última seria: fogo! E assim foi.

Depois disso bastaria um olhar para que a urna descesse à cova e o coveiro lançasse a primeira pazada de terra antes de se ouvir o som cavo da pancada na madeira da urna. Só não contei que, antes disso, o pai do Martins, que viera de Lourenço Marques, dilacerado, se abeirasse de mim e, ajoelhando, com a voz embargada, suplicasse para deixar abrir o caixão. Para dar ao filho um último beijo, na testa.

Ficaram suspensos os que empunhavam as cordas que desceram a urna. O meu olhar ou alguma lágrima foi o sinal para continuarem.

Um «não» impercetível perdeu-se no espaço lúgubre do cemitério da Missão enquanto o padre cobria com orações o silêncio e a imagem de um homem dilacerado pela perda do filho.

24 de Setembro, 2014 Carlos Esperança

A demissão de Gallardón – coerência e intolerância

Alberto Ruiz Gallardón pôs fim a uma carreira política de trinta anos e às aspirações de quem liderou o município e a Comunidade de Madrid e exerceu os mais altos cargos no Partido Popular espanhol. Ontem demitiu-se de ministro da Justiça, da liderança do PP e de deputado, anunciando a renúncia irrevogável à vida política.

O antigo aluno dos jesuítas, devoto e reacionário, na demente obsessão misógina, quis revogar o direito de as mulheres abortarem em casos de malformação fetal. Só o risco de saúde física, psíquica e de vida e a violação da mulher ficavam ao abrigo de sansões penais nos casos de IVG.

O projeto de lei de Gallardón, encomendado pelo PP, tinha sido aprovado em Conselho de Ministros mas as sondagens esmagadoras que o repudiavam e as convulsões sociais, dentro do próprio partido, fizeram recuar Rajoy, que, pragmático, preferiu esquecer as promessas, temendo as próximas eleições, e sujeitar-se à herança legislativa do PSOE.

Deve admirar-se em Gallardón a coerência e a determinação, enaltecer-lhe o carácter e apreciar-lhe a decisão. As suas ideias podem merecer discordância mas são legítimas. O que o torna obsoleto e censurável é querer impor as suas ideias através dos tribunais e da polícia. A lei atual não obriga ao aborto, legitima-o apenas, porque os princípios que a informam não são alheios ao sofrimento das mulheres a quem a ecografia revela fetos anencéfalos, com trissomias, espinha bífida ou outras malformações incompatíveis, ou não, com a vida.

Querer sujeitar ao Código Penal as mulheres, nessas situações, e aumentar o desespero dos casais, é tão demente como prender uma dessas mulheres para a obrigar a abortar.

15 de Setembro, 2014 Carlos Esperança

As frases e tolices de João César das Neves

«A Europa, tendo abandonado a religião, desmantelado a família, comercializado a cultura e corrompido as instituições, não se pode surpreender que os outros povos a desprezem e seduzam os seus jovens.

Mas, apesar das crises, livre de ditadores e fanáticos, massacres e caos, a Europa permanece um dos melhores cantinhos do planeta».

Comentário: É exatamente pelo desprezo da religião que «apesar das crises, livre de ditadores e fanáticos, massacres e caos, a Europa permanece um dos melhores cantinhos do planeta».

29 de Agosto, 2014 Carlos Esperança

A ‘golpada’ imoral

Madeira Por

E – Pá

A golpada do PSD-Madeira à volta de um regime excepcional, com piedosos laivos pretensamente ‘autonómicos’, para o ensino de educação moral e religiosa naquela Região, não passou no Tribunal Constitucional link.

De facto, as forças retrógradas não desarmam. Agora, o pretendido, no diploma emanado da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (ALRAM), seria o enveredar pelo campo da omissão (permissão) esquecendo que a regra do Estado Português é outra, i. e., a laicidade como consequência da Liberdade.

Esta tentativa de inversão da ordem de valores democráticos e republicanos concebendo como ‘natural’ a educação religiosa ‘universalmente’ (regionalmente!) aceite e a excepção (a ‘desobriga’) como um privilégio individual carente de requisição, teve uma resposta adequada do TC.

Num Estado democrático o que, de facto, poderia existir em substituição desta anacrónica disciplina seriam aulas de Educação Democrática. Espaço formativo onde se abordariam conceitos como: a consciência da liberdade, o respeito pelas diferenças, os ‘sentimentos’ cívicos (deveres, direitos, responsabilidade e confiança), a ciência como matriz do progresso e fundamento da cultura, o desenvolvimento do espírito crítico, a aprendizagem da tolerância, etc.

A ICAR, com o apoio de instituições públicas (como é o caso do Parlamento Regional) quer, à viva força, transformar a fé num assunto público. Todavia, num Estado democrático e laico, as crenças são questões do foro privado.

Aos poderes públicos compete zelar para que os cidadãos – de qualquer idade, raça e religião – desfrutem de boas condições para o livre desenvolvimento da sua personalidade. Livre, sublinhe-se.

Por último, a questão do ensino de educação moral e religiosa na Madeira pode ter outros contornos ou viver de outras fantasias. Para quem deve parte substancial da sua ascensão política à diocese pode parecer normal que para além de sustentar com dinheiros públicos um jornal paroquial, criar um fantasioso quadro de excepção no terreno da laicidade, não deixa de ser um gesto de reconhecimento pessoal a uma velha dívida, feito à boleia de competências regionais (públicas). Uma ‘imoralidade’!

27 de Agosto, 2014 Carlos Esperança

O que o país deve a Paulo Portas

Há dez anos, Portas trocou as galochas de agricultor e o boné das feiras pelas estrelas de almirante e mobilizou a Marinha de Guerra contra o barco Born Diep, da organização Women on Waves, defensora da descriminalização da prática do aborto, que, fortemente municiado de pílulas, se preparava para invadir as águas nacionais.

O arrojo do ministro da Defesa e do Mar venceu a batalha moral sem disparar um tiro e evitou que uma pílula atingisse um só útero. Portugal tornou-se uma potência marítima respeitada antes de adquirir os submarinos topo de gama. Faz hoje 10 anos e esquecer a efeméride é desprezar uma página gloriosa da História e o seu herói de serviço.

Paulo Portas lamentou, na altura certa, que o Governo não se tivesse congratulado com a canonização de Nuno Álvares Pereira. A comunicação social referiu a queixa mas foi indiferente à patriótica proclamação do antigo ministro da Defesa e do Mar e insensível à omissão do Governo.

Que Governo esse, que não acompanhou o ex-ministro que, graças à Senhora de Fátima, conseguiu que a poluição do navio Prestige poupasse as costas do Minho e fustigasse as da Galiza? Que jornalismo podia esquecer o único ministro que se deslocou a Coimbra para assistir à missa pela Irmã Lúcia quando a vidente se finou?

Um país que não exulta com o milagre da cura do olho esquerdo da D. Guilhermina de Jesus, queimado com óleo de fritar peixe, não é digno de um santo com a dimensão de D. Nuno. Uma comunicação social que não exalta o heroico taumaturgo que, depois de exterminar castelhanos nas batalhas dos Atoleiros, Aljubarrota e Valverde, se recolheu a um convento e, após 577 anos de defunção, se estreou no ramo dos milagres, não vale o país que somos.

Paulo Portas, antigo Condestável de Durão Barroso e de Santana Lopes, não esqueceu o antecessor, no heroísmo e na piedade. E tê-lo-á recordado nas paradas militares quando, entre mancebos fardados, deslocava o fato às riscas com o ministro dentro.

Mas que ingratidão é esta que já esqueceu a coragem de Paulo Portas perante a invasão do barco do aborto quando, com risco de vida, fez deslocar para a Figueira da Foz um vaso de guerra para defender a Pátria da invasão iminente… de pílulas do dia seguinte?

Um país que esquece os pios lamentos de Paulo Portas não é digno da D. Guilhermina, não merece a intercessão celeste de D. Nuno nas sequelas do óleo fervente do peixe que fritava, nem a glória do taumaturgo que foi em vida carrasco de castelhanos e, depois de morto, colírio para queimadelas de óleo de fritar.

Vale à Pátria este modesto cronista atento às efemérides, embora, às vezes, se engane na data.

25 de Agosto, 2014 Carlos Esperança

A esquerda e a laicidade

O pensamento de esquerda, foi-se estruturando desde o Renascimento, teve o apogeu no Iluminismo e tornou-se o motor das transformações sociais, económicas e políticas que conduziram à modernidade. Não vale a pena negar as violências cometidas e crimes em que imitou o absolutismo monárquico. Nunca a ideologia nobre se conseguiu emancipar da herança que rejeitou.

Os direitos humanos devem mais à Revolução Francesa, com a violência praticada, do que a séculos de poder absoluto, de origem divina, onde o despotismo nunca foi alheio.

A esquerda que não consegue fazer a autocrítica deixa de ser ideologia e passa a crença. A esquerda, humanista e plural, tem um património recente, mas é a herdeira da melhor tradição e dos mais nobres ideais. Logrou, aliás, civilizar alguma direita e convencê-la a defender os seus princípios fundamentais, com exceção do modelo económico.

A liberdade de expressão e de reunião, a igualdade de género e a defesa do Estado de direito, são hoje um património comum à esquerda e direita nos países democráticos. Sem a persistente luta da esquerda, a separação da Igreja e do Estado e a Declaração Universal dos Direitos Humanos não teriam sido proclamadas.

A secularização foi possível com a imposição da laicidade, graças à repressão política do clero, que se julgava com mandato divino e se acolhia no regaço das ditaduras.

É por estas razões que confrange ver certa esquerda islamófila, na convicção de que os inimigos de Israel terão de ser amigos, sem um sobressalto cívico contra a sharia, sem uma manifestação de repulsa pelas teocracias, sem assumir a superioridade moral das democracias sobre as ditaduras e das sociedades permissivas sobre as que condenam as mulheres a vergonhosos interditos e a sofrimentos indizíveis.

Uma sociedade onde as pessoas, seja qual for o sexo, a raça ou a orientação sexual, não possam mudar livremente de opinião, renegar a fé e transitar para outra, não pode obter a cumplicidade de quem reclama a liberdade, a sua e a alheia.

A esquerda que é cúmplice, pelo silêncio ou atuação, da perpetuação de modelos tribais e anacrónicos códigos de conduta, impostos por uma legião de guardiões, é a aliada da pior direita, da direita que quer substituir a repressão islâmica por outra, a discriminação ancestral por formas sofisticadas de domínio económico, social e político.

16 de Agosto, 2014 Carlos Esperança

LAICIDADE E LIBERDADE RELIGIOSA (3 de 3)

Por

João Pedro Moura

9- A laicidade deverá ser o denominador comum duma comunidade de pessoas, quer religiosas, quer não.

A liberdade dum indivíduo termina quando interceta a liberdade do outro.

A liberdade emerge e decorre de acordos. Não poderá ser compulsivamente aplicada, seja em nome duma religião ou duma conceção ou ideário político qualquer….

… E muito menos em nome duma minoria, ou de um só, contra uma maioria, ou contra os outros…

10- As Constituições só têm que proclamar as liberdades. Não têm que imiscuir-se nos conceitos e preceitos religiosos e determinar se uma pretensão dum crente está em conformidade com a sua religião/igreja.

É como se um TC dissesse: “Não queres trabalhar ao sábado, em nome do adventismo? Ora, deixa-nos ver a Bíblia e o preceito que indicaste… Ah, deve ser isto… está aqui a referência à sacrossanta folga ao sábado… tens razão… folga concedida…

Noutro caso: “Ai queres a poligamia, um homem e até 4 mulheres??!! Ora, deixa-nos examinar a tua doutrina… ah, está aqui, deve ser isto. Podes. Pronto, estás legalizado…

E ainda estoutros: “Não queres transfusão de sangue para o teu filho… Queres bater na tua companheira… Queres aplicar a “sharia”… Queres folga à sexta? Queres circuncidar o teu filho? Está bem, nós, TC, vamos examinar a vossa coerência com os vossos livros e sentenciar em conformidade”…

Um TC não tem que ler nem conhecer nada sobre religiões! Um TC, um governo, um quadro legal, não tem que obter informações de nenhuma igreja, sobre os seus princípios, para saber como aplicá-los!

O TC trata de ratificar a aplicação das normas constitucionais, tal como qualquer tribunal trata de julgar a violação de toda e qualquer norma legal.

Se um indivíduo, pertencente a um partido, clube de pensamento ou desportivo, dissentir do mesmo, os tribunais não têm que conhecer e analisar matéria intelectual, de divergência ou de opugnação total, do indivíduo à direção. Os tribunais só têm, em caso de queixa, que verificar a coadunação entre as pretensões do queixoso e os estatutos, aprovados pelo governo, matéria, portanto, objetiva e fora do foro individual de conceções e preceitos.

Se um indivíduo é adepto duma religião/igreja, que, enquanto tal, não tem estatutos aprovados pelo governo, remetendo, assim, essa entidade, para uma espécie de clube filosófico e de ideias, sem qualquer coadunação estatutária entre o religionário e a sua igreja, então, também os tribunais, nomeadamente o constitucional, nada têm que verificar ou ratificar para além da simples proclamação de liberdade religiosa.

Só quando as pretensões religiosas colidem com o quadro normal de trabalho e serviço e outras disposições legais, é que os tribunais decidirão e terão que invalidar essas pretensões sobre colisão de partículas…

11- Era o que faltava: religionários, armados em espécie exótica, com uns a reivindicarem uma coisa e outros, da mesma igreja, não, alcandorados a espécimes sociais, tipo “gourmet”, do refinamento religioso, com delicadas escorrências seivosas do seu tronco celestial, de fino apuro e proteção garantida, como as que se votam aos espécimes exóticos, evitando-lhes eventuais situações “traumáticas” (?!…), como as discorridas acima…

Era o que faltava: uma entidade judicial de negregosos “ratões”, sitos em palácio constitucional, armados, mesmo que legalmente, em luminárias imarcescíveis do direito, a sentenciarem sobre o primado de direito religioso, sobreposto ao primado do direito civil normal, para todos os habitantes do Estado…

 

9 de Agosto, 2014 Carlos Esperança

LAICIDADE E LIBERDADE RELIGIOSA (2 de 3)

Por

João Pedro Moura

5- Em nome da liberdade religiosa, os crédulos não deverão ter um privilégio que vai implicar com a vontade maioritária de colegas, ou com o código normal e legal que preside a uma comunidade nacional e política.

E ninguém tem de ser religioso para reivindicar o cumprimento normal de folgas e serviços.

6- Religionários de todos os credos e incréus devem estar exatamente equiparados, porque são pessoas credoras dos mesmos direitos e deveres.

O denominador comum, para evitar atropelos de tais direitos e deveres, uns dos outros, é a laicidade, ideário pelo qual se outorgam liberdades sem outorgar privilégios.

7- Então, como é: é crédulo desta religião, tem folga no dia X e normas Y, em direito próprio; não é crédulo ou não quer saber de “descanso obrigatório”, então, tem de cumprir mais tempo no dia X, mesmo que reivindique o cumprimento usual das folgas e turnos, e acatar as normas legais Z.

A que propósito é que a vontade minoritária dum indivíduo se iria sobrepor à esmagadora vontade maioritária dum conjunto de indivíduos?!

A que propósito é que a liberdade religiosa das pessoas poderia obrigar os outros a trabalharem mais num dia, ou a fechar o serviço, para evitar ónus horário dos colegas, a fim de satisfazer a prática de preceito religioso dum indivíduo?!

Que liberdade é esta que aos crédulos, mesmo que seja um só, concede um direito superior do que àquele que é vigente nos outros e que implica com a vontade destes, que constituem uma esmagadora maioria dum serviço ou duma nação???!!!

É aceitável haver um duplo e triplo (e…) quadro legal nacional, levando à desagregação, em última instância, dum Estado???!!!

Seria possível haver tal multiplicidade de enquadramentos legais, com pessoas a dizerem “Ai eu sou da religião X, mas não aceito o preceito Y; outro: eu sou cidadão nacional desde sempre, mas não aceito esta lei, prefiro a daquela religião; ainda outro: eu sou cristão, mas defendo a poligamia, porque na Bíblia há um preceito que…”???!!!…

Seria um mistifório de conceções religiosas e “liberdades” mais o direito daqueles que não alinham em religiões e que se sentiriam, também, reivindicativos desta ou daquela lei ou uso e costume, ou fazendo esta ou aquela “objeção de consciência”, que lançariam o caos no sistema judicial…

Não pode, portanto, haver uma multiplicidade de quadros legais. Só pode haver um!

E esse “um” tem de ser a laicidade, isto é, a neutralidade religiosa do Estado, o denominador comum de todos os habitantes do mesmo, que, logicamente, poderiam prosseguir as suas atividades de liberdade de propaganda e associação religiosas, sem, obviamente, interferir nas mesmas liberdades, uns dos outros, nem nas dos incréus e indiferentes…

Com a permissividade de tribunais e governos e suas leis de “liberdade religiosa”, e à laia das centenas de igrejas dos EUA e do Brasil, basta uma minúscula delas, com meia dúzia de devotos, fornecer informações ao governo sobre “dias santos” e outros preceitos, e lançar-se logo no mercado dos privilégios religiosos…

8- Se num país, por motivos religiosos e tradicionais, a folga principal é à sexta-feira, então que seja. Não há problema nenhum, nem com ateus, pois a folga à sexta é o denominador comum de todos, com as exceções normais do pessoal profissional de turnos de serviços públicos e comerciais…

Mesmo num país muçulmano, não há privilégios de folga à sexta-feira, para toda a gente, sob pena de o país paralisar…

Tal-qualmente, num país onde a folga principal é ao sábado ou domingo, então é-o, para todos, sem privilégio para ninguém, excetuando os serviços ou trabalhos que estão abertos nesses dias e seguem outros horários…

A que propósito é que se deveria satisfazer os crédulos mais obstinados, detraindo os direitos e obrigações normais dos outros, que, lá por não serem crentes do calibre mais pesado ou não o serem de todo, não têm nada que trabalhar mais em turnos do dia especial, para suas excelências, os sequazes mais obstinados duma religião/igreja, poderem folgar?…

…E quem diz folgas, diz todos os outros preceitos religiosos, que interferem no quadro legal do país e nas liberdades dos outros…